Resumo: O presente estudo trata-se de uma análise acerca da existência do decreto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-Chaves: Decreto executivo - Decreto autônomo – Jurisprudência
Abstract: This study deals with an analysis of the existence of the autonomous decree in Brazilian law.
Key Words: Executive Decree - Autonomous decree - Jurisprudence
1. INTRODUÇÃO
O Poder Executivo exerce como função típica a chefia de Estado e de Governo, bem como realiza atos de administração, através de decretos e regulamentos.
Através do poder regulamentar, o Presidente da República materializa as competências privativas que lhe foram conferidas no art. 84, da Constituição, dentre eles a edição de decretos e regulamentos para a fiel execução da lei.
A princípio, os decretos e regulamentos do Executivo servem para regulamentar os preceitos fixados em lei, dentro dos limites nela insertos, sendo considerados dessa forma atos secundários.
Com a Emenda Constitucional no. 32/2001, ressurgiu o questionamento acerca da existência de decretos autônomos no Brasil na hipótese prevista no art. 84, VI, qual seja, a edição de decreto sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Com base nesse questionamento, este estudo analisa, de forma resumida, a admissão do decreto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro.
2. PODER REGULAMENTAR
No âmbito federal, o exercício do Poder Executivo no Brasil é realizado pelo Presidente da República (art. 76). No âmbito estadual e distrital, tal exercício é realizado pelo Governador do Estado e do Distrito Federal, respectivamente, e no âmbito municipal é realizado pelo Prefeito.
As atribuições conferidas privativamente ao Presidente da República estão previstas no art. 84, da Constituição. Trata-se de um rol exemplificativo na medida em que lhe podem ser conferido outras atribuições diversas das previstas no citado artigo.
O exercício do poder regulamentar conferido ao Presidente da República é realizado por meio de decretos e regulamentos, conforme previsão expressa no art. 84, IV. Sobre o assunto ensina Pedro Lenza[1] (2005, páginas 299/300):
[...] Passamos, desde já, dada a importância, a comentar o inciso IV, que atribui competência privativa ao Presidente da República para sancionar, promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir, decretos e regulamentos para sua fiel execução. Trata-se do poder regulamentar que se perfaz através de decretos regulamentares. Como regra geral, o Presidente da República materializa as competências do art. 84 através de decretos. É o instrumento através do qual se manifesta. No tocante às leis, algumas são auto-executáveis. Outras precisam de regulamento para que seja dado fiel cumprimento aos seus preceitos. Para tanto são expeditos os decretos regulamentares.
Acerca do poder regulamentar, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[2] (2007, p. 582) ensinam que: “o denominado Poder Regulamentar, em sentido estrito, consubstancia-se na prerrogativa, que tem o chefe do Poder Executivo, para a edição de decretos e regulamentos, normas gerais e abstratas infralegais.”
O decreto regulamentar tem o seu conteúdo e limite definido em lei. Assim, caso exorbite os termos da lei, ultrapassando o poder regulamentar do Executivo, poderá ser sustado pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, V, da Constituição.
3. DECRETOS DO EXECUTIVO
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[3] (2007, p. 583) assinalam que “a doutrina costuma classificar os decretos e regulamentos em: (i) decreto ou regulamento de execução; (ii) decreto ou regulamento autônomo e (iii) decretou ou regulamento autorizado.
Os decretos ou regulamentos de execução ou executivos são editados em função da lei, possibilitando a sua fiel execução (art. 84, IV). Assim, se restringe aos limites e ao conteúdo da lei, garantindo a uniformização de seus critérios e procedimentos, assegurando a atuação concreta da Administração. Como necessitam sempre da edição prévia de uma lei, são considerados atos normativos ditos secundários.
Sobre os decretos ou regulamentos de execução, ensinam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[4] (2007, p. 583) que:
[...] costumam ser definidos como regras jurídicas gerais, abstratas e impessoais, editadas em função de uma lei, concernentes à atuação da Administração, possibilitando a fiel execução da lei a que se referem. A Constituição de 1988 expressamente prevê a edição de regulamentos de execução em seu art. 84, IV. Segundo esse dispositivo, compete privativamente ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis. É interessante notar que o parágrafo único desse art. 84 enumera as competências passíveis de delegação pelo Presidente da República, não incluindo entre elas a expedição dos decretos ou regulamentos de execução.
Os decretos ou regulamentos autorizados são editados para complementar a lei de acordo com determinação inserta expressamente. A lei traça as regras e parâmetros amplos sobre determinado assunto, prevendo expressamente a edição de regulamento que disciplinará tais parâmetros.
Cumpre ressaltar que decreto ou regulamento autorizado não é o mesmo que lei delegada. Lecionam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[5] (2007, p. 584) que:
O regulamento autorizado não se confunde com a lei delegada. Esta é ato normativo, primário, literalmente uma lei, e sua válida edição deve respeitar os requisitos formais (autorização por meio de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seus exercício) e as restrições materiais previstas no art. 68, § 1º, da Constituição. Como afirmou o STF, o Poder Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente, temas sujeitos à reserva constitucional da lei.
Os decretos ou regulamentos autônomos tratam de regulamentos que não disciplinam determinada lei, não se restringindo ao seu conteúdo e limite. São considerados atos primários, pois derivam diretamente da Constituição.
O art. 84, IV dispõe que a edição de decretos ou regulamentos se destina a fiel execução da lei, ou seja, não podem disciplinar acerca de assunto não previsto na lei a qual estão vinculados. Assim, a princípio, não haveria espaço, no ordenamento jurídico brasileiro, para expedição decretos ou regulamentos independentes da prévia existência de lei.
Com a Emenda Constitucional no. 32/2001 passou a admitir a edição de regulamento considerado ato primário, ou seja, que deriva diretamente da Constituição, na medida em que se permitiu, através de decreto, a disciplina acerca da organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, bem como a extinção e funções ou cargos públicos, quando vagos (art. 84, VI).
Pode-se dizer que, com a Emenda Constitucional no.32, de 2001, o decreto como ato normativo primário passou a ser admitido no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse aspecto observam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[6] (2007, página 586) que :
Desde a promulgação da Constituição de 1988 até a promulgação da EC 32/2001 considerávamos inteiramente banido o decreto autônomo de nosso ordenamento. O texto constitucional somente aludia à expedição de decretos e regulamentos no seu art. 84, IV, explicitando que tais atos se prestam a assegurar a fiel execução da lei. Portanto, o constituinte originário só parece ter albergado a figura do regulamento de execução. Todavia, a partir da EC 32/2001, passou a existir autorização expressa na Constituição (art. 84, VI) para que o Presidente da República disponha sobre a organização e funcionamento da Administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e proceda à extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos, diretamente mediante decreto.
Ademais, verifica-se que as competências previstas no art. 84, VI, da Constituição Federal tratam-se de matérias reservadas ao Poder Executivo, não podendo ser disciplinada pelo Legislativo.
4. DECRETO AUTÔNOMO E A JURISPRUDÊNCIA
Sobre a existência dos decretos autônomos no ordenamento jurídico brasileiro de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, aponta Pedro Lenza[7] (2005, páginas 300/301) que:
Apesar do entendimento de grande parte da doutrina, manifestando-se pela inexistência de acolhida constitucional dos regulamentos autônomos, o STF assim sem manifestou em um julgado: ‘Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade: objeto: tem-se objeto idôneo à ação direta inconstitucionalidade quando o decreto impugnado não é de caráter regulamentar de lei, mas constitui ato normativo que pretende derivar o seu conteúdo diretamente da Constituição.
Com a Emenda Constitucional no. 31/2001, o ordenamento jurídico brasileiro passou a admitir o decreto autônomo visto que o decreto que disciplina as competências do art. 84, VI é um ato normativo derivado diretamente da Constituição.
Dessa forma, salvo a hipótese do art. 84, VI, caso o decreto extrapole os seus limites, apresentando autonomia, generalidade abstrata e impessoalidade, com violação à lei que deveria disciplinar, o controle que deverá ser realizado é o de legalidade e não de constitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal, em seus julgados, admitia a possibilidade de ação direta de constitucionalidade na hipótese do decreto constituir ato normativo primário, caso do art. 84, VI, como pode-se observar nos julgados abaixos:
EMENTA: 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade.
2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ.
(ADI 3664, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-181 DIVULG 20-09-2011 PUBLIC 21-09-2011 EMENT VOL-02591-01 PP-00017 RTJ VOL-00219- PP-00187)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO Nº 3.721, DE 8.01.2001, QUE ALTERA OS ARTIGOS 20, II E 31, INCISOS IV E V DO DECRETO Nº 81.240, DE 20.01.78. LEI Nº 6.435, DE 15.07.77, QUE DISCIPLINA O FUNCIONAMENTO DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA FECHADA. DECRETO AUTÔNOMO. INEXISTÊNCIA. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade. No caso, o decreto em exame não possui natureza autônoma, circunscrevendo-se em área que, por força da Lei nº 6.435/77, é passível de regulamentação, relativa à determinação de padrões mínimos adequados de segurança econômico-financeira para os planos de benefícios ou para a preservação da liquidez e da solvência dos planos de benefícios isoladamente e da entidade de previdência privada no seu conjunto. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.
(ADI 2387, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 21/02/2001, DJ 05-12-2003 PP-00018 EMENT VOL-02135-06 PP-01037)
O entendimento da Suprema Corte, encontra-se acolhido no ordenamento jurídico, conforme se verifica nos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE ÁGUAS – ATO ADMINISTRATIVO BASEADO EM DECRETO ESTADUAL AUTÔNOMO CONFLITANTE COM LEIS ESTADUAL E FEDERAL – INVALIDADE.
1. O ordenamento jurídico nacional não permite a edição de Decretos autônomos, salvo nos casos do inciso VI do artigo 84 da Constituição Federal/88.
2. O Decreto Estadual em comento veicula restrições inexistentes nas leis regulamentadas, o que invalida as restrições apresentadas.
3. Ainda que houvesse lei estadual restringindo a perfuração e captação de águas em poços artesianos, sua validade restaria afastada com base na competência da UNIÃO para legislar sobre águas - artigo 22, inciso IV, da Constituição Federal/88.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 27.679/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 21/10/2009)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.ENQUADRAMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 9.421/1996. EXISTÊNCIA DE PORTARIA E OFÍCIO CIRCULAR. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DE DOCUMENTOS OFICIAIS À LEI.PRECEDENTES.
1. O conceito de lei federal para efeito de admissibilidade do recurso especial, à luz da hodierna jurisprudência do STJ, compreende regras de caráter geral e abstrato, produzidas por órgãos da União com base em competência derivada da própria Constituição, como o são as leis (complementares, ordinárias, delegadas) e as medidas provisórias, bem assim os decretos autônomos e regulamentares expedidos pelo Presidente da República (REsp 663.562, 2ª Turma, DJ de 07.11.05). Não se incluem nesse conceito os atos normativos secundários produzidos por autoridades administrativas, tais como resoluções, circulares e portarias (REsp 88.396, 4ª Turma, DJ de 13.08.96; AgRg no Ag 573.274, 2ª Turma, DJ de 21.02.05), instruções normativas (REsp 352.963, 2ª Turma, DJ de 18.04.05), atos declaratórios da SRF (REsp 784.378, 1ª Turma, DJ de 05.12.05), ou provimentos da OAB (AgRg no Ag 21.337, 1ª Turma, DJ de 03.08.92) - AgRg no REsp n. 958.207/RS, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3/12/2010.
2. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 933.351/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 28/10/2013)
5. CONCLUSÃO
A Emenda Constitucional no. 32/2001 possibilitou a introdução do decreto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro na hipótese do art. 84, VI, da Constituição, ou seja, na hipótese de edição de decreto sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e sobre extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
Ao tratar de questão de constitucionalidade do decreto que exorbita os preceitos da lei, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza autônoma apenas ao decreto derivado diretamente da Constituição - hipótese do art. 84, VI -, de forma que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema situado no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENZA, PEDRO. Direito Constitucional Esquematizado. 8ª Edição. São Paulo: Método
PAULO, VICENTE E ALEXANDRINO, MARCELO. Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro: Impetus
[1] Direito Constitucional Esquematizado. 8ª Edição. São Paulo: Método
[2] Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro: Impetus.
[3] idem
[4] idem
[5] idem
[6] idem
[7] Direito Constitucional Esquematizado. 8ª edição. São Paulo: Editora Método.
Procuradora Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Chefe do Serviço de Gerenciamento Estratégico, pós graduada em Direito Processual pela AVM Faculdade Integrada e pós-graduanda em Direito Administrativo. Fui analista judiciária do Superior Tribunal de Justiça, com exercício nos Gabinetes dos Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Nilson Naves. Fui também advogada da Embrapa, com exercício na Embrapa-Sede.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Agueda Cristina Galvão Paes de. O poder regulamentar e a expedição de decreto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40123/o-poder-regulamentar-e-a-expedicao-de-decreto-autonomo-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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