RESUMO: O artigo traz breves considerações à Lei 13.010, que promulgada em 26 de junho de 2014, trouxe algumas modificações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo sanções administrativas àqueles que maltratem crianças e adolescentes, e previsões de políticas públicas e medidas para coibir a prática de violência infantil.
PALAVRAS-CHAVE: Criança e adolescente. Maus tratos. Castigo Físico. Violência Infantil.
INTRODUÇÃO
Promulgada no último dia 26 de junho de 2014, a Lei 13.010 que ficou conhecida popularmente como Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmadinha, trouxe algumas previsões para o trato de casos em que são constatados maus tratos a crianças e adolescentes, definindo os termos castigo físico e tratamento cruel, bem como medidas a serem tomadas pelo Conselho Tutelar e Poder Público em caso de constatação de maus tratos.
Além disso a Lei trata de adoção de políticas públicas e medidas que promovam e permitam a educação preventiva à violência infantil.
Com a intenção de fazer algumas considerações preliminares acerca dos assuntos abordados pela Lei, o artigo fará num primeiro momento algumas observações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e das medidas nele previstas antes da Lei para casos de maus tratos, passado por uma análise dos artigos trazidos pela Lei 13.010, adentrando por ultimo numa análise da crítica e dos pontos positivos e negativos surgidos após sua promulgação.
1. COMO ERA TRATADA A QUESTÃO NO ECA ANTES DA PROMULGAÇÃO DA LEI 13.010
Tanto o Poder Público quanto a coletividade têm responsabilidade pela busca do bem-estar dos infantes através do chamado princípio da proteção integral[1], e tal entendimento é inclusive endossado pelo Supremo Tribunal Federal, que em inúmeros precedentes, como no RE 482.611, deixa muito clara a obrigação, inclusive da Administração Pública Municipal, de implementar políticas das mais diversas para resguardo dos direitos infantis:
É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que a proteção aos direitos da criança e do adolescente (CF, art. 227, caput) – qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num facere [...] o STF, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. Celso de Mello). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. Celso de Mello), o STF [...]. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à criança e ao adolescente – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na CR (notadamente em seu art. 227) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município, disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, tal como já advertiu o STF (...). Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que os Municípios (à semelhança das demais entidades políticas) não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 227, caput, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à criança e ao adolescente, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. [...] (STF- RE 482.611, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 23-3-2010, DJE de 7-4-2010).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90, é a Lei da qual surgem os principais mecanismos pelos quais medidas podem ser adotadas visando a proteção integral das crianças e adolescentes.
Tal Estatuto prevê em seu bojo os direitos ao respeito e à dignidade, enunciando no art. 17 que: "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais."
Por sua vez, o artigo 18 preleciona que: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor." Há ainda disposição similar no art. 70, explicitando que: "É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente."
Em que pese a previsão do dever coletivo, cabe primordialmente aos pais ou àqueles que detém a guarda do infante o múnus de zelar pela integridade, pois são os responsáveis legais, nos exatos termos do previsto no art. 1634 do Código Civil c/c art. 21 do ECA. O Poder Público e a sociedade apenas serão chamados a agir quando evidenciada alguma situação de risco, e necessidade de adoção de medidas de proteção.
Antes da Lei 13.010, as medidas a serem adotadas quando havido castigo físico ou tratamento cruel estavam previstas no artigo 101 do ECA, e podiam ser adotadas, nos termos do art. 98 do mesmo diploma, quando havida omissão ou abuso dos pais ou responsável.
As medidas possíveis estão ainda elencadas no art. 101 da Lei 8.069/90, conforme a seguir citado:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98[2], a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
Da leitura das medidas, depreende-se que guardam grande similitude com as previstas no art. 18 B que foram inseridas pela lei nova, questão que será mais bem tratada nos tópicos seguintes.
Além das medidas acima versadas, não havia nenhuma outra elencada no ECA, voltada à coerção de atos cruéis a infantes no âmbito administrativo. Somente haviam e continuam existir previsões de natureza criminal elencadas no art. 129 §9º ou art. 136 do Código Penal.
2. BREVE ANÁLISE DOS ARTIGOS DA LEI 13.010/2014
A Lei 13.010 traz apenas quatro artigos pelos quais foram insertas modificações nos artigos 13, 18, 26 e 245 do ECA.
O art. 1º da Lei inseriu modificações no art. 18 do ECA, que versa sobre o dever da coletividade por velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Trazendo os artigos 18 A e 18 B, a Lei nova tratou de conceituar o que são castigo físico e tratamento cruel e degradante, bem como as medidas que podem ser adotadas pelo Conselho Tutelar em caso de averiguação de alguma conduta violadora de direitos, conforme in verbis:
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.
Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V - advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.
Os termos castigo físico e tratamento cruel e degradante trazidos no art. 18 A têm conceituação subjetiva, o que significa que os casos necessitam ser avaliados e tratados em suas peculiaridades, como bem lembra artigo do Jornal Folha de São Paulo que fez entrevista com vários juristas para saber da sobre a Lei:
Alamiro Velludo Netto, criminalista e professor de direito penal na USP, concorda que a norma não proíbe todo tipo de tapinha. "A palmada que tem mais efeito simbólico, de correção, não foi proibida, mas sim aquela que tem o caráter de agressão." Segundo ele, a lei gera um grande desafio para os juízes, que terão de dar contornos mais precisos ao que deve ser considerado sofrimento físico. "Em que medida um tapa é significativo? A forma como ele é dado, o contexto, tudo isso deverá ser considerado [na Justiça]. Uma palmada pode não ser considerada sofrimento físico, e o que vai determinar isso serão as decisões [judiciais]", diz o advogado. O que a lei deve penalizar é a situação em que o responsável pela criança, seja a mãe ou o pai, ultrapasse os limites do razoável, afirma o professor. O criminalista Fernando Castelo Branco ressalta que agressões devem ser punidas, como prevê a lei. O medo dele é que, por ser ampla, a nova regra abra espaço para interpretações radicais. "O pai que dá uma palmada no filho que sai correndo para atravessar a rua causou um sofrimento físico na criança?", pergunta ele, que não vê na palmada tratamento degradante[3].
A Lei não impede que crianças sejam castigadas moderadamente ou recebam palmadas educativas, condutas que fazem parte do processo educativo infantil, apesar de atualmente não serem aconselháveis, em razão dos reflexos negativos que podem causar[4].
Portanto, apesar das polêmicas que circundaram a aprovação da Lei, as palmadas não foram proibidas. Os castigos não foram impedidos. O que se fez foi tão somente conceituar no universo jurídico o que configura as condutas consideradas incompatíveis com os direitos infantis, nada mais.
Já o art. 18 B diz das medidas que podem ser aplicadas diretamente pelo Conselho Tutelar, quando existente castigo físico ou tratamento cruel.
O termo "gravidade do caso" deixa sob responsabilidade dos conselheiros tutelares a avaliação das situações, pois muitas vezes o simples diálogo, ou advertência ao responsável pode ser eficaz.
As sanções do art. 18 B têm natureza emergencial, pois visam adoção de medidas imediatas para impedir consequências indesejadas. Também devem ser aplicadas com ponderação, levando em conta as peculiaridades do caso.
O parágrafo único, por fim, diz que além das medidas previstas, podem ser tomadas outras providências legais, relacionadas aos juízos criminal e da infância e juventude, que têm condão de determinar a perda do poder familiar (art. 1638 do Código Civil c/c 129 do ECA, ou adoção de medidas cautelares para afastamento do agressor do lar ou prisão, conforme o caso (art. 319 do CPP).
O art. 70 A veio acrescer conteúdo ao art. 70, dizendo de políticas públicas voltadas para a erradicação da violência na educação de crianças e adolescentes por meio de campanhas educativas, medidas conjuntas entre o Poder Público e outras instituições, cursos de formação a profissionais do ramo, desenvolvimento de ações voltadas para garantias e prerrogativas infantis, dentre outras.
Por fim o artigo novo trata no parágrafo único da prioridade de atendimento a famílias de crianças e adolescentes com deficiência. É medida que sequer deveria ser prevista, pois a regra é a adoção de extrema prioridade em tais casos, mas lamentavelmente, em razão da extrema morosidade do judiciário, acaba sendo dispositivo útil se necessário em procedimentos junto ao juízo competente.
O art. 2º da Lei 13.010 não trouxe qualquer modificação ao art. 13 do ECA.
A redação antiga previa que: " Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais."
A redação nova somente introduziu os termos " castigo físico, tratamento cruel ou degradante", conforme citação que segue:
Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
A alteração seria desnecessária, pois tratamentos cruéis e degradantes estão abarcados pelo termo maus tratos, e acabou ocorrendo tão somente para adequar a redação do artigo aos conceitos trazidos com o art. 18 A.
Por fim, o art. 3º da Lei em estudo fez inserção do estudo de direitos humanos e da prevenção de violência a crianças e adolescentes e como tema transversal.
Os temas transversais, por tratarem de questões sociais, têm natureza diferente das áreas convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos Temas Transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento[5].
A inserção do assunto no campo dos temas transversais é medida muito importante, pois exige sua contínua abordagem em sala de aula. O problema é que poucos professores têm conhecimento e formação que permita a efetivação da medida.
A seguir, antes das considerações finais, será feita uma análise da crítica existente até o momento sobre a Lei nova, bem como observações e comentários sobre os estudos já realizados.
3. CRÍTICAS, PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA LEI 13.010/2014
Ainda há poucos artigos científicos que deram trato à nova legislação. Porém, pelo que se observa de algumas postagens constantes na internet, a compreensão de estudiosos tem sido no sentido da inexistência de qualquer modificação significativa trazida pela Lei 13.010 ao ECA, bem como por surgimento de um novo paradigma para criação dos filhos, trazido pela legislação promulgada.
Para o professor Lopes Cavalcante, a Lei nova não trouxe qualquer modificação relevante. Ao responder ao seguinte questionamento: "O que muda, na prática, com a Lei n.° 13.010/2014?" anota que:
Praticamente nada. Os castigos físicos e o tratamento cruel ou degradante já eram punidos por outras normas existentes, como o Código Civil, o Código Penal e o próprio ECA. A Lei n.° 13.010/2014, que não cominou sanções severas aos eventuais infratores, assumiu um caráter mais pedagógico e programático, lançando as bases para a reflexão e o debate sobre o tema[6].
Além disso, para ele, não houve uma "invasão" do Estado em assuntos familiares por meio da Lei, pois segundo consta no estudo realizado:
Essa é a opinião da esmagadora maioria dos infancistas sobre o tema. Segundo a CF/88, é dever, não apenas da família, mas também da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de violência, crueldade e opressão (art. 227).
Note-se que a compreensão trazida pelo estudioso é seguida pela professora Josiane Rose, que no artigo publicado no sítio jus navigandi relata que:
A leitura atenta desta nova lei revela-nos que, em momento algum está implícita a ideia de desautorizarmos a família do seu básico papel de educar seus filhos. O que a nova lei faz é trazer, isto sim, uma nova cultura para a família [...] Atualmente, como resultado de todo um esforço que resultou nas convenções internacionais e conferências sobre direitos humanos e específicos na área do Direito da Criança e do Adolescente, a violência intrafamiliar, não está mais confinada à esfera privada. Passou a ser uma questão pública que se estende pelas academias, sindicatos, partidos políticos, organizações de base, movimentos sociais e presente, inclusive, como política pública. Não resta dúvida que a violência doméstica afeta os direitos humanos, a liberdade pessoal, a convivência familiar, a saúde física e psíquica do indivíduo. A falta de afeto na família, atinge, principalmente, no desenvolvimento emocional da criança e do adolescente. Neste sentido, a intervenção do Estado no contexto familiar tem caráter complementar, devendo assegurar políticas sociais básicas, programas de assistência social, orientação e apoio familiar, proteção jurídica, serviços de prevenção e atendimento às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, etc. conforme estabelecido na Constituição Federal, de 1988, em seus artigos 226 e 227 e no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 3º, 4º e 7º.[7]
Tratando de mesma questão, o professor Eudes Quintino de Oliveira Júnior questiona a intromissão do Estado no planejamento familiar, entendendo que no Brasil já existe legislação suficiente para resguardo dos direitos e garantias infantis, e que a própria Carta Magna diz do direito dos pais de tratar os filhos da forma que melhor entenderem, desde que dentro do aceitável. Para ele:
Referida questão ganha extrema importância quando se traz à baila dois artigos fundamentais sobre o assunto: o primeiro é o artigo 26, item 3, da Declaração Universal de Direitos Humanos – o Brasil é signatário – no sentido de que Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos. O segundo, dando continuidade à regra anterior, é o artigo 226, §7º, da Constituição Federal, dispondo que: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Desta feita, verifica-se que nossa própria Lei Maior garante aos pais livre gerência da sociedade conjugal, certamente abarcando a opção de educar os filhos. Cabe ao Estado, apenas, fornecer meios para que essa escolha possa ser efetivada. Contudo, eventual ingerência na liberdade já garantida, parece se tornar abusiva. Evidentemente, qualquer tipo de abuso dos pais ou responsáveis deve ser tutelado por nosso ordenamento. Ocorre que já existem tutelas que podem se demonstrar eficazes, desde que aplicadas de maneira coesa com o sistema e com nossa sociedade.[8]
Das leituras versadas, fica claro que a Lei nova não trouxe qualquer invasão do Poder Público à vida privada. Não cria regras à educação a ser dada pelos pais, pois não proíbe as palmadas e castigos. Tão somente reforça a repudia estatal por práticas ofensivas à integridade de infantes, e trata de medidas para erradicação da violência infantil em todos os aspectos.
Falar que a Lei em comento traz grande avanço no âmbito das políticas para erradicação da violência a infantes seria grande mentira. Basicamente todas as disposições trazidas ao ECA apenas tiveram caráter complementar, pois a legislação já tratava clara e suficientemente dos assuntos regulamentados na Lei 13.010, conforme demonstrado pelo subitem 1.
Do estudo realizado, demonstra-se nítido que a promulgação da Lei Menino Bernardo, como já explica o nome conhecido popularmente, visa tão somente criar alguma medida para satisfazer o ego da mídia sensacionalista, e de pessoas que pedem por medidas mais eficazes na defesa de interesses infantis. Na prática não mudou nada, não melhorou nada, tão somente veio anteder vontades de certas classes que não entendem nada sobre o Estatuto da Criança e Adolescente, e sequer sabiam que as novas medidas já estavam inseridas nele.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei da Palmadinha, apesar do apoio e satisfação de parcela da sociedade com sua promulgação, trata de modificação legislativa que chove no molhado.
Tal expressão se justifica, porque como visto, o ECA já traz disposições expressas para o trato de situações em que ocorra violência infantil. Antes mesmo da promulgação, cabia ao conselho tutelar a adoção de medidas para solucionar questões envolvendo situações de risco a infantes, conforme letra do art. 98 e seguintes do ECA.
Os artigos novos apenas fazem complementação, definindo conceitos de tratamento cruel e castigo físico, dizendo de medidas imediatas que poder ser tomadas pelo Conselho Tutelar, e de políticas públicas que devem ser adotadas para erradicação da violência infantil.
Enfim, ao invés de se preocupar com a criação de Leis como a 13.010, o Poder Público deveria ser preocupar em desenvolver ações visando dar mais efetividade à legislação já existente. Contudo, infelizmente ainda acha que a promulgação de Leis visando atender a aclames populares e midiáticos, trará alguma solução às mazelas sociais.
GERRIG, Richard J. & ZIMBRADO, Philip G. A Psicologia e a Vida. São Paulo: Artmed, 2002.
FERREIRA, Luiz AntônioMiguel & DOI, Cristina Teranise. A proteção integral das crianças e dos adolescentes vítimas. Disponível em: http://www.recriaprudente.org.br/site/abre_artigo.asp?c=9. Acesso em 01 de julho de 2014.
RODRIGUES, Artur & TOMÉ, Pedro Ivo. Lei da Palmada não proíbe palmada, dizem advogados. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1465898-lei-da-palmada-nao-proibe-palmada-dizem-advogados.shtml. Acesso em 02 de julho de 2014.
PEREIRA, Pedro H. S. &TERZI, Alex M. Filosofia e Educação Ambiental: o desafio da contextualização do paradigma biocêntrico nas salas de aula. In: PEREIRA, Pedro H. S. (org. et. al.). Atas da XI Semana de Filosofia da UFSJ. São João del-Rei: SEGRA, 2009.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Breves comentários sobre a Lei 13.010/2014. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2014/06/breves-comentarios-sobre-lei-130102014.html. Acesso em 07 de julho de 2014.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Lei Menino Bernardo: por que o educar precisa do emprego da dor?. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/29790/lei-menino-bernardo-por-que-o-educar-precisa-do-emprego-da-dor. Acesso em 07 de julho de 2014.
OLIVEIRA Junior, Eudes Quintino. Lei da palmada. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/eudesquintino/2014/07/07/lei-da-palmada/. Acesso em 08 de julho de 2014.
[1] Segundo Ferreira & Doi no artigo "A proteção integral das crianças e dos adolescentes vítimas": "Com a nova doutrina as crianças e os adolescentes ganham um novo “status”, como sujeitos de direitos e não mais como menores objetos de compaixão e repressão, em situação irregular, abandonados ou delinqüentes. Para essa doutrina, pontua Amaral e Silva (apud PEREIRA, T. da S. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 27), 'o direito especializado não deve dirigir-se, apenas, a um tipo de jovem, mas sim, a toda a juventude e a toda a infância, e suas medidas de caráter geral devem ser aplicáveis a todos'." (Disponível em: http://www.recriaprudente.org.br/site/abre_artigo.asp?c=9. Acesso em 01 de julho de 2014).
[2] Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
[3] RODRIGUES, Artur & TOMÉ, Pedro Ivo. Lei da Palmada não proíbe palmada, dizem advogados. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/06/1465898-lei-da-palmada-nao-proibe-palmada-dizem-advogados.shtml. Acesso em 02 de julho de 2014.
[4] Conforme dados da obra "A Psicologia e a vida" de Zimbrado & Gerrig: "[...] a agressão física por parte dos pais em relação a seus filhos - mesmo no contexto de tentar corrigir um comportamento inadequado- serve como modelo para as próprias respostas das crianças às situações nas quais elas desejam controlar o comportamento de outros indivíduos. Ou seja, as crianças aprendem a usar a agressão física com seus pais [...]" (2002, p. 239).
[5] PEREIRA, Pedro H. S. &TERZI, Alex M. Filosofia e Educação Ambiental: o desafio da contextualização do paradigma biocêntrico nas salas de aula. In: PEREIRA, Pedro H. S. (org. et. al.). Atas da XI Semana de Filosofia da UFSJ. São João del-Rei: SEGRA, 2009, p. 176.
[6] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Breves comentários sobre a Lei 13.010/2014. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2014/06/breves-comentarios-sobre-lei-130102014.html. Acesso em 07 de julho de 2014.
[7] VERONESE, Josiane Rose Petry. Lei Menino Bernardo: por que o educar precisa do emprego da dor?. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/29790/lei-menino-bernardo-por-que-o-educar-precisa-do-emprego-da-dor. Acesso em 07 de julho de 2014.
[8] OLIVEIRA Junior, Eudes Quintino. Lei da palmada. Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/eudesquintino/2014/07/07/lei-da-palmada/. Acesso em 08 de julho de 2014.
Licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Professor de Filosofia. Bacharel em Direito Pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Pós graduado em Direito Público e Educação Ambiental. Advogado Militante. Membro da Academia Sanjoanense de Letras. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Pedro Henrique Santana. Observações prefaciais à Lei 13.010/2014 - Lei Menino Bernardo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40260/observacoes-prefaciais-a-lei-13-010-2014-lei-menino-bernardo. Acesso em: 23 dez 2024.
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