Importantíssima contribuição para compreensão da teoria da burocracia é a obra de Fernando C. Prestes Motta. Analisaremos, aqui, parte de seu conceituado livro Organização e Poder.
Afirma o autor que na maior parte dos Estados contemporâneos existe uma ordem política burocrática semelhante, em que pese haver diferenças quanto à base moral, legal e material de sua autoridade, e quanto à eficiência, controle, responsabilidade e função da ação governamental.
Para ele, a burocracia é um grupo que tende a fazer prevalecer um certo modo de organização, em virtude de uma atividade social. Esta atividade social refere-se à intenção dos burocratas de se constituírem num grupo à parte, para participarem de um sistema de poder coletivo. Quanto aos elementos históricos de formação da burocracia, Motta afirma que a burocracia é um sistema que não tem variado, seja em estados de democracia liberal seja em formas diversas de despotismos totalitários.
Acrescenta ainda que num sentido contemporâneo, a burocracia se fundamenta em regras de caráter geral, impessoal, atrelada à rotinas pré-estabelecidas.
Ressalta que as primeiras burocracias surgiram no final de certas monarquias feudais, no início do processo de centralização política, onde pessoas letradas aproximaram-se dos soberanos e passaram a ser designadas para funções administrativas. Todavia, nesta época, o objetivo destes funcionários era servir ao soberano e não à sociedade.
Na fase histórica seguinte, o absolutismo, os burocratas passam a ser funcionários com direitos e deveres, trabalhando na gestão dos negócios do Estado.
Na França a burocracia se desenvolveu de forma centralizada e hierarquizada, onde a esfera de competência de cada cargo foi racionalmente definida seguindo um conjunto de regras jurídicas impessoais e abstratas.
Motta cita como fontes do burocratismo, o próprio Estado moderno, a questão da estrutura e da expansão das organizações políticas e sindicais.
O autor também faz referência da burocracia sobre a personalidade, destacando que os burocratas, por viverem afetos à disciplina da burocracia, seja pública ou privada, muitas vezes agem de forma fria e impessoal. Agindo desta maneira, os burocratas desagradam seus clientes.
Com relação à educação, Motta lembra os ensinamentos de Weber, onde ele dizia que os estudantes seriam as principais vítimas do processo de burocratização. Diz que as instituições educacionais tornaram-se grandes burocracias impessoais, onde a convivência é meramente formal. Afirma que as escolas buscam formar boas “engrenagens”, ao invés, de formar pessoas “adultas, maduras individual e socialmente”.
Para explicar o surgimento da burocracia de pessoal, encontrada em organizações empresariais e em muitas organizações educacionais, o autor remonta ao período das cidades estados, onde a partir do comércio teve início uma produção manufatureira, organizada de forma burocrática. Ressalta como característica da burocracia de pessoal contemporânea os baixos níveis da estruturação das diversas atividades, os altos níveis de concentração de autoridade, os altos níveis de controle de linha do fluxo do trabalho e a padronização no recrutamento, seleção e carreira.
Concluindo seus apontamentos iniciais, Motta analisa a questão da representação na burocracia. Diz que a burocracia teve que ir paulatinamente assumindo um caráter de representatividade, trabalhando a serviço da coletividade, que por sua vez, vai se organizando na tentativa de controlar a burocracia.
Passa, então, a analisar questões como organização, mecanização e dominação. Diz que a partir da industrialização houve uma dupla subordinação, quais sejam, subordinação no aspecto técnico e subordinação no aspecto organizacional. A subordinação técnica refere-se à transferência do trabalho para a máquina, onde o operário perde o controle sobre as operações específicas. Esta subordinação técnica leva à subordinação no aspecto organizacional, onde há uma maior subordinação do operário à autoridade administrativa. As decisões ficam concentradas na cúpula administrativa da fábrica.
Prossegue dizendo que a dominação é uma forma de poder e que a manifestação de qualquer dominação se dá sob a forma de governo, o que implica a existência de funcionários. Diz Motta que a dominação expressa-se como organização.
O autor lembra que existem três formas históricas básicas de dominação: burocrática, carismática e tradicional.
Sendo que “a dominação burocrática busca a legitimidade no primado da regra tradicional estabelecida pela própria burocracia. Daí o formalismo constituir-se no seu aspecto fundamental. Decorre desse fato também a impessoalidade e o profissionalismo.”
Motta afirma ainda que a ideologia produz um “sentimento de pertencer” do empregado em relação à empresa, semelhante a um sentimento religioso.
Por outro lado, Motta ressalta que existem outras formas de estudar o poder, que não aquelas de inspiração weberiana, marxista e estrutural-funcionalista. Afirma que Michel Foucault defende a idéia de que existem formas de exercício do poder que não dizem respeito diretamente ao Estado, mas que são indispensáveis à sua eficácia e portanto à sua sustentação. O poder é visto como uma prática social constituída historicamente.
Foucault traz uma contribuição para a compreensão das organizações burocráticas, na medida em que a organização burocrática é poder e o filósofo possibilita pensar o poder de outra forma, tratando da questão do poder disciplinar. O poder disciplinar está contido nas organizações, seja nas prisões, fábricas, hospitais, escolas etc.
Outra referência sobre poder disciplinar foi feita por Goffman, que analisa exaustivamente o poder disciplinar como aspecto das organizações burocráticas, vindo a teorizar sobre o que chama de instituições totais. Estas instituições totais seriam “o local de trabalho e residência, onde muitos indivíduos em situação semelhante encontram-se separados da sociedade mais ampla por um período de tempo considerável, levando uma vida fechada e formalmente administrada.” Os exemplos seriam creches, hospitais sanatórios, prisões, quartéis, navios, colégios internos, mosteiros, conventos e seminários.
Motta faz referência ainda às escolas profissionalizantes onde o poder disciplinar parece moldar os alunos para aprenderem o que lhes é ensinado, de forma burocrática, sem questionamentos, a fim de se enquadrarem, posteriormente, nas organizações existentes.
O autor refere-se ainda às organizações, enquanto aparelhos sejam eles aparelhos econômicos ou aparelhos de Estado. Na visão de Poulantzas os aparelhos de Estado se subdividem em aparelhos repressivos (magistratura, prisões, polícia, exército e os diversos órgãos da administração pública) e aparelhos ideológicos (aparelho escolar, religioso, de informação, cultura, partidos políticos e família).
Por fim, Motta aborda a questão da universidade enquanto aparelho, onde o que é produzido tem valor econômico, mas sem retirar a característica de que a universidade é uma organização educacional com efeitos predominantemente ideológicos.
Fechando este ponto, conclui: “ a dominação burocrática depende de determinada rede de símbolos compartilhada que a naturaliza. O produtivismo faz parte desse universo simbólico. No plano administrativo, esse universo manifesta-se em teorias que naturalizam o planejar, o organizar, o coordenar, o comandar, e o controlar, monopólio da dominação burocrática, e o obedecer, condição dos dominados. É essa a situação que expressa a heteronomia da organização burocrática.”
O texto deste conceituado autor ajuda-nos compreender a evolução histórica do surgimento da burocracia e sua evolução até os Estados contemporâneos. Faz uma análise filosófica da burocracia como forma de dominação e a sua relação com vários aspectos como a personalidade, e poder disciplinar. Sem dúvida alguma, o texto é de suma importância para compreensão da matéria e traz uma reflexão interessante sobre a burocracia presente na educação. Demonstra que a aludida liberdade intelectual existente nas universidades, por exemplo, é na verdade uma repetição de aplicabilidade do modelo burocrático, nestes aparelhos de Estado.
Por fim, analisaremos o artigo “Burocracia como organização, poder e controle”, de autoria de José Henrique de Faria e Francis Kanashiro Meneghetti. Os autores tem como objetivo principal do trabalho analisar a forma como Maurício Tragtenberg e Fernando Cláudio Pretes Motta concebem a burocracia.
Dizem que o texto traz algumas contribuições ao estudo do tema. Em primeiro lugar, atentam para o fato de que não se pode considerar um conceito único para burocracia, deve-se, sim, considerar a situação concreta em que está inserida na sociedade.
Para eles, a segunda contribuição, seria o resgate da história da constituição do pensamento crítico em Administração no Brasil, pois Tragtenberg e Prestes Motta são grandes autores que influenciaram várias gerações de pensadores.
Em seguida assinalam a importância de se compreender a relação entre burocracia e capitalismo sob uma perspectiva funcionalista, bem como, entender a relação entre a burocracia e Estado a partir de uma visão histórica.
A quinta contribuição do texto seria rediscutir as diferenças e similitudes do termo burocracia, como fizerem Tragtenberg e Prestes Motta.
De início os autores relembram as característica da burocracia, segundo Weber, como a hierarquia, cargos estáveis, impessoalidade, até chegarem à constatação weberiana de que a burocracia é um eficiente instrumento de poder. Afirmam que esta concepção de burocracia enquanto poder e dominação faz parte constitutiva, ainda que não exclusiva, das análises feitas por Tragtenberg e Prestes Motta.
Os autores dizem que a concepção de Tragtenberg sobre a burocracia é essencialmente weberiana, e que por dominar o idioma alemão, este intelectual brasileiro foi capaz de fazer uma análise acurada das idéias originais de Weber. Por isso, compreendeu a obra de Weber segundo o contexto histórico em que estava inserida.
Para Tragtenberg a burocracia é o oposto de autonomia, seja individual ou coletiva. Nas organizações, os funcionários, desde os operários até os executivos, são condicionados pelas determinações de que a burocracia (considerada como sedimentação da racionalização oriunda da divisão do trabalho) impõe.
Interessante notar que, Tragtenberg, contrário a qualquer forma de burocratização que impedisse a autonomia dos indivíduos, foi um dos primeiros críticos ao regime autoritário socialista do leste europeu. Dizia “que com o nome de economia socialista existe uma economia de Estado nas mãos de uma burocracia dominante, que exerce o poder em nome do trabalhador.”
Segundo os autores, Tragtenberg era um crítico de toda forma de autoridade, de poder, de burocracia e de dominação: “vinculava-se ao anarquismo, mas não se deixava encantar por suas utopias. Suas escolhas eram escolhas teóricas, sem dúvida, mas eram também políticas e, principalmente, assumiam uma posição epistemológica, porque sua forma de produzir conhecimento, sua forma de transmiti-lo mediante uma pedagogia libertária, condicionaram sua interpretação do real.”
Em seguida, os autores passam a analisar a perspectiva da burocracia em Prestes Motta, para quem, a burocracia nasce nas relações de produção, consolida-se no Estado como forma organizada de controle social e amplia-se com as organizações em geral. Motta chega a afirmar que a sociedade moderna tornou-se uma “sociedade de organizações burocráticas submetidas a uma grande organização burocrática que é o Estado”.
Motta chama atenção ainda para o fato de que, na esfera política, as pessoas não participam de fato das decisões relevantes. Os partidos políticos e os sindicatos são vistos como organizações burocráticas que criam a falsa sensação de participação democrática nas decisões políticas da sociedade.
Prestes Motta compreende a burocracia sob três formas: como poder, como controle e como alienação. Como poder, através do elemento histórico, a burocracia no sistema capitalista passa a ser um instrumento da classe dominante sobre as demais. Essa dominação é feita pelas organizações (empresa, escola, partidos, sindicatos dentre outros) e pelo próprio Estado, por meio do estabelecimento de um modo de vida específico, de acordo com os interesses do sistema capitalista. Sendo assim, para Motta a burocracia é dominação, é poder.
Quanto ao aspecto da burocracia como controle, Motta explica que além da função de gerar riquezas, as organizações burocráticas tem o papel de garantidor do controle social, através do estabelecimento das relações de poder, que ocorrem sempre entre desiguais.
Por fim, o aspecto da burocracia como alienação é no sentido de que as pessoas assumem o conteúdo de vontade da organização burocrática como se seu fosse, num processo de alienação.
Concluindo o artigo, os autores dizem que Tragtenberg e Prestes Motta tinham um posicionamento político de oposição ao capital em defesa do trabalho, onde a burocracia tinha como finalidade política a instituição de um aparelho de dominação com base em uma racionalidade que separa os que pensam dos que executam, consequência elementar da divisão técnica e social do trabalho.
De todo o exposto, conclui-se que apesar de defeitos apontados para o modelo burocrático, não foi constatado nenhum outro modelo superior ou capaz de substituir o modelo inicialmente descrito por Weber.
O modelo burocrático ainda é a melhor forma de se gerir uma organização, uma vez que é baseado em leis, normas, hierarquia, divisão do trabalho e critérios objetivos e meritocráticos de avaliação do trabalho e promoção dos funcionários.
Na administração pública, deve ser sempre buscada a excelência deste modelo burocrático. O serviço público deve ser norteado por leis, de forma impessoal, transparente e eficiente. Internamente, para se evitar favorecimentos e promoções injustas, o serviço público deve adotar sempre critérios meritocráticos de avaliação de seus servidores. Os cidadãos devem saber que podem confiar na administração pública na medida em que suas ações são fundamentadas na ordem jurídica vigente, devendo prevalecer, sempre, o interesse público de uma forma geral.
REFERÊNCIAS
MOTTA, Fernando Prestes. Organização e poder: empresa, Estado e escola. São Paulo: Atlas, 1990. (Capítulos 2 e 3 - p.35-88)
FARIA, José Henrique; MENEGHETTI, Francis K. Burocracia como organização, poder e controle. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 51, n. 5, p. 424-439, 2011.
Procurador Federal; Procurador-chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social em Contagem/MG; Coordenador do Serviço de Previdência e Assistência Social da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Previdenciário; Mestrando em Administração Pública - Fundação João Pinheiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARMANDO, Anibal Cesar Resende Netto. A centralidade do modelo burocrático Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39892/a-centralidade-do-modelo-burocratico. Acesso em: 23 dez 2024.
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