I) Introdução
Existe alguma celeuma no âmbito administrativo quando o assunto é a compensação da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) com a Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA), taxas federal e estadual, respectivamente.
De início, é bom deixar claro que, tratando-se de matéria de natureza tributária, a possibilidade de instituição da compensação entre a TCFA e a TFA deve, necessariamente, encontrar amparo legal.
Nesse sentido, a compensação foi prevista na Lei nº 10.165/2000, que incluiu o artigo 17-P, à Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
O presente estudo objetiva esclarecer uma indagação bastante comum dos contribuintes na esfera administrativa: é possível a compensação da TCFA com a TFA nas hipóteses nas quais a taxa estadual for paga posteriormente à taxa federal?
II) Desenvolvimento
O instituto da compensação figura como uma das modalidades de extinção do crédito tributário, como se infere do art. 156, inciso II, do Código Tributário Nacional:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.” (Grifou-se).
Nos termos do artigo 368, do Código Civil, opera-se a compensação quando duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, o que ocasiona a extinção das obrigações até onde se compensarem.
Segundo Leandro Paulsen, compensação “é a extinção de obrigações mediante o encontro de contas entre devedores e credores recíprocos de obrigações fungíveis e exigíveis, até o limite em que as obrigações sejam equivalentes”[1].
Tratando-se de crédito tributário, além da reciprocidade de dívidas, a compensação depende da existência de lei que discipline as respectivas condições e garantias, exigindo-se que o valor que a Fazenda Pública deve ao sujeito passivo do tributo seja líquido, certo e em dinheiro, podendo ser vencido ou vincendo[2].
O artigo 17-P, da Lei nº 6.938/81, incluído pela Lei nº 10.165/2000, prevê que:
“Art. 17-P. Constitui crédito para compensação com o valor devido a título de TCFA, até o limite de sessenta por cento e relativamente ao mesmo ano, o montante efetivamente pago pelo estabelecimento ao Estado, ao Município e ao Distrito Federal em razão de taxa de fiscalização ambiental.
§ 1º Valores recolhidos ao Estado, ao Município e ao Distrital Federal a qualquer outro título, tais como taxas ou preços públicos de licenciamento e venda de produtos, não constituem crédito para compensação com a TCFA.
§2º A restituição, administrativa ou judicial, qualquer que seja a causa que a determine, da taxa de fiscalização ambiental estadual ou distrital compensada com a TCFA restaura o direito de crédito do IBAMA contra o estabelecimento, relativamente ao valor compensado.” (Grifou-se).
Tratando-se de matéria de natureza tributária, a compensação deve dar-se nos estritos contornos legais, conforme disciplina o Código Tributário Nacional:
“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.
Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.”
O artigo 17-P, da Lei nº 6.938/81, previu constituir crédito para a compensação com o valor devido a título de TCFA, até o limite de sessenta por cento e relativamente ao mesmo exercício financeiro, o valor efetivamente recolhido pelo estabelecimento ao Estado em razão da taxa de fiscalização ambiental.
O valor recolhido ao Estado a qualquer outro título não constitui crédito para a compensação prevista no art. 17-P, da Lei nº 6.938/81. Por outro lado, acaso o contribuinte tenha jus à restituição administrativa ou judicial, independentemente da causa que a determine, a taxa de fiscalização ambiental estadual anteriormente compensada com a TCFA restabelece o direito de crédito do IBAMA contra o estabelecimento, limitado, por certo, ao valor que havia sido compensado.
No âmbito administrativo, não paira qualquer dúvida de que a TCFA possa ser compensada com a TFA recolhida anteriormente àquele tributo federal.
Todavia, alguma incerteza jurídica reside na análise da situação na qual a TFA é recolhida após o pagamento in totum da TCFA e, posteriormente, o contribuinte pleiteia a compensação ou até mesmo a repetição do indébito tributário. Tal dúvida surge, de fato, a partir de uma leitura açodada do dispositivo legal.
Ao prever que a compensação da TCFA só se dará com o montante efetivamente pago a título de TFA, a interpretação desatenta desse preceito, desconectada da ratio legis, poderia levar à equivocada conclusão de que a taxa estadual, relativa a um mesmo trimestre, teria, necessariamente, que ter sido quitada anteriormente à taxa federal.
Contudo, essa interpretação não merece prosperar.
Diante da previsão legal de que a compensação com o valor devido a título de TCFA somente deve dar-se com o montante efetivamente pago pelo estabelecimento ao Estado, Município e Distrito Federal, não se pode concluir peremptoriamente que a TFA necessite ter sido paga antes da TCFA de um mesmo trimestre.
É razoável entender que a ratio do art. 17-P, da lei nº 6.938/81, foi no sentido de que a compensação só é admitida se o contribuinte efetivamente tiver recolhido a taxa estadual, seja ela paga antes ou depois da quitação da TCFA.
Tanto isto é verdade que o parágrafo segundo daquele mesmo dispositivo preceitua que “a restituição, administrativa ou judicial, qualquer que seja a causa que a determine, da taxa de fiscalização ambiental estadual ou distrital compensada com a TCFA restaura o direito de crédito do IBAMA contra o estabelecimento, relativamente ao valor compensado”.
Assim, o que se quis resguardar foi que, na hipótese de pagamento da TFA, em momento anterior ou posterior à TCFA, é admitida a compensação, até o limite de 60% e relativamente ao mesmo ano, desde que a taxa estadual efetivamente ingresse nos cofres públicos e não haja restituição por qualquer motivo, sendo certo que, neste último caso, será restaurado o direito de crédito do IBAMA contra o contribuinte, justamente porque aquele tributo não poderá ser enquadrado como “efetivamente pago”, uma vez que a restituição retira tal natureza daquela “quitação”.
É de bom alvitre mencionar que, no momento da compensação, a taxa estadual deve sempre estar vencida e quitada, é dizer, é necessário que tenha havido o pagamento da taxa estadual quando da compensação, pois, senão, o IBAMA estaria concedendo uma espécie de desconto antecipado sem qualquer comprovação de que o contribuinte teria jus a tal benesse.
O valor a ser compensado deve guardar estrita relação com aquele efetivamente desembolsado pelo contribuinte, até o limite de 60% (sessenta por cento) e relativamente ao mesmo ano, sendo inviável atingir uma zona de certeza acerca desse montante antes do efetivo pagamento na esfera estadual. Anteriormente ao efetivo pagamento da taxa estadual, haveria dúvida sobre o próprio direito à compensação, eis que o sujeito passivo pode simplesmente não quitar a obrigação tributária estadual.
Convém mencionar que, com esse raciocínio, não está sendo contrariado o espírito da norma, mas tão-somente conferindo efetiva e integral aplicabilidade ao art. 17-P, da lei nº 6.938/81.
Em outras palavras, qualquer pagamento realizado no âmbito estadual poderá ser compensado em um futuro vencimento trimestral da TCFA, devendo ser observada a exigência de se tratar de um mesmo exercício financeiro.
De fato, para se efetuar a compensação é mister que a TFA tenha sido paga. Contudo, com isto não se quer dizer que a compensação só poderia ser efetuada em relação a um mesmo trimestre, até porque o art. 17-P, da lei nº 6.938/81, a permitiu desde que ocorresse no mesmo ano.
Para resumir o presente entendimento, convém trazer à lume um exemplo: considere que determinada sociedade empresarial efetue o recolhimento de TCFA e, posteriormente, realize o pagamento da TFA, ambas relativas ao primeiro trimestre de 2012. Exsurgem dois questionamentos:
a) Seria possível a compensação da TCFA do primeiro trimestre de 2012 com o montante pago a título de TFA também no primeiro trimestre de 2012?
De forma simples e direta, a resposta há de ser negativa, pois o pagamento anterior da TCFA extinguiu esse crédito tributário do IBAMA, à luz do art. 156, do Código Tributário Nacional.
b) Seria possível a compensação da TCFA do segundo trimestre de 2012 com o montante pago a título de TFA no primeiro trimestre, desde que não tenha havido a aludida compensação no primeiro trimestre (se, por exemplo, a TFA tiver sido paga anteriormente à TCFA, poderá ter havido a compensação no próprio primeiro trimestre)?
Neste caso, a resposta há de ser positiva, diante da inexistência de restrição legal nesse sentido. Contudo, convém acentuar que a compensação com o valor devido a título de TCFA deve dar-se até o limite de 60% e relativamente ao mesmo ano. Assim, não se admitiria, verbi gratia, a compensação da TCFA do primeiro trimestre de 2013 com a TFA paga e não compensada no último trimestre de 2012.
Portanto, só se pode compensar o valor devido de TCFA se o devedor tiver quitado anteriormente a TFA, mesmo que essa compensação se efetive em relação à TCFA devida nos trimestres posteriores, sem se olvidar da necessidade de se referirem ao mesmo exercício financeiro.
Dessarte, à luz do art. 17-P, da lei nº 6.938/81, admite-se a compensação da TCFA mesmo que a TFA tenha sido paga após a quitação do tributo federal, mas tal compensação deverá ocorrer, necessariamente, nos trimestres subsequentes, desde que limitada a 60% (sessenta por cento) do valor da TCFA e relativa ao mesmo ano.
III) Conclusão
Desse modo, é possível concluir, de forma segura, que a lei não limitou a possibilidade de compensação apenas quando a TFA seja paga anteriormente à TCFA de um mesmo trimestre, não cabendo ao intérprete trazer restrição que não encontre qualquer justificativa plausível nem expressa previsão legal.
Em outras palavras, há de se admitir a compensação da TCFA com a TFA mesmo nos casos nos quais a taxa estadual seja paga posteriormente ao citado tributo federal, compensação essa que se dará nos trimestres posteriores mas dentro de um mesmo exercício financeiro, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
IV) Referências bibliográficas
- ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2010.
- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17ª edição. Ed. Saraiva, 2011.
- COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8ª edição. Ed. Forense, 2005.
- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª edição. Ed. Malheiros, 2010.
- PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2011.
- SPAGNOL, WERTHER BOTELHO. Curso de Direito Tributário. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2004.
[1] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2011, pg. 1214.
[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2010.
Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Gustavo D' Assunção. A possibilidade de compensação da TCFA com a TFA, mesmo quando a taxa estadual for paga posteriormente à taxa federal, à luz do artigo 17-P, da Lei Nº 6.938/81 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39908/a-possibilidade-de-compensacao-da-tcfa-com-a-tfa-mesmo-quando-a-taxa-estadual-for-paga-posteriormente-a-taxa-federal-a-luz-do-artigo-17-p-da-lei-no-6-938-81. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.