RESUMO: o artigo analisa o instituto da prescrição intercorrente ante a demora da prática de atos processuais de impulso a cargo das secretarias judiciais.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Análise de prescrição intercorrente; 3. Conclusão.
1. Introdução
O Poder Judiciário não tem acompanhado, com a estrutura necessária, a evolução da litigiosidade da sociedade brasileira. É de conhecimento público e vivenciado pelos jurisdicionados a morosidade da justiça. As principais razões apontadas são: falta de juízes, prédios antigos, equipamentos de informática ultrapassados, carência de servidores e leis processuais obsoletas.
Todavia, isso não autoriza que os magistrados decretem prescritas as execuções fiscais na hipótese de o processo ficar parado nas escrivaninhas dos fóruns, por mais de 5 (cinco) anos, sem qualquer participação ou culpa do ente público exequente.
Com efeito, a ausência de movimentação processual ocorrida deve ser atribuída exclusivamente ao mecanismo judiciário.
Dessa forma, o presente artigo tratará de duas hipóteses muito comuns de alegação de prescrição intercorrente nos autos da execução fiscal. A primeira, no período entre o ajuizamento da ação e a citação. A última, a ausência completa de movimentação processual da execução fiscal pela secretaria judicial.
2. Desenvolvimento
2.1 Análise da prescrição intercorrente
Prescrição intercorrente é aquela que ocorre no intervalo posterior a momento interruptivo. Portanto, podemos dizer que a prescrição intercorrente refere-se à prescrição interrompida que recomeçou a correr, extinguindo-se o direito de ação[[1]].
A prescrição intercorrente começa a correr instantaneamente, logo após o fato ou o momento em que ocorreu a causa determinante da prescrição. Porém, não há que se falar em prescrição intercorrente quando o feito judicial permanecer paralisado, por tempo igual a superior a cinco anos, sem que o ente público tenha concorrido com culpa[[2]].
A primeira hipótese, no período entre o ajuizamento da execução fiscal e a citação.
A citação nas ações de execução fiscal tem como regra a realizada pelo correio, com aviso de recepção, consoante o artigo 8º, I, da Lei nº 6.830/80:
Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
I - a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma;
Nesse sentido, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO PELO CORREIO COM AVISO DE RECEPÇÃO. REGRA INSCULPIDA NO INCISO I DO ART. 8º DA LEI N. 6.830/80. DECISÃO REFORMADA.
1. Em conformidade com o disposto no inciso I do art. 8º da Lei n. 6.830/80, a regra é a citação do executado pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma.
2. No caso em apreço, inexiste pedido da Fazenda de citação por Oficial de Justiça, ao contrário, pleiteou-se expressamente a citação pelo correio com aviso de recepção.
3. A decisão que determinou o cancelamento da distribuição da execução, em razão da ausência de depósito das despesas de diligência, deve ser reformada.
4. Agravo de instrumento provido para que se proceda à distribuição da execução fiscal com a citação da parte executada pelo correio, com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no inciso I do art. 8º da Lei n. 6.830/80.
(AG 0046336-68.1998.4.01.0000/MG, Rel. Desembargador Federal Leomar Barros Amorim de Sousa, Conv. Juiz Federal Cleberson José Rocha, Oitava Turma, e-DJF1 p.217 de 11/06/2010)
Por sua vez, o inciso II do artigo 8º da Lei de Execução Fiscal estabelece que a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado:
Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
I (....);
II - a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado, ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal;
A LEF, neste artigo, dispensa a pessoalidade da citação, ou seja, empresta validade à citação pelo correio mesmo que o AR – aviso de recebimento – não seja assinado de próprio punho pelo Executado, bastando que reste inequívoca a entrega no seu endereço[[3]].
A principal forma de citação, nesta lei, é pelo correio por carta com aviso de recepção, considerando-se feita legalmente e começando a correr o prazo para pagar o débito ou nomear bem à penhora da data do recebimento da carta no endereço do executado[[4]].
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica em relação à dispensa da pessoalidade da carta citatória, inclusive a desnecessidade da assinatura do executado no aviso de recebimento, bastando que seja inquestionável a entrega no seu endereço, presume-se que o destinatário será comunicado, de sorte que a citação postal equivale à citação pessoal para o efeito de interromper o curso do prazo prescricional:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. CITAÇÃO POSTAL. ENTREGA NO ENDEREÇO DO CONTRIBUINTE. VALIDADE.
1. Trata-se os autos de embargos à execução fiscal opostos por particular no intuito de anular a citação realizada por AR, haja vista que este foi entregue a pessoa completamente estranha da parte executada, bem como o reconhecimento do prescrição para a cobrança do crédito tributário.
2. O entendimento desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que, na execução fiscal, a citação é realizada pelo correio, com aviso de recepção (AR), sendo dispensada a pessoalidade da citação, inclusive, a assinatura do aviso de recebimento pelo próprio executado, bastando que reste inequívoca a entrega no seu endereço.
3. Sendo válida a citação realizada no presente caso, não há que se falar em prescrição como sustentado pela recorrente.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1168621/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/04/2012, DJe 26/04/2012)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. CITAÇÃO POSTAL. ENTREGA NO ENDEREÇO DO EXECUTADO, MESMO QUE RECEBIDA POR TERCEIRO. VALIDADE DA CITAÇÃO. EQUIPARAÇÃO À CITAÇÃO PESSOAL. PRECEDENTES.
- A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da validade da citação postal, com aviso de recebimento e entregue no endereço correto do executado, mesmo que recebida por terceiros. Também é pacífico o entendimento de que "a citação postal equivale à citação pessoal para o efeito de interromper o curso do prazo prescricional".
- Agravo regimental improvido.
(AGRESP 201100019452, Cesar Asfor Rocha, STJ - Segunda Turma, DJE Data: 07/06/2011)
Assim, se a carta de citação foi encaminhada ao endereço indicado na petição inicial de execução fiscal, com aviso de recepção, sendo entregue, recebido e assinado ao seu destinatário, entre o ajuizamento da ação e o recebimento, dentro do prazo de 5 (cinco) anos, como exige a legislação de regência, não há que se falar na prescrição intercorrente.
Mesmo que a citação não tivesse ocorrido dentro do prazo legal, o ente público não teve qualquer parcela de culpa na demora da prática do ato de comunicação processual, pois a requereu na data do ajuizamento da ação executiva fiscal, antes de consumar-se a prescrição.
Impende observar, nesse contexto, o disposto no enunciado nº 106 da súmula de jurisprudência uniforme do Superior Tribunal de Justiça:
STJ Súmula nº 106
Ação no Prazo - Demora na Citação - Argüição de Prescrição ou Decadência
Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.
Esse Colendo Tribunal decidiu em sede de recurso repetitivo que a súmula acima transcrita tem aplicação na ação de execução fiscal:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. LANÇAMENTO. NOTIFICAÇÃO MEDIANTE ENTREGA DO CARNÊ. LEGITIMIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DEMORA NA CITAÇÃO NÃO IMPUTÁVEL AO EXEQÜENTE. SÚMULA 106/STJ.
1. A jurisprudência assentada pelas Turmas integrantes da 1ª Seção é no sentido de que a remessa, ao endereço do contribuinte, do carnê de pagamento do IPTU é ato suficiente para a notificação do lançamento tributário.
2. Segundo a súmula 106/STJ, aplicável às execuções fiscais, "Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência."
3. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.
(REsp 1111124/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 04/05/2009)
Portanto, lícito concluir que não restam dúvidas sobre a validade do ato processual da citação feita pelo correio, com aviso de recebimento (art. 8º, I e II, Lei 6.830/80) devendo ser rejeitada de plano a alegação de prescrição, uma vez que requereu, a citação do executado antes de consumar-se a prescrição, fato que afasta a imputação de sua culpa na demora da prática do ato de comunicação processual, consoante decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERIORMENTE - CULPA DO EXEQÜENTE - PEDIDO DE CITAÇÃO ANTERIOR À PRESCRIÇÃO.
I- Se o exeqüente, antes de consumar-se a prescrição intercorrente, requereu a citação, não há como se lhe imputar o atraso ocorrido na consumação do ato de comunicação processual.
II- Não se opera a prescrição intercorrente quando a credora não deu causa à paralisação do feito (REsp 2.565/Garcia).
(RESP 199700386961, Humberto Gomes De Barros, STJ - Primeira Turma, DJ Data: 03/11/1998 Pg: 00021 RSTJ Vol.: 00115 Pg: 00095.)
A segunda hipótese trata da completa ausência de movimentação processual da execução fiscal pela secretaria judicial.
A inércia ocorrida deve ser imputável ao mecanismo judiciário. A paralisação do processo executivo ocorreu exclusivamente pela estrutura judiciária, e, a toda evidência, não pode ser repassada à Fazenda Pública.
Se a pessoa jurídica de direito público interno promove todas as diligências necessárias para impulsionar a ação executiva fiscal, praticando todos os atos processuais visando a satisfação integral do crédito inscrito na certidão de dívida ativa não é licito atribuir qualquer espécie de culpa pela paralisação do processo ao exequente, uma vez que a demora no processamento do feito se deu por culpa da morosidade do Poder Judiciário, e não por inércia do exequente.
Nesse sentido, a iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE ERRO MATERIAL. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. PARALISAÇÃO DO PROCESSO NÃO IMPUTÁVEL À FAZENDA PÚBLICA. EXTRAVIO DOS AUTOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. NÃO OCORRÊNCIA.
1. O aresto recorrido decidiu a questão de direito valendo-se de elementos documentais constantes dos autos, todos eles perfeitamente aplicáveis e suficientes para a solução da lide. Pretende a Fazenda Pública, em última análise, modificar o entendimento do Tribunal de origem pela via estreita dos embargos de declaração, o que é inadmissível.
2. O mero transcurso de prazo não é causa bastante para que seja reconhecida a prescrição intercorrente, se a culpa pela paralisação do processo executivo não pode ser imputada ao credor exeqüente.
3. Na hipótese, a paralisação decorreu do extravio dos autos, o que tornou necessária a sua reconstituição. Impossível, portanto, decretar-se a prescrição intercorrente, ainda que transcorrido o lustro prescricional.
4. Recurso especial provido.
(RESP 200100515568, Castro Meira, STJ - Segunda Turma, DJ Data: 27/09/2004 Pg: 00292.)
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. ART. 8º, § 2º, DA LEI N.º 6.830/80. ART. 174 DO CTN. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE.
1. O mero transcurso de prazo não é causa bastante para que seja reconhecida a prescrição intercorrente, se a culpa pela paralisação do processo executivo não pode ser imputada ao credor exeqüente.
2. Na hipótese dos autos, não se pode falar em negligência da Fazenda Pública em promover os atos de propulsão do processo executivo, já que requereu a citação por edital do devedor. O processo ficou por longos 6 anos à espera de conclusão, sem que o juiz despachasse o pedido de citação editalícia formulado pelo Estado. Impossível, portanto, decretar-se a prescrição intercorrente, ainda que transcorrido o lustro prescricional.
3. O reconhecimento da prescrição nos processos executivos fiscais, por envolver direito patrimonial, não pode ser feita de ofício pelo juiz, ante a vedação prevista no art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil. 4. Recurso especial provido.
(RESP 200302216343, Castro Meira, STJ - Segunda Turma, DJ Data: 23/08/2004 Pg: 00217.)
PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE: PROVA.
1. Esta Corte sedimentou entendimento que a prescrição intercorrente só ocorre quando há inércia por parte da Fazenda (múltiplos precedentes).
2. Retificação de valor da terra para cálculo do ITR, nos anos de 1984 e 1985, na esfera administrativa, por iniciativa do contribuinte, o que lhe tolhe de, por via judicial, pleitear nova revisão via prova pericial.
3. Presunção de legalidade do ato da administração, à vista de ausência de prova.
4. Recurso especial improvido.
(RESP 200101366634, Eliana Calmon, STJ - Segunda Turma, DJ Data: 31/03/2003 Pg: 00196.)
3. Conclusão
Ante o exposto, não se verifica a ocorrência de prescrição intercorrente nos casos que a Fazenda Pública promove todas as diligências para dar andamento processual. Não há prescrição intercorrente se culpa pela demora do prosseguimento do feito é inerente à estrutura do Poder Judiciário.
Referências:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 7 ed. São Paulo: Método, 2013.
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
KLIPPEL, Rodrigo. Teoria geral do processo civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007.
MADUREIRA, Claudio Penedo, ANDRADE, José Árido Valadão. Execução Fiscal. 4 ed. Salvador: Juspodvm, 2012.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4 ed. São Paulo: Método, 2012.
PAULSEN, Leandro, ÁVILA, René Bergmann e SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e jurisprudência. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
SILVA, Américo Luís Martins da. A execução da dívida ativa da Fazenda Pública. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil anotado. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
NOTAS:
[[1]] SILVA, Américo Luís Martins da. A execução da dívida ativa da Fazenda Pública. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 340.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Público e Direito do Trabalho. Ex-advogado da Caixa Econômica Federal. Ex-advogado da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão. Ex-analista processual do Ministério Público da União. Ex-conciliador federal. Ex-advogado privado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ERICEIRA, Cássio Marcelo Arruda. A inexistência de prescrição intercorrente em razão da demora da prática de atos processuais pelo Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40099/a-inexistencia-de-prescricao-intercorrente-em-razao-da-demora-da-pratica-de-atos-processuais-pelo-judiciario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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