O presente trabalho tem como objetivo apresentar o conceito, bem como a natureza jurídica das praias.
Nos termos do § 3º do art. 10 da Lei nº 7.661/88 – PNGC, “entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema”.
Praias são, portanto, as áreas compreendidas entre a água do mar e o início da vegetação ou, quando esta for inexistente, do primeiro ecossistema.
Pode-se dizer, com esteio nesse conceito, que nas áreas em que há urbanização consolidada, como as capitais e regiões metropolitanas, que as praias compreendem a faixa de areia entre o mar e a orla marítima (calçadão, ruas, avenidas etc).
As praias não se confundem com os terrenos de marinha ou seus acrescidos, cujos conceitos estão delineados nos arts. 2º e 3º do Decreto-lei 9.760/46, in verbis:
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
No entanto, são também bens da União, como se observa da dicção do art. 20, inciso IV, da CRFB:
Art. 20. São bens da União:
(...)
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II.
O que se pretende, com tal digressão, é deixar bem claro a diferença entre o regime jurídico dos terrenos de marinha e o das praias.
Como se sabe, os terrenos de marinha têm seu regime jurídico estabelecido no conhecido Decreto-lei nº 9.760/46, que dispõe sobre bens imóveis da União. Nesse regime é admitido o acesso restrito às áreas por parte de particulares, como corolário das formas de utilização legalmente previstas, a saber, aluguel, aforamento ou cessão (art. 64 do Decreto-lei nº 9.760/90).
No que tange às praias, seu regime jurídico é fixado pela já referida Lei nº 7.661/88 – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, que assim estatui em seu art. 10:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.
Vê-se, portanto, que, diferente do regime aplicável aos terrenos de marinha, estatui o PNGC que as praias são bens de uso comum do povo.
Como é sabido, tais espécies de bens são aqueles abertos à livre utilização de todos. Sua utilização, portanto, é destinada, indistintamente, a qualquer sujeito, em concorrência igualitária e harmoniosa com os demais.
A doutrina, há muito tempo, já estabeleceu as bases da utilização dessa espécie de bens. Nesse sentido, vale a pena transcrever as lições da eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Uso comum é o que se exerce, em igualdade de condições, por todos os membros da coletividade.
Trata-se, segundo Miguel S. Marienhoff (1955:620), 'de um poder que pode ser exercido por todos os homens, por sua só condição de homems – quivis de populo – sem distinção entre nacionais e estrangeiros, e em cujo exercício o usuário permanece sempre anônimo, indeterminado, não individualizado`.
O uso comum tem, em regra, as seguintes características:
1. é aberto a todos ou a uma coletividade de pessoas, para ser exercido anonimamente, em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento expresso e individualizado por parte da Administração” (grifos nossos)
Como se vê, é característica distintiva dos bens de uso comum, de acordo com o entendimento do respeitável mestre argentino, citado pela professora Maria Sylvia, que a sua utilização seja realizada de forma anônima, indeterminada, de modo que, de alguma forma, gere benefícios a toda coletividade.
Como se sabe, é largamente admitida na doutrina, em relação aos bens que ostentem essa qualidade, a utilização por parte de particulares. Contudo, importante destacar, na esteira da legislação e lições acima apresentadas, que essa utilização não pode, em hipótese alguma, violar as características imanentes à natureza do bem em questão.
Em outras palavras, não se busca, no presente texto, defender a ideia da impossibilidade da utilização de bens de uso comum do povo por parte de particulares, mas, tão-somente, assegurar que essa utilização não se dê ao arrepio da regra inexorável da livre utilização da área por todos.
Apenas a título ilustrativo, quando se permite a utilização de determinado bem de uso comum para a exploração, por exemplo, de um bar, é porque essa exploração é compatível com a livre utilização da área por todos. De fato, embora utilizado de forma privativa, o espeço é aberto ao público em geral, não frustrando, assim, a natureza comum do bem.
No que tange especificamente às praias, tal efeito resta ainda mais cristalino ante a dicção do caput do art. 10 do PNGC que ao se referir à regra do livre acesso a precede da expressão sempre, ressalvando a indisponibilidade do princípio:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
Ante todo o exposto, vê-se, dessa forma, ser impossível o licenciamento de pessoas interessadas na utilização do espaço das praias, as quais desejem utilizar estruturas permanentes, tais como barracas, bares, restaurantes, uma vez que estas impedem o livre acesso ao mar, o que ofende frontalmente o disposto no art. 10 da Lei nº 7.661/88, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC.
Também, de acordo com o mesmo dispositivo, não é permitido o acesso exclusivo por parte dos licenciados, bem como, por óbvio, de seus convidados, a áreas demarcadas na praia, como se vê ainda em alguns lugares durante o reveillón, quando são colocados toldos e distribuídos a pessoas determinadas. Tal expediente frustra a regra do livre acesso às áreas de praia por toda a coletividade, representando, inequivocamente, ainda que de forma temporária, a privatização do espaço.
Em nossa visão, a ocupação desses espaços por particulares pode se dar apenas pela colocação de estruturas temporárias e destinadas ao público em geral, tais como shows, arenas esportivas, cadeiras de praia colocadas por comerciantes (desde que devidamente autorizados é claro). Dessa forma, o corolário do livre acesso e a destinação das praias como bem de uso comum do povo estarão sendo fielmente respeitados.
Advogado da União. Subprocurador Regional da União na 5ª Região. Especialista em Direito Administrativo pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Carlos Eduardo Dantas de Oliveira. O conceito de praia e seu regime jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39910/o-conceito-de-praia-e-seu-regime-juridico. Acesso em: 26 dez 2024.
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