Resumo: Este trabalho traz breves apontamentos acerca da natureza jurídica da fundação pública instituída pelo Poder Público.
Palavras-Chaves: Natureza Jurídica. Fundação. Poder Público.
Abstract: This paper presents briefs on the legal nature of public foundation established by the Government.
Key Words: Legal Nature. Foundation. Public Power.
1. Introdução
De acordo com artigo 62 do Código Civil, a fundação trata-se de uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada para consecução de um fim social determinado por seu instituidor.
Com a edição do Decreto-Lei no. 900/1969, a fundação se tornou um dos principais instrumentos para a atuação estatal, voltado para a expansão do modelo do bem-estar social.
A fundação instituída pelo Poder Público se apresenta como uma forma de descentralização do serviço público na medida em que o Estado outorga a um ente distinto os poderes de Administração necessários para o exercício da atividade pública ou de utilidade pública. Assim mostra-se importante definir a natureza jurídica desse ente da Administração.
2. Natureza jurídica da fundação pública: correntes.
Acerca do conceito de fundação, ensina Hely Lopes Meirelles[1] (2001, página 336) que:
As fundações, como ‘universalidade de bens personalizada, em atenção ao fim, que lhe dá unidade’, ou como ‘um patrimônio transfigurado pela idéia, que o põe ao serviço de um fim determinado’, sempre estiveram nos domínios do Direito Civil, sendo consideradas pessoas jurídicas de Direito Privado (Dec-lei 200, art. 5º, IV, acrescentado pela Lei 7.596/87).
Sobre as fundações instituídas pelo Poder Público, ensina José dos Santos Carvalho Filho[2] (2006, p. 423) que:
Na prática, várias tem sido as denominações atribuídas às fundações públicas: fundações instituídas pelo Poder Público, fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (art. 71, II, CF), fundações controladas pelo Poder Público (art. 163, II, CF), fundações sob controle estatal (art. 8º, §5º, ADCT, CF), fundações públicas (art. 19, ADCT, CF), fundações governamentais e outras do gênero. O rótulo não tem grande importância. O ponto que deve ser lembrado é realmente o de que essas fundações são criadas pelo Poder Público, que por isso mesmo assume o papel de instituídos das entidades.
No que concerne à natureza jurídica da fundação pública existe duas correntes: a primeira defendendo que a fundação tem natureza autárquica e segunda sustentando que a fundação possui personalidade jurídica de direito privado.
A primeira corrente, sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, defende a natureza autárquica da fundação. José dos Santos Carvalho Filho (2006, p. 424) observa que o Egrégio Tribunal:
[...] optou por esse entendimento, quando deixou assentado que ‘nem toda fundação instituída pelo Pode Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécie do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o §2º do art. 99 da Constituição Federal.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal parte do conceito amplo de autarquia, assim entendida como a pessoa jurídica de capacidade exclusivamente administrativa. Assim, na esteira do entendimento da Suprema Corte, a fundação pública é considerada pessoa jurídica do gênero autarquia:
FUNDAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO. EXONERAÇÃO DE DIRIGENTE ANTES DE TERMINADO O MANDATO A TERMO. SE A FUNDAÇÃO E DE DIREITO PÚBLICO, COMO ASSENTOU O ACÓRDÃO RECORRIDO COM BASE NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL, E ELA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO DO GENERO AUTARQUIA, RAZÃO POR QUE SE LHE APLICA O PRINCÍPIO CONTIDO NA SÚMULA 25 ('A NOMEAÇÃO A TERMO NÃO IMPEDE A LIVRE DEMISSAO, PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA, DE OCUPANTE DE CARGO DIRIGENTE DE AUTARQUIA'). NÃO-OCORRENCIA, NO CASO, DE OFENSA AOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS INVOCADOS, NEM DE DISSIDIO DE JURISPRUDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 111594, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 02/06/1987, DJ 23-10-1987 PP-23158 EMENT VOL-01479-03 PP-00544)
Nesse sentido, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello[3] (2002, páginas 160/163 citado por Gil Braga de Castro Silva e Daniela Oliveira da Silva):
Em rigor as chamadas fundações públicas são pura e simplesmente autarquias às quais foi dado a designação correspondente à base estrutural que têm. É que, como se sabe, as pessoas jurídicas sejam elas de direito público, sejam de direito privado, são classificáveis em dois tipos, no que concerne ao "substracto básico" sobre que assentam: pessoas de base corporativa (corporações, associações, sociedades) e pessoas de base fundacional (Fundações). Enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, a personalização de uma finalidade. ...a Constituição referiu-se às Fundações Públicas em paralelismo com as Autarquias, portanto, como se fossem realidades distintas porque, simplesmente existem estes nomes diversos, utilizados no direito brasileiro para nominar pessoas estatais. Seus objetivos foram pragmáticos. Colhê-las seguramente nas dicções a elas reportadas, prevenindo que, em razão de discussões doutrinárias e interpretações divergentes pudessem ficar à margem dos dispositivos que as pretendiam alcançar.
A segunda corrente, que tem como expoente Hely Lopes Meirelles, prega que as fundações instituídas pelo Poder Público possuem personalidade jurídica de direito privado, conforme consta no Decreto-Lei no. 200/67. Para essa corrente, a própria Constituição, no art. 37, XIX, confirma esse entendimento ao colocar a criação da fundação ao lado das empresas públicas e sociedade e economia mista. Assim a lei cria a autarquia e autoriza a criação das outras pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelo Poder Público.
Como pessoa jurídica de direito público, com natureza autárquica segundo o STF, a fundação pública goza de certas prerrogativas como a impenhorabilidade de seus bens, submissão ao regime da Lei no. 8.666/93, a intimação pessoal de seus procuradores, contagem do prazo em dobro para recorrer e quádruplo para contestar, execução pelo rito do art. 730 do Código de Processo Civil, dentre outras inerentes aos entes da Administração Pública:
Aliás, sobre esse tais prerrogativas coleciona-se os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FUNDAÇÃO PÚBLICA. EXECUÇÃO. ARTIGO 730 DO CPC.
1. A instância ordinária constatou que a recorrente, Fundação Instituto Tecnológico de Osasco – FITO, foi criada por lei para a prestação de serviços essencialmente públicos e mantida, primordialmente, por dotações orçamentárias do Município de Osasco.
2. Tratando-se de fundação pública, a natureza jurídica é de direito público, os seus bens são impenhoráveis.
3. A execução contra ela movida deve obedecer ao disposto no artigo 100 da Constituição Federal e no artigo 730 do Código de Processo Civil.
4. Recurso especial provido. (REsp 207.767/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 12/12/2008)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. REPRESENTAÇÃO. PROCURADOR AUTÁRQUICO. ART. 9º, DA LEI N.º 9.469/97. DESNECESSIDADE DE PROCURAÇÃO. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. Agravo Regimental interposto contra decisão que, com base no art. 544, § 2º, do CPC, negou provimento a agravo de instrumento para fins de fazer subir recurso especial ante a ausência de prequestionamento.
2. Decisão "a quo" que negou seguimento a recurso especial por ausência de procuração nos autos, aplicando-se o enunciado da Súmula 115/STJ.
3. O art. 9º, da Lei n.º 9.469/97, é expresso ao dizer que "A representação judicial das autarquias e fundações públicas por seus procuradores ou advogados ocupantes de cargos efetivos dos respectivos quadros, independe da apresentação do instrumento de mandato". Precedentes.
4. A teor do art. 1º, da Lei n.º 3.268/57, o Conselho Federal de Medicina, ora recorrente, tem natureza jurídica de autarquia, posto que criado por lei e revestido de personalidade jurídica de Direito Público com autonomia administrativa e financeira.
5. Ausência do necessário prequestionamento, visto que os dispositivos legais apontados como violados não foram abordados, em nenhum momento, no âmbito do voto-condutor do aresto hostilizado, bem como, não foram opostos embargos de declaração para sanar a omissão, o que obsta o seguimento de Recurso Especial consoante as Súmulas 282 e 356, do STF.
6. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 398.226/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2001, DJ 04/03/2002, p. 218)
3. Conclusão
A par da discussão acerca de sua natureza jurídica, predomina o entendimento no Supremo Tribunal Federal de que a fundação pública instituída pelo Poder Público é uma pessoa jurídica de natureza autárquica, submetida a regime administrativo próprio e com patrimônio público destinado a prestação de serviço estatal específico.
4. Referências bibliográficas
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros Editores.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
SILVA, Gil Braga de Castro; SILVA, Daniela Oliveira da. Fundações públicas: breves comentários. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, VII, n. 19, nov 2004. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5001>. Acesso em jul 2014
[1] Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros Editores.
[2] Manual de Direito Administrativo. 15ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
Procuradora Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Chefe do Serviço de Gerenciamento Estratégico, pós graduada em Direito Processual pela AVM Faculdade Integrada e pós-graduanda em Direito Administrativo. Fui analista judiciária do Superior Tribunal de Justiça, com exercício nos Gabinetes dos Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Nilson Naves. Fui também advogada da Embrapa, com exercício na Embrapa-Sede.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Agueda Cristina Galvão Paes de. A natureza jurídica das fundações instituídas pelo Poder Público: breves apontamentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40185/a-natureza-juridica-das-fundacoes-instituidas-pelo-poder-publico-breves-apontamentos. Acesso em: 23 dez 2024.
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