Resumo: o artigo analisa a responsabilidade patrimonial da empresa individual e da sociedade por cotas de responsabilidade limitada relativa às dívidas particulares, ou seja, dívidas contraídas fora do exercício da atividade empresarial.
Sumário:1. Introdução; 2. Conceito de patrimônio e a responsabilidade patrimonial; 2.1 Empresa individual; 2.2 Sociedade limitada ; 3. Conclusão.
1. Introdução
O patrimônio da pessoa física é composto por bens e direitos dotados de relações jurídicas com expressão econômica. Assim, a titularidade de uma firma ou mesmo a participação em sociedade empresarial na qualidade de sócio integram o patrimônio da pessoa.
Dessa forma, os bens que constituem o acervo empresarial da pessoa física respondem integralmente pelas dívidas particulares. Por outro lado, no caso da sociedade limitada existem determinadas restrições legais para constrição judicial sem, contudo, configurar o instituto da impenhorabilidade.
O presente artigo analisa a responsabilidade patrimonial da empresa individual e do sócio da sociedade limitada por dívidas contraídas fora do exercício da atividade comercial.
2. Conceito de patrimônio e a responsabilidade patrimonial
O patrimônio é o complexo de relações jurídicas economicamente apreciáveis de uma pessoa. Reúne os seus direitos e obrigações, formando uma unidade jurídica, uma universalidade de direito. Apresenta três elementos característicos: a unidade do conjunto de direito e de obrigações, sua natureza pecuniária, e sua atribuição ao titular[1].
A importância do patrimônio manifesta-se em dois aspectos: a) constitui a garantia dos credores (CPC, art. 591), e b) fixa a universalidade, o conjunto de direitos de uma pessoa no momento de sua morte, quando se transmite aos respectivos herdeiros (CC, art. 1784)[2].
Todo patrimônio é constituído por bens unificados com vistas a uma finalidade, que é a satisfação das necessidades do seu titular, e ao mesmo tempo, o adimplemento das suas obrigações[3].
O patrimônio consiste, portanto, em uma universalidade de direitos, segundo definição legal disposta no artigo 91, do Código Civil: Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.
Por sua vez, uma empresa é um conjunto de direitos organizados para a produção e circulação econômica de bens e/ou serviços.
São elementos componentes da empresa: a) bens corpóreos (móveis, imóveis, dinheiro e mercadorias); b) bens incorpóreos (nome comercial, siglas, insígnias, patentes de invenção, marcas de fábrica); c) créditos e débitos; d) fundo de comércio, representado, dentre outros fatores, pela clientela, o ponto, a fama, os segredos do negócio, a propaganda, o sistema de organização[4].
Todo essa complexa estrutura é apreciável economicamente, formando relações jurídicas com expressão pecuniária, que podem converter-se em crédito financeiro ao titular do direito, incorporando-se, pois, ao seu patrimônio.
Denota-se, portanto, que a empresa é objeto de direito, cujo titular é a pessoa.
Assim, por excelência e imperativo lógico, a titularidade de empresa individual e a participação em sociedade limitada integram a esfera jurídica patrimonial da pessoa, devendo responder pela dívida cobrada judicialmente.
Com efeito, para o pagamento da dívida ativa responde a totalidade de seus bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, e a penhora poderá recair em qualquer bem da pessoa, nos termos da legislação de regência:
Código Civil
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Código de Processo Civil
Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.
É o patrimônio do devedor que suporta o poder de excussão que o credor tem sobre ele[5]. Representa a adoção legislativa expressa do princípio da responsabilidade patrimonial, “garantia geral” que consiste o patrimônio do obrigado[6].
No item seguinte será analisada essa diferenciação entre a responsabilidade patrimonial da firma individual e da sociedade limitada.
2.1 Empresa individual
O exercício de atividade empresarial pode ocorrer de forma individualizada. Trata-se do empresário individual, que na dicção legal, é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens e serviços (art. 966, Código Civil).
Do conceito legal de empresário se extrai que não há distinção de personalidade jurídica entre a pessoa física e a pessoa jurídica. Para todos os efeitos legais é pessoa física, embora inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ. Não há separação do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas. A responsabilidade patrimonial é ilimitada.
Portanto, não existe qualquer diferença para efeito de responsabilidade entre a pessoa física e a pessoa jurídica, porquanto a empresa individual, constituída por patrimônio único, seus bens particulares respondem por quaisquer espécies de dívidas, sejam decorrentes do exercício de atividade empresarial ou não.
Sobre o tema, julgado do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CURADOR ESPECIAL. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 9O, II, DO CPC. CDA. PESSOA FÍSICA. MANDADO DE PENHORA NEGATIVO. FIRMA INDIVIDUAL. RESPONSABILIDADE PELO DÉBITO ILIMITADA. PATRIMÔNIO ÚNICO. PRECEDENTES.
1 - O recurso de agravo de instrumento é delimitado pelo teor da decisão impugnada. Uma vez que o Magistrado de Primeiro Grau apenas indeferiu o pleito de novo mandado de penhora, avaliação e registro, nos termos requeridos às fls. 27/30, não é possível conceder, através do presente agravo, o deferimento do pleito quanto à nomeação de curador.
2 - E mesmo que assim não fosse, a hipótese não se enquadra na previsão do artigo 9º, inciso II, do CPC, eis que a citação do executado, ora agravado, ocorreu conforme pode ser depreender do documento de fls. 17 e do teor da certidão lavrada pela Sra. Oficiala de Justiça às fls. 22.
3 - Diante da comprovação da existência de firma individual em nome do executado, informação esta que pode ser atestada da leitura da firma ou razão social da empresa (Jorge Pinho da Conceição - Laje Pré-Moldada Pinho ME, tendo por sócio Jorge Pinho da Conceição, CPF 493.125.537-04), é certo que pode recair sobre a referida firma a responsabilidade ilimitada pela dívida contraída por seu sócio.
4 - Ainda que na CDA não conste o nome da firma em comento, tal não se mostra impedimento para se atender o pleito do ora agravante. A certeza inerente ao título executivo não deixaria de existir, tampouco estaria sendo direcionada a execução para outro destinatário, na medida em que a responsabilidade pelo débito existente pode incidir no empresário individual, pela sua própria natureza jurídica, cujo patrimônio confunde-se com o do titular para fins de pagamento das dívidas existentes, sejam de natureza tributária ou não.
5 - Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.
(AG 201002010057263, Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, TRF2 - sexta turma especializada, E-DJF2R - Data: 14/10/2010 - Página: 100)
Em decorrência dessa unicidade jurídico-patrimonial, não há necessidade de redirecionamento da execução para figura da empresa mediante requerimento de desconsideração da personalidade jurídica. Da mesma forma, a penhora on line pelo Sistema BACENJUD pode ser requerida utilizando o CPF e o CNPJ da mesma pessoa para o pagamento das dívidas particulares do empresário.
2.2 Sociedade limitada
Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052, Código Civil).
Denota-se que a sociedade empresária limitada tem personalidade jurídica própria, com patrimônio, obrigações e responsabilidades distintas das de seus sócios. O patrimônio dessa espécie de sociedade é inconfundível e incomunicável. Trata-se do princípio da autonomia patrimonial.
Em regra, o patrimônio da pessoa jurídica é responsável pelas obrigações contraídas em benefício da sociedade empresarial. Os sócios não podem ser considerados titulares dos direitos ou obrigações das prestações relativas ao exercício da atividade empresarial. Apenas de forma excepcional e nos estritos termos da lei é que o sócio reponde com patrimônio próprio.
Todavia, o artigo 1.026, do Código Civil permite a penhora de cotas da sociedade limitada em razão de dívida particular de sócio:
Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.
Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.
Ressalve-se que antes de penhorar as cotas do devedor, deve-se comprovar que o devedor não dispõe de outros bens passíveis de constrição judicial, inclusive, os lucros que lhe caibam na participação societária, aplicando-se o princípio da execução menos gravosa (art. 620, CPC), as cotas só serão penhoras na absoluta falta de outros bens penhoráveis para garantir o pagamento da dívida particular do sócio.
Verifica-se que não há restrição legal para a penhora das cotas. Não recai sobre as cotas o instituto da impenhorabilidade, por força de interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 649, do Código de Processo Civil.
A penhora das cotas de sociedade limitada por dívida particular de sócio é plenamente possível e já foi consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, uma vez que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio, e o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, nos termos do artigo 591, do Código de Processo Civil:
DIREITO COMERCIAL - RECURSO ESPECIAL - PENHORA DE COTAS SOCIAIS - VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (ART. 93, IX, DA CF/88) - IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE - OFENSA AO ART. 458 DO CPC E AO ART. 292 DO CÓDIGO COMERCIAL - SÚMULA 211/STJ - NÃO ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC - EXECUÇÃO - DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO - COTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - PENHORABILIDADE - SÚMULA 83/STJ.
1 - Encontrando-se o v. aresto guerreado em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional no sentido da penhorabilidade das cotas de sociedade de responsabilidade limitada por dívida particular de sócio, não se conhece da via especial pela divergência. Aplicação da Súmula 83/STJ.
2 - Não cabe Recurso Especial se, apesar de provocada em sede de Embargos Declaratórios, a Corte a quo não aprecia a matéria (art.
458 do Código de Processo Civil e art. 292 do Código Comercial), omitindo-se sobre pontos que deveria pronunciar-se. Incidência da Súmula 211/STJ. Para conhecimento da via especial, necessário seria a recorrente interpô-la alegando ofensa, também, ao art. 535 da Lei Processual Civil (cf. AGA nº 557.468/RS e AGREsp nº 390.135/PR).
3 - Esta Corte Superior não se presta à análise de matéria constitucional (art. 93, IX, da Constituição Federal), cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional (cf. REsp nºs 72.995/RJ, 416.340/SP, 439.697/ES).
4 - A previsão contratual de proibição à livre alienação das cotas de sociedade de responsabilidade limitada não impede a penhora de tais cotas para garantir o pagamento de dívida pessoal de sócio. Isto porque, referida penhora não encontra vedação legal e nem afronta o princípio da affectio societatis, já que não enseja, necessariamente, a inclusão de novo sócio. Ademais, o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, nos termos do art. 591 do Código de Processo Civil.
5 - Precedentes (REsp nºs 327.687/SP, 172.612/SP e 147.546/RS).
6 - Recurso não conhecido.
(REsp 317.651/AM, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 05/10/2004, DJ 22/11/2004, p. 346)
3. Conclusão
Ante o exposto, os bens da empresa individual respondem de forma ilimitada pelas dívidas particulares da pessoa. Ao passo que a sociedade limitada, as cotas integram o patrimônio do devedor e respondem pelas obrigações do sócio no adimplemento de suas dívidas particulares (arts. 91 e 391, CC; e 591, CPC), ressalvando-se que se devem esgotar as diligências para se tentar excutir outros bens do devedor, com inclusão, dos lucros que lhe caibam na participação societária (art. 1.026, CC), para, só então, as cotas serem penhoradas para satisfazer o pagamento da dívida particular do sócio, em estrita observância ao princípio da execução menos gravosa (art. 620, CPC).
Referências
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AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa: à luz do novo código civil brasileiro. São Paulo: Método, 2004.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007,
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: fundamentos do Direito das Obrigações, Introdução à Responsabilidade Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
PERIN JUNIOR, Ecio, KALANSKY, Daniel, PEYSER, Luis (coords.). Direito Empresarial: aspectos atuais de direito empresarial brasileiro e comparado. São Paulo: Método, 2005.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial. 2 ed. Salvador: Juspodvm, 2008.
RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do novo direito comercial. São Paulo: Dialética, 2006.
SOUZA, Josyanne Nazareth de. Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2007.
TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 698.
Notas:
[1] AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 337.
[2] idem, ibidem.
[3] NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: fundamentos do Direito das Obrigações, Introdução à Responsabilidade Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 263.
[4] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 186.
[5] NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 446.
[6] TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 698.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Público e Direito do Trabalho. Ex-advogado da Caixa Econômica Federal. Ex-advogado da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão. Ex-analista processual do Ministério Público da União. Ex-conciliador federal. Ex-advogado privado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ERICEIRA, Cássio Marcelo Arruda. A responsabilidade patrimonial das empresas individual e sociedade limitada pelas dívidas particulares de seus titulares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40018/a-responsabilidade-patrimonial-das-empresas-individual-e-sociedade-limitada-pelas-dividas-particulares-de-seus-titulares. Acesso em: 23 dez 2024.
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