O intuito deste artigo é abordar a manutenção da coisa julgada ou seu afastamento, nas relações jurídicas continuativas de natureza previdenciária, em especial no que toca aos benefícios por incapacidade.
Para melhor compreensão do tema discussão, traz-se o seguinte exemplo: “A” é segurado da Previdência Social e, entendendo não possuir condições de exercer suas atividades habituais, requer administrativamente perante o INSS a concessão de benefício por incapacidade.
Após a realização de perícia médica por profissional lotado na Autarquia, há o indeferimento do pedido, sob o argumento de não ter sido constatada qualquer incapacidade. Ato seguinte, “A” ingressa em juízo requerendo sejam-lhe concedidos os benefícios previstos nos artigos 42 e 59 da Lei n. 8.213/91, a saber: aposentadoria por invalidez e auxílio doença.
Realizada perícia médica por profissional nomeado pelo Juiz da causa, é constatada a incapacidade total e temporária de “A”, sendo proferida sentença de procedência para a concessão de auxílio doença, não apresentando, o INSS, recurso contra a decisão, a qual transita em julgado.
Ainda em gozo de auxílio doença concedido judicialmente, “A” retorna ao INSS para a avaliação periódica prevista na Lei n. 8.213/91, havendo a constatação da recuperação da capacidade e a consequente cessação do benefício, prática autorizada ao INSS por força da OI n. 76/03.
Inconformado, “A” ingressa novamente em juízo requerendo o restabelecimento do benefício previdenciário cessado e sua conversão em aposentadoria por invalidez. Eis o cerne da questão: esta segunda demanda estaria impedida pela autoridade da coisa julgada instituída na primeira demanda judicial? Algumas digressões cabem nesta seara.
Dos Benefícios Previdenciários por Incapacidade – Relação jurídica continuativa
Conforme sucintamente exposto acima, os benefícios por incapacidade – aposentadoria por invalidez e auxílio doença -, estão respectivamente previstos nos artigos 42 e 59 da Lei n. 8.213/91:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Como se vê, são requisitos para a concessão das prestações: a) incapacidade para o trabalho, devendo ser ela total e temporária no caso do auxílio doença, e total e permanente na aposentadoria por invalidez; b) carência do benefício, de acordo com o artigo 24 da Lei n. 8.213/91; c) qualidade de segurado do RGPS.
No que toca à incapacidade para a concessão do benefício, é o ensinamento de VIANNA (2011):
A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da previdência social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
A invalidez deve ser permanente no momento da perícia médica. Explica-se. Na oportunidade da perícia médica, a conclusão do expert deve ser no sentido da existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho; entretanto, nada impede que, no futuro, o segurado volte a ter aptidão laboral, hipótese em que o benefício deve ser cancelado, daí dizer-se que o mesmo é concedido sob condição resolutiva.
Como se vê, doutrina e legislação (bem como a jurisprudência), reconhecem a condição da concessão de benefício previdenciário por incapacidade como relação jurídica continuativa, sujeita a alteração (no caso, recuperação da capacidade).
A análise acima é feita com base na concessão normal dos benefícios, porém, o mesmo raciocínio se aplica às prestações concedidas judicialmente, havendo ou não prévio requerimento perante o INSS.
Como já dito anteriormente, para MARINONI e MITIDIERO (2008), as relações jurídicas continuativas são aquelas em que há trato sucessivo entre os seus participantes e que necessariamente se estendem no tempo. Porque duradouras, são passíveis de modificação em seu estado de fato e de direito, o que pode evidenciar a necessidade de uma nova disciplina jurisdicional.
Analisando tal conceito, não há dúvidas de que as relações previdenciárias em comento possuem trato sucessivo. A questão é: elas se submetem ao mesmo tratamento quanto à coisa julgada previsto no artigo 471, inciso I, do CPC?
Da Possibilidade de Revisão e Cessação das Prestações
De acordo com a legislação previdenciária, os benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio doença serão mantidos enquanto perdurar a situação de incapacidade que ensejou a sua concessão. Como se vê, há previsão na Lei n. 8.213/91 (nos artigos 42 e 59 já transcritos, e artigo 101), bem como no Decreto n. 3.048/99, o qual regulamente aquela:
Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.
Art. 77. O segurado em gozo de auxílio-doença está obrigado, independentemente de sua idade e sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da previdência social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.
Art. 78. O auxílio-doença cessa pela recuperação da capacidade para o trabalho, pela transformação em aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente de qualquer natureza, neste caso se resultar seqüela que implique redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
§ 1o O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo que entender suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado, dispensada nessa hipótese a realização de nova perícia.
§ 2o Caso o prazo concedido para a recuperação se revele insuficiente, o segurado poderá solicitar a realização de nova perícia médica, na forma estabelecida pelo Ministério da Previdência Social.
§ 3o O documento de concessão do auxílio-doença conterá as informações necessárias para o requerimento da nova avaliação médico-pericial.
Art. 79. O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para exercício de outra atividade, não cessando o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por invalidez.
Ainda, no que toca aos benefícios por incapacidade concedidos judicialmente, a Autarquia previdenciária editou a Orientação Interna n. 76/03, a qual regulamenta o procedimento de revisão, conversão e cessação dos benefícios em comento:
Art. 8º Caberá ao Médico-Perito/supervisor médico pericial a emissão da Conclusão da Perícia Médica – CPM (modelo anexo IV, desta Orientação Interna):
I - Conclusão tipo 4 (manutenção do benefício) - fixa a data provável de comprovação da incapacidade - DCI, com prazo de 6 (seis) meses para Auxílio-Doença e de 2 (dois) anos para Aposentadoria por Invalidez e Benefício de Prestação Continuada ao Deficiente; e
II - Conclusão tipo 2 (cessação do benefício) – quando constatada a capacidade para o trabalho ou o afastamento da deficiência.
a) Constatada a capacidade para o trabalho ou o afastamento da deficiência, o beneficiário deverá ser notificado, mediante ofício encaminhado via postal, com Aviso de Recebimento - AR, para, se não concordar com a conclusão da perícia, apresentar defesa, provas ou documentos que dispuser, no prazo de dez dias (anexo V, desta Orientação Interna).
b) Decorrido o prazo concedido pela notificação postal, sem que tenha havido defesa/resposta, ou caso a defesa apresentada seja considerada insuficiente para alterar a conclusão da Perícia Médica, o processo de revisão de que trata o art. 4 º, instruído com o Laudo Pericial e a Conclusão da Perícia Médica, será encaminhado, pela Divisão/Serviço de Benefícios, à Procuradoria local.
c) Caso a decisão judicial que determinou a concessão do benefício tenha sido proferida em sede de tutela antecipada, ou através de qualquer outra espécie de provimento judicial provisório, a Procuradoria requererá ao juízo competente a revogação da decisão, com fundamento na alteração dos fatos, conforme o Laudo Medido Pericial e a Conclusão da Perícia Médica, que serão anexados ao pedido.
d) Nesses casos, o benefício somente será suspenso após decisão judicial que acolha o pedido do INSS, ou que, por qualquer outra razão, revogue a decisão provisória. e) Em se tratando de decisão já transitada em julgado, a Procuradoria, após a análise do caso, devolverá o processo à Divisão/Serviço de Benefícios, para que esta proceda a cessação do benefício e dê conhecimento da decisão ao segurado (anexo VI ou VII, desta Orientação Interna).
f) Na eventualidade da Procuradoria local constatar que houve alguma falha na condução do procedimento acima descrito ou verificar que não houve alteração da situação fática que determinou a concessão do benefício, o processo, contendo manifestação fundamentada da Procuradoria local, será devolvido à Divisão/Serviço de Benefícios, para correção da falha identificada ou para nova análise, se for o caso.
Como se vê, transitada em julgado a sentença que concedeu o benefício por incapacidade e, sendo constatada pelo INSS a alteração da situação fática que ensejou a concessão do benefício, a Autarquia fica autorizada a cessá-lo. Resta saber: eventual ação proposta contra a cessação, com pedido de restabelecimento do benefício, fica obstada pela coisa julgada? A resposta, de acordo com a maioria da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que não.
Das Relações Jurídicas Previdenciárias de Trato Sucessivo e a Alteração da Situação Fática
De acordo com o já citado artigo 471, inciso I, do Código de Processo Civil, há a possibilidade de pedido de revisão do instituído na sentença na hipótese de modificação superveniente no estado de fato ou de direito, sempre que a sentença resolver relação jurídica continuativa.
NEVES (2011) ensina que para parcela minoritária da doutrina, a possibilidade de revisão da decisão, ainda que limitada à ocorrência de modificações supervenientes de fato ou de direito, é incompatível com a segurança jurídica advinda da coisa julgada material, de forma que o dispositivo legal em comento afasta a coisa julgada material das sentenças que resolvem relação jurídica continuativa.
Outra parcela da doutrina defende a existência de uma coisa julgada material especial, gerada por uma sentença de mérito que contém implicitamente a cláusula rebus sic stantibus, ou seja, a imutabilidade da decisão estaria condicionada à manutenção da situação de fato e de direito.
O processualista ainda defende uma terceira corrente, a qual entende majoritária, que afirma a existência de coisa julgada material nas sentenças que resolvem relação jurídica continuativa como em qualquer outra sentença de mérito. Essa corrente aponta que a decisão é imutável e indiscutível, e a possibilidade de sua revisão, condicionada à modificação do estado de fato ou de direito, é permitida tão somente em razão da modificação da causa de pedir, de forma a satisfazer a tríplice identidade, indispensável para a aplicação da função negativa da coisa julgada material.
Adaptando o entendimento da corrente majoritária ao tema aqui tratado, deve-se seguir o seguinte raciocínio: transitada em julgado a sentença que concedeu o benefício, sendo este cessado, só caberá o ajuizamento de nova ação (e, por consequência, seu regular prosseguimento), caso a parte comprove que não está mais capaz ou, então, que a situação de incapacidade se mantém.
Analisando a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, conclui-se que o entendimento que prevalece é o de que deve ser veiculado novo pedido ou causa de pedir, para que não haja ofensa à coisa julgada da ação originária:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARTIGO 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. AGRAVAMENTO DA DOENÇA. PROVA PERICIAL NECESSÁRIA. 1- Para que fosse caracterizada a coisa julgada a Autora teria que estar repetindo a ação anterior definitivamente julgada com as mesmas partes, a causa de pedir e o pedido. 2- A Autora está pleiteando igual benefício, porém, com fundamento diverso. A causa de pedir foi o agravamento da doença, que somente poderá ser verificada através de exame pericial. 3-Agravo a que se nega provimento (AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1710047. 7ª T., j. 18.06.2012, Rel. Juiz Convocado Helio Nogueira).
De outra sorte, inúmeros são os acórdãos que acolhem a alegação de coisa julgada feita pelo INSS em juízo, quando da defesa da ação subsequente, sob o fundamento de que não restou comprovada nova causa de pedir ou pedido (e, via de consequência, alteração da situação fática):
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARTIGO 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. COISA JULGADA. DOCUMENTOS IDÊNTICOS AOS ACOSTADOS EM AÇÃO ANTERIOR. 1- A Autora está pleiteando igual benefício, trazendo à tona os mesmos fatos narrados na ação anterior, já decretada improcedente e coberta pelo manto da coisa julgada material. 2- Verificada a coisa julgada, é de rigor a extinção do presente feito sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil. 3-Agravo a que se nega provimento. (Apelação Cível 1615844, 7ª T., j. 03.09.2012. rel. Juiz Convocado Helio Nogueira).
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. RECONHECIMENTO DA COISA JULGADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 267, V, §3º, DO CPC. I. A parte requerente interpôs ação anterior, visando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, que tramitou perante o Juizado Especial Federal Cível de Sorocaba-SP, sob o n° 2008.63.15.002447-6, tendo sido julgada improcedente em 1ª Instância, sendo a r. sentença mantida pela 3ª Turma Recursal de São Paulo e o v. acórdão transitado em julgado em 19-08-2009. II. Verificando-se no caso em questão a identidade de partes, causa de pedir e pedido, visando o mesmo efeito jurídico da demanda anterior, definitivamente julgada pelo mérito, configurada está a ofensa à coisa julgada material, impondo-se a extinção do presente feito, sem julgamento do mérito (artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil). III. Agravo a que se nega provimento. (Apelação Cível 1697414, 10ª T., j. 07.08.2012, Rel. Des. Federal Walter do Amaral).
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. OCORRÊNCIA DA COISA JULGADA. I. Conforme o disposto no artigo 467 do CPC, denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável a sentença não mais sujeita ao recurso ordinário ou extraordinário. II. Configurada a existência de tríplice identidade, prevista no artigo 301, § 2º, do CPC, impõe-se o reconhecimento da coisa julgada, uma vez que a primeira ação já se encerrou definitivamente. III. Agravo a que se nega provimento. (Apelação Cível 1722468, 10ª T., j. 31.07.2012, Rel. Des. Federal Walter do Amaral).
Interessante ressaltar o raciocínio do Magistrado para a análise da configuração ou não de coisa julgada material. Havendo a improcedência do pedido da primeira ação em virtude da não constatação de incapacidade, com trânsito em julgado e, não comprovando a parte autora, quando do ajuizamento da segunda, que houve a alteração da situação fática (ou seja, que agora está incapaz), há o acolhimento da alegação de coisa julgada.
De outra sorte, tendo sido a demanda originária julgada procedente pela constatação de incapacidade, cessado o benefício nos termos da OI n. 76/03, vez que já transitada em julgado, a nova ação pleiteando o restabelecimento ou concessão em virtude do agravamento das moléstias incapacitantes (ou mesmo que a situação de incapacidade retornou), enseja o não acolhimento da alegação de coisa julgada.
Neste sentido, cite-se o entendimento do já citado Desembargador Federal Walter do Amaral, no julgamento da apelação cível n. 1718111:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. COISA JULGADA. INOCORRência. I. Em face da mutabilidade do cenário fático que envolve a enfermidade da requerente, resta descaracterizada a identidade entre as causas em comento, afastando-se a ocorrência de coisa julgada, abrindo-se a possibilidade da parte autora elucidar os fatos descritos na exordial. II. Agravo a que se nega provimento (j. 10.07.2012).
No corpo do acórdão, o ilustre Magistrado justifica:
Ao compulsar dos autos, verifica-se que, no primeiro processo, transitado em julgado, em 01-08-2011, no Juizado Especial Federal de Botucatu-SP, registrado sob o n° 0001434-13.2011.403.6307, a parte autora requereu o restabelecimento do auxílio-doença, desde a data da sua cessação (11-02-2011), ou a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez (fls. 30, 34/48).
Tal demanda foi julgada improcedente em razão da ausência de comprovação da incapacidade laborativa.
Sabe-se que a aposentadoria por invalidez e o auxílio-doença são benefícios devidos ao segurado com vistas a ampará-lo nas situações em que, devido às suas restrições físicas, não tem condições de permanecer no mercado de trabalho e, consequentemente, de prover o próprio sustento.
Muito embora a parte autora tenha formulado pedidos idênticos em pequeno lapso de tempo, transcorrido entre o trânsito em julgado da primeira ação (01-08-2011) e a propositura da presente demanda (26-10-2011), é de se notar a natureza das enfermidades que a acometem.
Trata-se de pessoa supostamente portadora de epilepsia e cardiopatia, conforme relato das petições iniciais.
Tendo-se em vista que a epilepsia é doença que permanece latente até que, em momento indeterminável, se manifeste em forma de crise convulsiva, é possível que se verifique a alternância de momentos de capacidade e de incapacidade laboral, devendo ser concedida à parte autora a oportunidade de comprovar a mudança em suas circunstâncias fáticas, sendo por demais severa a restrição ao seu acesso ao judiciário pelo fato de, anteriormente, dele já haver se socorrido.
Ademais, ainda que pontualmente possa se encontrar capacitada para o trabalho, existe a hipótese de que a possibilidade de sofrer alguma crise, fato que pende de modo permanente sobre sua pessoa, lhe impeça o acesso ao mercado de trabalho, o que deve ser averiguado.
Dessa forma, em face da mutabilidade do cenário fático que envolve a enfermidade da requerente, resta descaracterizada a identidade entre as causas em comento, afastando-se a ocorrência de coisa julgada, abrindo-se a possibilidade da parte autora elucidar os fatos descritos na exordial, sendo devido o regular andamento do feito.
Isto posto, nego provimento ao agravo, para manter integralmente a r. decisão agravada.
Como se vê, a regra é a da caracterização de coisa julgada material, caso na segunda demanda não se demonstre novo pedido ou causa de pedir que comprove a alteração da situação de fato ou de direito. Porém, em casos excepcionais, a jurisprudência afasta a alegação de coisa julgada de acordo com o caso concreto, como exposto no acórdão transcrito acima.
Da Visão de José Antônio Savaris sobre a Coisa Julgada Previdenciária
A fim de encerrar a discussão, impede transcrever a visão do processualista acima mencionado, o qual possui entendimento de que, em poucas palavras, a relação de hipossuficiência entre segurado e a Autarquia previdenciária permite tratamento diverso no que toca à caracterização da coisa julgada:
De fato, enquanto o processo civil comum, com a pretensa imutabilidade da coisa julgada, pode aceitar o sacrifício da justiça em favor da segurança jurídica, o direito processual previdenciário é guiado por um princípio fundamental de que o indivíduo não pode ser separado de seu direito de sobreviver pela solidariedade social por uma questão formal.
É inaceitável que se sepulte o direito proteção social em função da certeza assegurada pela coisa julgada, quando a pessoa, na realidade, faz jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.
O autor acima mencionado, também Juiz Federal, defende que a coisa julgada em matéria previdenciária deve ser analisada secundum eventum probationis, ou seja, de acordo com a prova dos autos. Ainda que não negue a sistemática do processo civil comum quanto às relações jurídicas de trato sucessivo (cf. Artigo 471, inciso I, CPC), SAVARIS (2011) defende a superação da prática “utilitarista”.
Na perspectiva do utilitarismo, a proporcionalidade não toca, de fato, na necessidade de intervenção no direito fundamental em favor do interesse da comunidade. Antes, partindo da premissa utilitarista de que a máxima felicidade para o maior número justifica a restrição do direito individual, a proporcionalidade leva ao reconhecimento ou reafirmação do direito individual na medida em que sirva como instrumento da maior satisfação coletiva.
A noção do princípio da utilidade e a sua exigência de busca de estados de coisas em que haja maximização da felicidade, de interesses ou preferências que parece consubstanciar a essência do utilitarismo. Mas, com essa ideia, vê-se de longe apenas a superfície de uma fonte quase inesgotável do pensamento utilitarista que, como teoria ética, provê um critério para se distinguir entre uma ação certa e uma ação errada e, por consequência, uma posição sobre a natureza dos julgamentos morais que caracterizam tal ação como certa ou errada.
Retornemos ao seu entendimento sobre a coisa julgada previdenciária. A concepção de coisa julgada secundum eventum probationis é afeta aos direitos difusos e coletivos, bem como às demandas a eles referentes. Nestes casos, na hipótese de julgamento de improcedência do pedido, tem uma especialidade que a diferencia, segundo NEVES (2011), da coisa julgada tradicional.
Enquanto no instituto tradicional, a imutabilidade e a indiscutibilidade geradas pela coisa julgada não depende do fundamento da decisão, nos direitos difusos e coletivos, caso tenha a sentença como fundamento a ausência ou a insuficiência de provas, não se impedirá a propositura de novo processo com os mesmos elementos da ação, de modo a possibilitar uma nova decisão, o que, naturalmente, afastará, ainda que de forma condicional, os efeitos de imutabilidade e indiscutibilidade da primeira decisão transitada em julgado.
Posicionamento minoritário e controverso o de SAVARIS. Primeiro, pois prega a mitigação do direito processual comum em favor de uma prática que beira o assistencialismo, afirmando que em se tratando de direito processual previdenciário, a hipossuficiência do segurado justifica a relativização da coisa julgada. Segundo, pois tenta aplicar em demanda individual uma construção do Código de Defesa do Consumidor para as demandas coletivas, as quais possuem natureza completamente diversa.
O seu pensamento quanto à hipossuficiência é resumido no seguinte trecho:
Em suma: No processo previdenciário, o autor da demanda presume-se hipossuficiente e destituído, total ou parcialmente, de meios necessários à sua subsistência. Esses recursos de natureza alimentar são pressupostos para o exercício da liberdade real do indivíduo e indispensáveis à afirmação de dignidade humana. Temos, portanto, alguém presumivelmente hipossuficiente na busca de um bem da vida de superior dignidade e com potencialidade para colocar um fim no seu estado de privação de bem-estar e destituição. No pólo passivo da demanda, tem-se a entidade administradora do Regime Geral da Previdência Social, com os privilégios processuais da Fazenda Pública – exceção feita aos processos que tramitam perante os juizados especiais federais (Lei 10.259/01, art. 9º) – e com as dificuldades já notórias no que diz respeito ao atendimento de seus beneficiários na esfera administrativa e cumprimento das determinações judiciais.
Como se vê, é um posicionamento que buscar afastar as regras previstas no CPC quanto à coisa julgada, de forma a privilegiar o direito de ação do segurado, teoricamente hipossuficiente perante a Autarquia Previdenciária.
Porém, como medida de preservação do ordenamento jurídico processualista brasileiro, é preferível a adoção da regra geral, ou seja, a possibilidade de afastamento da coisa julgada quando comprovada a alteração da situação fática através da veiculação de nova causa de pedir, sob pena de tornar inútil e ineficaz todo o regramento processual.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DELFINO, Lúcio. O processo democrático e a ilegitimidade de algumas decisões judiciais. Em: Processo Coletivo e Outros Temas de Direito Processual. P. 375/412.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 11ª edição. Editora Juspodivm.
DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 4ª edição. Editora Juspodivm.
DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Volume 3. 7ª edição. Editora Juspodivm.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14ª edição. Malheiros Editores.
TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de Direito da Seguridade Social. 2ª edição. Editora Saraiva.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 5ª edição. Editora Juspodivm.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 52ª edição. Editora Forense.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª edição. Malheiros Editores.
VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. 4ª edição. Editora Atlas.
MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. 1ª edição. Editora Revista dos Tribunais.
MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª edição. Editora Revista dos Tribunais.
SAVARIS, José Antônio. Uma Teoria da Decisão da Previdência Social -Contributo para a Superação da Prática Utilitarista. Editora Conceito.
SAVARIS, José Antônio. Coisa Julgada Previdenciária como Concretização do Direito Constitucional a um Processo Justo. Disponível em < https://docs.google.com/document/d/1kjIXHAm17t58oVR18raWWgEjdDQrFe09CJEg7TDETlg/edit>. Acesso em 01.10.2012.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9ª edição. Editora Lumen Juris.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4ª edição. Editora Método.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARANDA, Alexandre Lundgren Rodrigues. Da coisa julgada previdenciária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40160/da-coisa-julgada-previdenciaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.