Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar a incidência de acréscimos moratórios previstos no art. 37-A da Lei no 10.522, de 2001, nos casos de agravamento de multa aplicada por autarquia federal.
Palavras-chave: multa administrativa – agravamento de sanção – acréscimos moratórios.
Sumário: 1. Introdução. 2. Acréscimos moratórios em agravamento de sanção administrativa aplicada por autarquia federal. 3. Conclusões. 4. Bibliografia.
1. Introdução
De modo geral, as autarquias federais que exercem poder de polícia, diante de infrações administrativas, podem aplicar multas. Uma vez alcançado o trânsito em julgado administrativo dos processos administrativos nos quais se constituem essas multas, os créditos relativos a essas multas, caso não tenham sido pagos, são inscritos em Dívida Ativa e cobrados mediante ajuizamento de execução fiscal, na forma da Lei no 6.830, de 1980.
Antes do advento da Medida Provisória no 449, de 03 de dezembro de 2008, esse tipo de crédito, geralmente, estava sujeito aos acréscimos moratórios aplicáveis aos créditos daquela autarquia (cada autarquia tinha suas próprias regras e índices de acréscimos moratórios).
A Medida Provisória no 449, de 03 de dezembro de 2008, convertida na Lei no 11.941, de 2009, incluiu o art. 37-A na Lei no 10.522, de 2001, uniformizando os acréscimos moratórios que incidem nos créditos vencidos das autarquias federais.
No caso de multas administrativas majoradas no julgamento de recursos administrativos, a definição do termo inicial dos acréscimos moratórios é uma questão que merece ser analisada sob a perspectiva jurídica.
2. Acréscimos moratórios em agravamento de multa administrativa aplicada por autarquia federal
A Medida Provisória no 449, de 03 de dezembro de 2008, convertida na Lei no 11.941, de 2009, incluiu o art. 37-A na Lei no 10.522, de 2001, o qual apresenta o seguinte teor:
Art. 37-A. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 1o Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 2o O disposto neste artigo não se aplica aos créditos do Banco Central do Brasil. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
Dessa forma, os acréscimos moratórios dos créditos das autarquias federais passaram a seguir os mesmos índices aplicados nos tributos federais.
A Lei no 9.430, de 1996, trata dos acréscimos moratórios dos tributos federais nos art. 61 e 5o, §3o:
Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso. (Vide Decreto nº 7.212, de 2010)
§ 1º A multa de que trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subseqüente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até o dia em que ocorrer o seu pagamento.
§ 2º O percentual de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento.
§ 3º Sobre os débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês de pagamento. (Vide Lei nº 9.716, de 1998)
Art. 5º O imposto de renda devido, apurado na forma do art. 1º, será pago em quota única, até o último dia útil do mês subseqüente ao do encerramento do período de apuração. (...).
§ 3º As quotas do imposto serão acrescidas de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do segundo mês subseqüente ao do encerramento do período de apuração até o último dia do mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês do pagamento.
Observa-se, assim, que os créditos das autarquias passaram a receber a incidência da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, para títulos federais, e de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso, limitada a vinte por cento.
No âmbito dos processos sancionadores, quando o autuado concorda com a decisão de aplicação de multa administrativa e deixa de recorrer, não há dúvidas de que todos os acréscimos moratórios devem incidir a partir do prazo conferido para pagamento na decisão que aplica a multa administrativa.
Por outro lado, nas situações em que o autuado interpõe recurso administrativo contra a decisão de aplicação de multa, o período entre a aplicação da sanção e o trânsito em julgado administrativo pode gerar dúvidas quanto aos acréscimos moratórios que devem incidir nesse período.
Nesse caso, entendemos que os juros moratórios (taxa Selic) devem incidir desde o não pagamento da multa no prazo estipulado na decisão de aplicação da multa, enquanto a multa moratória apenas deveria ser aplicada, quando o crédito restasse inadimplido, após o trânsito em julgado administrativo.
Em relação aos juros moratórios, vale esclarecer que a taxa Selic abrange tanto a correção monetária quanto os juros moratórios, conforme precedentes judiciais:
ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO DE OBRAS. PAGAMENTO DE FATURA COM ATRASO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA DEVIDOS. TERMO INICIAL. ÍNDICES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA. CONDENAÇÃO DA UNIÃO NAS VERBAS SUCUMBENCIAIS. 1. É devida correção monetária e juros de mora em razão do pagamento de parcelas em atraso pela Administração, independente de expressa previsão contratual nesse sentido. (STJ - REsp 437203/SP). 2. Devem ser incluídos no cálculo da correção monetária os índices relativos aos expurgos inflacionários. Precedentes. 3. Os juros moratórios constituem efeitos decorrentes da mora do devedor e seu termo inicial de contagem se dará, portanto, a partir da constituição em mora da Administração. 4. Relativamente à correção monetária, tendo em vista a sua natureza de mera recomposição do valor da moeda corroído pelo decurso do tempo, ela deve incidir a partir do momento em que era possível ao credor realizar o pagamento e não o fez, provocando prejuízo ao contratado. 5. Assim, os juros de mora e correção monetária devem ser aplicados a partir de 09/09/1990, pois a União tinha até o dia 08/09/1990 para efetuar o pagamento. 6. Os juros de mora devem incidir a partir do dia 09/09/1990, no percentual de 0,5% (meio por cento), até o advento do novo Código Civil (art. 406), quando serão calculados pela variação da taxa SELIC que, por sua vez, abrange tanto os juros quanto a correção monetária. Incidência dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança a partir da vigência da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97. 7. Não há que se falar em sucumbência recíproca, já que a autora foi vencedora na maior parte do seu pleito. Inteligência do parágrafo único do art. 21, CPC. 8. Mantida a verba honorária fixada em R$ 12.000,00 em favor da parte autora, nos termos do art. 20, § 4º do CPC. Excluída a condenação da autora ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da União, pois afastada a sucumbência recíproca. 9. Apelação da União e remessa oficial não providas. Apelação da autora provida em parte.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região, rel. Juiz Federal Márcio Barbosa Maia, 4a Turma Suplementar, Apelação Cível – 200601000082326, Data da Decisão 17/09/2013, Publicação e-DJF1 de 27/09/2013, p. 1441)
RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. VIOLAÇÃO DE ENCOMENDA. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PESSOA JURÍDICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUICÃO DE 1988. I - Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam porquanto a relação de consumo instaurada em decorrência da utilização de serviços postais envolve, necessariamente, a empresa prestadora do serviço, o remetente e o destinatário do objeto postado, estes, na qualidade de usuários, têm a possibilidade de figurar no pólo ativo da demanda, uma vez que os danos decorrentes da violação de correspondência podem sim atingir a esfera individual de cada um, independentemente. II - A Administração Pública responde pelos danos causados por seus agentes, sem que a parte lesada tenha que provar a culpa do Poder Público, podendo este se eximir ou atenuar a reparação, caso prove a culpa concorrente ou exclusiva da vítima, respectivamente. A empresa prestadora do serviço postal obriga-se a indenizar os respectivos usuários, em virtude de danos causados pelo extravio de correspondência (art. 37, § 6º, da Constituição Federal). III - A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que o extravio de correspondência pela ECT prescinde de comprovação de prejuízo explícito ou de ridicularização a que tenha sido submetida a vítima, pois a dor que se indeniza na espécie é íntima e via de regra não pode ser reposta financeiramente, funcionando a recomposição financeira como alento e forma de punição ao agressor. IV - Hipótese em que a ECT reconheceu que houve o extravio da encomenda postal, conforme atesta à fl. 126, em suas razões recursais, falha pela qual ofereceu à remetente a quantia de R$284,50 (duzentos e oitenta e quatro reais e cinqüenta centavos), sem sucesso. V - Caracterizado o defeito na prestação do serviço postal pela Empresa de Correios e Telégrafos - ECT consistente no extravio de encomenda, é devida a indenização por danos materiais e morais, incidindo o disposto no art. 37, § 6º, da Constituição. (Precedentes deste Tribunal.) VI - Plausível o pedido de minoração do quantum fixado, de R$1.800,00 (mil e oitocentos reais), diante do contexto dos autos e da jurisprudência em casos análogos, sendo razoável sua fixação em R$1.000,00 (mil reais). VII - Juros moratórios e correção monetária, por se tratar de matéria posterior ao Código Civil de 2002, devem ser calculados englobadamente pela taxa SELIC, esta que abrange juros e correção monetária, até a vigência da Lei n. 11.960/2009, a partir de quando a incidência se dará pelo novo índice aí previsto (nova redação da Lei 9.497/97, art. 1º - F), devendo ser calculados pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, por equiparada a ECT à Fazenda Pública. VIII - À míngua de impugnação, deve ser mantido o termo inicial de incidência dos juros e correção, já que a sentença os fixou, respectivamente, na citação e na data da sentença, deixando, portanto, de ser analisados à luz do entendimento sumulado pelo colendo STJ. IX - Apelação da ECT a que se dá parcial provimento, para reduzir a verba compensatória para R$ 1.000,00 (mil reais) e fixar como índice único para os juros e correção monetária a taxa SELIC, até a vigência da Lei n. 11.960/2009, a partir de quando a incidência se dará conforme previsão da Lei 9.497/97, art. 1º - F, devendo ser calculados pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região, rel. Desembargador Federal, 6a Turma, Apelação Cível – 200738010006884, Data da Decisão 20/05/2013, Publicação e-DJF1 de 27/05/2013, p. 831)
A correção monetária apenas recompõe o poder aquisitivo do valor original da moeda, corroído pela inflação. Os juros moratórios, por outro lado, buscam indenizar o credor pela privação do capital. A correção monetária e os juros moratórios não ostentam, portanto, caráter punitivo.
No âmbito dos processos sancionadores, pode-se afirmar que a obrigação de pagar a multa surge com a aplicação da multa ao autuado. A interposição do recurso administrativo, afastando o trânsito em julgado administrativo, apenas tem o efeito de prolongar a suspensão da exigibilidade do crédito, o que não afasta a existência do crédito.
Uma vez aplicada a multa administrativa, deve-se considerar o crédito como existente, ainda que este não seja exigível, de modo que, a partir desse momento, a autarquia que aplicou a multa tem o direito de ser remunerada pela privação do capital.
Ademais, cabe ressaltar que essa situação não prejudica o direito ao recurso do administrativo, uma vez que, efetuado o pagamento e interposto o recurso administrativo, caso este seja provido, o autuado terá direito a receber o valor pago, com os acréscimos moratórios incidentes desde o pagamento, nos mesmos índices que a Administração teria utilizado na cobrança do crédito.
Observa-se, assim, que a incidência da taxa Selic a partir do não pagamento no prazo definido pela decisão de aplicação de multa não gera prejuízo ao recurso do autuado e garante que Poder Público seja devidamente remunerado pela privação do capital.
A multa de mora, entretanto, apresenta caráter punitivo, conforme precedentes judiciais:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CDA. LIQUIDEZ E CERTEZA. INOCORRÊNCIA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO. MULTA DE MORA. I. A Certidão de Dívida Ativa aponta o valor originário do débito, bem como os respectivos dispositivos legais que o embasam, discriminando as leis que fundamentam o cálculo dos consectários legais, preenchendo os requisitos legais estabelecidos no artigo 2º, §§ 5º e 6º da Lei nº 6.830/80, donde se conclui haver proporcionado à embargante a mais ampla defesa. II. Quanto ao excesso de execução, o argumento carece de fundamento, pois ao valor em UFIR inscrito na dívida ativa deve ser acrescido os encargos legais indicados na CDA. III. A multa de mora tem caráter punitivo e visa a coibir o inadimplemento, forçando o contribuinte a honrar suas obrigações nos prazos legalmente fixados não se podendo pretender uma analogia com relações privadas para reduzi-la, pois encontra previsão na Lei 8.383/91, artigo 59. IV. Apelação desprovida.
(Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Quarta Turma, Desembargadora Federal Alda Basto, AC 10029002219974036111 – Apelação Cível 588561, Data da Decisão 23/08/2013, Publicação e-DJF3 Judicial 1 de 06/09/2013)
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA APLICADA NO PERCENTUAL DE 30% - POSSIBILIDADE. 1. A multa de mora possui também caráter punitivo, pois visa coibir o inadimplemento fiscal. A redução desta multa, quando cobrada no percentual de 30%, revela-se possível face à retroatividade da lei mais benéfica ao contribuinte em caso de ato não definitivamente julgado, nos termos do disposto na alínea "c", do inciso II, do artigo 106 do Código Tributário Nacional, uma vez que a Lei 9.430/96, em seu art. 61, § 2º, dispôs sobre a limitação do seu percentual em 20%. 2. Nos termos do art. 106, II, "c" do CTN, a lei posterior mais benéfica ao contribuinte pode ser aplicada a fatos pretéritos, na hipótese de ato ainda não definitivamente julgado, considerado este o lançamento fiscal impugnado por meio de embargos, uma vez que o ato administrativo se sujeita à revisão pelo Poder Judiciário. 3. Levando-se em conta que requisito para a retroação in melius é que o ato faltoso não tenha sido definitivamente julgado nem paga a multa pecuniária correspondente, o percentual da multa de mora deve limitar-se ao montante de 20%, nos termos do art. 61, § 2º, da Lei n. 9.430/96. 4. Cumpre ressaltar que não há possibilidade de se afastar da apreciação do Poder Judiciário a dosagem da multa, quando lei posterior veio a beneficiar a embargante, reconhecendo o rigorismo do texto anterior, conforme preceitua o artigo 462 do Código de Processo Civil. 5. Precedente do STJ. 6. Improvimento à apelação.
(Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Terceira Turma, Desembargadora Federal Cecília Marcondes, AC 00652653720024036182 – Apelação Cível 1313769, Data da Decisão 31/07/2008, Publicação e-DJF3 de 12/08/2008)
Assim, ao considerar que a multa de mora tem caráter punitivo, ou seja, visa punir o inadimplemento do crédito, nota-se que esta não deve incidir no período em que há recurso do autuado pendente de julgamento, uma vez que nesse período, o exercício do direito de recorrer implica a suspensão da exigibilidade do crédito, e não há razão para a Administração aplicar uma multa por não pagamento de crédito que ainda não é exigível.
Dessa forma, a interposição de recurso administrativo impede a incidência da multa de mora até o trânsito em julgado administrativo, em razão do caráter punitivo da multa de mora, mas não afasta a incidência da Taxa Selic, a qual tem por objetivos a preservação do poder aquisitivo da moeda, quanto à inflação, e a remuneração pela privação do capital.
Cabe analisar como devem incidir esses acréscimos moratórios nos casos em que, no julgamento de recurso administrativo, a multa aplicada originalmente é majorada na forma do art. 64, parágrafo único, da Lei no 9.784, de 1999.
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
Vale registrar que a doutrina administrativista admite o agravamento de sanção em sede de julgamento de recurso administrativo. Nesse sentido, vejam-se as lições de José dos Santos Carvalho Filho:
A Lei nº 9.784, de 29/1/1999, que disciplinou o processo administrativo na Administração Federal, deu correto tratamento à matéria. Ao tratar do recurso administrativo, admitiu que a autoridade decisória possa modificar, total ou parcialmente, a decisão recorrida. Ressalvou, entretanto, que, se na apreciação do recurso, puder haver gravame ao recorrente, terá a autoridade que dar-lhe ciência do fato para que apresente suas alegações. Em outras palavras, a lei admitiu a reformatio in pejus, atenuando-a, porém, com a possibilidade da manifestação prévia do recorrente. Em plano contrário, a lei vedou o agravamento da situação do interessado na hipótese do processo de revisão, caracterizado pelo fato de que o interessado intenta reduzir ou suprimir sanção aplicada em processo já findo, mediante a apresentação de fatos novos ou circunstâncias relevantes.
(Carvalho Filho, 2007, p.827)[1]
Se fosse aplicável à Administração Pública o princípio da vedação à reformatio in pejus, a própria organização administrativa hierárquica seria ineficaz em muitas situações, haja vista que eventual impossibilidade de agravar sanções administrativas prejudicaria o controle dos atos administrativos de autoridade hierarquicamente inferior pela respectiva autoridade superior, sendo que esse controle é uma das mais relevantes consequências da organização hierárquica da Administração, conforme explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Não se pode mais dizer que a organização hierárquica corresponda a atribuição do Poder Executivo, diante dos arts. 61, §1º, II, e, e 84, VI, da Constituição. No entanto, dessa organização decorrem para a Administração Pública diversos poderes: (...)
3. O de controlar a atividade dos órgãos inferiores, para verificar a legalidadede seus atos e o cumprimento de suas obrigações, pondendo anular os atos ilegais ou revogar os inconvenientes ou inoportunos, seja ex officio, seja mediante provocação dos interessados, por meio de recursos hierárquicos;
(DI PIETRO, 2001, p. 91)[2]
Ademais, cabe ressaltar que, até mesmo no processo civil, em situações excepcionais, admite-se a piora da situação do único recorrente em sede de julgamento de seu recurso, como no caso de o órgão competente para julgar o recurso conhecer de matéria de ordem pública que prejudica o recorrente, conforme explica Bernardo Pimentel:
Em resumo, por força do princípio inquisitório, ao qual está vinculado o efeito traslativo, o órgão julgador pode apreciar de ofício as matérias de ordem pública, proferindo julgamento desfavorável ao único recorrente. Sob o ponto de vista estritamente jurídico, não há a incidência do princípio da proibição da reformatio in pejus, já que eventual reforma para pior não se dá em contrariedade direta ao próprio recurso, mas sim, em virtude da obrigatoriedade da apreciação oficial quando assim a lei dispuser.(SOUZA, 2007, p. 125)[3]
Também é oportuno destacar precedente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região no qual se admite a possibilidade de agravamento de sanção em julgamento de recurso administrativo:
AGRAVO INTERNO EM MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO DE EFEITOS DE DECISÃO ADMINISTRATIVA IMPUGNADA NOS AUTOS PRINCIPAIS. MULTA PECUNIÁRIA E INABILITAÇÃO PARA O EXERCICIO DE CARGOS DE ADMINISTRAÇÃO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. REFORMATIO IN PEJUS ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. ART. 64 DA LEI 9.784/99.
I - Com a disposição expressa do art. 64 da Lei 9.784/99 deixa de haver espaço para maiores dúvidas quanto à possibilidade de majoração da sanção pecuniária imposta em decisão administrativa prolatada pelo órgão competente para decidir o recurso interposto, ainda que tal signifique gravame à situação do recorrente, bastando para tanto que a Administração observe o requisito do contraditório e ampla defesa prévios.
II - O deferimento de medida liminar com apoio na tese da desproporcionalidade entre o valor da sanção pecuniária imposta pela Administração e a falta cometida em sede administrativa implicaria incorrer na seara do mérito administrativo, o que somente em hipóteses muito excepcionais se poderia admitir, razão pela qual, a despeito do vulto da diferença entre os valores das multas impostas antes e depois do julgamento do recursoadministrativo, não parece recomendável ao Judiciário interferir nessa questão, inclusive em homenagem ao princípio da separação dos Poderes da República.
[...]
V - Agravo interno desprovido. [Grifos nossos].
(TRF/2ª Região. MCI 201202010114140, Rel. Des. Federal Marcelo Pereira da Silva, Quinta Turma Especializada, E-DJF2R de 27.9.2012, p. 252).
Conforme explicado acima, em relação à multa moratória, não há dúvidas de que o caráter punitivo da multa impede a sua incidência antes do trânsito em julgado administrativo.
De igual modo, nos casos de majoração da multa administrativa, a multa de mora deve incidir apenas após o vencimento do prazo para pagamento estipulado na última decisão do processo administrativo, a que levou ao trânsito em julgado administrativo.
A questão que envolve a incidência da Taxa Selic, todavia, mostra-se mais complexa.
Quando o órgão competente para julgamento do recurso administrativo considera que, além das multas aplicadas pelas infrações punidas na instância inferior, deve ser aplicada sanção de multa a uma infração que não havia sido constatada/punida na instância inferior, a incidência da SELIC para as multas apenas mantidas na decisão do órgão recursal deve considerar a data da decisão condenatória de primeira instância, enquanto a multa aplicada originariamente pelo órgão recursal, por só ter sido imposta na fase recursal, só deve ser atualizada pela SELIC desde a decisão recursal.
Vale explicar: se o autuado foi punido com a multa X pelas infrações A e B na primeira instância administrativa, em 02/01/2010, e interpõe recurso administrativo contra essa decisão, sendo que, no julgamento do recurso, em 02/01/2012, o órgão recursal decide pela manutenção da multa X para as infrações A e B e pela imposição da multa Y para a infração C, antes não punida, a multa X deve ser atualizada pela Selic desde 02/01/2010 e a Y a partir de 02/01/2012.
Nesse prisma, é importante destacar que se, no julgamento do recurso fosse negado provimento a este e a infração C fosse punida pela multa Y em outro processo, ficaria ainda mais evidente que a multa pelas infrações A e B seriam atualizadas desde a decisão condenatória de primeira instância e a multa pela infração C, logicamente, só poderia ser atualizada desde a data em que foi imposta no outro processo.
Não se justificaria uma diferença de tratamento quanto aos débitos apenas porque a infração foi apurada e punida num determinado processo e não em outro. O entendimento apresentado acima (considerar a data em que cada multa específica foi aplicada originariamente) evita esse tipo de distorção.
Do mesmo modo, ainda que se trate de uma única infração, se, em sede de julgamento de recurso, ocorrer um agravamento da sanção imposta na decisão de primeira instância, como por exemplo na aplicação de nova metodologia para cálculo de multa, deve-se considerar, para efeito de incidência da Selic, que houve manutenção da decisão de primeira instância e, além disso, um agravamento de sanção, de modo que, em relação à parte mantida, aplica-se a Selic, desde o vencimento estipulado na primeira decisão cominatória, e, quanto ao agravamento da sanção, desde o prazo para pagamento estipulado no agravamento da sanção.
Um exemplo pode elucidar melhor a questão. Se na primeira instância houve aplicação de multa no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), e o órgão recursal decidiu pelo agravamento da sanção originalmente imposta, levando ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o órgão recursal manteve os R$ 8.000,00 (oito mil reais), originalmente impostos, e agravou em R$2.000,00 (dois mil reais) a sanção originalmente imposta.
Assim, em relação aos R$ 8.000,00 (oito mil reais), deve-se considerar que se trata de valor aplicado a título de multa, na primeira decisão do processo, ao qual deve incidir a Selic desde a intimação dessa decisão. Quanto aos R$2.000,00 (dois mil reais), de agravamento da sanção, deve se considerar, para efeito de incidência da Selic, que esse valor apenas foi aplicado a título de multa pelo órgão recursal, de forma que a Selic, para a parte em que a sanção foi agravada, deve incidir desde o fim do prazo para pagamento estabelecido na decisão de agravamento.
3. Conclusões
O art. 64, parágrafo único da Lei no 9.784, de 1999, prevê a possibilidade de agravamento de sanção administrativa, em sede de julgamento de recurso administrativo (reformatio in pejus).
O art. 37-A da Lei nº 10.522, de 2001, prevê que os créditos das autarquias estão sujeitos aos mesmos acréscimos moratórios aplicados nos tributos federais. Assim, as multas aplicadas pelas autarquias federais estão sujeitas a juros de mora, pela taxa Selic, e a multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso, limitada a vinte por cento (acréscimos moratórios previstos na Lei nº 9.430, de 1996).
No caso de majoração de multa administrativa, com base no art. 64, parágrafo único da Lei nº 9.784, de 1999, não há que se falar em incidência de multa de mora, antes de ocorrer o trânsito em julgado administrativo, uma vez que a multa de mora tem caráter punitivo e, portanto só deve se aplicada, quando o inadimplemento ocorre em relação a crédito que já era exigível.
Em relação à incidência da taxa Selic, deve-se considerar que, quanto à parte da multa que constava da decisão de aplicação da multa original, a Taxa Selic deve ser aplicada desde o não pagamento no prazo estipulado nessa decisão.
Por outro lado, em relação à parte da multa majorada no julgamento do recurso, a Taxa Selic apenas deve incidir após o não pagamento no prazo estabelecido na decisão que julga o recurso administrativo.
4. Bibliografia
BRASIL, Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União – Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>. Acesso em 22 de junho de 2013.
_______, Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002. Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. Diário Oficial da União – Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10522.htm>. Acesso em 23 de junho de 2013.
________, Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências. Diário Oficial da União – Brasília, DF. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9430.htm>. Acesso em 23 de junho de 2013.
________, Tribunal Regional Federal da Segunda Região, Quinta Turma Especializada, Rel. Des. Federal Marcelo Pereira da Silva, MCI 201202010114140 , E-DJF2R de 27.9.2012, p. 252).
________, Tribunal Regional Federal da Primeira Região, rel. Juiz Federal Márcio Barbosa Maia, 4a Turma Suplementar, Apelação Cível – 200601000082326, Data da Decisão 17/09/2013, Publicação e-DJF1 de 27/09/2013, p. 1441)
_________, Tribunal Regional Federal da Primeira Região, rel. Desembargador Federal, 6a Turma, Apelação Cível – 200738010006884, Data da Decisão 20/05/2013, Publicação e-DJF1 de 27/05/2013, p. 831)
_________, Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Quarta Turma, Desembargadora Federal Alda Basto, AC 10029002219974036111 – Apelação Cível 588561, Data da Decisão 23/08/2013, Publicação e-DJF3 Judicial 1 de 06/09/2013)
_________, Tribunal Regional Federal da Terceira Região, Terceira Turma, Desembargadora Federal Cecília Marcondes, AC 00652653720024036182 – Apelação Cível 1313769, Data da Decisão 31/07/2008, Publicação e-DJF3 de 12/08/2008)
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, 17a edição revista, ampliada e atualizada até 05.01.2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 13ª. edição, 2001
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo, 4ª ed. Atualizada, Saraiva, 2007.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 17ª edição revista, ampliada e atualizada até 05.01.2007.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 13ª. edição, 2001
[3] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo, 4ª ed. Atualizada, Saraiva, 2007.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional e Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Igor Guimarães. Acréscimos moratórios em agravamento de multa administrativa aplicada por autarquia federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39982/acrescimos-moratorios-em-agravamento-de-multa-administrativa-aplicada-por-autarquia-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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