INTRODUÇÃO
Em um Estado Constitucional Democrático, tanto as relações privadas quanto as públicas devem obediência à Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988 e às leis que dela decorre. Não diferente deve se comportar o Poder Público em suas relações e contratações, ainda mais quando o artigo 37 da CRFB/1988 trouxe explicitamente os princípios básicos norteadores da administração pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.[1].
Decorre do princípio da legalidade, o dever de obediência da Administração a todos os princípios constitucionais ali consignados, inclusive em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana e desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável encontra-se presente na Constituição Federal de 1998 no artigo 225 e pode ser entendido como um desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.[2]
A partir do momento em que se inclui o desenvolvimento sustentável como um dos pilares do nosso ordenamento, fica claro que há necessidade do mercado consumidor se adequar à nova realidade.
Em face desse novo enfoque constitucional em que os institutos clássicos passam por uma releitura a partir da dignidade da pessoa humana, a Lei de Licitações também buscou essa conformação ao inserir em seu artigo 3º a expressão “sustentável”, conforme se vê abaixo:
“Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos”.[3]
O setor público está entre os grandes consumidores do mercado, gastando cerca de 10 a 15% do PIB. Tal dado é de grande relevância já que o próprio Estado, em suas contratações tem poder para influenciar o mercado e os padrões de consumo, fazendo com que se adotem posturas adequadas aos princípios constitucionais de eficiência e sustentabilidade[4].
Contratações públicas sustentáveis são aquelas que consideram critérios ambientais, econômicos e sociais, em todos os estágios do processo de contratação, transformando o poder de compra do Estado em um instrumento de proteção ao meio ambiente e de desenvolvimento econômico e social.[5]
EXEMPLO DE CONTRATAÇÃO SUSTENTÁVEL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
No ano de 2008, a Universidade de São Paulo (USP) incluiu na licitação compra de computadores livres de chumbo e outros metais pesados. Na época, tal medida adotada foi pioneira na prevenção do problema do lixo eletrônico. [6]
De acordo com a reportagem, o setor da universidade responsável pela compra teve certa dificuldade para eleger os itens de sustentabilidade que seriam exigidos, tendo em vista que para a realização de processo licitatório deve haver no mercado, no mínimo, três empresas que atendam aos requisitos, sendo que naquele momento, poucas as empresas que se enquadravam no perfil sustentável.
Nos computadores entregues à USP, o chumbo foi trocado por uma liga à base de estanho, a cadeia de bromo aplicada para evitar que o equipamento propague chama foi substituída por uma variação não tóxica eficiente para atingir esse objetivo. O cromo hexavalente (de combate à corrosão) deu lugar a uma liga bivalente, que não prejudica o meio ambiente, e o litium é o componente das baterias ao invés do tóxico cádmio. Além disso, desde parafusos até cabos e conectores são recicláveis.
De acordo com o gerente da empresa de sustentabilidade da área industrial da empresa vencedora (Itautec), as mudanças adotadas para a fabricação dos micros obtiveram maior eficiência energética dos produtos, com consumo 30% menor, sem perda de desempenho, além do fato de que os R$ 2,4 milhões que serão pagos pela universidade correspondem a um valor competitivo de mercado, tanto que garantiu a vitória na licitação. Afirmou ainda que o fato da USP ter incluído esse diferencial na licitação proporcionou o reconhecimento de que a empresa tomou uma medida acertada ao mudar a linha de produção.
O que se pode concluir por meio do estudo do exemplo de contratação feito pela Universidade de São Paulo é que o poder-dever do setor público em observar o desenvolvimento sustentável em suas contratações é medida que se impõe, já que se trata de princípio expresso tanto na Constituição Federal, quanto na Lei de Licitações. Marçal Justen Filho explica que:
A vantagem caracteriza-se como a adequação e satisfação do interesse coletivo por via da execução do contrato. (...) A maior vantagem apresenta-se quando a Administração assumir o dever de realizar a prestação menos onerosa e o particular se obrigar a realizar a melhor e mais completa prestação. Configura-se, portanto, uma relação custo-benefício. A maior vantagem corresponde à situação de menor custo e maior benefício para a Administração.[7]
Portanto, a Administração também deve analisar os custos sociais ambientais e não somente o preço quando define de quem vai contratar, quanto vai demandar e quanto está disposta a pagar. O Poder público tem o dever de verificar a vantajosidade, que não apenas financeira, mas também, ambiental dos produtos a serem adquiridos.
Não se ignora, todavia, que ainda há limites na implementação dos requisitos de sustentabilidade nos procedimentos licitatórios, tendo em vista que as empresas ainda não se adequaram a realidade de um mercado de consumo atento ao desenvolvimento sustentável.
Em face dessa realidade o Tribunal de Contas da União tem se manifestado no sentido de que a inserção de critérios sustentáveis nos certames da Administração Pública na fase de habilitação pode levar a anulação ou retificação dos instrumentos convocatórios, pois seria uma restrição à competitividade.
Uma das saídas para este impasse pode estar na correta e adequada especificação do objeto, já que isonomia não significa, necessariamente, possibilitar o tratamento igual a situações diferentes. [8]
O certo é que a Administração Pública possui um grande poder em suas mãos para transformar o mercado de consumo, pois ao se exigir critérios não só sociais e econômicos nas contratações públicas, mas também ambientais, haverá o fomento do desenvolvimento econômico e social de maneira sustentável.
Além disso, haverá uma grande influência nos padrões de mercado de consumo, fazendo com que a cada dia sejam adotadas posturas adequadas aos princípios constitucionais de eficiência e sustentabilidade, para lograrem êxito nas futuras contratações com o poder público.[9]
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que as contratações públicas precisam incentivar o mercado nacional a ajustar-se à nova realidade da sustentabilidade, por meio de inserção de critérios de sustentabilidade.[10]
Nesse sentido a Universidade de São Paulo demonstrou a possibilidade de contratar a proposta mais vantajosa, levando em consideração não só o preço, mas também levando em consideração o produto que cause menos danos ao meio ambiente, estimulando os fornecedores a se adequarem às novas demandas do mercado consumidor sustentável.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BRASIL, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993.
Compras Públicas Sustentáveis: uma abordagem prática. Organizadores: Florence Karine Laloë, Paula Gabriela de Oliveira Freitas. 1ª ed. Salvador, 2012. Disponível em <http://www.saeb.ba.gov.br/vs-arquivos/HtmlEditor/file/Compras%20P%C3%BAblicas%20Sustent%C3%A1veis%20-%20novo.PDF>. Acesso em: 14 out. 2013, 15:39.
Contratações Públicas Sustentáveis. Disponível em <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/?page_id=2>. Acesso em: 14 out. 2013, 16:19
Contratações Públicas Sustentáveis. Disponível em <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/35834/000816796.pdf?sequence=1> Acesso em 14.10.2013.
GUIMARÃES, Ana Paula Fonseca Valadares., CAMARGO, Serguei Aily Franco de. Consumo e sustentabilidade: um desafio para a administração pública. Disponível em < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11359> Acesso em: 14 out. 2013, 16:37.
COSTA, Carlos Eduardo Lustosa da. As licitações sustentáveis na ótica do Controle
Externo. 2011. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2435919.PDF> Acesso em: Acesso em: 14 out. 2013, 17:00
FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 11ª edição, São Paulo, 2009.
MARCOS, Simone de. USP adota "micros verdes". Da Agência Imprensa Oficial. Disponível em <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=100353>. Acesso em: 14 out. 2013, 15:24.
[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
[2] Compras Públicas Sustentáveis: uma abordagem prática. Organizadores: Florence Karine Laloë, Paula Gabriela de Oliveira Freitas. 1ª ed. Salvador, 2012. Disponível em <http://www.saeb.ba.gov.br/vs-arquivos/HtmlEditor/file/Compras%20P%C3%BAblicas%20Sustent%C3%A1veis%20-%20novo.PDF>. Acesso em: 14 out. 2013, 15:39.
[3] BRASIL, Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, 1993.
[4] Contratações Públicas Sustentáveis. Disponível em <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/?page_id=2>. Acesso em: 14 out. 2013, 16:19
[5] Contratações Públicas Sustentáveis. Disponível em <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/?page_id=2>. Acesso em: 14 out. 2013, 16:19
[6] MARCOS, Simone de. USP adota "micros verdes". Da Agência Imprensa Oficial. Disponível em <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=100353>. Acesso em: 14 out. 2013, 15:24
[7] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 11ª edição, São Paulo, 2009.
[8] COSTA, Carlos Eduardo Lustosa da. As licitações sustentáveis na ótica do Controle
Externo. 2011. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2435919.PDF> Acesso em: Acesso em: 14 out. 2013, 17:00
[9] Contratações Públicas Sustentáveis. Disponível em <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/?page_id=2>. Acesso em: 14 out. 2013, 16:19
[10] Contratações Públicas Sustentáveis. Disponível em <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/?page_id=2>. Acesso em: 14 out. 2013, 16:19
Formada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso. Pós-graduação em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público de Mato Grosso. Pós-Graduação em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente é servidora pública no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Daiene Vaz Carvalho. Contratações públicas e desenvolvimento sustentável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40037/contratacoes-publicas-e-desenvolvimento-sustentavel. Acesso em: 23 dez 2024.
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