RESUMO: O texto busca analisar a jurisprudência do STF em relação ao Mandado de Injunção, que evoluiu do pronunciamento desprovido de qualquer efetividade à garantia do direito vindicado até o momento em que tem efetivamente logrado garantir o direito constitucionalmente previsto.
Durante vários anos após a promulgação da Constituição, o mandado de injunção não cumpriu os auspiciosos propósitos para os quais foi concebido. E o fardo dessa responsabilidade não deve pesar sobre o instrumento mesmo, porque inegavelmente idôneo a concretizar a vontade constituinte, mas sobre quem lhe subtraiu os relevantes intentos. A posição que firmou o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Ml no. 107-3-DF é apontada como a principal das causas que promoveram a frustração de que se falou. No precedente mencionado, lavrou-se:
“Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2 da Carta Magna)[1]”.
Dessa maneira, “sem nutrir simpatia pela inovação representada pelo mandado de injunção e rejeitando o ônus político de uma competência normativa que não desejava”, a Corte Suprema deitou a perder o que se achava na Constituição à espera de fecundação e vida[2].
Retornou-se, nesse momento, a anterior situação em que a previsão de direitos constitucionais restava como letra morta à medida que o Poder Público claudicava em adotar as medidas exigidas pela Constituição para lhe garantir efetividade.
Entretanto, após o ímpeto primeiro de negar os verdadeiros préstimos do mandado de injunção, equiparando-o à ação de inconstitucionalidade por omissão, o Supremo Tribunal mostrou-se tocado pelas críticas doutrinárias que se levantaram e pela discordância dos tribunais que lhe são inferiores. Passaram seus julgados, portanto, a ganhar algumas notas de maiores sensatez e acerto, fazendo progredir a
jurisprudência que se firmara sobre o instrumento injuntivo.
Essa nova compreensão do Supremo passou a medrar a partir do julgamento de mandado de injunção fundamentado no art. 8°, §3°, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura uma reparação de natureza econômica aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica em decorrência de portarias do Ministério da Aeronáutica editadas logo após o movimento militar de 64. Para tanto, fez depender a vantagem da edição de lei, cuja iniciativa caberia ao Congresso Nacional, a entrar em vigor no prazo de doze meses a partir da promulgação da Carta de 1988. Passou-se o prazo sem que o Congresso houvesse sequer cuidado de dar iniciativa à lei disciplinadora. Foi ajuizado, então, o mandado de injunção de no. 283-5, oportunidade em que o Supremo lavrou:
“Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pela art. 8, §3, do ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença líquida e de indenização por perdas e danos[3]”.
Sérgio Reginaldo Bacha também percebeu essa decisão como uma inovação na jurisprudência que se havia firmado no âmbito da Corte Suprema, e comentou:
“[...] ficava patente nova orientação firmada pelo Excelso Pretório; a de fixar prazo para a autoridade inadimplente promover a elaboração da norma regulamentadora. E caso o prazo seja ultrapassado sem a providência devida, então aí reconhecer-se-ia ao titular do direito obstado a faculdade de intentar a competente ação em face dos responsáveis, e pela via processual obter a reparação pretendida [...][4]”.
Um pouco depois, em julgamento de mandado de injunção cujos fundamentos se assentavam no mesmo dispositivo acima questionado, o Supremo, prescindindo de nova comunicação ao Congresso Nacional, assegurou de imediato aos impetrantes o ajuizamento da ação de reparação, em razão de haver escoado o prazo que se assinou no mandamus anterior sem que a lei houvesse sido confeccionada. Foi o que se definiu no MI de no. 284-3:
“Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional - único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada - e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção no. 283, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório[5]”.
Nota-se que, ao assentar tal entendimento, a Corte Maior não somente declarou a mora legislativa como, bem assim, transformou norma de eficácia limitada em norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Outra relevante valia do julgamento reside em rechaçar de vez o argumento de que o mandado de injunção presta-se à defesa tão-só dos direitos e garantias fundamentais constantes do título II da Constituição. Pelo que se firmou, qualquer direito constitucional é defensável pela via injuntiva[6].
Mais adiante, interpôs-se mandado de injunção onde se debateram as condições em que as entidades beneficentes de assistência social passariam a gozar da imunidade inserta no texto maior em seu art. 195, §70[7]. Na oportunidade, o Supremo Tribunal decidiu:
“Mandado de injunção conhecido em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas necessárias que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195, §7, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida[8]”.
Nesse ensejo, votaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Célio Borja por esposarem a tese de que a imunidade a que fez menção a Carta Federal haveria de ser concedida sob os mesmos requisitos disciplinados pelo Código Tributário Nacional quanto à imunidade de tributos, o que resolveria de imediato a questão posta à apreciação e garantiria de modo concreto o direito vindicado pelo impetrante.
De qualquer sorte, tanto a maioria quanto a minoria demonstraram considerações que, em grande medida, já ultrapassavam o entendimento primeiro da Corte, segundo o qual o mandado de injunção prestava-se apenas, como a ação de inconstitucionalidade por omissão, a declarar inconstitucional a mora legislativa.
Avançando bem mais no tempo, passados quase 20 anos da promulgação da Constituição Federal, o STF, já com composição bastante renovada, foi provocado a julgar o MI 708/DF, que cuidava do direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII, da Constituição. Na ocasião, abandonou-se de vez a providência de tão-somente declarar a mora legislativa e resolveu-se que a lei de greve dos trabalhadores em geral seria, no que coubesse, aplicada aos servidores públicos enquanto não regulamentado o direito previsto pela Carta Magna. De tão emblemática, a ementa do acórdão merece ser transcrita, até porque faz um apanhado histórico da evolução jurisprudencial do instituto na Corte Suprema, senão vejamos:
“EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). 1.1. No julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções "normativas" para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5o, XXXV). Precedentes: MI no 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI no 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.3.1992; MI nº 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI no 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI no 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI no 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003. 2. O MANDADO DE INJUNÇÃO E O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF. 2.1. O tema da existência, ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou o entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-se-ia à declaração da existência, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica. Precedentes: MI no 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996; MI no 585/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002; e MI no 485/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 23.8.2002. 2.2. Em alguns precedentes (em especial, no voto do Min. Carlos Velloso, proferido no julgamento do MI no 631/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 2.8.2002), aventou-se a possibilidade de aplicação aos servidores públicos civis da lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado (Lei no 7.783/1989). 3. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR DIVERSAS VEZES, DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS DE CONSOLIDAÇÃO DE TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À MATÉRIA. A EXPERIÊNCIA DO DIREITO COMPARADO. LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS NORMATIVAS E INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE OMISSÃO. 3.1. A permanência da situação de não-regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis contribui para a ampliação da regularidade das instituições de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o). Além de o tema envolver uma série de questões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos serviços públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afastado por uma verdadeira "lei da selva". 3.2. Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional no 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. 3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. 3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. 3.5. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2o). 4. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. REGULAMENTAÇÃO DA LEI DE GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL (LEI No 7.783/1989). FIXAÇÃO DE PARÂMETROS DE CONTROLE JUDICIAL DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL. 4.1. A disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, quanto às "atividades essenciais", é especificamente delineada nos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Na hipótese de aplicação dessa legislação geral ao caso específico do direito de greve dos servidores públicos, antes de tudo, afigura-se inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 9o, caput, c/c art. 37, VII), de um lado, e o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua a todos os cidadãos (CF, art. 9o, §1o), de outro. Evidentemente, não se outorgaria ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição, ou não, da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderia adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderia deixar de reconhecer direito previamente definido pelo texto da Constituição. Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). 4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de "serviços ou atividades essenciais", nos termos do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses "serviços ou atividades essenciais" seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos "essenciais". 4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9o a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus). 5. O PROCESSAMENTO E O JULGAMENTO DE EVENTUAIS DISSÍDIOS DE GREVE QUE ENVOLVAM SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DEVEM OBEDECER AO MODELO DE COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES APLICÁVEL AOS TRABALHADORES EM GERAL (CELETISTAS), NOS TERMOS DA REGULAMENTAÇÃO DA LEI No 7.783/1989. A APLICAÇÃO COMPLEMENTAR DA LEI No 7.701/1988 VISA À JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS QUE ENVOLVAM OS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO DE ATIVIDADES RELACIONADAS A NECESSIDADES INADIÁVEIS DA COMUNIDADE QUE, SE NÃO ATENDIDAS, COLOQUEM "EM PERIGO IMINENTE A SOBREVIVÊNCIA, A SAÚDE OU A SEGURANÇA DA POPULAÇÃO" (LEI No 7.783/1989, PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 11). 5.1. Pendência do julgamento de mérito da ADI no 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, na qual se discute a competência constitucional para a apreciação das "ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (CF, art. 114, I, na redação conferida pela EC no 45/2004). 5.2. Diante da singularidade do debate constitucional do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem-se fixar também os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores públicos civis. 5.3. No plano procedimental, afigura-se recomendável aplicar ao caso concreto a disciplina da Lei no 7.701/1988 (que versa sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos), no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 5.4. A adequação e a necessidade da definição dessas questões de organização e procedimento dizem respeito a elementos de fixação de competência constitucional de modo a assegurar, a um só tempo, a possibilidade e, sobretudo, os limites ao exercício do direito constitucional de greve dos servidores públicos, e a continuidade na prestação dos serviços públicos. Ao adotar essa medida, este Tribunal passa a assegurar o direito de greve constitucionalmente garantido no art. 37, VII, da Constituição Federal, sem desconsiderar a garantia da continuidade de prestação de serviços públicos - um elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são extremamente demandadas pela sociedade. 6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 6.1. Aplicabilidade aos servidores públicos civis da Lei no 7.783/1989, sem prejuízo de que, diante do caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo competente a fixação de regime de greve mais severo, em razão de tratarem de "serviços ou atividades essenciais" (Lei no 7.783/1989, arts. 9o a 11). 6.2. Nessa extensão do deferimento do mandado de injunção, aplicação da Lei no 7.701/1988, no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa específica da lacuna ora declarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2o, I, "a", da Lei no 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais. 6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine). 6.5. Os tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 6.6. Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.” (MI 708, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-02 PP-00207 RTJ VOL-00207-02 PP-00471)
No mesmo ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no MI 721, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Melo, que “inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral”[9].
A partir de então, disparou o número de mandados de injunção com vistas a alcançar idêntico benefício e, por essa razão, neste ano de 2014 foi aprovada súmula vinculante disciplinando o tema. Segundo levantamento apresentado pelo ministro Teori Zavascki durante a sessão, de 2005 a 2013, o Tribunal recebeu 5.219 Mandados de Injunção, dos quais 4.892 referem-se especificamente à aposentadoria especial de servidores públicos, prevista no artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal. A súmula mencionada foi publicada com a seguinte redação: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.”
Vê-se, portanto, que a jurisprudência do STF encaminhou-se de modo a haurir os objetivos do mandado de injunção, evoluindo do pronunciamento desprovido de qualquer efetividade à garantia do direito vindicado até este momento em que o mandado de injunção tem efetivamente logrado garantir o direito constitucionalmente previsto. A esse respeito, calham as palavras de Rui Barbosa: “o espírito de estadista constrói as garantias, mas se não houver homens no manejo da máquina, quem garantirá as garantias?”. Não se pode deixar de reconhecer o mérito de alguns Ministros, cujos espíritos vanguardeiros opõem assídua resistência à mantença de conservadoras opiniões a respeito da ação de injunção, o que contribui sobremaneira para a sua exortação.
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Brasil: Congresso Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil.
Revista de Direito Administrativo. Decisão em Mandado de Injunção no. 478/96, no. 209. jul./set. 1997. Renovar, FGV.
[1] MI 107-3-DF, Rei. Min.. Moreira Alves, DJU 21.09.1990, p. 9782.
[2] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 261.
[3] Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991, 16355.
[4] BACHA, Sérgio Reginaldo. Mandado de Injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 242.
[5] MI 254-3, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 26.06.1992, p. 10103.
[6] Cf. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit, p. 264.
[7] Estabelece o supracitado dispositivo, in verbis: “São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Note-se que o adjetivo “isentas” foi mal empregado pela Carta de 1988, uma vez que, cuidando-se de uma hipótese constitucional de não-incidência tributária, correto seria o termo “imunes”.
[8] MI 232-1-RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 27.03.1992, p. 3800.
[9] “MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.” (MI 721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00029 EMENT VOL-02301-01 PP-00001 RTJ VOL-00203-01 PP-00011 RDDP n. 60, 2008, p. 134-142)
Procuradora Federal. Membro da Advocacia-Geral da União. Atuou como responsável pela Procuradoria Federal Especializada da FUNAI em Dourados/MS e na Consultoria da sede da Funai em Brasília. Atualmente atua na Procuradoria Seccional Federal em Campina Grande/PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLOTA, Karine Martins de Izquierdo. Do mandado de injunção no Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40017/do-mandado-de-injuncao-no-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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