I – Introdução
O direito ao desenvolvimento é direito fundamental reconhecido pelos países membros das Nações Unidas e pressupõe, além de crescimento econômico, demonstrado pela renda da população e pelo produto interno bruto – PIB de um país, o desenvolvimento do bem-estar social. O desenvolvimento do bem-estar social, por sua vez, pressupõe investimento em infraestrutura para a promoção da saúde, educação, saneamento básico, alimentação etc.
A ausência de infraestrutura no Brasil é um dos principais obstáculos ao seu crescimento e desenvolvimento. A escassez de recursos combinada à falta de ações do Estado são algumas de suas causas[1].
II – Parcerias Público Privadas
Diante do cenário exposto acima, surgem como possível solução os contratos de parcerias entre o setor público e o setor privado. Em sentido amplo, as parcerias público-privadas abarcam os diversos vínculos negociais entre a Administração e particulares que visam ao fomento do desenvolvimento nacional, vínculos esses que se desenvolveram a partir da década de 90, pós Reforma do Estado. Em sentido estrito, são parcerias público-privadas os contratados disciplinados pela Lei nº 11.079, de 2004.
Duas categorias de parcerias público privadas foram, então, criadas pela Lei nº 11.079, de 2004: concessão patrocinada e concessão administrativa (cf. artigo 2º, parágrafo 1º), sendo esses os modelos predominantes para parcerias no setor de infraestrutura.
“A concessão patrocinada se caracteriza pelo fato de o concessionário perceber recursos de duas fontes, uma decorrente do pagamento das respectivas tarifas pelos usuários, e outra, de caráter adicional, oriunda de contraprestação pecuniária devida pelo poder concedente ao particular contratado (cf. artigo 2º, §1º)”[2]. O objeto da concessão patrocinada, segundo a Lei nº 11.079, de 2004, é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas e a destinatária dos serviços e obras, a coletividade. Caberá aos usuários a responsabilidade pelo pagamento das tarifas pela utilização do serviço.
Já a concessão administrativa é a “prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (art. 2º, §2º)” [3]. Essa espécie de concessão não permite a remuneração por tarifas a cargo dos usuários, uma vez que o pagamento da obra ou serviço é realizado pelo concedente. Na concessão administrativa, o objeto é a prestação de serviços. Aqui, a Administração Pública é a destinatária e usuária da prestação.
III – Contratos de Concessão de Serviço Público
A transferência, do Estado a um terceiro, da função atinente à prestação do serviço pode se dar por meio de inúmeros institutos, dentre eles a concessão de serviço público (que pode ser comum, patrocinada ou administrativa).
“A concessão de serviço público é um instrumento de implementação de políticas públicas. Não é, pura e simplesmente, uma manifestação da atividade administrativa contratual do Estado. Mais, ainda, é um meio para a realização de valores constitucionais fundamentais”[4].
A concessão do serviço público, ressalte-se, não transfere propriedade alguma ao concessionário, mas tão somente a execução do serviço, nos limites e condições legais ou contratuais, sujeita a regulamentação e fiscalização do concedente.
Concessão, no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello[5], “é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”.
A concessão é definida pela Lei nº 8.987, de 1995, como “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.
Compete ao Poder Público, de acordo com a Constituição da República, de 1988 (artigo 175, parágrafo único), e a Lei nº 8.987, de 1995 (artigo 29, inciso I), a regulamentação da execução dos serviços concedidos.
Cabe mencionar, a partir dos ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, a distinção, feita pela lei, de duas modalidades de concessão: a concessão de serviço público e a concessão de serviço público precedida da execução de obra pública.
A concessão simples tem por objeto imediato a execução de determinada atividade caracterizada como serviço público, a ser desfrutada pela coletividade[6].
Por outro lado, a concessão precedida de obra pública compreende uma duplicidade de objeto. “O primeiro deles encerra um ajuste entre o concedente e o concessionário para o fim de ser executada determinada obra pública. Há aqui verdadeiro contrato de construção de obra, assemelhado aos contratos administrativos de obra em geral, deles se distinguindo, contudo, pela circunstância de que o concedente não remunera o concessionário pela execução”[7]. O segundo objeto desta modalidade de concessão será a transferência da exploração da obra que foi realizada, por prazo determinado. O serviço público de exploração daquela obra é que se traduz na real concessão.
Toda concessão submete-se a duas categorias de normas: regulamentares e contratuais. Explica Hely Lopes Meirelles que as normas regulamentares disciplinam o modo e a forma de prestação do serviço e as contratuais fixam as condições de remuneração do concessionário. As normas regulamentares seriam alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, uma vez que elaboradas para atender às necessidades sociais, enquanto que as contratuais são fixas e modificáveis apenas por acordo das partes.
A alteração unilateral do contrato de concessão, saliente-se, implica sempre em correlata revisão das cláusulas econômicas e financeiras afetadas pela alteração, tendo em vista o equilíbrio econômico e financeiro do ajuste original.
A outorga da concessão é sempre realizada por meio de licitação, normalmente na forma de concorrência pública.
O contrato de concessão é o documento escrito que encerra a delegação do poder concedente, define o objeto da concessão, delimita a área, forma e tempo de exploração, estabelece os direitos e deveres das partes e dos usuários do serviço[8].
São cláusulas que obrigatoriamente devem constar do documento de contratação as que delimitem o objeto, o modo e a forma da prestação do serviço, as que disponham sobre a fiscalização, a reversão e a encampação, assim como os critérios de indenização, as que estabeleçam o valor do investimento e as que forneçam os critérios para determinação do custo do serviço e, consequente, para a fixação das tarifas (dentre outras previstas no artigo 23, da Lei nº 8.987, de 1995).
Para assegurar a prestação de serviço público permanente, regular, eficiente, com tarifas módicas e em caráter geral é dever/poder da Administração Pública fiscalizar as empresas prestadoras, por meio de órgãos técnicos. Assim, é possível à Administração, quando prestado o serviço de forma deficiente, intervir para regularizar o serviço. Referida intervenção há de ser provisória, para que não se dê a encampação do serviço, ou a rescisão do contrato.
O serviço público prestado pelo concessionário deve ser remunerado por tarifa (preço público), e, não, por taxa, que é tributo. As tarifas devem ser revisadas periodicamente, de modo a permitir a adequada prestação do serviço, seu melhoramento e expansão, assim como a justa remuneração do concessionário, assegurando-se o equilíbrio econômico financeiro do contrato.
Sendo o usuário do serviço o destinatário do mesmo, seus direitos devem estar assegurados de forma clara. A Constituição da República, de 1988, consagrou a proteção aos usuários em seu artigo 175, parágrafo único, inciso II, assim como a Lei nº 8.987, de 1995, o fez em seu artigo 7º.
Acerca da responsabilidade do concessionário por danos decorrentes da prestação do serviço público concedido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 591874/MS, decidiu que tanto os prejuízos causados a usuários, quanto aqueles que atinjam terceiros não usuários, devem ser objetivamente indenizados, sem verificação de culpa. Vale ressaltar, ademais, que a responsabilidade do Estado por danos cometidos no desempenho do serviço concedido é subsidiária, não respondendo diretamente o ente público por qualquer indenização.
Característica importante do contrato de concessão é a necessidade de estipulação de seu prazo. É obrigatória a previsão do termo final do contrato, sendo incabível sua celebração por prazo indeterminado.
A retomada do serviço concedido pelo Poder Público significa a extinção da concessão, que pode se dar de maneiras e motivos diversos.
A primeira das formas de extinção é o término do prazo da concessão, conhecida por reversão, uma vez que a execução do serviço público retorna ao poder concedente. A reversão atinge o serviço concedido, assim como os bens utilizados para sua prestação, os bens que se relacionam com a prestação do serviço.
A extinção da concessão também se dá com a tomada coativa do serviço pelo poder concedente por motivo de interesse público, que se denomina encampação. Não é possível ao concessionário resistir a esta forma de extinção, cabendo-lhe tão somente indenização pelos prejuízos comprovadamente causados pelo ato impositivo. A encampação ser sempre autorizada por lei específica.
A caducidade é forma de extinção do contrato por inadimplência do concessionário e a Lei nº 8.987, de 1995, enumera as situações em que o poder concedente poderá declará-la.
Essa mesma Lei nº 8.987, em seu artigo 39, chamou de rescisão a extinção da concessão promovida pelo concessionário junto ao Poder Judiciário.
Uma última forma de extinção da concessão que merece ser mencionada é a anulação. Trata-se de hipótese de invalidação do contrato por ilegalidade na concessão, ou na formalização do ajuste. Hely Lopes Meirelles acentua que “a anulação não se confunde com as formas de extinção antes examinadas, porque todas elas pressupõem um contrato válido, mas mal executado (inadimplência), ou cuja execução pelo concessionário se tenha tornado inconveniente ao interesse público, ao passo que a anulação pressupõe um contrato ilegal, embora esteja sendo regularmente executado”.[9]
IV – Contrato de Permissão de Serviços Públicos
Uma vez que foi abordado o contrato de concessão de serviços públicos, vale apresentar algumas breves palavras sobre a Permissão de Serviços Públicos, contrato que, disciplinado pela já citada Lei n° 8.987, de 1995, também tem por objeto a execução de certo serviço público delegado resultante de descentralização administrativa.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho[10] existem apenas dois pontos distintivos entre os contratos de permissão e os de concessão de serviços públicos. O primeiro deles é a natureza do delegatário. Com efeito, pelo que se infere do exame da Lei n° 8.987, de 1995, a concessão pode ser contratada com pessoa jurídica ou consórcio de empresas, enquanto que a permissão só pode ser firmada com pessoa física ou jurídica.
O segundo ponto refere-se à natureza precária do contrato de concessão (cf. artigo 40, da Lei n° 8.987, de 1995). A precariedade, segundo o supracitado doutrinador, significa a possibilidade de livre desfazimento do contrato por parte da Administração, independentemente do dever de indenizar o permissionário por eventuais prejuízos.
V – Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm>.
BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BETHONICO, Catia Cristina de Oliveira. Direito ao Desenvolvimento: Um direito humano. Material da 1ª aula da Disciplina “Direito da Infra-Estrutura”, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Administrativo – Universidade Anhanguera - UNIDERP - REDE LFG, 2012.
[1] BETHONICO, Catia Cristina de Oliveira. Direito ao Desenvolvimento: Um direito humano.
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 407.
[3] Idem.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 713.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 351.
[7] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 353.
[8] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 431.
[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 439.
[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 397.
Procurador Federal - Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), bacharel em direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva e Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera e Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRENT, Paulo Timponi. Noções sobre o direito da infraestrutura Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40021/nocoes-sobre-o-direito-da-infraestrutura. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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