INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 não cria ou institui tributos, mas outorga poder aos Entes Federativos para que eles possam criar, instituir e majorá-los. Antes da promulgação da nossa Magna Carta, os impostos sobre transmissão “causa mortis” e doação (ITCMD) e os impostos sobre transmissão de bens imóveis (ITBI) eram todos de competência dos Estados, conforme previsão do art. 35 do Código Tributário Nacional. Veja-se:
“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil;
II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.
Após a promulgação da CF/88, o ITBI passou a ser de competência dos Municípios. Os artigos 35 a 42 do CTN foram recepcionados, cabendo ao intérprete identificar quais se referem aos respectivos impostos estaduais e quais se referem aos municipais.
Com o escopo de demonstrar a semelhança desses impostos, é necessário fazer um comparativo entre o ITCMD e o ITBI em relação à regra matriz de incidência tributária, no que diz respeito aos critérios material, pessoal, espacial, temporal e quantitativo.
Considerando-se o critério material, também conhecido pela alcunha “hipótese de incidência” ou fato gerador, o ITCMD possui as seguintes características: transmissão, a título gratuito, de bem imóvel/móvel no momento da abertura da sucessão, tratando-se de “causa mortis”, ou no momento do(a) registro/tradição do bem, tratando-se de doação.
Já no ITBI, o critério material possui as seguintes características: transmissão, a qualquer título por ato oneroso, de bem imóvel ou de direitos reais sobre bens imóveis, com exceção dos direitos reais de garantia, ou seja, com exceção da hipoteca e da anticrese.
Tratando-se do critério pessoal, o ITCMD tem por sujeito ativo da obrigação tributária o Estado ou o Distrito Federal, já o sujeito passivo (contribuinte) é qualquer uma das partes envolvidas na transmissão, conforme dispuser a lei estadual.
No que se refere ao critério pessoal do ITBI, o sujeito ativo da obrigação tributária é o Município, já o sujeito passivo (contribuinte) é qualquer uma das partes envolvidas na transmissão, conforme dispuser a lei municipal. É exatamente nesse critério, como afirmado anteriormente, que repousa a inovação trazida pela CF/88, uma vez que houve mudança em relação ao sujeito ativo.
No que tange ao critério espacial, o ITCMD possui as seguintes características: se o bem for imóvel, independentemente de a transmissão do bem ocorrer por “causa mortis” ou por doação, o Estado competente para arrecadar o tributo será aquele onde o imóvel está localizado, entretanto, se o bem for móvel, será competente para arrecadar o tributo o Estado onde for processado o inventário ou o do domicílio do doador. Cabe lembrar que se o inventário for processado no exterior ou se o doador for domiciliado no exterior, Lei Complementar estabelecerá qual Estado será competente para arrecadar o aludido imposto.
Em relação ao critério espacial do ITBI não há nenhuma dificuldade, sendo o Município competente para arrecadar o tributo aquele no qual estiver localizado o imóvel objeto da transmissão, ou seja, o da situação do bem. Destaca-se que se o imóvel estiver localizado em qualquer região administrativa do DF, o imposto será devido a este, conforme preceitua o art. 147 da CF/88:
Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.
(grifos nossos)
Tratando-se do critério temporal do ITCMD, quando a transmissão do bem ocorrer por doação, serão utilizadas a alíquota e a base de cálculo vigentes no momento da tradição ou do registro, mas quando a transmissão ocorrer por “causa mortis” serão utilizadas a alíquota vigente no momento da abertura da sucessão e a base de cálculo vigente à época da avaliação dos bens.
Já em relação ao critério temporal do ITBI, serão adotadas a alíquota e a base de cálculo vigentes no momento do registro do imóvel. O art. 38 do CTN dispõe que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Para Ricardo Alexandre (2013, p. 630), “valor venal é o valor de mercado do bem imóvel por natureza ou acessão física, excluindo-se tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade, que, por serem bens imóveis por acessão intelectual, estão constitucionalmente fora do campo de incidência do tributo”.
Desse comparativo, percebe-se que todos os critérios até aqui analisados são semelhantes entres esses dois impostos. Isso evidencia que, no que pese a alteração da competência tributária para criar, instituir ou majorar dos Estados para os Municípios, o ITBI deve merecer o mesmo tratamento dispensado ao ITCMD, razão pela qual se defende, neste trabalho, a extensão da possiblidade de progressividade não apenas para este, mas para aquele tributo também. A alteração de entendimento do STF a respeito do critério quantitativo do aludido imposto estadual insta pensar que tal alteração também deve ocorrer em relação ao mencionado imposto municipal.
O Princípio da Capacidade Contributiva e a possibilidade de instituição da progressividade no ITBI
O princípio da capacidade contributiva está relacionado diretamente com as pessoas (contribuintes), ou seja, através dele que se garante a isonomia material, pois quem tem ou faz circular uma maior riqueza deve arcar com um valor mais elevado de carga tributária. Tal princípio também está relacionado com as coisas - res - mas de forma indireta, pois, de acordo com Ricardo Alexandre (2013, p. 98), é “presumível uma maior capacidade contributiva dos sujeitos passivos que são proprietários, adquirentes ou alienantes de bens de valores mais elevados”.
No que se refere ao critério quantitativo, o ITCMD sofreu uma importante alteração, passando a ser faculdade dos Estados e do Distrito Federal a adoção de alíquotas progressivas em razão do valor venal do bem. Essa mudança ocorreu a partir do julgamento do RE 562.045/RS, no qual a Suprema Corte asseverou que “essa progressividade não é incompatível com a Constituição Federal nem fere o princípio da capacidade contributiva”. (STF, RE 562.045/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06/02/2013, DJe 27/11/2013).
Desde então, a progressividade que antes somente era adotada nos chamados impostos pessoais, passou a ser adotada também neste imposto real. Assim, não será mais o caráter pessoal do imposto, isto é, aquele que leva em consideração situações específicas dos contribuintes (dentre elas a sua condição econômica), o único capaz de garantir o princípio da capacidade contributiva.
Atualmente, o caráter real do imposto, ou seja, aquele que leva em consideração as características do bem (imóvel ou móvel), poderá garantir o princípio da capacidade contributiva na medida em que há uma majoração da alíquota de acordo com o valor venal do bem.
Já no ITBI, o critério quantitativo ainda não pode adotar a progressividade das alíquotas em relação ao valor venal do imóvel. Isso porque ainda está em vigor a Súmula n.º 656 do STF, a qual considera inconstitucional lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis, ITBI, com base no valor venal do imóvel.
É nesta toada, na qual se verifica tratamentos distintos em situações semelhantes, que se propõe o cancelamento da referida súmula. Ademais, verifica-se, também, a necessidade de revisão ou até mesmo cancelamento da Súmula n.º 668 do STF, pois não é o mais acertado dizer que a progressividade de alíquotas de impostos reais somente pode ser implementada quando houver expressa autorização constitucional nesse sentido:
Súmula n.º 668, STF. É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.
Por fim, cabe destacar que o parágrafo 1º do art. 145 da CF/88 não proíbe que os impostos reais sejam progressivos. Ele apenas orienta que seja aplicado aos impostos (o STF ampliou a interpretação às outras espécies tributárias), sempre que possível, o caráter pessoal. Isso não significa dizer que somente os impostos pessoais possam ter alíquotas progressivas para o respeito ao princípio da capacidade contributiva.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, percebe-se que, dada a real similitude entre o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD – e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis - ITBI - eles devem ser tratados de forma semelhante em relação ao critério quantitativo.
Conforme buscou-se demonstrar, a promulgação da Constituição Federal de 1988 alterou basicamente apenas o critério pessoal desses impostos; o que antes era de competência tributária dos Estados passou a ser de competência dos Municípios e do Distrito Federal.
Assim sendo, defende-se que se ao ITCMD é dado a possibilidade de adoção de alíquotas progressivas em razão do valor venal do bem, o mesmo deve ocorrer em relação ao ITBI, visto tratarem-se de impostos semelhantes em sua essência.
Dessa forma, a ideia de que somente os impostos pessoais ou apenas os impostos reais previstos na CF/88 (ITR e IPTU) podem ser objetos da progressividade caiu por terra com o julgamento do RE 562.045/RS, tendo em vista que a progressividade não é incompatível com a Constituição Federal e também não fere o princípio da capacidade contributiva.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Editora Método, 2013.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Direito Tributário e Financeiro. 6ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais Julgados do STF e STJ comentados – 2013. 1ª ed. Manaus: Editora Dizer o Direito, 2014.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENESES, Fabrício Cardoso de. A possibilidade da instituição da progressividade do imposto sobre a transmissão de bens imóveis - ITBI - em respeito ao princípio da capacidade contributiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39940/a-possibilidade-da-instituicao-da-progressividade-do-imposto-sobre-a-transmissao-de-bens-imoveis-itbi-em-respeito-ao-principio-da-capacidade-contributiva. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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