Resumo: O presente trabalho analisa os planos negativos do negócio jurídico – inexistência, invalidade e ineficácia.
Palavras chave: negócio jurídico, planos negativos, inexistência, invalidade, ineficácia.
Sumário: 1. Introdução. 2. Negócios jurídicos: planos negativos – inexistência, invalidade e ineficácia. 3. Conclusões. 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução.
Na perspectiva tricotômica que o negócio jurídico pode externar no mundo do Direito, o exame preliminar que se impõe é o da existência, isto é, para valer é preciso que exista, não sendo razoável examinar a validade ou invalidade a respeito de um não-ato ou um inexistente jurídico.
Subsequente a esse quadro, é coerente ponderar acerca da validade ou invalidade, inferindo-se que o negócio jurídico pode existir sem ser eficaz na medida em que há negócios jurídicos que são ineficazes sem que se possa discutir a validade ou invalidade[1].
Existir, valer e ser eficaz são conceitos singulares de modo que o negócio jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz, o que não pode é valer e ser eficaz, ou valer e ser ineficaz sem ser, porque não há validade ou eficácia do que não é[2].
No presente trabalho serão analisados os planos negativos do negócio jurídico – inexistência, invalidade e ineficácia.
2. Negócios jurídicos: planos negativos – inexistência, invalidade e ineficácia.
O negócio jurídico não existente, inexistente ou irrelevante advém da ausência de elemento de fato que a norma considerou imprescindível para sua configuração, seja como categoria abstrata ou como realidade concreta de regulação dos interesses privados. Segundo Marcos Bernardes de Mello com apoio em abalizada doutrina[3]:
O ato inexistente, segundo a concepção clássica, seria aquele que não reuniria os elementos de fato supostos por sua natureza ou seu objeto, e em cuja ausência é logicamente impossível de conceber-lhe a existência e por isso, deve ser considerado não somente como nulo, mas como não havido. (....) ... um ato é inexistente quando lhe falta um elemento essencial à sua formação de tal modo que não se possa conceber o ato na ausência desse elemento[4].
A invalidade por seu turno integra o gênero fato ilícito lato sensu, isto é, trata-se de uma classe de ilícito invalidante com natureza especial, distinta dos demais atos ilícitos. Leciona Emílio Betti a respeito do tema:
A invalidade é aquela falta de idoneidade para produzir, de forma duradoura e irremovível, os efeitos essencias do tipo... que provém da lógica correlação estabelecida entre requisitos e efeitos, no mecanismo da norma jurídica... e é, ao mesmo tempo, sanção do ônus imposto à autonomia privada de escolher meios idôneos para atingir seus escopos de regulamentação dos interesses[5].
Nesse campo, o que existe é uma deficiência de um elemento nuclear do suporte fático do negócio jurídico decorrente de particular contrariedade ao Direito e que por isso, sofre a incidência da norma invalidante[6]. O elemento nuclear do suporte fático existe, no entanto, não está em conformação com o ordenamento jurídico.
O negócio jurídico inválido, sopesada a gravidade da infração e a importância do interesse a ser protegido, impõem sanções de maior ou menor grau, que se apresentam sob as formas de nulidade ou nulidade absoluta e anulação ou nulidade relativa.
Quando preceitos que tutelam interesses diretamente ligados à coletividade, ao Estado, a partes hipossuficientes em determinadas relações jurídicas (v.g.: consumidor, trabalhador) ou por questão de política legislativa (interesses econômicos, culturais, históricos, dentre outros) são violados, a sanção oriunda desse ilícito invalidante é a sua total nulidade.
Dentre suas causas estão a incapacidade absoluta da parte, a ilicitude, impossibilidade ou indeterminabilidade de seu objeto, a ilicitude do motivo determinante, a não observância quanto à forma prescrita em lei ou a preterição de uma solenidade havida como essencial ou tenha como objetivo fraudar a lei.
Não obstante, há hipóteses de preceitos que tutelam interesses restritos a certas pessoas, no qual não está presente lesão concreta ou potencial a qualquer direito da coletividade ou do Estado. Em outras palavras, o ilícito invalidante se processa no interesse privado, de modo que a violação a qualquer dessas normas impõe a anulação, mencionando-se dentre suas causas a incapacidade relativa do agente, os vícios do consentimento e os vícios sociais.
Ainda em sede de negócio jurídico inválido, a abrangência pode ser total, isto é, quando alcança todo o negócio jurídico, ou parcial, quando apenas parte dele é considerada inválida.
A ineficácia por seu turno compreende a inaptidão temporária ou permanente do negócio jurídico em irradiar os efeitos próprios e finais que a norma jurídica lhe imputa. Conforme Manuel Antonio Domingues de Andrade:
O negócio jurídico é ineficaz quando por qualquer motivo legal não produz todos ou parte dos efeitos que, segundo o conteúdo das declarações de vontade que o integram, tenderia a produzir[7].
É utilizada no sentido lato quando o instituto não produz ou ainda não produziu efeitos, uma vez que é inerente ao próprio negócio jurídico (nulidade, anulação, resolução, etc.) e está no sentido stricto quando diz respeito ao negócio jurídico em que a eficácia própria e final não se irradiou ainda (condição suspensiva) ou se já produziu, foi excluída do mundo do Direito[8].
O exame do negócio jurídico sob a perspectiva negativa – inexistência, invalidade e ineficácia – é realizado segundo Antonio Junqueira de Azevedo, pela técnica de eliminação progressiva, que consiste:
... primeiramente, há de se examinar o negócio jurídico no plano da existência e, aí, ou ele existe, ou não existe. Se não existe, não é negócio jurídico, é aparência de negócio (dito “ato inexistente”.) e, então, essa aparência não passa, como negócio, para o plano seguinte, morre no plano da existência. No plano seguinte, o da validade, já não entram os negócios aparentes, mas sim somente os negócios existentes; nesse plano, os negócios existentes serão, ou válidos, ou inválidos; se forem inválidos, não passam para o plano da eficácia, ficam no plano da validade; somente os negócios jurídicos válidos continuam e entram no plano da eficácia. Nesse último plano, por fim, esses negócios, existentes e válidos, serão ou eficazes ou ineficazes (ineficácia em sentido estrito)[9].
3. Conclusão.
Existir, valer e ser eficaz são dimensões interdependentes e inconfundíveis. Compreendem nessa perspectiva, os planos que o negócio jurídico deve ser analisado com o fim de verificar se ele concebe plena realização.
A inexistência do negócio jurídico ocorre pela ausência de um elemento de fato que a norma considerou imprescindível para sua conformação. A invalidade caracteriza-se pela deficiência de um elemento nuclear do suporte fático, ou seja, ele existe, porém, em dissonância com o ordenamento jurídico. A ineficácia, por fim, corresponde a inaptidão do instituto na irradiação dos efeitos próprios e finais que a norma lhe confere.
Para a compreensão da teoria geral do negócio jurídico, apresenta-se indispensável a análise triplanar do instituto não apenas no âmbito positivo, mas de igual modo na perspectiva negativa – inexistência, invalidade e ineficácia.
4. Referências bibliográficas.
ANDRADE, Manuel Antônio Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1992.
AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio jurídico – existência, validade e eficácia. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2002.
BETTI, Emilio, Teoria do negócio jurídico. t. III. Coimbra: Coimbra Editora, 1970.
MELLO, Marcos Bernardes, MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico – plano da validade. 3ª edição. São Paulo: Saraiva. 1999.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Tratado de direito privado. t. 4. Campinas: Bookseller, 2000.
RODRIGUES. Silvio. Direito civil. Parte geral. 22ª ed. São Paulo: Saraiva. 1991.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas. 2003.
[1] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Tratado de direito privado. t. 4. Campinas: Bookseller, 2000, p. 39.
[2] Ibid., p. 48.
[3] Cf. AUBRY et RAU. Cours de droit civil français. 5. ed. Paris: LGDJ, 1897. v. 1, § 37, e PLANIOL, Marcele. Traité élémentaire de droit civil. 10. ed. Paris: LGDJ, 1927, v. 1., n. 332 e 345, apud MELLO, Marcos Bernardes, MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico – plano da validade. 3ª edição. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 59.
[4] A ressalva que se impõe na conceituação clássica do ato inexistente é a sua confusão com o plano da nulidade, dimensão distinta do plano existencial. Ainda, segundo Mello, a teoria clássica do ato inexistente formulada pela doutrina francesa, incorre em dois equívocos: (i) primeiro, por considerar o plano existencial como categoria jurídica quando na realidade se apresenta como situação fática e (ii) segundo, porque aquilo que não existe não poderá ser desconstituído judicial, isto é, o que não existe não precisa ser desfeito. Ibid. p. 58.
[5] BETTI, Emilio, Teoria do negócio jurídico. t. III. Coimbra: Coimbra Editora, 1970. p. 11.
[6] MELLO, Marcos Bernardes, op. cit., p. 45.
[7] ANDRADE, Manuel Antônio Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Coimbra: Almedina, 1992, p. 411.
[8] MELLO, Marcos Bernardes., ob. cit., 1999. p. 60.
[9] AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio jurídico – existência, validade e eficácia. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 64.
Procurador Federal, Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais, Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Negócio jurídico: planos negativos - inexistência, invalidade e ineficácia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40110/negocio-juridico-planos-negativos-inexistencia-invalidade-e-ineficacia. Acesso em: 23 dez 2024.
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