1. INTRODUÇÃO
A ampliação do acesso ao Poder Judiciário e a crescente demanda em busca pela prestação jurisdicional nos últimos anos, contribuíram para o desenvolvimento da tutela jurisdicional coletiva e dos instrumentos procedimentais necessários a sua efetivação.
Nesse sentido, caminhou a legislação com a edição de vários diplomas legais, dentre os quais destacamos os seguintes: Lei 4.717/65 (Lei da ação popular); Lei 7.347/85 (Lei da ação civil pública); Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança Coletivo).
A criação dessas normas jurídicas decorre da necessidade de resolver os conflitos com o menor número de atos processuais possíveis para tutelar novos interesses: difusos, coletivos (metaindividuais, transindividuais) e os individuais homogêneos.
As ações coletivas seguem o rito procedimental definido pela Lei de Ação Civil Pública combinado com as disposições pertinentes do Código de Defesa do Consumidor.
2. SENTENÇA E COISA JULGADA
Segundo Didier Júnior (2007), “a sentença é um ato jurídico que contém uma norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas”.
Marinoni apud Didier Júnior (2007) diz que “se nas teorias clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava a norma individual a partir da norma geral, agora ele constrói a norma jurídica a partir da interpretação de acordo com a Constituição”.
Nas ações coletivas, a sentença de procedência do pedido será sempre genérica, consoante dispõe o art. 95 do CDC, o que significa que não haverá determinação relativa ao quantum da condenação, pois o bem jurídico tutelado ainda é tratado de forma indivisível.
Desta forma, o procedimento de liquidação e execução poderá ser efetivado de forma coletiva pelos legitimados legais ou individualmente pelas respectivas vítimas ou sucessores, observando-se as normas do Código de Processo Civil.
2.2 Coisa Julgada: efeitos
Segundo Paes (2011), a coisa julgada pode ser considerada como garantia constitucional expressa em seu art. 5º, XXXVI, onde o poder constituinte originário assegurou aos jurisdicionados a segurança jurídica necessária à imutabilidade das decisões emanadas do Poder Judiciário, em que já não caiba interposição de recurso.
Contudo, o trânsito em julgado somente ocorrerá após o julgamento e preclusão de todos os recursos disponíveis no ordenamento jurídico, a partir disso ocorrerá o fenômeno chamado de coisa julgada, que poderá ser formal ou material. Nesse sentido, colaciona-se a seguinte lição:
A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão judicial restrita aos limites do processo em que foi proferida, em decorrência do esgotamento das vias recursais ou pelo decurso do prazo, o que levará a impossibilidade de rediscussão da matéria dentro dos limites daquele processo, a exemplo do indeferimento da petição inicial, onde o autor poderá ajuizar novo procedimento posteriormente.
Já a coisa julgada material produz efeitos para além dos limites daquele processo em que foi produzida a sentença, ou seja, a imutabilidade se opera dentro e fora do processo, tornando-se inalterável. (PAES, 2011)
Nas ações coletivas é imprescindível analisar os efeitos decorrentes da coisa julgada. Nesse sentido, colaciona-se abaixo o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, conforme veremos:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (grifo nosso)
A doutrina (RAGAZZI; HONESKO; LUNARDI) afirma que o dispositivo acima foi alterado pela Lei nº 9.494/1997, de maneira “sorrateira”, através da conversão em lei da medida provisória nº (1.570/1997), sem observância dos requisitos contidos no art. 62 da Constituição Federal.
Verifica-se que tal alteração teve por objetivo restringir a incidência da coisa julgada aos limites da competência territorial onde foi prolatada a sentença. Percebe-se que o legislador agiu com intenção protecionista em relação ao Poder Executivo, que vinha sofrendo os efeitos de várias decisões coletivas em seu desfavor.
De maneira equivocada, o legislador confundiu os efeitos da decisão com critérios de competência, o que não se coaduna aos princípios da tutela coletiva. Por outro lado, o legislador deixou de alterar o art. 103, I do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
Em face da integração que deve ocorrer entre as normas da Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, infere-se que a alteração do art. 16 (LACP) se torna absolutamente ineficaz, sendo plenamente possível afastar a restrição imposta pelo referido dispositivo, não devendo haver limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão proferida em ações coletivas.
Em 1997 foi interposta a ADIN nº 1576, em face da mencionada Medida Provisória. Não houve apreciação do mérito em vista de alterações em seu texto por ocasião de reedição, sem o devido aditamento na ação pelo requerente, o que levou a sua extinção sem apreciação do mérito.
Vale salientar que o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de reconhecer validade ao art. 16 (LACP), de maneira contrária ao entendimento da doutrina.
3. EXECUÇÃO: procedimento nas ações relativas aos Direitos Individuais Homogêneos
Conforme mencionado, nas ações coletivas a condenação será genérica, fazendo-se necessário o procedimento de liquidação da sentença preliminarmente à execução. A liquidação de sentença pela habilitação dos interessados é diferenciada, pois abrange o dano, a relação de causalidade e o quantum do dano. Trata-se de liquidação por ação e processo de conhecimento que deverá seguir o rito ordinário ou sumário, conforme o caso (ALMEIDA, 2008).
Relativamente aos direitos individuais homogêneos, a execução poderá ser individual ou coletiva, nos termos do art. 97 do CDC: “A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82”.
A execução individual será interposta pelo interessado (vítima ou sucessor), cabendo-lhe provar o interesse. Já a execução coletiva será realizada com base em certidão da sentença de liquidação, conforme disposto no art. 98, §1º, CDC.
As regras relativas à competência estão dispostas no art. 98, §2º: “É competente para a execução o juízo: I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual; II - da ação condenatória, quando coletiva a execução”.
Segundo Almeida (2008): “O procedimento da execução, nesses casos, em que já houve sentença condenatória e sua respectiva liquidação, é o do art. 475-I/475-J, todos do CPC, no que for compatível”.
Registre-se, ainda, outra hipótese de execução coletiva que se destina à reparação fluida, disciplinada no art. 100 do CDC: "Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985"
Desta forma, caso não haja interessados à liquidação e execução, após o decurso de um ano, a liquidação e execução poderá ser iniciada pelos legitimados ativos, para que os valores sejam convertidos ao fundo específico que será revertido em favor dos interessados lesados.
4. Litispendência
Trata-se de pressuposto processual negativo, que pode ensejar a extinção do feito sem resolução do mérito, aplica-se também às ações coletivas, de duas formas, poderá ocorrer através da concomitância de duas ou mais ações coletivas, ou entre uma ação coletiva e uma individual.
Para analisar a presença ou não de litispendência, necessário analisar se há identidade entre os elementos identificadores da ação: partes, pedido e causa de pedir. Contudo, nas ações coletivas, relativamente às partes, faz-se necessário analisar se há identidade entre os titulares do direito material que serão afetados pela sentença.
Com efeito, percebe-se que o objetivo de identificar a litispendência é evitar decisões conflitantes, tanto nas ações individuais quanto nas ações coletivas, e por isso as ações idênticas devem ser julgadas conjuntamente.
Nas ações coletivas a litispendência é tratada pelo art. 104 do CDC, in verbis:
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Percebe-se que é plenamente possível a tramitação concomitante entre ação individual e coletiva, sem que haja o fenômeno da litispendência.
Todavia, o legislador criou a oportunidade para que o litigante da ação individual possa optar entre continuar com sua demanda ou suspendê-la, no prazo de trinta dias da ciência do ajuizamento da ação coletiva, para aguardar o julgamento da decisão coletiva. Pois, somente poderá se beneficiar dos efeitos da coisa julgada da ação coletiva caso opte pela suspensão da ação individual no prazo mencionado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a evolução e ampliação do acesso à tutela jurisdicional surgiram novos interesses difusos e coletivos, e consequentemente normas foram editadas com o objetivo de instrumentalizar os procedimentos necessários à tutela coletiva.
Nesse diapasão, faz-se necessário analisar o alcance dos efeitos decorrentes da coisa julgada nas ações coletivas. Nesse sentido, importante mencionar que apesar da atual redação do art. 16 (LACP) restringir a abrangência dos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas, esta restrição se torna ineficaz, em vista da integração com o disposto no art. 103, I, CPC, não devendo haver limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão proferida em ações coletivas.
Nas ações coletivas a condenação será genérica, fazendo-se necessário o procedimento de liquidação da sentença preliminarmente à execução. Relativamente aos direitos individuais homogêneos, a liquidação e execução poderá ser individual ou coletiva, nos termos do art. 97 do CDC.
Verifica-se plenamente possível a tramitação concomitante entre ação individual e coletiva, sem que haja o fenômeno da litispendência. No entanto, existe a oportunidade de opção entre continuar com a demanda individual ou suspendê-la, para aguardar o julgamento da decisão coletiva. Pois, somente poderá se beneficiar dos efeitos da coisa julgada da ação coletiva caso opte pela suspensão da ação individual no prazo legal.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Algumas considerações reflexivas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1956, 8 nov. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11951>. Acesso em: 31 ago. 2013.
DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: JusPodivm, 2007, vol. 2.
PAES, Janiere Portela Leite. Breves considerações: sentença e coisa julgada no Processo Civil. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez. 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35224&seo=1>. Acesso em: 31 ago. 2013.
RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel Schlommer; LUNARDI, Soraya Gasparetto. Processo Coletivo. In: NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Manual de Direitos Difusos. 2 ed. São Paulo: Verbatim, 2012.
Bacharela em Direito pela Faculdade Guanambi; desde 2007 exerce o cargo efetivo de técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral De Alagoas, removida para o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAES, Janiere Portela Leite. Ações Coletivas: sentença e coisa julgada; execução e litispendência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40141/acoes-coletivas-sentenca-e-coisa-julgada-execucao-e-litispendencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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