RESUMO: O presente trabalho pretende demonstrar que a medição para aferição do campo elétrico, magnético e eletromagnético de radiofrequência das estações transmissoras deve ser realizada de maneira presencial, atendendo a finalidade da Lei 11934/2009.
PALAVRAS CHAVE: Lei 11934/2009. Principio da proporcionalidade.
INTRODUÇÃO
Após amplos debates, com origem no PL 2576/2000, de autoria do Deputado Fernando Gabeira, foi sancionada a Lei 11934/2009 que dispõe sobre limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos.
A Lei 11934/2009 incumbiu a ANATEL e ANEEL a competência de fiscalizar a observância dos limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde - OMS para a exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por estações transmissoras de radiocomunicação, por terminais de usuário e por sistemas de energia elétrica que operam na faixa até 300 GHz.
Sob outro enfoque, a Lei 11934/2009 também impôs as entidades privadas, dentre outras atividades, a realização de medições dos níveis de campo elétrico, magnético e eletromagnético de radiofrequência.
DA IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE CÁLCULOS TEÓRICOS
Uma das questões que remanesceu no âmbito do novel diploma é a interpretação do caput do seu art. 13, especialmente o entendimento que deve ser extraído da expressão “realizar medições”.
Art. 13. As prestadoras de serviços que utilizem estações transmissoras de radiocomunicação deverão, em intervalos máximos de 5 (cinco) anos, realizar medições dos níveis de campo elétrico, magnético e eletromagnético de radiofrequência, provenientes de todas as suas estações transmissoras de radiocomunicação.
Em princípio, não há que se falar em falta de razoabilidade legislativa na fixação do prazo de cinco anos. Conforme asseverado pelo eminente Ministro Celso de Mello, “todos os atos do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade”, que, por isso mesmo, “qualifica-se como parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais” (ADI 2.667-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12.3.2004).
Dirley da Cunha Júnior esclarece que “o principio da proporcionalidade ou da razoabilidade consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição do excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a constitucional; e, ainda, enquanto principio geral do Direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.”[1]
Já para Novelino “a proporcionalidade em sentido estrito está vinculada à verificação do custo-benefício da medida, aferida por meio de uma ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. A interferência na esfera dos direitos dos cidadãos só será justificável se o benefício alcançado for maior que o ônus imposto. Nesse caso, meio e fim são equacionados mediante um juízo de ponderação, para que sejam pesadas as desvantagens do meio em relação às vantagens do fim”[2]
Portanto, a exigência imposta às prestadoras de medir no prazo de 05 anos todas as suas estações transmissoras de comunicação não se mostra desmedida, uma vez que se manifesta de acordo com o princípio da razoabilidade e encontra-se em harmonia com a finalidade que a norma buscou alcançar (garantir a proteção da saúde).
Sob outro viés, realizando-se uma interpretação do art. 13 da Lei 11934/2009, percebe-se que a dicção legal utiliza a palavra “medição”. Medir é a atividade de comparar uma grandeza a outra, ou, ainda, determinar a extensão, a altura ou a grandeza. Pressupõe-se, portanto, que medição só se faz presencialmente. Não há como medir à distância ou remotamente.
A mens legis busca valores precisos com o objetivo de garantir a proteção da saúde e do meio ambiente, adotando-se como parâmetros os limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Esse entendimento encontra-se confirmado pelo veto ao § 1° do art. 13 do PL 2576/2000, dispositivo que previa exceções a obrigatoriedade de medição:
PL 2576/2000
Art. 13
§ 1 O órgão regulador federal de telecomunicações poderá estabelecer exceções à obrigatoriedade imposta no caput deste artigo, em virtude de características técnicas do serviço ou de parâmetros de operação ou localização de estações, submetendo-as previamente a consulta pública.
Afastada ficou, portanto, a possibilidade da Anatel, ainda que submetendo à consulta pública, excepcionar a obrigatoriedade de medição de todas as estações transmissoras de radiocomunicação, o que, por via obliqua, só confirma a intenção de obrigar a medição prevista no caput do art. 13.
Reforçando a tese da imprescindibilidade da medição ser realizada presencialmente temos a Exposição de Motivos do Projeto de Lei 2576/2000. A justificativa do PL 2576/2000 carrega grande preocupação relacionada a influencia do campo eletromagnético na saúde da população:
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PL 2576/2000
Embora sejam inegáveis os benefícios decorrentes do desenvolvimento cientifico e tecnológico, são muitos os efeitos colaterais que podem decorrer da sua aplicação pratica. Um exemplo, é a proliferação indiscriminada de antenas transmissoras de sinais para a telefonia celular, cujas ondas emitidas podem causar efeitos negativos sobre o meio ambiente natural e urbano, sobre a saúde pública e a paisagem.
[...]
Estudo publicado no New England Journal of Medicine, em julho de 1997, demonstra que a incidência de leucemia em crianças dobrou, em adultos aumentou em 20%, em função das radiações emitidas pelas estações retransmissoras de telefonia celular. O perigo da radiação eletromagnética depende da potência com que é emitida, do tempo de exposição ao campo eletromagnético e da distância da fonte. Especialistas afirmam que as ondas provocam excitação das moléculas, aumentando a temperatura e provocando alterações biológicas nos tecidos do corpo humano, acabando por afetar órgãos vitais.
O espirito, por conseguinte, da Lei 11934/2009 é garantir a proteção da saúde e do meio ambiente e sob esse manto é que deve ser concretizada a hermenêutica dos dispositivos legais. Vista a questão sob esse ângulo, também podemos dizer que a norma procura materializar sua finalidade de proteção concreta do direito fundamental.
Nesse aspecto, podemos mencionar que a Lei busca atender ao princípio da proporcionalidade, visto sob o enfoque da proibição de proteção insuficiente, conforme leciona Novelino:
O postulado da proporcionalidade possui uma dupla faceta: de um lado, as regras que o compõem (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) impedem a adoção de cargas coativas indevidas ou excessivas por parte dos poderes públicos (proibição de excesso); de outro, estas regras impõem aos órgãos estatais o dever de tutelar de forma adequada os direitos fundamentais consagrados na Constituição (proibição de proteção insuficiente).
Ao analisar a proibição de proteção insuficiente, Carlos Bernal Pulido observa que: “O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção”.
A proibição de insuficiência (Untermassverbot) impõe ao Estado, portanto, a adoção de medidas adequadas e suficientes para garantir a proteção dos direitos fundamentais, ainda que nem sempre seja simples estabelecer os exatos termos desta proteção.
Essa vertente do princípio da proporcionalidade reverbera no Pretório Excelso:
Assim, na dogmática alemã, é conhecida a diferenciação entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). No primeiro caso, o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada.
O ato não será adequado caso não proteja o direito fundamental de maneira suficiente ao atingimento de sua finalidade; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo for inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção. (RHC 121222. Rel Min. Gilmar Mendes. DJU. 13/06/2014)
Além de uma dimensão subjetiva, portanto, esse direito fundamental também possui uma complementar dimensão objetiva. Nessa dimensão objetiva, o direito fundamental à assistência social assume o importante papel de norma constitucional vinculante para o Estado, especificamente, para os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Ela assim impõe ao Legislador um dever constitucional de legislar, o qual deve ser cumprido de forma adequada, segundo os termos do comando normativo previsto no inciso V do art. 203 da Constituição. O não cumprimento total ou parcial desse dever constitucional de legislar gera, impreterivelmente, um estado de proteção insuficiente do direito fundamental. Destarte, como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-WilhelmCanaris, Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS, 1989, p. 161).
A violação, pelo legislador, dessa proibição de proteção insuficiente decorrente do direito fundamental gera um estado de omissão inconstitucional submetido ao controle do Supremo Tribunal Federal. Isso ocorre não exatamente em razão da ausência de legislação, ou tendo em vista eventual mora do legislador em regulamentar determinada norma constitucional, mas quando o legislador atua de forma insuficiente, isto é, edita uma lei que cumpre apenas de forma parcial o comando constitucional. (Rcl 4374/PE. Rel. Min. GILMAR MENDES. Data do julgamento: 18/04/2013. DJU: 04/09/2013).
Em arrremate, quando buscamos a regulamentação da Lei 11934/2009 pela ANEEL (a Lei em seu art. 15 atribuiu ao órgão regulador federal de serviços de energia elétrica algumas providências) percebemos que a referida Agência Reguladora detalhou os procedimentos de medição, expressando que essa atividade é efetivada com a visita ao local a ser avaliado:
RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 398, DE 23 DE MARÇO DE 2010
Art. 6º Os agentes de geração, transmissão e distribuição devem realizar os cálculos ou as medições dos campos elétricos e magnéticos referentes às suas instalações com tensão igual ou superior a 138 kV.
§1º Os cálculos a que se refere o caput devem ser baseados em metodologia consagrada e considerar as seguintes premissas:
a) tensão nominal;
b) temperatura máxima admissível de projeto;
c) carregamento máximo do condutor para os regimes de operação e emergência;
d) a distância mínima do condutor ao solo;
e) configuração típica dos circuitos e seqüência de fases associadas; e
f) 1,5 m de altura do nível do solo para a população em geral.
§2º Os cálculos ou as medições dos campos devem ser realizados:
I – No interior da subestação, para avaliar a exposição da população ocupacional, e no perímetro de cada subestação, de forma a verificar a exposição do público em geral a 1,5 m de altura do nível do solo, para as instalações de geração, transmissão e distribuição com tensões iguais ou superiores a 138 kV; e
II – No interior da faixa de servidão, para avaliar a exposição da população ocupacional, e no limite da faixa de servidão, de forma a verificar a exposição do público em geral a 1,5 m de altura do nível do solo, para as linhas de interesse restrito, de transmissão ou distribuição com tensões iguais ou superiores a 138 kV.
§3º As medições, quando realizadas, devem ser executadas no período de carga pesada, conforme metodologia estabelecida na NBR 15415/2006, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, com equipamentos com certificado de calibração emitido por órgão credenciado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO.
§3º As medições, quando realizadas, devem ser executadas no período de carga pesada, conforme metodologia estabelecida na NBR 15415/2006, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, com equipamentos com certificado de calibração emitido entidade competente, nacional ou internacional ou, alternativamente, aferidos por laboratório especializado ou centro de pesquisa. (Redação dada pela REN ANEEL 413 de 03.11.2010)
§4º Caso haja instalação ou faixa de servidão compartilhada por mais de um agente, caberá ao proprietário da instalação com tensão mais elevada realizar os cálculos ou medições, considerando a contribuição de todos os ativos envolvidos ou, em conjunto, para instalações com mesmo nível de tensão.
No que pertine a Anatel, o assunto encontra-se em estudo, vigendo, atualmente o Regulamento sobre Limitação da Exposição a Campos Elétricos Magnéticos e Eletromagnéticos advindo da Resolução n° 303/2002 que se restringe ao momento em que há licenciamento das estações retransmissoras, não se aplicando às estações em funcionamento.
CONCLUSÃO
Assim, não há como se extrair da dicção do at. 13 da Lei 11934/2009 interpretação que permita inferir que a medição não seja realizada presencialmente.
REFERÊNCIAS
Cunha Júnior, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed., Podium, 2011.
Novelino, Marcelo. Manual de Direito Constitucional, 8ª ed., Método, 2013.
[1] Cunha Júnior, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed., Podium, 2011, p. 228
[2] Novelino, Marcelo. Manual de Direito Constitucional, 8ª ed., Método, 2013, p. 424
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Ricardo Ramos. A impossibilidade de realização de cálculos teóricos para aferição do campo elétrico, magnético e eletromagnético de radiofrequência das estações transmissoras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39920/a-impossibilidade-de-realizacao-de-calculos-teoricos-para-afericao-do-campo-eletrico-magnetico-e-eletromagnetico-de-radiofrequencia-das-estacoes-transmissoras. Acesso em: 23 dez 2024.
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