RESUMO: o artigo analisa a possibilidade de penhora sobre bem imóvel não registrado no cartório de registro de imóveis, tendo o devedor apenas direitos possessórios.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Penhora sobre posse de bem imóvel; 3. Conclusão.
1. Introdução
O acervo patrimonial do devedor é a garantia do pagamento de seus débitos e obrigações. Por vezes, o devedor dispõe somente de uma posse de terras, sem qualquer matrícula ou registro no cartório imobiliário.
Não raro, os oficiais de justiça consideram inviável proceder a penhora desse imóvel, uma vez que, reitere-se, não consta qualquer assentamento junto ao cartório de registro de imóveis.
O presente trabalho demonstrará que é plenamente possível recair a constrição judicial sobre posse de imóvel.
2. Penhora sobre posse de bem imóvel
A penhora constitui ato específico de intromissão do Estado na esfera jurídica do obrigado, mediante apreensão material, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor. A penhora é ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo[1] .
No caso de penhora de bens imóveis, o ordenamento traça algumas regras específicas: primeiramente esclarece que o registro perante o Cartório de Imóveis não faz parte da penhora, servindo tão somente para gerar presunção absoluta de conhecimento por terceiros. Assim, independentemente do registro, a penhora está realizada e gerará regularmente seus efeitos no processo e fora dele[2].
Com efeito, não é requisito de validade do ato processual da penhora o registro no Cartório de Imóveis, uma vez que se considera realizada a constrição judicial mediante auto ou termo de penhora. O registro tem como finalidade conferir eficácia da restrição contra terceiros, “dar conhecimento ao público da existência da constrição, fazendo surgir a presunção absoluta de conhecimento por terceiros”[3].
Essa assertiva tem como fundamento legal o disposto no parágrafo 4º do artigo 659 do Código de Processo Civil:
Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.
(....)
§4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, §4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.
Humberto Theodoro Junior[4], comentando a norma legal acima transcrita, assevera que restou claro:
a) a penhora sobre imóvel se aperfeiçoa com a lavratura do respectivo termo ou auto; b) ao credor incumbe providenciar o registro no Cartório Imobiliário, que será feito mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato; c) seu objetivo é a publicidade erga omnes da penhora, produzindo “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”, ou seja, eventual adquirente do imóvel constrito jamais poderá arguir boa-fé para se furtar aos efeitos da aquisição em fraude à execução; d) o registro não é condição para que a execução tenha prosseguimento, pois, após a lavratura do auto ou termo de penhora, dar-se-á a intimação do executado para abertura do prazo de embargos e para os ulteriores termos do processo executivo.
O renomado autor conclui que o §4º do artigo 659 do Código de Processo Civil dissocia completamente o ato processual do ato registral; um para efeito interno no processo, e outro para efeito externo, em relação a terceiros.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORA EM IMÓVEL NÃO REGISTRADA. VALIDADE. SÚMULA 12 DO TRF DA 4ª REGIÃO. NULIDADE DA SENTENÇA.
1. O ato processual da penhora se perfaz com a intimação do executado, e só após tem início o procedimento administrativo do seu registro junto ao Cartório Imobiliário competente, mediante requerimento do interessado ou por ato do próprio Juízo.
2. A penhora de bem imóvel considera-se perfeita e acabada e eficaz entre as partes com a lavratura do auto ou termo de penhora, independentemente da sua inscrição no registro imobiliário.
3. "Súmula 12 - Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste. DJ (Seção II) de 20-05-93, p.18986"
4. Sentença que se anula.
(AC 200171030020903, Carla Evelise Justino Hendges, TRF4 - Segunda Turma, D.E. 24/02/2010)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DOS DIREITOS POSSESSÓRIOS SOBRE IMÓVEL IRREGULAR. POSSIBILIDADE. HASTA PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DA TERRA NUA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. INVIABILIDADE.
1. Inobstante a ausência de título de propriedade, é penhorável a expressão econômica que deriva do direito possessório, nos temos do art. 655, inciso XI, do CPC.
2. Vale ressaltar que o registro público da penhora a que se refere o art. 659, § 4º, do CPC, não é requisito de validade da constrição, mas de eficácia da restrição contra terceiros, sendo certo que a venda, em hasta pública, não tem o condão de regularizar a propriedade da terra nua, que continua pertencendo àquele em cujo nome se encontra no registro imobiliário.
3. Agravo provido.
(Processo nº 2011.00.2.015473-7 (557978), 4ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Arnoldo Camanho de Assis. unânime, DJe 09.01.2012).
Os direitos possessórios do devedor sobre o imóvel integram seu patrimônio jurídico, tem expresso e manifesto conteúdo econômico, natureza pecuniária e valorização monetária, sendo objeto de negócios jurídicos, de sorte que é lícito afirmar que a penhora deve recair sobre tais direitos.
Acrescente-se, nesse passo, que o inciso XI do artigo 655 do Código de Processo Civil permite a penhora sobre outros direitos:
Código de Processo Civil
Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
(....)
XI - outros direitos.
De fato, os direitos do titular da posse imobiliária tem evidente repercussão econômico-monetária, não restando dúvidas, portanto, que a constrição patrimonial pode incidir sobre tais direitos, à luz dos expressos termos desse artigo.
Importante ressaltar que a penhora recairá sobre os direitos possessórios do devedor e não sobre o imóvel em si.
O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região tem assim decidido:
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TAXAS DE CONDOMÍNIO. PENHORA SOBRE IMÓVEL SITUADO EM CONDOMÍNIO IRREGULAR. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 13/STJ. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.
1. Tratando-se de imóvel situado em condomínio irregular, a penhora não recairá sobre a propriedade do imóvel, mas sobre os direitos possessórios que o devedor tenha.
2. O artigo 655, XI, do Código de Processo Civil prevê a penhora de direitos, o que autoriza a constrição do direito possessório, em especial nas situações em que o direito possui expressão econômica e integra o patrimônio do devedor.
3. A admissibilidade de recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional pressupõe que tribunais distintos tenham interpretado um mesmo tema de maneira divergente. Súmula nº 13/STJ.
4. A mera transcrição do inteiro teor dos julgados tidos como divergentes é insuficiente para a comprovação de dissídio pretoriano viabilizador do recurso especial. 5. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 901906/DF (2006/0248339-2), 4ª Turma do STJ, Rel. João Otávio de Noronha. j. 04.02.2010, unânime, DJe 11.02.2010)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS INDICADOS - AFASTADO - TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL - REGISTRO DO TÍTULO AQUISITIVO - ARTIGO 1245 DO CC - PENHORA SOBRE DIREITOS - POSSIBILIDADE - ARTIGO 655 DO CPC.
A propriedade do imóvel somente é transferida pelo registro do título aquisitivo, a teor do que dispõe o artigo 1.245 do Código Civil Brasileiro.
O artigo 655 do Código de Processo Civil estabelece que é factível a penhora sobre "outros direitos" (inciso XI). É inconteste que a executada preserva direitos em decorrência da aquisição dos imóveis mencionados, guardando eles (direitos), como bem assentado pela agravante, manifesto conteúdo econômico. Prospera o pleito de constrição judicial sobre os direitos derivados dos contratos de venda em compra outrora firmados pela agravada. Precedente do STJ: RESP 860763, Min. Humberto Gomes de Barros, DJE 01.04.2008.
Agravo de instrumento parcialmente provido para determinar a penhora sobre os direitos decorrentes da aquisição dos imóveis referidos nos autos.
(AI 00335891220104030000, Desembargadora Federal Marli Ferreira, TRF3 - Quarta Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 05/04/2011 Página: 591)
Sublinhe-se, por relevante, que, para o pagamento da dívida ativa, responde a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, e a penhora poderá recair em qualquer bem do devedor, nos termos do artigo 391, do Código Civil e 591, do Código de Processo Civil:
Código Civil
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Código de Processo Civil
Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.
3. Conclusão
A penhora de imóvel é realizada mediante lavratura do auto ou termo. O registro no cartório de imóveis apenas confere publicidade do ato de constrição judicial, que gera presunção absoluta de conhecimento de terceiros do ato processual. Não constitui requisito de validade nem de eficácia da penhora seu registro. Inteligência do artigo 659, §4º, do Código de Processo Civil.
Assim, o artigo 655, XI, do Código de Processo Civil expressamente permite a penhora de outros direitos do devedor.
Dessa forma, os direitos de posse sobre bem imóvel revelam expressão, conteúdo e signo econômico de riqueza, que integra o patrimônio do devedor (arts. 391, CC e 591, CPC).
Portanto, tais direitos são plenamente penhoráveis, passíveis de constrição judicial para o pagamento do débito do devedor.
Por fim, cabe advertir que a penhora deve incidir sobre os direitos possessórios, objeto de negócios jurídicos, e não sobre o imóvel em si.
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KLIPPEL, Rodrigo. Teoria geral do processo civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007.
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
NOTAS:
[1] ASSIS, AraKen de. Manual da Execução. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 101.
[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4 ed. São Paulo: Método, 2012. p. 1028
[3] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 275
[4] THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 657.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Público e Direito do Trabalho. Ex-advogado da Caixa Econômica Federal. Ex-advogado da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão. Ex-analista processual do Ministério Público da União. Ex-conciliador federal. Ex-advogado privado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ERICEIRA, Cássio Marcelo Arruda. A penhora sobre posse de bem imóvel Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40003/a-penhora-sobre-posse-de-bem-imovel. Acesso em: 23 dez 2024.
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