Resumo: Este artigo pretende analisar a aplicação do princípio da insignificância, sua introdução e evolução no Direito Penal brasileiro, bem como sua evolução jurisprudencial nos tribunais nacionais.
Palavras-chave: Princípios do Direito Penal; Princípio da Insignificância; Jurisprudência.
Sumário: Introdução; 1. Da Aplicação do Princípio da Insignificância; 1.1 Conceito; 1. 2. Requisitos; 2. Tipicidade Penal do Princípio da Insignificância; Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
O princípio da insignificância ou bagatela é originário do Direito Romano, de cunho civilista. Este princípio funda-se em quatro requisitos, que serão estudados neste artigo. Segundo o princípio da insignificância, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de efetivamente lesar o bem jurídico atingido.
O princípio da insignificância permite que o magistrado torne atípica condutas naturalmente típicas, pela incidência da insignificância de dano ao bem jurídico tutelado. Tendo em vista a evolução jurisprudencial dos Tribunais Superiores no tocante à aplicação do referido princípio, este artigo tem como propósito estudar, também, a aplicação prática do princípio da insignificância por nossos Tribunais.
1. DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
1.1 Conceito
O princípio da insignificância é originário do Direito Romano. Em 1964 foi introduzido na doutrina penal alemã por Claus Roxin. Embora este princípio tenha sido introduzido inicialmente na Alemanha, passou gradativamente a ganhar espaço no Direito brasileiro, sendo atualmente aceito de forma majoritária pela doutrina e jurisprudência nacionais.
De acordo com o Princípio da Insignificância, o Direito Penal não deve ocupar-se de bagatelas. Neste sentido ministra Fernando Capez:
A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.[1]
A aplicação do princípio da insignificância não significa ausência de proteção jurídica por parte do Estado e sim a exclusão de um fato que, embora seja considerado criminoso, é insignificante para acionar a tutela do Direito Penal.
1.2 Requisitos
Atualmente os Tribunais Superiores trabalham com 4 requisitos para que o magistrado possa reconhecer o Princípio da Insignificância e consequentemente a atipicidade da conduta, são eles: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Neste sentido manifesta o STJ:
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. UTILIZAÇÃO DE CHEQUE FALSIFICADO. PREJUÍZO QUE BEIRA UM SALÁRIO MÍNIMO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO. EXISTÊNCIA DE CIRCUSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. MULTIPLICIDADE DE CONDENAÇÕES. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E SEGUNDA ETAPAS DO CRITÉRIO TRIFÁSICO. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA.
1. Para a aplicação do referido postulado, devem ser obedecidos quatro requisitos, a saber: a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Na hipótese, o prejuízo causado com a ação do paciente foi avaliado em R$220,00 (duzentos e vinte reais). Tal valor não pode ser taxado de insignificante, principalmente se considerado que à época dos fatos (5.5.02), ele se aproximava a 1 (um) salário mínimo. 3. De mais a mais, a utilização de cheque falsificado evidencia a presença de periculosidade social da ação, afastando a incidência do referido princípio. 4. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis autoriza a fixação da pena-base acima do patamar mínimo e o estabelecimento de regime prisional mais gravoso. 5. No caso, a Juíza do processo fixou a pena-base em 5 (cinco) meses acima do piso legal, apontando como desfavoráveis a personalidade do agente e as consequências dos crimes. Assim, não há que falar em constrangimento ilegal. 6. Além disso, havendo multiplicidade de condenações, nada obsta a exasperação da sanção na primeira e na segunda etapas do critério trifásico de aplicação da reprimenda, sem que isso configure bis in idem. 7. Ordem denegada. ” (STJ HC 83.144/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES SEXRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 21/06/2010).[2]
Em síntese, podemos enxugar todos esses requisitos apenas um: inexistência de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
Entretanto, mesmo que o réu preencha todos os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, os Tribunais vêm negando a sua aceitação em casos de reincidência, como podemos ver através desta decisão do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. REITERAÇÃO DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE AGRAVO IMP´ROVIDO. – A Aplicabilidade do princípio da insignificância n delito de furto, para afastar a tipicidade penal, é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. – O fato de o agente possuir maus antecedentes indica que o delito em questão não é fato isolado em sua vida, o que demonstra que as sanções penais anteriormente impostas não se revelaram suficientes para impedir o retorno do paciente às atividades criminosas, não se mostrando, pois, a reiteração compatível com a aplicação do princípio da insignificância. Agravo improvido.
(STJ – AgRg no HC: 239046 MS 2012/0073944-3, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento: 11/06/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2013).[3]
Percebe-se, por derradeiro, que o Princípio da Insignificância tem sido utilizado constantemente no direito brasileiro para declarar a atipicidade de um delito naturalmente típico, devendo apenas o magistrado observar se é possível aplicar os requisitos para a sua concessão no caso concreto.
2. TIPICIDADE PENAL DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
A tipicidade penal pode ser compreendida como adequação da conduta do agente ao modelo abstrato disposta na legislação pátria. Entretanto, tal definição não satisfaz as necessidades do Direito Penal da atualidade, tendo em vista que o aspecto formal do delito não é suficiente para suprir as necessidades da sociedade contemporânea. Nas lições de Prestes:
A doutrina moderna demonstra insatisfação com esta concepção de mero juízo formal da tipicidade. Busca-se, hoje, restringir a área de abrangência do Direito Penal como forma de controle dos conflitos sociais, consequência do seu caráter subsidiário e fragmentário. De fato, atualmente, também deve-se atribuir ao tipo penal um sentido material, deve-se dar ao tipo conteúdo valorativo e não somente descritivo. [4]
Francisco de Assis Toledo em seus ensinamentos acompanha esse raciocínio:
A tipicidade não se esgota na subsunção formal do fato ao tipo, a descrição típica deve ser lesiva a um bem jurídico. Assim, afirma-se que o comportamento humano para ser típico, não só deve ajustar-se formalmente a um tipo legal de delito, mas também ser materialmente lesivo a bens jurídicos, ou ética, ou socialmente reprovável.[5]
Neste sentido, a tipicidade não se limita ao mero aspecto formal da conduta. É necessário a ocorrência de uma relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado para que a conduta seja considerada delituosa.
A jurisprudência pátria segue a mesma linha de raciocínio da doutrina no que diz respeito à aplicação do princípio da insignificância:
HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE COMPATIBILIDADE ENTRE O PRIVILÉGIO E A QUALIFICADORA DO CRIME DE FURTO: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, além de serem relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato – tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada -, devem ser analisados, em cada caso, de forma cautelar e rigorosa, a realidade sócio econômica do País e o conjunto de valores éticos juridicamente aproveitados pelo sistema penal para determina se a conduta pode ou não ser considerada típica para a configuração do delito. Precedentes. 4. No caso dos autos, em que o delito se fez por três agentes, “na Localidade de Lajeado Taquara, interior do Município de Alecrim/RS”, que “subtraíram, para si, do interior da propriedade da vítima (...), uma novilha de raça holandesa”, de pouco valor material, é certo, porém inestimável para um agricultor de uma região na qual predomina o minifúndio, não é de se desconhecer que não se há de levar a efeito exame que considere mais o valor material do bem subtraído que os valores que têm de orientar a conduta de pessoas modesta que vivem em povoações nas cercanias de cidades interioranas. Associados a estes valores de ético-jurídico, verificam-se, ainda, o alto grau de reprovabilidade do comportamento dos Pacientes e a expressividade da lesão jurídica causada à vítima na espécie em pauta, circunstâncias suficientes para afastar a incidência do princípio da insignificância. 5. As causas especiais de diminuição (privilégio) são compatíveis com as de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal. Precedentes. 6. Ordem parcialmente concedida, para, reconhecendo a compatibilidade entre as causas especiais de diminuição (privilégio) e de aumento (qualificadora) de pena previstas, respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do artigo 155 do Código Penal, restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
(STF – HC: 97051 RS. Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento 13/10/2009, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-120 DIVULG 30-06-2010 PUBLIC 01-07-2010 EMENT VOL-02408-04 PP-01214)[6]
Portanto, a tipicidade formal não deve ser entendida isoladamente, mas em conjunto com a tipicidade material. Sendo importante observar que a tipicidade material realiza a valoração da conduta e do resultado jurídico causado, tendo a finalidade de evidenciar o mínimo necessário para a materialização do tipo previsto.
Conclusão
Conclui-se, neste estudo, que o Princípio da Insignificância é o meio pelo qual o magistrado torna atípicas condutas consideradas típicas, através da análise da inexistência de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado aplicado a um caso concreto.
O entendimento dos tribunais acerca da aplicação do referido princípio também foi abordado, e percebeu-se que estão sendo acatados os ensinamentos doutrinários a respeito da aplicação do Princípio da Insignificância, afastando sua aplicação nos casos de reincidência.
Referências bibliográficas
BRASIL. Site do JusBrasil. www.jusbrasil.com.br. Acesso em: 16 de Junho de 2014.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010.
PRESTES, Cássio Vinicius D.C.V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade material. São Paulo: Memória Jurídica, 2003.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986.
[1] Capez 11
[2] Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14607748/habeas-corpus-hc-83144-df-2007-0112404-4, consultado em 16/06/2014.
[3] Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23527326/agravo-regimental-no-habeas-corpus-agrg-no-hc-239046-ms-2012-0073944-3-stj, consultado em 16/06/2014.
[4] PRESTES, Cássio Vinicius D.C.V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade material. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 33.
[5] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 119.
[6] Disponível em http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14711480/habeas-corpus-hc-97051-rs, consultado em 16/06/2014.
Advogada (graduada na Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduanda em Contratos pelo INAGE - USP Ribeirão Preto/SP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIM, Eline Luque Teixeira. A aplicação do princípio da insignificância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40182/a-aplicacao-do-principio-da-insignificancia. Acesso em: 23 dez 2024.
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