SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Definição do conceito de “ônus”; 3. Notas quanto à penhora; 4. Cautelas a serem tomadas pela Administração Pública; 5. Da possibilidade de perda da posse do bem em caso de hasta pública.
1. Introdução:
Aqueles que atuam na Administração Pública por vezes se deparam com dúvidas quanto à melhor maneira de proceder pela administração quando da devolução do imóvel ao proprietário em razão do término do contrato.
Não raramente, a Administração encontra-se em vias de alugar um imóvel que é objeto de penhora.
Normalmente, constam dos contratos de locação cláusula que estabelece obrigação dos locadores “entregar o imóvel, em perfeitas condições de uso, livre e desembaraçado de quaisquer ônus judicial ou extrajudicial”.
Nesses casos, dúvida surge quando a certidão do Registro de Imóveis informa existir penhora registrada sobre o imóvel, oriunda de mandado da Justiça.
2. Definição do conceito de “ônus”:
Assim, cumpre indagar inicialmente se a penhora é ou não um “ônus”.
Como se sabe, as obrigações podem ser reais (propter rem) ou pessoais.
As obrigações reais são aquelas que estão ligadas à existência de um imóvel. Melhor dizendo, se originam a partir de um imóvel determinado. São exemplos o dever de pagar as cotas condominiais, o IPTU, ou mesmo os direitos reais sobre a coisa, como a anticrese, a servidão etc. O não-cumprimento da obrigação acarreta responsabilidade sobre o imóvel.
As obrigações pessoais são aquelas que devem ser satisfeitas pela pessoa do devedor, sem qualquer relação com um bem específico. O não cumprimento, de regra, importa na obrigação de pagar quantia ao credor. Por certo, em não cumprindo a obrigação, os bens do credor respondem pelo débito. Todavia, essa responsabilidade recai sobre qualquer bem, e não um bem específico.
3. Notas quanto à penhora:
No caso em análise, a penhora originou-se de uma dívida trabalhista, ou seja, obrigação pessoal. Logo, podem responder pelo débito não só o imóvel objeto do contrato, mas qualquer outro bem do credor, como automóveis, somas em dinheiro etc.
Assim, a penhora, no caso concreto, não é um ônus real, embora recaia sobre a coisa.
Silvio de Salvo Venosa conceitua ônus reais “como o gravame que recai sobre uma coisa, restringindo o direito do titular de direito real” [1]. Já Carlos Roberto Gonçalves afirma que “são obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes”[2] . Maria Helena Diniz afirma que os ônus reais “são obrigações que limitam a fruição e a disposição da propriedade. Representam direitos sobre coisa alheia e prevalecem erga omnes”[3] e exemplifica como ônus reais: a servidão predial, a enfiteuse, o usufruto, o uso, a habitação, a superfície, a hipoteca, o penhor e a anticrese[4].
Assim, fica claro que a penhora acima relatada não constitui ônus real.
Entendo que o “ônus” mencionado pela cláusula do contrato restringe-se apenas aos “ônus reais”, posto que estão diretamente ligados à coisa e, em muitos casos, restringem o direito do possuidor direto – no caso, o locatário.
A Administração, na condição de locatária, somente seria prejudicada se sobre o bem existisse um ônus reais que limitasse sua utilização.
A penhora não restringe sequer a alienação do bem, quanto mais a sua utilização.
4. Cautelas a serem tomadas pela Administração Pública:
Fixado esse entendimento, surge uma segunda questão relevante: como a Administração pode se “proteger” de uma eventual alienação em hasta pública decorrente da penhora acima mencionada?
A lei do inquilinato (Lei 8.245/91), dispõe que:
Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
Para a locação viger mesmo em caso de alienação, é necessário observar 3 (três) requisitos: 1) o contrato ser por prazo determinado; 2) existir cláusula prevendo a vigência da locação em caso de alienação, e; 3) a cláusula ser registrada no Cartório de Imóveis.
5. Da possibilidade de perda da posse do bem em caso de hasta pública:
Poderia surgir algum questionamento quanto à subsistência do contrato de aluguel nos casos de alienação por hasta pública. A solução gira em torno de saber se a hasta pública é uma forma de “alienação” prevista no art. 8º da lei do inquilinato ou não.
A resposta a esse questionamento só pode ser afirmativa.
Primeiro porque o adquirente do imóvel em hasta pública não é diferente do adquirente por outros meios. A hasta pública, segundo Araken de Assis:
"transfere a arrematação a coisa com toso os ônus que a oneravam, tirante os direitos reais de garantia, porquanto se trata de aquisição derivativa (nemo plus iuris in alios transferre potest quam ipse haberet)."
(Manual do processo de execução. 4ª ed., São Paulo: RT, 1997, p. 575)
Em segundo lugar, o adquirente do imóvel em hasta pública, caso o contrato de locação estivesse registrado, estaria ciente da existência do ônus, posto que pelo art. 686, inciso V, do CPC, o edital da hasta deve mencionar a existência de quaisquer ônus – entre eles, o contrato de locação com vigência em caso de alienação.
Outra não é a posição dos tribunais pátrios. A título de exemplo, veja-se o posicionamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DE POSSE. IMÓVEL ARREMATADO EM HASTA PÚBLICA NO PERÍODO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA MATRÍCULA DO BEM DE CLÁUSULA DE VIGÊNCIA DO ACORDO PARA O CASO DE SUA ALIENAÇÃO. INOPONIBILIDADE DA RELAÇÃO EX LOCATO AO TERCEIRO ADQUIRENTE.
1. Para que haja a oponibilidade do contrato de locação ao terceiro arrematante do imóvel locado, necessária que a cláusula de vigência da relação locatícia, no caso de alienação do bem, esteja devidamente averbada na sua matrícula, sob pena de não gerar efeitos ao novo adquirente. Inteligência do artigo 576 do Código Civil.
2. No caso em comento, forçoso indeferir o pedido de manutenção de posse em favor da parte autora, seja por esta não haver cumprido a aludida determinação legal, seja pela regular denúncia do contrato de locação, efetivada pelo legítimo proprietário do imóvel.
3. Apelação da requerida parcialmente provida, para indeferir o pedido de manutenção de posse formulado pela autora, todavia, sem a sua condenação na litigância de má-fé.
(Órgão 1ª Turma Cível; Processo N. Apelação Cível 20060111101985APC; Apelante(s) GLOBAL DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS LTDA; Apelado(s) PETROBRÁS DISTRIBUIDORA. Relator Desembargador FLAVIO ROSTIROLA. Revisora Desembargadora ANA CANTARINO. Acórdão Nº 354.298)
Sobre o tema em análise, leciona Nelson Rosenvald, in verbis[5]:
“(...) no contrato de locação – como em qualquer relação obrigacional -, a venda do bem móvel ou imóvel propicia ao novo proprietário o imediato acesso à posse do bem, já que a transferência da titularidade é acompanhada da ampla possibilidade de exploração econômica da coisa. Daí porque o novo proprietário exercitará a denuncia vazia contra aquele com quem não contratou locação.
Todavia, se o locatário cuidou de ajustar cláusula de vigência do contrato para o caso de alienação do bem, sendo esta registrada no Cartório de Título e Documentos (bem móvel) ou no RGI (bem imóvel), o contrato de locação adquire eficácia real perante eventuais adquirentes, submetendo-se estes ao aguardo do término do prazo estipulado para o negócio jurídico. Não se cuida de uma conversão em direito real, apenas do acréscimo a um direito obrigacional da oponibilidade coletiva em razão da publicidade do registro e inserção de cláusula contratual.
Mesmo que o locatário não tenha se acautelado com o registro da cláusula de vigência – submetendo-se ao direito potestativo de resilição por parte do novo proprietário –, cuidando-se de bens imóveis, impõe-se a notificação daquele com a concessão do prazo de noventa dias para a desocupação.” [sem grifos no original]
Ainda sobre a questão, pontuam Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:
“Os requisitos para que o contrato continue válido em caso de alienação são a pactuação de prazo determinado, a existência de cláusula de vigência em caso de alienação e o seu registro. Não basta haver clausula, nem é suficiente o registro do contrato se nele não constar a referida convenção, uma vez que os requisitos são cumulativos” . [6]
Assim, para se proteger da alienação a Administração deve levar a registro no Cartório de Imóveis o presente contrato.
Dessa forma, recomendamos que o termo aditivo contenha novamente a previsão de que o contrato deve viger mesmo em caso de alienação como o uma cláusula específica estipulando que o contrato será levado a registro para esse fim.
BIBLIOGRAFIA:
ASSI, Araken. Manual do processo de execução. 4ª ed., São Paulo: RT, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ªed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 200.
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2. 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 2ªEd. . São Paulo: Saraiva, 2008. V. 2º,.
ROSENLVALD, Nelson. In Código civil comentado: doutrina e jurisprudência, coordenador Cezar Peluso – 2. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2008.
TEPEDINO, Gustavo. In Código civil interpretado – vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. São Paulo: Atlas. v. IV, 2005.
[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. São Paulo: Atlas. v. IV, 2005, p. 17.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 2ªEd. . São Paulo: Saraiva, 2008. V. 2º, p. 14.
[3] DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2. 2004, p. 14-15.
[4] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ªed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2005, p. 502.
[5] In Código civil comentado: doutrina e jurisprudência, coordenador Cezar Peluso – 2. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2008. p.’547.
[6] In Código civil interpretado – vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 285.
Procurador Federal. Pós-graduado em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Rodrigo Ferreira. A locação pela Administração Pública de imóvel penhorado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40169/a-locacao-pela-administracao-publica-de-imovel-penhorado. Acesso em: 23 dez 2024.
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