Recentemente a Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, inovando a ordem jurídica, criou a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelos condenados em regime de cumprimento de pena, instituindo, assim, a possibilidade de utilização das chamadas “tornezeleiras eletrônicas” como meio de vigilância do condenado que cumpre pena em regime fora do encarceramento direto, ou seja, nos casos em que autorizada a saída temporária; no cumprimento de pena no regime semiaberto ou quando determinado a prisão domiciliar.
Por conta desta inovação legislativa, busca-se, em breves, linhas analisar se esta monitoração eletrônica não consistiria em uma possível violação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
2. DSENVOLVIMENTO
Sabe-se que o Sistema Prisional Brasileiro passa por grave crise causada pela superpopulação carcerária e falta de investimentos no setor, o que, com muita frequência, provoca rebeliões e motins que trazem graves consequências para os internos e suas famílias, corrompendo os estabelecimentos e transformando-os em locais inseguros e violentos.
O Sistema Prisional Brasileiro, portanto, apresenta falhas que impedem a plena reabilitação do indivíduo condenado, prestando-se mais a conduzir o presidiário às formas mais graves de delinquência do que a obtenção da meta esperada da constrição da liberdade, que em suma são a ressocialização do detento e a sua reinserção ao corpo social.
Nesta esteira, embora com atraso, o Brasil, passa a fazer parte do grupo de países que de há muito tempo utiliza deste modelo de vigilância, buscando a ressocialização do preso e sua inserção na sociedade.
É por conta deste cenário caótico que a nova legislação introduziu mudanças na execução penal, tentando, de certa forma, criar nova forma de vigilância no cumprimento de penas para os presos com direito à prisão domiciliar ou progressão para o regime semiaberto, ampliando o número de detendo que possam cumprir suas penas fora do encarceramento direto e, por conta disso, colocando-os em condições de demonstrar que são merecedores de um benefício que consiste no cumprimento da pena fora do presídio com baixo risco de fuga, o que traz vantagens tanto para o Estrado quanto para a pessoa do condenado.
Essa possibilidade surge a partir do sistema denominado de monitoração eletrônica de presos que, como vimos, traz a possibilidade de o indivíduo cumprir sua pena junto com a família e com direito a voltar às suas atividades laborais.
Ou seja, esta medida permite à autoridade encarregada de aplicar as medidas restritivas de liberdade manter um controle efetivo sobre o detento e suas atividades, podendo a qualquer momento propugnar por sua revogação.
Ocorre que não são poucas as vozes que se insurgem contra essa possibilidade de monitoração eletrônica, alegando-se, contra essa possibilidade, uma possível violação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Vários países já adequaram suas legislações para adotar o sistema de monitoramento eletrônico de presos, registram-se várias iniciativas como nos Estados Unidos.
Acerca do início do uso deste sistema, Mariath leciona que[i]:
O primeiro dispositivo de monitoramento eletrônico foi desenvolvido nos anos 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel. O Dr. Robert entendeu que sua invenção poderia fornecer uma alternativa humana e barata à custódia para pessoas envolvidas criminalmente com a justiça. A máquina consistia em um bloco de bateria e um transmissor capaz de emitir sinal a um receptor.
Qual se verifica, o monitoramento não é algo recente; no entanto, nos dias atuais, este dispositivo assume posição de destaque tendo em vista a crescente necessidade de prevenção ao efetivo cumprimento das condenações criminais, prevenção de novos crimes durante o cumprimento das penas, bem como a ressocialização dos internos que atualmente se amontoam nas cadeias e presídios Brasil afora.
Entre os vários países civilizados que antecederam o Brasil na adoção do monitoramento eletrônico de presos, Carvalho (2010, p. 24) enumera: França, Inglaterra, Suécia, Portugal, Austrália, Escócia e Argentina.
O Brasil, portanto, com a promulgação da Lei 12.258/10, insere-se no rol dos países que utilizam este sistema, do qual se espera que o processo de ressocialização de preso seja mais efetivo, bem como se espera uma redução da superpopulação carcerária que, segundo Silva (2009, p 11), é da ordem de 420 mil presos.
Quanto às formas de monitoramento, Mariath[ii] ilustra os três modelos existentes:
I – Sistemas Passivos
Nesse sistema, os usuários são periodicamente acionados pela central de monitoramento por meio de telefone ou pagers para garantir que eles se encontram onde deveriam estar conforme a determinação judicial.
A identificação do indivíduo ocorre por meio de senhas ou biometria, como impressão digital, mapeamento da íris ou reconhecimento de voz7.
II – Sistemas Ativos
Por meio do sistema ativo, o dispositivo instalado em local determinado (ex. casa) transmite o sinal para uma estação (central) de monitoramento. Assim, se o usuário se afastar do local determinado acima da distância estabelecida, a central é acionada.
III – Sistemas de Posicionamento Global (GPS)
O GPS consiste em três componentes: Satélites, Estações de terra conectadas em rede e dispositivos móveis. A tecnologia elimina a necessidade de dispositivos instalados em locais predeterminados, podendo ser utilizada como instrumento de detenção, restrição ou vigilância.
A cada dia que passa novas tecnologias poderão surgir e tornar o monitoramento eletrônico de presos cada vez mais sofisticados possibilitando maior controle do detento e com isso proporcionar segurança para a sociedade.
No Brasil, a Lei 12.258/2010, como vimos linhas acima, introduziu o monitoramento eletrônico. Esta alteração legislativa modificou a Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais - inserindo os artigos 146-B; 146-C e 146-D, que passaram a disciplinar o dispositivo em caráter nacional: vejamos os dispositivos legais em comento:
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:
I - (VETADO);
II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto;
III - (VETADO);
IV - determinar a prisão domiciliar;
Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:
I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações;
II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;
(...)
Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:
I - a regressão do regime;
II - a revogação da autorização de saída temporária;
(...)
VI - a revogação da prisão domiciliar;
VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.
Art. 146-D. A monitoração eletrônica poderá ser revogada:
I - quando se tornar desnecessária ou inadequada;
II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.”
Art. 3o O Poder Executivo regulamentará a implementação da monitoração.
Qual se verifica, pelo artigo 146-B, o monitoramento eletrônico será utilizado nos caso de saída temporária em regime semiaberto e quando determinada a prisão domiciliar.
Sobre os poderes do Juiz, Nucci, (2010, p. 588) assim leciona: “Enfim, deve o juiz lançar mão da monitoração eletrônica em último caso, quando perceber sua necessidade para fazer valer de fato as regras do benefício concedido”.
Consta-se que a referida Lei sofreu vários vetos, sobretudo com relação aos incisos que previam o uso da monitoração de forma mais ampla, que poderia também ser utilizado nos casos de aplicação de penas restritivas de liberdade e no regime aberto.
O poder executivo justificou os vetos alegando que: “a adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso”.[iii]
4. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da Dignidade da Pessoa humana, constitui-se em um dos mais importantes princípios sob os quais se ergue o Estado brasileiro, no dizer de Lenza, (2008, p. 593):
(...) o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República, Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1º, III, da CF/88). Daí a importância de ser respeitado, pois é trata-se de um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Os Princípios exercem uma função basilar na organização sócio-político-jurídico do Estado, segundo Silva (2010, p. 91):
“A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), por exemplo significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio institutivo e as de princípio programático. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípio da expressão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.
Portanto, na opinião do autor supramencionado, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o núcleo do qual se irradia os direitos e garantias individuais e demais princípios, configurando-se em norma mãe dos direitos constitucionais.
Como vimos até agora, uso das pulseiras e tornozeleiras eletrônicas para o monitoramento de presos decorre da necessidade de se reduzir a população carcerária e conferir um tratamento mais adequado à ressocialização do detento. Embora, seja um instituto novo, já se pode encontrar jurisprudência pacífica no Tribunal de Justiça de São Paulo, TJSP, sobre a matéria. O entendimento é de que o uso da monitoração eletrônica não viola a dignidade da pessoa humana, por exemplo, é o que se vislumbra do julgado extraído do sítio do Tribunal de Justiça de São Paulo, abaixo transcrito:
(...)Como forma de coibir tais ocorrências e ainda possibilitar a manutenção dos benefícios aos reeducandos que preenchessem os requisitos exigidos em lei, da forma mais adequada, proporcionando à sociedade a segurança prevista na Constituição Federal, foi estabelecido o sistema de fiscalização inclusive por meio de monitoramento eletrônico, implementado pela Lei nº 12.258/2010. Como dito, sua criação visa à fiscalização dos sentenciados quando se encontrarem em gozo de benefícios em sede de execução penal, razão pela qual tem eficácia imediata para todos aqueles que se inserirem nas condições descritas no art. 146-B da LEP.
Em caso de violação dos deveres impostos, a própria Seção da LEP, em que foi instituída a monitoração eletrônica, traz a relação das punições a serem impostas aos sentenciados que os inobservarem (art. 146-C, parágrafo único)
Qual se observa, portanto, o entendimento jurisprudencial se apresenta de forma favorável ao uso da monitoração eletrônica; a ideia é a de que é mais importante afastar o apenado do contato promíscuo das prisões, e neste aspecto a monitoração atinge plenamente os objetivos de reaproximar o preso da sociedade e permitir a vigilância por parte da autoridade competente.
A doutrina tem sido também a favor da aplicação da medida em estudo, Odone apud Choukr (2011, p. 114) leciona:
Ad exemplum, tirar do cárcere todos aqueles presos preventivos cujas condições de saúde são dramáticas e graves e aqueles com idade superior a setenta anos, reduziria a superpopulação carcerária e permitiria a adoção de estilos de vida diversos também para aqueles que ainda deverão permanecer internados; reduzir o número de detidos dependentes de drogas, confiando-os efetivamente aos serviços de tratamento; adotar o sistema de monitoramento eletrônico a distância; adotar os regimes da prisão domiciliar em lugares controlados; somente assim, a prisão preventiva seria um fenômeno residual direcionado a sua futura abolição.
Assim, verifica-se que a monitoração eletrônica deverá ser de grande importância, sobretudo quando se leva em consideração que um dos principais resultados do seu uso será o descongestionamento humano nos presídios brasileiros e que o seu uso não viola a dignidade do preso.
Com estas considerações, pode-se concluir que o uso da monitoração eletrônica do preso é, antes a acima de qualquer coisa, medida que deve resultar na redução da população carcerária, e possibilita a adoção de formas mais efetivas de ressocialização dos internos, uma vez que traz o detento para o convívio com sua família e com a sociedade, obtendo-se, de forma induvidosa, uma recuperação mais célere e econômica para o Estado.
Neste contexto, pode se afastar qualquer discussão a respeito de uma possível estigmatização do preso pelo uso das pulseiras e tornozeleiras etrônicas, uma vez que as prisões são muito mais danosas e, em comparação com o usa deste novo meio de monitoramento e vigilância do preso, são, com muito mais intensidade, um instrumento que deixam marcas definitavas no indivíduo condenado.
Não se pode esquecer que, do lado do Estado, o instituto da monitoração eletrônica também representa um avanço significativo, uma vez que representar uma redução drástica nos custos de se manter um indivíduo encarcerado, pois reduze despesas como a alimentação, alojamento, material de higiene e pessoal, entre outros custos.
BRASIL. Lei 7.209 de 11 de julho de 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7209.htm. Acesso em: 17/07/2012
BRASIL. Lei 12.258 de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12258.htm. Acesso em: 17/07/2012.
CARVALHO, Jean Alan de Araujo. Monitoramento Eletrônico no Brasil, disponível em: www.conteudojuridico.com.br acessado em 19 de julho de 2012.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Medidas cautelares e prisão processual: comentários à Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Forense. 2011. Diponível em: Biblioteca Virtual Unidesc:http://online.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-4209-0/pages/5153 0358.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva. 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros. 2010.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos arts. 1° ao 5° da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2000.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Jus podvim. 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza, Leis penais e processuais comentadas. São Paulo: Revista dos tribunais. São Paulo. 2010.
Citações:
[i] Mariath, Carlos Roberto, Monitoramento eletrônico: Liberdade vigiada. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17196/monitoramento-eletronico-liberdade-vigiada. Acesso em 24/06/2014
[ii] Idem.
[iii] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Msg/VEP-310-10.htm
Pos-graduado em direito público pela UnB. Bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Vasta experiência na advocacia privada. Foi Defensor Público no Estado do Ceará após aprovação em Concurso Público. Foi também aprovado em concurso público para o cargo de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, não tendo assumido o cargo devido a aprovação para o mesmo cargo na Defensoria Pública do Estado do Ceará. Aprovado no Concurso Público para a Advocacia Geral da União para o cargo de Procurador Federal. Atualmente é Procurador Federal responsável pela coordenação de Consultoria da Procuradoria Geral Federal Especializada do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/DNIT, na Cidade de Brasília/DF.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, José Alves de. O princípio da dignidade da pessoa humana e o monitoramento eletrônica de presos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40146/o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-o-monitoramento-eletronica-de-presos. Acesso em: 27 dez 2024.
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