INTRODUÇÃO
Os contratos administrativos, como contratos típicos da Administração, sofrem a incidência de normas especiais de direito público, sendo regulados basicamente pela Lei nº 8.666/1993. Em consequência, caracterizam-se por uma certa desigualdade entre as partes contratantes, fato que confere à Administração posição de supremacia em relação ao contratado.
Essa situação de preponderância se reflete em vários dispositivos da Lei nº 8.666/93, a exemplo das cláusulas exorbitantes, que não seriam comuns ou seriam ilícitas em contratos celebrados entre particulares, por conferirem privilégio a Administração em relação ao contratado. A exigência de garantia, prevista no art. 56, da Lei nº 8.666/93, insere-se, segundo Maria Sylvia Zanela Di Pietro, dentre as principais cláusulas exorbitantes agasalhadas pela Lei de licitações.[1]
Segundo o art. 56, da Lei nº 8.666/93, “a critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que previsto no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras”.
O presente artigo busca abordar a exigência de prestação de garantia pelo particular na contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública, diante das inovações trazidas pela IN/SLTI/MP nº 06, de 23 de dezembro de 2013.
A EXIGÊNCIA DE GARANTIA DIANTE DAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA IN/SLTI/MP Nº 06/2013
A possibilidade de exigência de garantia a ser fornecida pelo contratado é uma prerrogativa da Administração, que busca assegurar a adequada execução do contrato.
“Como todo contrato administrativo deve atender a uma finalidade pública, o inadimplemento ou o adimplemento defeituoso acarretam lesão não apenas à Administração contratante, mas a toda a coletividade. Mediante a exigência de prestação de garantias pelos contratados, a Administração reduz o risco de ocorrência e má execução do contrato, ou, na hipótese de essa verificar-se, assegura uma rápida composição das perdas sofridas em decorrência da inexecução ou execução irregular.”[2]
Por outro lado, a prestação de garantia representa um encargo econômico-financeiro para o particular, de forma que, para promover a garantia, tem que desembolsar recursos. Atento a isso, a lei adotou a faculdade de exigência da garantia, estabelecendo que ficará a critério da autoridade competente, em cada caso, exigir a prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
Segundo Marçal Justen Filho[3], “a lei adotou uma solução de compromisso entre diversas possibilidades. Permite a exigência de garantias, mas adota sistema destinado a minorar os malefícios da figura”.
“A lei remete à discricionariedade da Administração a exigência da garantia. Poderá (deverá) ser exigida apenas nas hipóteses em que se faça necessária. Quando inexistirem riscos de lesão ao interesse estatal, a Administração não precisará impor a prestação de garantia”.[4]
Nos últimos anos, entretanto, a União tem experimentado - com regularidade, inúmeras condenações, com amparo na Súmula do TST nº 331, como responsável subsidiária pelo pagamento de verbas trabalhistas não honradas pelas empresas contratadas para prestação de serviços, com cessão de mão de obra. O argumento é de que a Administração contrata mal seus prestadores de serviços, a despeito de dispor de uma série de instrumentos que a Lei nº 8.666/93 lhe assegura para evitar a contratação de empresas inidôneas e para se garantir em caso de descumprimento das obrigações por parte da contratada. Confira-se o seguinte trecho do voto proferido no RR nº 640982-98.2000.5.11.5555, Rel. Min. Ronaldo Lopes Leal, 1ª Turma, DJ 07/03/2002:
“Na dicção do TST, a norma federal aplicável (Lei nº 8.666, de 1993) coloca à disposição dos administradores meios suficientes para permitir a escolha de fornecedores sólidos, idôneos e em condições de executar integralmente o objeto do contrato (art. 27 a 37; § 3º do art. 44; 55, VI, XI e XII; 56 e parágrafos). Exige-lhes, por outro lado, o acompanhamento e a fiscalização da execução (art. 67 e parágrafos).
Inadimplente a prestadora de serviços, aflora serena a inobservância dos parâmetros gizados, emergindo as figuras da culpa in eligendo e in vigilando (CCB, art. 159). Da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços não estão protegidos, portanto, os entes da administração pública. Essa é a inteligência predominante no âmbito do TST, como revela o Enunicado nº 331, item IV, com a redação dada pela Resolução nº 96/2000 (DJ de 18/9/2000).”
Diante disso, apenas mudanças nos procedimentos licitatórios poderão reduzir os problemas enfrentados atualmente pela Administração Pública na contratação de empresas, para que possam cumprir as obrigações previstas no contrato, sem causar prejuízo ao ente público contratante.
Atento a isso, o Tribunal de Contas da União, com o objetivo de apresentar proposições de melhorias nos procedimentos relativos à contratação e à execução de contratos de terceirização de serviços continuados na Administração Pública Federal, criou um grupo de trabalho com outros órgãos da Administração Pública, cujas propostas foram sintetizadas no Acórdão 1214/2013 – Plenário[5]:
“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1 recomendar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento que incorpore os seguintes aspectos à IN/MP 2/2008:
9.1.1 que os pagamentos às contratadas sejam condicionados, exclusivamente, à apresentação da documentação prevista na Lei nº 8.666/93;
9.1.2 prever nos contratos, de forma expressa, que a administração está autorizada a realizar os pagamentos de salários diretamente aos empregados, bem como das contribuições previdenciárias e do FGTS, quando estes não forem honrados pelas empresas;
9.1.3 que os valores retidos cautelarmente sejam depositados junto à Justiça do Trabalho, com o objetivo de serem utilizados exclusivamente no pagamento de salários e das demais verbas trabalhistas, bem como das contribuições sociais e FGTS, quando não for possível a realização desses pagamentos pela própria administração, dentre outras razões, por falta da documentação pertinente, tais como folha de pagamento, rescisões dos contratos e guias de recolhimento;
9.1.4 fazer constar dos contratos cláusula de garantia que assegure o pagamento de:
9.14.1 prejuízos advindos do não cumprimento do contrato;
9.1.4.2 multas punitivas aplicadas pela fiscalização à contratada;
9.1.4.3 prejuízos causados à contratante decorrentes de culpa ou dolo durante a execução do contrato;
9.1.4.4 obrigações previdenciárias e trabalhistas não honradas pela contratada.
(...)” (grifei)
Por conseguinte, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editou Instrução Normativa nº 06, de 23 de dezembro de 2013, com as propostas sugeridas pelo TCU no Acórdão 1.214/2013 – Plenário, alterando a Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, inserindo as seguintes modificações no que se refere à exigência de garantia de execução do contrato:
“Art. 19.
(...)
XIX - exigência de garantia de execução do contrato, nos moldes do art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, com validade durante a execução do contrato e 3 (três) meses após o término da vigência contratual, devendo ser renovada a cada prorrogação, observados ainda os seguintes requisitos:
a) a contratada deverá apresentar, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, prorrogáveis por igual período, a critério do órgão contratante, contado da assinatura do contrato, comprovante de prestação de garantia, podendo optar por caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária, sendo que, nos casos de contratação de serviços continuados de dedicação exclusiva de mão de obra, o valor da garantia deverá corresponder a cinco por cento do valor total do contrato;
b) a garantia, qualquer que seja a modalidade escolhida, assegurará o pagamento de:
1. prejuízos advindos do não cumprimento do objeto do contrato e do não adimplemento das demais obrigações nele previstas;
2. prejuízos causados à Administração ou a terceiro, decorrentes de culpa ou dolo durante a execução do contrato;
3. multas moratórias e punitivas aplicadas pela Administração à contratada; e
4. obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias de qualquer natureza, não adimplidas pela contratada;
c) a modalidade seguro-garantia somente será aceita se contemplar todos os eventos indicados nos itens da alínea “b”;
d) a garantia em dinheiro deverá ser efetuada na Caixa Econômica Federal em conta específica com correção monetária, em favor do contratante;
e) a inobservância do prazo fixado para apresentação da garantia acarretará a aplicação de multa de 0,07% (sete centésimos por cento) do valor do contrato por dia de atraso, observado o máximo de 2% (dois por cento);
f) o atraso superior a 25 (vinte e cinco) dias autoriza a Administração a promover a rescisão do contrato por descumprimento ou cumprimento irregular de suas cláusulas, conforme dispõem os incisos I e II do art. 78 da Lei nº 8.666, de 1993;
g) o garantidor não é parte interessada para figurar em processo administrativo instaurado pelo contratante com o objetivo de apurar prejuízos e/ou aplicar sanções à contratada;
h) a garantia será considerada extinta:
1. com a devolução da apólice, carta fiança ou autorização para o levantamento de importâncias depositadas em dinheiro a título de garantia, acompanhada de declaração da Administração, mediante termo circunstanciado, de que a contratada cumpriu todas as cláusulas do contrato; e
2. após o término da vigência do contrato, devendo o instrumento convocatório estabelecer o prazo de extinção da garantia, que poderá ser estendido em caso de ocorrência de sinistro;
i) o contratante não executará a garantia nas seguintes hipóteses:
1. caso fortuito ou força maior;
2. alteração, sem prévia anuência da seguradora ou do fiador, das obrigações contratuais;
3. descumprimento das obrigações pela contratada decorrente de atos ou fatos da Administração; ou
4. prática de atos ilícitos dolosos por servidores da Administração;
j) não serão admitidas outras hipóteses de não execução da garantia, que não as previstas na alínea “i”; e
k) deverá haver previsão expressa no contrato e seus aditivos de que a garantia prevista no inciso XIX deste artigo somente será liberada ante a comprovação de que a empresa pagou todas as verbas rescisórias trabalhistas decorrentes da contratação, e que, caso esse pagamento não ocorra até o fim do segundo mês após o encerramento da vigência contratual, a garantia será utilizada para o pagamento dessas verbas trabalhistas diretamente pela Administração, conforme estabelecido no art. 19-A, inciso IV, desta Instrução Normativa.
Depreende-se, portanto, que muito embora a lei de licitações trate como facultativa a exigência de prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras, a Instrução Normativa SLTI/MP/nº 06/2013 criou uma hipótese de exigência obrigatória, que deverá ser observada não só na fase de contratação, como também nas renovações a cada prorrogação.
Tal mudança foi motivada, sobretudo, pelos inúmeros prejuízos sofridos pela Administração e terá condições de propiciar melhorias importantes nos procedimentos referentes à licitação, gestão e execução dos contratos de serviços de natureza contínua, na medida em que é capaz de resguardar a Administração, ante a possibilidade de demandas subsidiárias em face do inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada.
Não se pode dizer que a Instrução Normativa nº 06 viola o art. 56 da Lei nº 8.666/93, na medida em que a lei remete à discricionariedade da Administração a exigência da prestação de garantia, que poderá ser exigida nas hipóteses em que se faça necessária, exigindo-se apenas que esteja prevista no instrumento convocatório.
Ou seja, caracterizado o risco à lesão ao interesse estatal, diante das inúmeras demandas judiciais sofridas pela União por responsabilidade subsidiária em face do inadimplemento das empresas contratadas, a obrigatoriedade de prestação de garantia pelo contratado nos contratos de terceirização de serviços continuados representa apenas um outro instrumento de eliminar risco de insucesso, caso o contratado não seja capaz de executar satisfatoriamente o objeto do contrato.
CONCLUSÃO
A par das considerações acima lançadas, pode-se concluir que, muito embora o art. 56, da Lei nº 8.666/93 trate como facultativa a exigência da prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras, a IN/SLTI/MP nº 06/2013 tornou sua exigência obrigatória para os contratos de terceirização de serviços continuados.
Tal mudança foi sugerida pelo Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1.214/2013 – Plenário, com o objetivo de apresentar melhorias nos procedimentos relativos à contratação e execução de contratos com a Administração Pública Federal, tendo em vista as inúmeras condenações sofridas pela União nos últimos anos, com amparo na Súmula do TST nº 331, como responsável subsidiária pelo pagamento de verbas trabalhistas não honradas pelas empresas contratadas para prestação de serviços, com cessão de mão de obra.
As inovações trazidas pela IN/SLTI/MP nº 06/2013 propiciará melhorias significantes nos procedimentos referentes à execução dos contratos, na medida em que resguardará a Administração, ante a possibilidade de demandas subsidiárias em face do inadimplemento de obrigações trabalhistas pela contratada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
BRASIL. TCU: Acórdão nº 1214/2013 – Plenário. Data: 22/05/2013. Disponível em <http:\www.tcu.gov.br>. Acesso em 23.05.2014.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14º ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2002.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010
Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14º ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2002, p. 255.
[2][2] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 360.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 719.
[4] Idem, bis idem.
[5][5] BRASIL: TCU: Acórdão nº 1214/2013 – Plenário. Data: 22/05/2013. Disponível em <http:\www.tcu.gov.br>. Acesso em 23.05.2014.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Flavia de Andrade Soares. A exigência de prestação de garantia na contratação de serviços terceirizados pela administração pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39951/a-exigencia-de-prestacao-de-garantia-na-contratacao-de-servicos-terceirizados-pela-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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