O presente artigo pretende relembrar como se desenvolveu a estrutura organizacional brasileira, inclusive sobre o aspecto cultural, bem como a metáfora com a estrutura das organizações e o estilo musical do jazz.
Para iniciar, partiremos do texto “Estrutura organizacional brasileira: aplicação do modelo de Aston e implicações metodológicas” de Suzana Rodrigues e Raquel Sá.
As referidas autoras afirmam que até a década de 1960 predominava a idéia de que o conceito de organizações burocráticas, ainda era o mesmo definido por Weber, abrangendo todo os tipos de organizações. Naquela época surgiram os primeiros estudos demonstrando que as organizações diferem entre si em termos de várias dimensões burocráticas, ressaltando que o estudo de Aston foi um dos que mais influenciou ideias e pesquisas dentro da teoria organizacional. Através dele foi possível ter uma visão multidimensional da burocracia como também foi possível comparar as organizações.
Afirmam que destes estudos surgiu o questionamento se as formas organizacionais acompanharam algum padrão específico, como por exemplo, os modelos do mundo industrializado. Duas correntes tentam responder a questão. A primeira diz que sim, que o industrialismo trouxe um poder uniformizante para as organizações, enquanto a outra corrente defende a ideia de que a cultura é o fator responsável pelas particularidades das organizações.
Para a primeira corrente, existe uma teoria transnacional das organizações passível de ser testada em diferentes sociedades, através do esquema conceitual e metodológico de Aston, que possibilita a verificação das relações entre contexto (tamanho e dependência) e estrutura (centralização, formalização e especialização).
Existem várias críticas a esta corrente, como o fato de que o ajustamento da organização ao ambiente é permeado pela ação dos membros, consequentemente, as decisões são tomadas de acordo com os significados culturalmente determinados.
Para outros autores, as características das organizações e de seus membros variam de acordo com a sociedade e, portanto, comparações interculturais somente seriam possíveis em termos qualitativos.
Em seguida, as autoras asseveram que para estudar tanto a teoria contingencial quanto a tradição cultural, é preciso adotar metodologias diferentes. Na análise cultural, é necessário adotar um enfoque ideográfico, pressupondo que a relação entre organização e o seu contexto são particulares de um determinado tempo e espaço, por este motivo as análises seriam apenas qualitativas. Ao contrário, os trabalhos nomotéticos dirigem a atenção para o universalista, ou seja, para as características que transcendem espaço e tempo, possibilitando, assim, uma análise quantitativa.
Deste modo, o artigo parte para uma análise da estrutura das organizações brasileiras dentro da perspectiva da convergência organizacional versus a ideia da divergência cultural. Para isto analisam o processo de industrialização brasileiro e algumas características da cultura brasileira.
Dizem que as organizações sofreram pressões para incorporarem, dentro do processo de desenvolvimento, características do modelo weberiano, ao contrário de outros países, onde este processo foi gradual.
Apontam alguns aspectos culturais da hierarquia brasileira, como centralização, especialização e formalização. Demonstram como alguns aspectos do relacionamento interpessoal e da estrutura social se repetem dentro das organizações. O caráter autoritário, vindo de uma herança da oligarquia agrária, seria um exemplo. O autoritarismo leva à centralização da tomada de decisões. Dizem que “o autoritarismo, o predomínio do particular sobre o público e principalmente o compadrio foram estendidos à administração pública na medida em que a oligarquia se enfraqueceu como sistema econômico e quando as organizações públicas passaram a ter importância como fonte de emprego. A idéia de proteção a familiares e amigos encontra sua mais clara expressão nestas organizações, onde os cargos públicos vêm sendo preenchidos por favoritismo. ” Ressaltam as autoras que na nossa sociedade atual, este ainda é um instrumento importante de ascensão ao poder político. Lembram ainda das relações baseadas na amizade, no “jeitinho”, como formas de expressão cultural dentro das organizações.
Concluem, no sentido de que “não obstante, a impressão que se tem é a de que, apesar da influência do processo de industrialização, ainda permanecem muitas contradições do sistema anterior. Por isso, as hipóteses que serviram de orientação para o trabalho empírico levam em conta as contingências do desenvolvimento industrial de um lado e consideram o impacto da cultura, de outro.”
As autoras passam a analisar algumas hipóteses. A primeira tem por base a teoria da contingencia, onde grandes organizações se tornam mais complexas através da divisão do trabalho e maior especialização de atividades. Passam a comparar organizações brasileiras com as de países industrializados. Devido ao centralismo das decisões, além do apego a papéis nas organizações brasileiras, esperam encontram em suas análises organizações nacionais com graus mais elevados de centralização e formalização e graus mais baixos de especialização.
A amostra neste estudo consistiu de 24 organizações industriais e não-industriais, sendo sete subsidiárias de multinacionais, 17 são empresas nacionais privadas, sendo três organizações públicas. Todas localizadas na região metropolitana de Belo Horizonte. Os mecanismos de análises foram os mesmos desenvolvidos pelo grupo de Aston.
Os resultados demostraram que as grandes organizações têm procedimentos mais formalizados e parecem ser realmente mais diferenciadas em departamentos e número de especialistas. Entretanto, são mais centralizadas do que as organizações de outros países. Inicialmente a pesquisa constatou que não existem grandes diferenças estruturais entre as organizações brasileiras e as estrangeiras.
Quanto aos aspectos divergentes, devido a características nacionais, as autoras chamam a atenção para o fato de muitas empresas serem empresas familiares, fato que explicaria a centralização na tomada de decisões, nas organizações brasileiras, analisadas naquela época.
Como conclusão da pesquisa, as autoras citam que as organizações brasileiras quanto maiores são mais complexas em termos de diferenciação, trabalho profissional e padronização de procedimentos, como acontece na maioria dos outros países. Por outro lado, uma característica nacional é o modelo de gestão familiar que gera centralização de decisões.
Citam ainda a dificuldade de se encontrar melhores resultados da pesquisa sem que se conheça mais profundamente a forma com que a cultura ou a sociedade específica permeiam a vida organizacional. Sugerem que somente seria possível desenvolver uma teoria intercultural capaz de explicar as diferenças entre organizações de maneira compatível com a realidade específica de cada sociedade.
Considerando todo o histórico do desenvolvimento da estrutura organizacional brasileira, como exposto pelas autoras, principalmente no que se refere à centralização da tomada de decisões, podemos nos perguntar como seria possível flexibilizar este antigo modelo enraizado em nossa cultura.
A resposta pode estar no texto de Mary Jo Hatch, intitulado “Explorando os espaços vazios: jazz e estrutura organizacional. ”
O artigo utiliza o jazz como metáfora para reescrever o conceito de estrutura organizacional, como sendo ambígua, emocional e temporal.
A autora inicia dizendo que à medida que os negócios evoluem, nos novos mercados globalizados, os entendimentos tradicionais sobre estrutura das organizações vão se esgotando. Hoje existem conceitos novos como redes e organizações virtuais que estão desafiando as noções tradicionais da própria organização. Diz que Rorty defende a idéia de que é preciso reescrever os conceitos antigos com uma nova linguagem mais moderna.
Assim, a autora utiliza a metáfora do jazz para reescrever o conceito de estrutura organizacional. Esclarece que a característica principal da performance do jazz é a improvisação. Apresenta o seguinte quadro com o resumo dos pontos básicos sobre o jazz apresentados até aqui com alguns paralelos com o vocabulário emergente dos estudos organizacionais:
JAZZ Solo Acompanhamento Trading fours |
DESCRIÇÕES Assumir a liderança. Dar apoio à liderança dos outros. Fazer trocas entre funções de liderança e de apoio. |
VOCABULÁRIO EMERGENTE Trabalho em equipe Colaboração |
Pergunta Resposta |
Abrir espaço para as idéias dos outros. Responder às idéias dos outros e acomodá-las. |
Construção do sentido Processo estratégico |
G groove e sensibilidade |
Tensão e alívio emocionais. Ressonância do som incorporado. Comunhão entre músico e platéia. |
Cultura e identidade organizacionais |
Em seguida lança a seguinte pergunta: “e se considerarmos a estrutura organizacional como sendo ambígua, emocional e temporal (ou temporária)?” Diz que os espaços vazios da estrutura de uma composição de jazz produzem ambiguidade e que na teoria organizacional, a ambiguidade foi conceitualizada em relação à escolha e à tomada de decisões organizacionais. Esclarece que “a teoria de March e Olsen (1976) sobre a ambigüidade organizacional especificava quatro formas: a ambigüidade de intenção (preferências mal definidas ou metas múltiplas e conflitantes), a ambigüidade de entendimento (interpretações múltiplas de intenções e feedback), a ambiguidade da história (dificuldade de entender o que aconteceu e porque) e a ambiguidade da organização (devido a frequentes reorganizações). Assim, os autores conceitualizam a ambiguidade em relação aos espaços vazios deixados pela incongruência de metas, pelas discordâncias sobre métodos ou explicações e pela mudança organizacional.” Por fim, conclui que a metáfora do jazz nos encoraja a reinterpretar esses espaços vazios como oportunidades para a improvisação. Através da metáfora do jazz sugere que a tomada de decisões organizacionais pode ocorrer além de uma fonte puramente intelectual, racional, podendo ter improvisação e sensibilidade.
A autora observa que o maior espaço vazio em conceitos anteriores da organização talvez seja a emoção. Sugere que a emoção seja aplicada no desenvolvimento do trabalho dentro da organização e na comunicação organizacional.
Outro espaço vazio na teoria organizacional seria o tempo, que na metáfora com o jazz, seria o andamento e o relacionamento entre passado, presente e futuro. Afirma que se o andamento é uma característica da estrutura nas organizações, como na música, então alterá-lo pode levar a maiores dificuldades de coordenação. O relacionamento entre passado, presente e futuro dentro da organização proporcionam o maior desenvolvimento futuro da organização com base em experiências passadas e comportamentos empenhados no presente. “A metáfora do jazz sugere o reconhecimento de como as memórias e as expectativas dos atores organizacionais se cruzam em um dado momento para estruturar as dimensões emocionais e temporais do trabalho e da organização de maneira a influenciar a ação.”
Resume da seguinte maneira: “a estrutura é temporal no sentido que possui um andamento e ocorre com o tempo, mas também no sentido de constituir experiências temporais na junção do passado, do presente e do futuro em um presente em três partes. Por meio da recordação, a estrutura evoca ligações emocionais no passado, que, em antecipação, pode lançar âncoras emocionais no futuro, provocando tanto expectativas em relação ao presente momento quanto a sua intensidade. Entretanto, as significações e experiências evocadas pela temporalidade e emocionalidade da estrutura são eternamente ambíguas, envoltas no mistério dos espaços vazios que continuamente apresentam novas oportunidades para mudanças estruturais pelo envolvimento na atuação. Assim, encontramos somente uma dentre uma miríade de formas de descrever a estrutura como sendo simultaneamente ambígua, emocional e temporal, com o uso da metáfora do jazz.”
Conclui dizendo que utilizou a metáfora com o objetivo de redescrever conceitos sobre estrutura organizacional, trazendo à tona os aspectos temporal, emocional e ambíguo da estrutura organizacional como um conceito para orientar o pensamento quanto a organização.
Como ressaltado, a estrutura organizacional brasileira foi desenvolvida baseada em um sistema de centralização, de especialização e ainda de excesso de formalização. Contudo é possível flexibilizar este antigo modelo cultural utilizando conceitos do estilo musical do jazz.
Para atingir esta flexibilização é importante que a organização seja capaz de improvisar, preenchendo espaços vazios que a frieza das estruturas não consegue atingir. A improvisação pode ser elemento importante e criativo na resolução de problemas dentro da organização, indo além de fontes tradicionais, como a intelectual e a racional. A improvisação pode conferir sensibilidade na tomada de decisões, alcançando assim, melhores resultados.
Outro espaço vazio na teoria organizacional que precisa ser preenchido é o tempo, que na metáfora com o jazz, seria o andamento e o relacionamento entre passado, presente e futuro. O relacionamento entre passado, presente e futuro dentro da organização proporciona o maior desenvolvimento futuro da organização com base em experiências passadas e comportamentos empenhados no presente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RODRIGUES, Suzana; SÁ, Raquel. Estrutura organizacional brasileira: aplicação do modelo de Aston e implicações metodológicas. Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, v.24, n.4, p.158-174, out. dez. 1984.
JO HATCH, Mary. Explorando os espaços vazios: jazz e estrutura organizacional. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.42, n.3, p.19-35, jul./set. 2002.
Procurador Federal; Procurador-chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social em Contagem/MG; Coordenador do Serviço de Previdência e Assistência Social da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Previdenciário; Mestrando em Administração Pública - Fundação João Pinheiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARMANDO, Anibal Cesar Resende Netto. Estrutura organizacional brasileira e o jazz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2014, 03:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39931/estrutura-organizacional-brasileira-e-o-jazz. Acesso em: 23 dez 2024.
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