SUMÁRIO: Introdução; Evolução da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado; A Responsabilidade Civil Subjetiva do Estado nos casos de suicídio de detentos; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Atualmente, em regra, a responsabilidade civil do Estado é objetiva. Isso significa que, nas atuações comissivas de seus agentes que causarem danos a terceiros, não será necessário que a vítima demonstre que tal conduta foi culposa latu sensu. Tal regramento está estampado no art. 37, § 6.º, CF/88:
“Art. 37, § 6.º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Há casos, entretanto, em que a responsabilidade do Estado ainda é subjetiva. Assim, a suposta vítima terá que comprovar a ocorrência de conduta culposa ou dolosa por parte do agente estatal para que se configure o dever de indenizar. Esses casos especiais decorrem não de uma conduta comissiva, mas de uma conduta omissiva, que se caracterizam por ocasionar um real dano a alguém, e apenas nas hipóteses em que o Estado efetivamente possuía meios razoáveis e suficientes para evitá-lo, mas não o fez.
Cumpre destacar que a responsabilidade do Estado, seja ela objetiva nas condutas comissivas, seja ela subjetiva nas condutas omissivas em alguns casos específicos, passou por intensas alterações ao longo do tempo, tendo por marco inicial a aceitação da responsabilidade estatal, durante a Idade Moderna, em situações pontuais definidas por leis específicas.
a evolução da responsabilidade civil extracontratual do estado
Foi durante a Revolução Francesa, com a propagação dos ideais iluministas e, evidentemente, com a promulgação da Constituição daquele país que o estudo e o desenvolvimento do Direito Constitucional ganharam força. Atrelado a ele, começaram a surgir os fundamentos do que hoje chamamos de Direito Administrativo, como a busca pelo bem da coletividade e pelo interesse público.
A partir de então, a Teoria da Irresponsabilidade Absoluta do Estado, consubstanciada na figura de um Monarca ou de um Imperador impassíveis de cometerem quaisquer tipos de erros, começou a perder força. Aos poucos, foi sendo substituída por outras que melhor se compatibilizavam com a perspectiva de uma maior proteção para o administrado e de um maior rigor para o ente estatal.
Segundo o entendimento de estudiosos do Direito Administrativo, como Maria Silva di Pietro, Hely Lopes Meireles e outros, o Brasil nunca adotou a Teoria da Irresponsabilidade Estatal. Muito embora as primeiras Constituições de nosso País, a de 1824 e a de 1891, não dispusessem expressamente acerca da responsabilidade civil extracontratual do Estado, havia a previsão da responsabilidade do agente público que cometesse abusos ou omissões no exercício de suas funções.
Somente a partir do Código Civil de 1916 que a Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva do Estado, ainda hoje empregada em algumas situações, passou a ser adotada. Para a sua caracterização era necessária a ocorrência de quatro elementos cumulativamente: a conduta estatal; o dano; o nexo de causalidade e a culpa ou o dolo do agente. Era o que dispunha o art. 15 do referido Código:
“Art. 15. As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”.
Por sua vez, o Decreto Legislativo n.º 2.681 de 1912, em seu art. 17, trouxe importante regra da presunção de culpa nos casos de acidentes em ferrovias que ocasionassem danos aos seus passageiros:
“Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário algumas das seguintes provas:
I – caso fortuito ou força maior;
II – culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada”.
Em seguida, com a promulgação da Constituição Federal de 1946, a Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado passou a ser empregada no nosso País. Com o objetivo de proporcionar uma maior segurança à sociedade, efetivando a indenização de qualquer dano causado por uma conduta estatal, mesmo que lícita, tal teoria não exige a comprovação da culpa ou do dolo do agente. Era o que dispunha o art. 194 da aludida Constituição:
“Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.
As Constituições seguintes, a de 1967 e a de 1969, apenas repetiram a norma da Constituição de 1946. Como dito anteriormente, foi apenas com a promulgação da CF/88 que a teoria da responsabilidade objetiva passou a ser expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Deve-se ressaltar que a Teoria Objetiva pode ser dividida em duas subteorias: a do risco integral e a do risco administrativo. A primeira não admite excludente, sendo defendida por alguns autores quando tratar-se de danos decorrentes de material bélico, de substâncias nucleares e ao meio ambiente. A segunda admite excludente, ou seja, não estando presente algum dos três requisitos, a responsabilidade do Estado estará excluída. Via de regra, esta é a adotada no Brasil.
A Responsabilidade Civil Subjetiva do Estado nos casos de suicídio de detentos
Em nosso País, conforme já consignado, estão presentes tanto a teoria subjetiva quanto a teoria objetiva. Muito embora a regra seja a responsabilidade objetiva, vislumbrada pelo citado art. art. 37, § 6.º, CF/88, a responsabilidade subjetiva é a adotada nos casos de condutas omissivas.
O que distingue essas duas teorias é a conduta emanada pelo Estado. Então, deve-se atentar para o fazer ou o não fazer estatal. Para Fernanda Marinela (2013, p. 994):
“Nas condutas omissivas, no não fazer do Estado, hoje a doutrina e a jurisprudência dominante reconhecem a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, estando assim o dever de indenizar condicionado à comprovação do elemento subjetivo, a culpa e o dolo, admitido a aplicação da culpa anônima ou culpa do serviço, que se contenta com a comprovação de que o serviço não foi prestado ou foi prestado de forma ineficiente ou atrasada”.
Ora, para que a responsabilidade estatal reste configurada não é necessário apenas uma omissão em si, mas é preciso que esta, além de causar um dano real, evidentemente, seja fruto de um comportamento leniente ou descompromissado do Estado. Não é qualquer omissão que tem o condão de gerar o dever de indenizar. Assim defende Fernanda Marinela (2013, p. 997):
“Vale observar que a punição pela ausência do Poder Público deve ser ponderada frente à possibilidade de impedir o dano, além da compatibilidade com os padrões possíveis do serviço, frente às dificuldades orçamentárias insuperáveis para o Estado. O fato é que o Estado não pode ser responsável pelas faltas do mundo, não pode ser tratado como anjo da guarda ou salvador universal, por isso os limites são necessários”.
Nos casos de detentos que comentem suicídio dentro de unidade prisional mantida pelo Poder Público, em regra, não há o dever de se indenizar os seus familiares. Isso se deve ao fato de que o dano ocorrido não está ligado (nexo causal) ao comportamento omissivo.
Muito embora seja um dever do Ente Estatal zelar pela integridade física de seus encarcerados, não é razoável se exigir a onipresença de seus agentes, a fim de que se possa evitar a ocorrência do fato em comento.
Na verdade, a indenização somente será devida se, além de verificadas a conduta estatal omissiva, o dano e o nexo de causalidade entre eles, os familiares de tais detentos comprovarem a culpa ou o dolo do agente público. E não poderia ser diferente, justamente, por se tratar de uma responsabilidade civil subjetiva.
A título de exemplo, um detento que se suicida utilizando utensílios de presença comum em cadeias, como lençóis e fronhas ou, até mesmo, as suas próprias vestimentas, não restará configurado nexo causal entre a conduta omissiva do Estado de zelar pela integridade física de seus detentos e o dano sofrido por seus familiares, pois impossível ao Poder Público garantir a proteção nessa situação.
CONCLUSÃO
Conforme buscou-se demonstrar, a promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe a adoção expressa da Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado, não significando que a Teoria da Responsabilidade Subjetiva Estatal tenha sido suplantada. Ante o exposto, percebe-se que as duas teorias são adotadas, concomitantemente, em nosso ordenamento jurídico.
Para saber qual dessas teorias irá vigorar em um caso concreto, será necessária uma analise mais detida a respeito da conduta estatal. Se houver um comportamento comissivo dos agentes públicos, o instituto que vigorará será o da responsabilidade objetiva, sendo inexigível, portanto, a comprovação da culpa ou do dolo desse agente.
Entretanto, havendo um comportamento omissivo por parte do Poder público, o instituto utilizado será o da responsabilidade subjetiva da culpa administrativa, cabendo à suposta vítima comprovar que o dano sofrido é consequência de uma omissão culposa latu sensu do agente público; omissão esta que poderia razoável e eficazmente ser evitada pelo Estado.
Assim sendo, defende-se que, em casos de suicídios cometidos por presos sob a vigilância do Estado, este não deverá arcar com nenhuma indenização, haja vista a ocorrência de culpa exclusiva da vítima. Portanto, inexistindo nexo causal entre o dano e a conduta estatal, não há que se falar em culpa do Ente Público, nem mesmo concorrente.
REFERÊNCIAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013
MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Delcio Balestro; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENESES, Fabrício Cardoso de. A imperiosa necessidade de se comprovar a culpa ou o dolo do agente estatal para que a responsabilidade civil do estado reste configurada nos casos de detentos que cometem suicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40115/a-imperiosa-necessidade-de-se-comprovar-a-culpa-ou-o-dolo-do-agente-estatal-para-que-a-responsabilidade-civil-do-estado-reste-configurada-nos-casos-de-detentos-que-cometem-suicidio. Acesso em: 23 dez 2024.
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