1. Responsabilidade do Estado: introdução
A responsabilidade civil tem como pressupostos necessários à sua caracterização a conduta do agente, ocasionada por uma ação ou omissão, o dano causado a outrem, e o nexo de causalidade entre o dano e a ação (comissiva ou omissiva).
Por nexo de causalidade entende-se a correlação entre a conduta do agente com o dano causado à vítima, sem a qual inexistiria a responsabilização do dano.
Na Constituição da República de 1988 – CR/88, a questão está disciplinada pelo artigo 37, § 6º, nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
A regra, portanto, no ordenamento jurídico pátrio, é a de que o Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Fala-se que essa é a regra, pois há casos nos quais a responsabilização do Estado vai se sujeitar à aplicação da Teoria Subjetiva, segundo a qual o dever estatal de ressarcir está condicionado à comprovação, pelo lesado, da conduta, do dano, do nexo causal e da culpa (lato sensu).
2. A Responsabilidade Subjetiva
O instituto da responsabilidade civil subjetiva tem sua origem moderna no direito Francês. No século XVIII, o Estado Francês era politicamente Absolutista, sob o regime monárquico. Na economia, predominavam as práticas mercantilistas que sofriam com as constantes intervenções do Estado, o que desagradava à classe burguesa. Na área social, predominavam as relações de servidão, dado que a maioria da população francesa era camponesa. A insatisfação da classe camponesa, aliada ao descontentamento da burguesia, culminou na Revolução Francesa, desencadeada no ano de 1789.
Seguiu-se à Revolução Francesa a Era Napoleônica, a partir de 1799, colocando termo à ideia de feudalismo prevalecente na Europa.
O Código de Napoleão enaltecia princípios individualistas da liberdade contratual, sendo certo que, no que se referia à responsabilidade civil, a reparação do dano (dommage) estava calcada na culpa provada pelo lesado (négligence, imprudence).
A fixação da responsabilidade subjetiva, baseada na comprovação da culpa, atendeu aos interesses da classe burguesa, demasiadamente preocupada com o TER (bens, contrato, propriedade), em detrimento do SER (direitos da personalidade, dignidade da pessoa humana).
3. A teoria subjetiva no contexto da Responsabilidade do Estado
3.1. Responsabilidade do Estado por Omissão
O Estado pode causar danos ao particular por condutas comissivas ou omissivas. Quando comissiva a conduta e estando presentes seus pressupostos, quais sejam, fato administrativo, dano e nexo causal, o Estado será objetivamente responsabilizado.
Por outro lado, uma conduta omissiva poderá ou não caracterizar fato gerador da responsabilidade estatal. Estará caracterizada a responsabilidade do Estado, quando, diante do dever legal de agir para impedir o dano, o Estado se omitir. Desta forma, apenas quando estiverem presentes os elementos caracterizadores da culpa, o Estado será responsabilizado por sua conduta omissiva.
Vale ressaltar o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho de que as omissões genéricas imputadas ao Estado, decorrentes das carências sociais, não bastam para caracterização da responsabilidade. Imprescindível se mostra, nos casos de omissão, o nexo direto de causalidade com o resultado.
No que respeita ao tema, não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro”. (RE 382054, Relator: CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 01-10-2004). É a responsabilidade subjetiva do Estado, na modalidade culpa administrativa, culpa anônima ou culpa do serviço, independente da individualização do agente responsável pela falta.
Sobre a matéria, merece ser reproduzida ementa do acórdão proferido no RE 179.147, também da relatoria do Ministro Carlos Velloso:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. V. - R.E. não conhecido. (RE 179147, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 12/12/1997, DJ 27-02-1998 PP-00018 EMENT VOL-01900-03 PP-00589 RTJ VOL-00179-02 PP-00791).
3.2. Ação Regressiva do Estado em Face do Agente Causador do Dano
Caracterizada a responsabilidade civil do Estado por dano causado ao particular e uma vez condenado ao pagamento de indenização, o Estado pode propor ação regressiva contra o agente público causador do dano. O êxito dessa demanda, contudo, depende da comprovação de que o agente público agiu com dolo ou culpa. A culpa a ser demonstrada nesta ação, saliente-se, é a culpa individual, ou seja, não basta a demonstração de prestação inadequada do serviço.
Vale reiterar, aqui, que a responsabilidade do Estado, perante o particular, por atos comissivos, é objetiva (na modalidade risco administrativo). A aplicação da teoria subjetiva da responsabilidade civil, tratada neste tópico, está limitada ao contexto da ação regressiva ajuizada pelo Estado em face do agente causador do dano.
4 - Responsabilidade Objetiva dos Concessionários de Serviço Público
Vale destacar, por fim, na esteira do que asseverou Alexandre Mazza[1], que o Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento do RE 262651/SP, em 16/11/2005, defendeu que a responsabilidade dos concessionários de serviço público é objetiva perante usuários, mas subjetiva perante terceiros não-usuários. Contudo, no julgamento do RE 591874/MS, em 26/08/2009, alterou o entendimento sobre responsabilidade dos concessionários de serviço público. Desta forma, no julgamento do RE referido, o STF voltou a considerar aplicável a teoria objetiva para danos causados a usuários e a terceiros não-usuários, ressaltando, ademais, que a inequívoca presença do nexo de causalidade (entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público) é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.
5 – Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade mecum universitário de direito. 8.ed. São Paulo: Editora Rideel, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm. 2008.
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. Malheiros : São Paulo, 1995.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MAZZA, Alexandre. Responsabilidade do Estado. Material da 4ª aula da Disciplina “Controle da Administração Pública”, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Administrativo – Universidade Anhanguera - UNIDERP - REDE LFG.
[1] MAZZA, Alexandre. Responsabilidade do Estado. Material da 4ª aula da Disciplina “Controle da Administração Pública”, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Administrativo – Universidade Anhanguera - UNIDERP - REDE LFG.
Procurador Federal - Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), bacharel em direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva e Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera e Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRENT, Paulo Timponi. Controle da Administração Pública: a Responsabilidade Civil do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40034/controle-da-administracao-publica-a-responsabilidade-civil-do-estado. Acesso em: 23 dez 2024.
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