INTRODUÇÃO
A concessão de pensão por morte previdenciária a menor sob guarda deve ser analisada sob o enfoque da Medida Provisória nº 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97.
É que a concessão de benefícios previdenciários é regida pela legislação vigente à época em que cumpridos todos os requisitos para a sua concessão.
No que tange à pensão por morte, portanto, o regime jurídico aplicável será aquele em vigor quando da ocorrência da condição fática necessária à concessão do benefício, qual seja, o óbito.
Neste sentido, a Medida Provisória nº 1.523/96 representa verdadeiro divisor de águas no que tange à concessão de pensão por morte a menor sob guarda.
DA PENSÃO POR MORTE A MENOR SOB GUARDA ANTES E APÓS A MP 1.523/96.
O art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, em sua redação original, estabelecia:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado:
I - O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
(...)
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado, o menor que esteja sob a sua guarda e o menor sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.”
A Medida Provisória nº 1.523/96 (e posteriores modificações, até sua conversão na Lei 9.528/97) alterou, todavia, a redação § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(...)
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.”
Portanto, a partir da edição da Medida Provisória 1.523, posteriormente convertida na Lei 9.528/97, excluiu-se o menor sob guarda da equiparação ao filho.
Assim, nas hipóteses em que o óbito do guardião ocorreu após a entrada em vigor da MP 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, não é devido ao menor sob guarda o benefício de pensão por morte.
É que as normas que regem benefícios previdenciários são aquelas vigentes na data do implemento da condição fática necessária à concessão do benefício. Daí resulta claro que, sendo o óbito o fato gerador do direito à pensão por morte, aplica-se, na concessão de tal benefício, a legislação vigente à data do óbito do instituidor segurado da Previdência Social.
A propósito, o entendimento consolidado pelo e. STJ no enunciado da Súmula 340, in verbis: “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado”.
E, sendo o óbito posterior à entrada em vigor da MP 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, não é devido ao menor sob guarda o benefício de pensão por morte.
O art. 33 do ECA, que reconhece ao menor sob guarda a dependência em relação ao respectivo guardião para todos os efeitos, inclusive previdenciários, não prevalece, portanto, sobre a MP 1.523/96, norma posterior e específica de direito previdenciário que conferiu nova redação ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91.
Vale ressaltar que o c. STF, no julgamento do AG 533.010, firmou entendimento de que não há direito adquirido do menor sob guarda à pensão por morte de seu guardião quando o óbito é posterior à MP 1.523/96. A propósito, transcreve-se a decisão:
“DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto pelo Ministério Público Federal - na qualidade de custos legis em ação ajuizada por menor incapaz - de acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª região cuja ementa tem o seguinte teor (fls. 58): "PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. LEI Nº 9.528/97. Os benefícios previdenciários são regidos pela legislação em vigor à época em que satisfeitas todas as condições para a sua concessão. Menor dependente de ex-segurado falecido após a vigência das disposições da Lei nº 9.528, de 10.12.97, que deu nova redação ao § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e excluiu da relação de dependentes o menor sob guarda." Alega-se violação da proteção constitucional ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI). É o breve relatório. Decido. Entendo que o Tribunal a quo aplicou corretamente o art. 5º, XXXVI, da Constituição federal. O Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência acerca da inexistência de direito adquirido a regime jurídico (cf. o julgamento da ADI 3.105). Se, na ação, pleiteia-se concessão de benefício de pensão por morte a menor designada como dependente sob guarda nos termos do art. 16 da Lei 8.213/1991, e verificando-se que esse tipo de designação foi extinta, em 1997, pela Lei 9.528, não há direito adquirido ao benefício nos casos em que o falecimento do beneficiário tenha ocorrido depois da alteração legislativa. É o que ocorre na espécie, visto que o segurado- beneficiário que designou a menor sob guarda faleceu em 20.01.1999, depois, portanto, da alteração do regime jurídico aplicável. Do exposto, nego seguimento ao agravo de instrumento.” (STF, AG 533010/RN, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 25/04/2005, p. 87)
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, em recentíssimo julgamento de recurso especial originário de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal no Estado de Sergipe, ratificou seu entendimento no sentido de que não assiste ao menor sob guarda o direito à pensão por morte de guardião falecido após o advento da MP 1.523/96, in verbis:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/96, REEDITADA ATÉ SUA CONVERSÃO NA LEI Nº 9.528/97. MENOR SOB GUARDA EXCLUÍDO DO ROL DE DEPENDENTES PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I. A questão sub examine diz respeito a possibilidade do menor sob guarda usufruir do benefício de pensão por morte, após as alterações promovidas no art. 16, § 2º da Lei nº 8.213/91, pela Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até sua conversão na Lei nº 9.528 em 10 de dezembro de 1997 que, por sua vez, o teria excluído do rol de dependentes de segurados da Previdência Social.
II No julgamento dos Embargos de Divergência nº 727.716/CE, Rel Min. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO), a Corte Especial, apreciando incidente de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela citada Medida Provisória, exarou entendimento de que, como a lei superveniente não teria negado o direito a equiparação, mas apenas se omitido em prevê-lo, não haveria inconstitucionalidade a ser declarada.
III. O entendimento já assentado no âmbito da Terceira Seção é no sentido de que a concessão da pensão por morte deve se pautar pela lei em vigor na data do óbito do segurado, instituidor do benefício.
IV. Após as alterações legislativas ora em análise, não é mais possível a concessão da pensão por morte ao menor sob guarda, sendo também inviável a sua equiparação ao filho de segurado, para fins de dependência.
V. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 720.706/SE, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJe 31/08/2011)
O acórdão acima transcrito apenas corroborou o posicionamento que já vinha sendo adotado pelo STJ no julgamento de recursos especiais originários de ações individuais, consoante se verifica dos seguintes julgados da Quinta e Sexta Turmas e da Terceira Seção:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA. LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO.
1. A redação original do § 2º do artigo 16 da Lei de Benefícios equiparava a filho o menor que, por determinação judicial, estivesse sob a guarda do segurado. Ocorre que, por força da Medida Provisória nº 1.523, de 14/10/1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, foi o menor sob guarda excluído da relação de dependentes.
2. De outra parte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.060/1990), reza, no art. 33, § 3º, que "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários".
3. Diante desse conflito aparente de normas, o critério que melhor soluciona a controvérsia em exame é o da especialidade, ou seja, o diploma de regência do sistema de benefícios previdenciários, de caráter especial, deve prevalecer sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, este de caráter geral no confronto com aquele sobre o tema controvertido.
4. Assim, uma vez que o óbito do segurado instituidor, fato gerador do benefício, ocorreu em 4/5/1999 (fl. 90), vale dizer, após a modificação legislativa que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes de segurado da Previdência Social, incabível a concessão da pensão.
5. Entendimento firmado por este Colegiado, na sessão de 26/3/2008, no julgamento do EREsp nº 844.598/PI, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido.
6. Embargos de divergência acolhidos.” (STJ, EREsp 696.299/PE, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, Terceira Seção, DJe 04/08/2009)
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO A MENOR SOB GUARDA. ÓBITO POSTERIOR À MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523/1996. IMPOSSIBILIDADE.
1. A concessão da pensão por morte deve se pautar pela lei em vigor na data do óbito do segurado, instituidor do benefício. Precedentes.
2. Segundo consolidada jurisprudência desta Corte, é indevida a concessão de pensão a menor sob guarda, se o óbito do segurado ocorreu após o advento da Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.1996, convertida na Lei n. 9.528/1997, que excluiu o inciso IV do art. 16 da Lei n. 8.213/1991.
3. A Corte Especial deste Tribunal, apreciando incidente de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela citada Medida Provisória, exarou entendimento de que, como a lei superveniente não teria negado o direito a equiparação, mas apenas se omitido em prevê-lo, não haveria inconstitucionalidade a ser declarada.
4. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no REsp 1.178.495/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe 08/11/2011)
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. MENOR DESIGNADO. LEI 8.069/90 (ECA). NÃO-APLICAÇÃO. ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇÃO. LEI 9.528/97.
1. A Terceira Seção desta Corte tem entendimento pacificado no sentido de que, no caso de menor sob guarda, norma previdenciária de natureza específica deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg no RMS 30.045/MT, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA, Sexta Turma, DJe 21/11/2011)
O entendimento foi ratificado na recente decisão proferida nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 727.716/CE (Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, DJe 26/04/2012), cujo trecho se transcreve:
“Nesse ponto, verifica-se que a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que a mencionada Lei n. 9.528/1997, a qual alterou a redação do art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, por ser norma previdenciária específica, prevalece em relação ao disposto no art.33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo aplicável, portanto, às hipóteses em que o óbito ocorreu a partir da vigência da MP n. 1.523/1996.”
Observe-se, por fim, que a doutrina compartilha do entendimento de que a alteração legislativa trazida pela MP 1.523/96 não padece de vício de inconstitucionalidade, já que tão-somente derrogou a norma anterior que disciplinava a concessão de benefícios previdenciários àqueles equiparados a filhos. Para Sérgio Pinto Martins, “Cabe à norma legal incluir ou excluir pessoas na condição de dependente da Previdência Social” (in Menor sob Guarda e sua condição de dependente para a Previdência Social, Revista da Previdência Social nº 236, p. 667 a 668).
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que: a) o art. 33 do ECA, que reconhece ao menor sob guarda a dependência em relação ao respectivo guardião para todos os efeitos, inclusive previdenciários, não prevalece sobre a MP 1.523/96, norma posterior e específica de direito previdenciário que conferiu nova redação ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91; b) como a lei superveniente (MP 1.523/96) não negou o direito a equiparação, mas apenas se omitiu em prevê-lo, não há inconstitucionalidade a ser declarada.
A partir da edição da Medida Provisória 1.523, posteriormente convertida na Lei 9.528/97, excluiu-se o menor sob guarda da equiparação ao filho.
Assim, nas hipóteses em que o óbito do guardião ocorreu após a entrada em vigor da MP 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, não é devido ao menor sob guarda o benefício de pensão por morte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTINS, Sérgio Pinto. “Menor sob Guarda e sua condição de dependente para a Previdência Social”, Revista da Previdência Social nº 236, p. 667 a 668.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARENSI, Marcela de Andrade Soares. Concessão de pensão por morte previdenciária a menor sob guarda Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39893/concessao-de-pensao-por-morte-previdenciaria-a-menor-sob-guarda. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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