O agravo de instrumento, em regra, é recurso não dotado de efeito suspensivo (art. 497 do CPC). Decorre disso que, habitualmente, o processo acaba por ser sentenciado antes mesmo do julgamento, pelo Tribunal, do recurso de agravo.
Nesta situação, dois quadros distintos podem se apresentar. No primeiro deles, o agravante interpõe recurso de apelação contra a sentença. No segundo caso, não há a interposição de recurso de apelação pelo agravante.
A pergunta que se coloca é: num ou noutro caso, há a perda de objeto do agravo de instrumento?
O presente artigo busca responder tal indagação.
DA RELAÇÃO ENTRE A UTILIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E A SUA SORTE APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA.
Teresa Arruda Alvim Wambier ensina que[1]:
“Definitivamente afastada está a possibilidade de se responder sim ou não, pura e simplesmente, à pergunta embutida no título destas anotações: deve o agravo ser julgado depois de proferida a sentença? Depende. Depende tanto do teor da decisão impugnada, ou seja, da matéria que será examinada pelo Tribunal ao julgar o agravo, quanto do conteúdo da sentença.”
O art. 559 do CPC[2] corrobora o entendimento da ilustre doutrinadora, ao estabelecer que o agravo de instrumento deverá ser incluído em pauta antes da apelação interposta no mesmo processo.
Ora, se a prolação da sentença, por si só, levasse à perda de objeto do agravo de instrumento, não haveria razão para semelhante previsão contida no dispositivo legal acima mencionado.
A sorte do agravo de instrumento deverá ser analisada no caso concreto, a depender do interesse recursal do agravante. Nas hipóteses em que, de algum modo, o julgamento do agravo ainda for útil ao agravante, não há falar em perda do objeto.
E a conclusão acima exposta independe de o agravante ter interposto, ou não, recurso de apelação.
É que, em decorrência do efeito devolutivo, a interposição de todo e qualquer recurso impede a preclusão da matéria nele impugnada. Assim, mesmo nas hipóteses em que, da sentença, não foi interposta apelação, a matéria impugnada no agravo de instrumento não é alcançada pela preclusão.
A eficácia da sentença fica subordinada ao não provimento do agravo, ou seja, no que tange à matéria nele impugnada, não se opera a coisa julgada material, mas apenas a coisa julgada formal.
A propósito, os valiosos ensinamentos de Nelson Nery Júnior[3]:
“Na hipótese de haver apelação contra a sentença proferida em processo no qual exista agravo pendente de julgamento, a apreciação deste será feita no tribunal antes da apelação (CPC 559 e par. ún.). Não havendo apelação da sentença, ocorre preclusão, mas não coisa julgada. Com relação à questão incidente, sua preclusão foi obstada pela interposição do agravo. Assim, pelo efeito devolutivo do agravo já interposto, aquela matéria não foi alcançada pela preclusão da sentença. A decorrência natural disto é que a eficácia da sentença fica condicionada ao desprovimento do recurso de agravo. Se este for provido, todos os atos posteriores praticados no processo terão sido anulados e outra sentença deverá ser proferida em lugar daquela sobre a qual se operou a preclusão.
Em outras palavras. Sobrevindo sentença sem que tenha sido julgado, ainda, o agravo, não é necessário que o agravante ‘reitere’ o agravo ou apele da sentença, pois o seu inconformismo já foi exposto quando interpôs o recurso de agravo. A sentença, no caso, é dada sob a condição de ser desprovido o agravo, a exemplo do que ocorre com a execução provisória (CPC 587 e 588). Daí a sentença não ser acobertada pela coisa julgada material, mas apenas pela preclusão (coisa julgada formal), se o agravante não a impugnar por apelação.”
Em acórdão proferido quando ainda atuava no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o e. Ministro Cezar Peluso entendeu que, provido o agravo de instrumento pendente de julgamento após a prolação da sentença, todos os atos processuais praticados depois de sua interposição, incompatíveis com o teor da respectiva decisão, tornam-se nulos e sem efeito. Confira-se o julgado:
“Recurso. Agravo de instrumento. Provimento. Efeitos sobre os atos processuais praticados depois de sua interposição. Anulação automática deles, quando incompatíveis com o teor do provimento dele, inclusive eventual sentença, ainda que de partilha ou de adjudicação, ficam nulos e sem efeito.”
De igual modo, prevalece no e. Superior Tribunal de Justiça a jurisprudência no sentido de que, após a prolação da sentença, não perde o objeto o agravo de instrumento, se o seu julgamento, de alguma forma, ainda for útil ao agravante. Alguns julgados ilustram a conclusão:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE DÁ PROVIMENTO APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. ANULAÇÃO DE TODOS OS ATOS ANTERIORES INCOMPATÍVEIS. PRECLUSÃO NÃO VERIFICADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRAZO. PRIVILÉGIO DO ART. 188 DO CPC. INAPLICABILIDADE. AÇÃO AUTÔNOMA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. A eficácia da sentença está condicionada ao não-provimento de agravo de instrumento anteriormente interposto, não havendo falar, antes do julgamento deste, em coisa julgada material. Provido o recurso, anulam-se todos os atos com ele incompatíveis, inclusive a sentença. Precedentes.
2. Incabível o prazo em dobro ou quádruplo, nos termos do art. 188 do CPC, para oposição de embargos à execução pela Fazenda Pública, porquanto não se trata de recurso ou contestação, mas de ação autônoma. Aplicação do prazo de 10 (dez) dias previsto no art. 730 do CPC.
3. Recurso especial conhecido e improvido.”[4]
“CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIQUIDAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO FINAL DA CONTA. PREJUDICIALIDADE. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO IDENTIFICADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONDENAÇÃO DO EXEQUENTE EM VERBA HONORÁRIA. VALOR EXCLUÍDO DA DÍVIDA. CÁLCULO. TERMO INICIAL. AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. JUROS DE MORA. DATA DA CITAÇÃO.
I. Em virtude do princípio da hierarquia, a sentença homologatória dos cálculos na liquidação não torna prejudicado agravo de instrumento anterior que discute os critérios para a realização da conta. Precedentes.
II. Não padece de nulidade o acórdão estadual que enfrenta as questões essenciais ao deslinde da controvérsia, apenas trazendo conclusões contrárias às pretensões da parte recorrente.
III. Fixada a verba honorária sobre a diferença entre o valor pretendido pelo credor e aquele efetivamente exigível, o momento a ser tomado como base à apuração é o do ajuizamento da execução do débito originário.
IV. Sobrevindo condenação ao exequente em sentença ilíquida nos embargos do devedor, o termo a quo dos juros de mora será a data da citação na execução que lhe mover o novel credor.
V. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.”[5]
“PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERE A PRODUÇÃO DE PROVAS - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE - SÚMULA 284/STF - SUPERVENIENTE PROLAÇÃO DE SENTENÇA - AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. É deficiente a fundamentação do recurso se os dispositivos supostamentecontrariados não conferem sustentação jurídica à tese recursal. Súmula 284/STF.
3. Não fica prejudicado, por perda de objeto, o julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão que indefere pedido de realização de provas, quando proferida a sentença em desfavor da parte que a requereu. Hipótese em que a própria validade da sentença ficará condicionada ao que nele for decidido.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”[6]
Da leitura dos julgados acima transcritos, verifica-se que o entendimento daquela Corte é no sentido de que, ainda que o agravante não apele da sentença, não se opera a coisa julgada material com relação à matéria impugnada no agravo de instrumento, sempre que tal matéria seja prejudicial ou preliminar a uma outra questão resolvida ou decidida na sentença.
É o caso, por exemplo, de agravo de instrumento, sem efeito suspensivo, interposto contra decisão que, no curso de execução fundada em título judicial, determina a incidência de juros de mora entre a inscrição do precatório e o pagamento do crédito, ou determina, para tal período, a utilização de índice de correção monetária diverso daquele previsto no título ou daquele legalmente estipulado.
Proferida sentença, julgando extinta a execução, pelo pagamento “forçado”, nos termos do art. 794, I, do CPC[7], prevalece, sim, o interesse no julgamento do agravo de instrumento no qual se discute a incidência de juros de mora ou o índice de correção monetária a ser aplicado.
É que, não obstante já tenha sido efetivado o pagamento forçado do crédito, eventual decisão de provimento do agravo embasará futura cobrança dos valores indevidamente pagos ou pagos a maior. Permanece, portanto, o interesse recursal, nos termos do art. 499 do CPC[8], não havendo falar em perda de objeto do agravo de instrumento.
Ainda mais claros são os exemplos referentes a agravo de instrumentos interpostos contra decisão que indefere a realização de determinada prova, quando proferida sentença em desfavor da parte que a requereu, ou contra decisão que afasta alegação de nulidade de determinado ato processual. Nestas situações, é patente o interesse no julgamento do agravo, mesmo após a prolação da sentença.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, recomenda-se interpor recurso especial do acórdão que julga prejudicado agravo de instrumento pela superveniência de sentença, sempre que se verificar que, de algum modo, o julgamento do recurso possa ser útil à parte, afigurando-se irrelevante, em todo caso, que tenha sido interposto, ou não, recurso de apelação.
O recurso especial é cabível pela violação a dispositivos de lei federal – arts. 499 e 559 do CPC (alínea “a” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal)[9], e, também, pela divergência jurisprudencial com os diversos julgados do STJ sobre a matéria, em especial, aqueles aqui colacionados (alínea “c” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal)[10].
Recomenda-se, ainda, sempre que se afigurar necessária, a prévia oposição de embargos declaração para sanar eventual omissão/contradição/obscuridade e, principalmente, para fins de prequestionamento da matéria federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NERY JR., Nelson. “Liminar impugnada e sentença irrecorrida: a sorte do agravo de instrumento”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2003.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. “O destino do agravo após a sentença”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais, vol. 7. Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2003, p. 690.
[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. “O destino do agravo após a sentença”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais, vol. 7. Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2003, p. 690.
[2] Art. 559. A apelação não será incluída na pauta antes do agravo de instrumento interposto no mesmo processo.
[3] NERY JR., Nelson. “Liminar impugnada e sentença irrecorrida: a sorte do agravo de instrumento”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 2003, p. 527.
[4] STJ, REsp 768.120/AL, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 22/10/2007, p. 352.
[5] STJ, REsp 1.064.119/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4ª Turma, DJe 18/12/2009.
[6] STJ, REsp 1.188.728/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ3 25/05/2010.
[7] Art. 794. Extingue-se a execução quando: I – o devedor satisfaz a obrigação.”
[8] Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.
[9] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
[10] c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARENSI, Marcela de Andrade Soares. Do destino do agravo de instrumento após a prolação da sentença Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39875/do-destino-do-agravo-de-instrumento-apos-a-prolacao-da-sentenca. Acesso em: 23 dez 2024.
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