1. Dano
Baseado na idéia de dano do direito romano, construiu-se a clássica noção de que o dano seria a diminuição do patrimônio do indivíduo, pois o dano estava intimamente ligado à questão da diferença do valor patrimonial anteriormente e depois de constatado o evento danoso.
Atualmente, entretanto, principalmente com o crescente papel que vem desempenhando o dano moral, a doutrina passou a compreender o dano como a diminuição ou subtração de um bem jurídico. Essa é a exata compreensão de Maria Helena Diniz: “O dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”.[1]
Portanto, o dano é a alteração desfavorável resultante da ação de determinado indivíduo na esfera jurídica de um terceiro, englobando tanto os direitos de conteúdo material, quanto os de conteúdo moral. Os primeiros se constituem em dano material, e os segundos em dano moral.
2. Dano material
O dano material vem a ser a diminuição ou subtração na ordem patrimonial da pessoa, ou seja, é a lesão a bem jurídico economicamente útil que se encontra dentro do poder de disposição de um indivíduo.
Conforme se observa, a noção de dano material se encontra intimamente ligada à esfera econômica do sujeito passivo da ação, sendo suscetível de direta e imediata apreciação pecuniária e de indenização pelo responsável.
Decorre o dano material da ocorrência de duas situações: a supressão ou diminuição do valor do bem (dano emergente), ou o lucro de que foi privado a pessoa (lucro cessante).
Na ocorrência do dano material, a situação ideal seria onde houvesse a reparação natural do dano, ou seja, a restauração do status quo ante da lesão, quer fosse pela entrega da própria coisa ou de objeto da mesma espécie; no entanto, nem sempre esse fato é possível, e, portanto, no caso de ser impossível o restabelecimento da situação anterior ao fato lesivo nasce a necessidade de reparação pecuniária.
3. Dano moral
Costuma-se conceituar o dano moral pelo seu aspecto oposto ao dano patrimonial, ou seja, como aquele dano que atinge a esfera não-patrimonial do indivíduo, os bens que não são postos no comércio econômico[2]. Essa espécie de conceituação, não atenta para o bem sobre o qual incide o dano, mas sim sobre a natureza final do prejuízo por ele determinado, ou seja, uma mudança na esfera não-patrimonial do homem.
Por longo tempo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência negaram a existência de dano moral, ou, ainda, quando o aceitavam, tratavam como impossível haver indenização a um dano que não tivesse ligação direta com a esfera patrimonial do sujeito passivo da lesão, com base no brocardo de que “a dor não tem preço”.
Numa fase intermediária, passou-se a aceitar a reparação do dano moral, desde que decorresse de um dano patrimonial; não havendo essa ligação, não havia espaço para a reparação, já que o dano moral puro, ou seja, aquele que não tem como conseqüência qualquer agravamento no âmbito patrimonial não teria espaço, sendo até absurdo pensar em ressarcir “as dores da alma”.
Nos dias de hoje, porém, a doutrina do dano moral está consolidada, e plenamente dissociada do dano material. Não é o fato de que não haja como se valorar a dor, que será aceito que a vítima do dano moral não seja compensada pelo agente da ação. Inclusive é possível advir do mesmo fato a reparação de danos morais e patrimoniais independentemente, conforme preceitua a súmula 37 do STJ.
A evolução da constituição do dano moral trouxe profundas modificações a sua própria conceituação. Hoje é forte na doutrina a tendência de refutar qualquer conceito negativista de dano moral[3], levando-se em conta seus próprios elementos para definição.
O dano moral seria, na realidade, lesão ou privação de bem jurídico psicofísico do ser humano, aquele que o sujeito passivo teria interesse reconhecido juridicamente. A conseqüência dessa lesão é o constrangimento, vexame, dor, enfim, os sentimentos e sensações que tomam a alma humana.
Porque sua conseqüência não é plenamente observável, ao contrário do dano material, onde sua lesão tem como conseqüência direta o âmbito patrimonial do indivíduo, não é tarefa fácil vislumbrar a reparação do dano moral em todos os seus aspectos.
A reparação de danos morais não tem o caráter indenizatório próprio dos danos materiais, visto que a reparação dos danos patrimoniais está intimamente ligada à noção de prover a vítima de algo sinônimo ou equivalente ao bem que perdeu, posto que na impossibilidade de restituir a mesma coisa, suprisse em espécie ou pecuniariamente à vítima a perda que sofreu.
No caso do dano moral, não se vislumbra espaço para essa situação, já que há a impossibilidade de se estabelecer perfeita equivalência entre o dano e o ressarcimento. Na realidade, o que se observa é a existência de dois fatores: o caráter punitivo, onde ao causador do dano seria infligida uma verdadeira pena ou castigo pela ofensa que praticou, servindo ainda como fator inibitório à prática do dano; e o caráter compensatório ou satisfatório, a reparação pecuniária visaria proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenuasse o dano causado pela lesão.
O fundamento, portanto, da reparação por danos morais não é indenizar os sentimentos e sensações da vítima, mas sim, oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido, além de impor sanção ao agente, para que este não volte a praticar atos lesivos.
4. Dano moral na constituição de 1988
Até a Constituição de 1988, a disposição legal onde a reparação por danos morais encontrava guarida era o art. 76, caput e parágrafo único do Código Civil de 1916, segundo o qual para propor ou contestar uma ação, seria suficiente o interesse moral; no entanto, esse argumento não era aceito pela maior parte da doutrina opositora da existência do dano moral.
Outros autores preferiam uma interpretação sistemática do art. 159 do Código Civil de 1916, que ao aludir à “violação de um direito” não limitaria a reparação ao caso do dano material. Além da previsão legal em alguns artigos da legislação esparsa, como o Código de Telecomunicações de 1962 e a Lei da Imprensa de 1967.
O fato é que a Carta Magna de 1988, amparada pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, como valor constitucional máximo, cimentou de uma vez por todas qualquer dúvida a respeito da reparação civil por danos morais.
Com a introdução dos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal, houve uma mudança significativa no tratamento da reparação dos danos morais. Pela primeira vez, a legislação brasileira traz expressa disposição legal afirmando que a violação de determinados bens jurídicos possibilita sua reparação por danos morais.
É importante observar que a enumeração contida na Carta Constitucional é meramente exemplificativa, fica adstrito à jurisprudência e à lei ordinária o aditamento de outras situações. A interpretação literal do texto constitucional poderia dar a idéia de que, afora os casos ali expressos, não caberia ressarcimento do dano moral em outras situações. No entanto, não é assim, conforme se depreende dos ensinamentos de Caio Mário:
Aludindo a determinados direitos, a constituição estabeleceu o mínimo. Não se trata, obviamente de ‘numerus clausus’, ou enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem, contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária, como podem ainda receber extensão por via de interpretação, que neste teor recebe, na técnica do Direito Norte-Americano, a designação de ‘construction’.[4]
Portanto, além dos direitos da personalidade ali elencados: a honra, a imagem, a intimidade e a privacidade, outros direitos podem ser alvo de danos morais, decorrendo daí a necessidade de reparar.
Seguindo o lastro da Constituição, o Código Civil atual trouxe capítulo referente aos direitos da personalidade, onde, ainda que não expressamente previsto, pode-se depreender a possibilidade de ressarcimento por danos morais, acolhendo os ditames constitucionais.
Referências bibliográficas
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
PIZARRO, Ramon Daniel. Daño moral: prevención, reparación, punición. Buenos Aires: Hammurabi, 1996.
SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 3ª ed. rev. atual. amp. São Paulo: Método, 2001.
SILVA, Wilson Melo da. “Dano moral”. In: Enciclopédia saraiva de direito. Vol. 22. São Paulo: Saraiva, 1977.
[1] Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 1994, vol. 7, p. 48.
[2] Nesse sentido Maria Helena Diniz, op. cit. 1994, p. 66; Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil 1995, p. 388; Wilson Melo da Silva, “ Dano moral” in Enciclopédia Saraiva de direito, 1977, p. 266.
[3] Nesse sentido Antônio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 2001, p. 97; Yussef Said Cahali, Dano moral, 1999, p. 20.
[4] Caio Mário, op. cit., 1997, p. 58.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós- graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILA COELHO DE BARROS ALMEIDA SANT`ANA, . Apontamentos sobre o dano moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40213/apontamentos-sobre-o-dano-moral. Acesso em: 23 dez 2024.
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