INTRODUÇÃO
Há tempos atrás, os conflitos de interesses surgidos nas sociedades eram resolvidos pelos próprios contendores (particulares), uma vez que inexistia o Estado como Poder Judiciário ou se existia, era insuficiente para sanar todas as controvérsias que apareciam de maneira imperativa e adequada.
Mais tarde, o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, ficando sob sua responsabilidade a solução definitiva de todo e qualquer conflito que viesse a acontecer.
É velha conhecida dos operadores do direito a demora na solução dos processos judiciais, a qual desestimula os litigantes, prejudicando as decisões e desmoralizando o Poder Judiciário.
As últimas reformas do Código de Processo Civil tiveram como objetivo acelerar a prestação jurisdicional, tornando-a menos onerosa e mais efetiva para os litigantes, visando, assim, à tão sonhada efetividade da justiça.
Para dar mais eficiência ao trâmite processual, o Código de Processo Civil instituiu, através da inovação trazida pela Lei nº. 8.952/94, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, com o objetivo de diminuir a morosidade judicial e assegurar o princípio da efetividade.
Dessa forma, o instituto descrito pela norma do artigo 273 do Código de Processo Civil assegura o direito daquele que se sentindo ameaçado pela demora jurisdicional, insurge-se contra a possibilidade de ineficácia da decisão final e consegue diminuir os efeitos da delonga da marcha processual, enquanto aguarda o provimento jurisdicional definitivo, antecipando o pedido final da demanda.
Apoiado nos princípios da Constituição da República de 1988, mais especificamente em seu artigo 5º, inciso XXXV, e em um momento posterior, fortalecido pelo inciso LXXVIII, introduzido pela Emenda Constitucional nº. 45 de 2004, o instituto da antecipação da tutela tem por objetivo garantir o acesso jurisdicional com eficácia, segurança e justiça, funcionando, assim, como uma medida jurídica imediata, evitando o perigo irreversível de lesão ao direito subjetivo do litigante que busca a proteção do Estado.
Não obstante a importância deste instituto, muito se tem discutido acerca do cabimento da tutela antecipada quando no pólo passivo da demanda estiverem as Pessoas Jurídicas de Direito Público. Tal controvérsia doutrinária e jurisprudencial se tornou ainda mais acentuada após o advento da Lei nº. 9494/97, que proíbe a concessão de medidas liminares em determinados casos em que a Fazenda Pública figure como parte demandada.
No presente trabalho, serão analisadas as mais diversas posições dos doutrinadores sobre o tema, abordando as vedações legais impostas à concessão da medida contra a Fazenda Pública e a tendência jurisprudencial dos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais e Distrito Federal, bem como Tribunal Regional Federal da 4ª Região e, por fim, do Superior Tribunal de Justiça. Serão tratados também os obstáculos, sejam eles processuais ou constitucionais, no que tange à antecipação da tutela.
Será utilizado no desenvolvimento do estudo, primordialmente, o raciocínio dialético, confrontando-se permanentemente as teorias postas sobre o tema. Este trabalho será uma pesquisa teórica, utilizando-se do procedimento da análise de conteúdos de doutrinas, de jurisprudência e de artigos de lei.
Tomar-se-á como referencial teórico à linha de raciocínio adotada por Marinoni (2000), que afirma a possibilidade da concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública desde que presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil.
A primeira parte do trabalho tratará da conceituação do instituto da tutela antecipada, englobando suas características e seus pressupostos. Em um segundo momento, far-se-á a análise do cabimento da antecipação de tutela em face das Pessoas Jurídicas de Direito Público. Demonstrar-se-ão as prerrogativas da Fazenda Pública quando esta é parte processual, bem como os supostos óbices para a concessão do instituto previsto no artigo 273 do Código de Processo Civil, quais sejam, o reexame necessário, a regra constitucional dos precatórios, a questão da irreversibilidade e as normas restritivas. Por fim, será feito breve estudo no que tange à inafastabilidade do controle judicial dos atos estatais, além de se tratar do confronto entre os princípios da efetividade da prestação jurisdicional e o da segurança jurídica.
Adotar-se-á o padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT (Associação Brasileira de Norma Técnicas) para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias.
Assim, preliminarmente, mister se faz tecer breves comentários e esclarecimentos acerca do instituto da tutela antecipada.
1. TUTELA ANTECIPADA
A angústia ocasionada pela longa espera do provimento jurisdicional não é novidade no Direito brasileiro. A morosidade na solução dos processos é grande inimiga da justiça no Direito moderno.
Tamanha demora no trâmite processual sempre foi motivo de grande preocupação dos juristas que almejavam maior celeridade jurisdicional, para que, assim, a prestação final fosse eficaz àquele detentor do direito.
Muitas vezes, a certeza desse tempo, que na maioria dos casos é muito longo, leva o autor à desistência, à autocomposição extrajudicial ou, até mesmo, à renúncia da sua pretensão.
No Direito brasileiro surgiu, no século passado, a tutela cautelar. Trata-se de uma medida assecuratória, que, na presença dos requisitos “fumus boni iuris” e “periculum in mora”, visa a garantir a eficácia do processo principal. Assim, evita-se que haja um possível deterioramento do direito quando se chega ao fim da demanda.
Todavia, era nítida a necessidade de um instituto que fosse capaz de satisfazer o próprio direito material da parte.
Por força da Lei nº. 8952/94, foi introduzida no Código de Processo Civil a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, mediante a qual se permite ao juiz, após requerimento da parte, e uma vez preenchidos os requisitos indicados no artigo, antecipar, em parte ou no todo, os efeitos da tutela pretendida.
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado
§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A.
§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Da mesma maneira, quando se trata de obrigação de fazer ou não fazer, pode o juiz conceder a tutela específica:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Com isso, objetivou o legislador dar mais segurança ao processo, vez que o processo cautelar visa a resguardar o direito e a garantir a efetividade da prestação jurisdicional, enquanto a antecipação da tutela objetiva a precoce efetivação da solução definitiva.
Analisando o tema, observa Pontes de Miranda:
Não há dúvida de que essa antecipação guarda parecença com a tutela cautelar. Distingue-se dela, entretanto, porque a providência cautelar é, sua natureza, transitória e urgente, destinada a subsistir apenas enquanto durar o processo principal, ao passo que a providência antecipada é a mesma que se pediu na ação cognitiva, concedida entretanto, em momento anterior à sentença, condicionada a sua subsistência à confirmação pela sentença. (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 533)
Nesse mesmo raciocínio, afirma Theodoro Júnior:
Tanto a medida cautelar propriamente dita (objeto da ação cautelar) como a medida antecipatória (objeto de liminar na própria ação principal) representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária, adotadas em caráter provisório. O que, todavia, as distingue, em substância, é que a tutela cautelar assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão. A antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação principal. Já a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso.( THEODORO JÚNIOR, 2004b, p. 339)
E prossegue dizendo:
Justifica-se a antecipação de tutela pelo princípio da necessidade, a partir da constatação de que sem ela a espera pela sentença de mérito importaria denegação de justiça, já que a efetividade da prestação jurisdicional restaria gravemente comprometida. Reconhece-se, assim, a existência de casos em que a tutela somente servirá ao demandante se referida de imediato. (THEODORO JÚNIOR, 2004a, p. 568)
Por fim, neste sentido, aduz Shimura:
A tutela antecipada surgiu com a finalidade de garantir, efetivamente, o acesso à Justiça. Essa questão da eficácia do provimento jurisdicional não pode ficar só no papel, não pode ser só uma garantia nominal, uma garantia formal. Deve efetivamente ser concretizada para ser entregue ao cidadão uma resposta jurisdicional eficaz, na medida em que não haja outra solução para o conflito senão se valer do Poder Judiciário. (SHIMURA, 2003, p. 181)
Conforme é cediço, o tempo despendido para a cognição processual completa é reflexo do monopólio da jurisdição, que é entregue ao Estado, o qual deverá analisar cada demanda com a devida cautela para, ao final, dizer o direito com justeza.
Contudo, em alguns casos, o tempo gasto durante o trâmite processual compromete a eficácia da sentença.
Assim, tem-se que o Poder Judiciário não deve garantir apenas uma resposta jurisdicional, mas sim assegurar que tal provimento seja efetivo.
Neste sentido, afirma Cunha:
Quando o texto constitucional assegura o livre acesso a justiça, está a garantir uma prestação jurisdicional efetiva e tempestiva, sem desgaste resultante das mazelas de uma insuportável demora na entrega da tutela jurisdicional. (CUNHA, 2005, p. 192)
Tanto é assim que a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, introduziu, entre os direitos fundamentais, no artigo 5º da Constituição da República de 1988, o inciso LXXVIII que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.
Com isso, nota-se a clara preocupação, presente em todo o Ordenamento Jurídico, em dar mais efetividade ao processo, evitando, com isso, a morosidade na solução dos litígios e, consequentemente, dando maior prestígio ao Poder Judiciário.
1.1. CARACTERÍSTICAS
Por ser a antecipação de tutela uma medida satisfativa, difere da tutela cautelar, pois esta visa a assegurar a existência do processo principal.
No que concerne à medida cautelar, afirma Greco Filho:
Essas medidas têm a finalidade provisória e instrumental. Provisória porque devem durar até que medida definitiva as substitua ou até que uma situação superveniente as torne desnecessárias; instrumental porque elas não têm finalidade ou objetivo em si mesmas, mas existem em função de outro processo. [...] Protege-se um bem jurídico na hipótese de, sendo a sentença favorável ao requerente, o bem precisar estar íntegro para lhe ser entregue ou ser utilizado. A medida é concedida para o caso de aquele que a pleiteia ter razão. (GRECO FILHO, 2003, p.153)
Por outro lado, com efeito, a tutela antecipada vai além de um julgamento antecipado da lide, conforme afirma Theodoro Júnior:
Mais do que um julgamento antecipado da lide, a medida autorizada pelo art. 273 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL vai ainda mais longe, entrando, antes da sentença de mérito, no plano da atividade executiva. Com efeito, o que a lei permite é, desde logo, a execução de algumas prestações que haveria, normalmente, de ser realizada depois da sentença de mérito e já no campo da execução forçada. Realiza-se, então, uma provisória execução, total ou parcial, daquilo que se espera venha a ser o efeito de uma sentença ainda por proferir. E nesse âmbito, a providência antecipatória tanto pode corresponder a medidas positivas como negativas. (THEODORO JÚNIOR, 2004a, p. 568)
Assim, tem-se que a tutela antecipada visa a proteger o direito subjetivo da parte, a fim de que ela não sofra prejuízo de difícil reparação. Na cautelar, o fim colimado é a garantia do processo, a fim de que a prestação jurisdicional definitiva não se torne inócua, posto que o destino do processo cautelar é, em suma, garantir a efetividade do processo principal.
Outra grande distinção está situada no terreno das provas. Para se obter a medida cautelar é suficiente o “fumus boni iuris”, ou seja, a mera aparência do bom direito. Todavia, para alcançar a antecipação de tutela, a parte terá obrigatoriamente que produzir prova inequívoca, ou seja, clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.
Assim, nota-se que o instituto da tutela antecipada trouxe maior segurança aos litigantes, vez que, através de uma cognição sumária, satisfaz se antecipadamente a pretensão postulada, desde que presentes os requisitos elencados no artigo 273 do Código de Processo Civil.
1.2. REQUISITOS
O artigo 273 do Código de Processo Civil, por se tratar de uma medida que visa a satisfazer, antes do julgamento final do mérito, o pedido do autor, elenca requisitos positivos e negativos para que seja concedida a medida:
Requerimento da parte: Condiciona o artigo 273 do Código de Processo Civil a concessão da tutela pelo requerimento da parte legitimada, excluindo, assim, a iniciativa do órgão judiciário.
Nas palavras de Pontes de Miranda:
Cautelosamente, o artigo 273 aludiu a requerimento da parte, e não do autor. Cabe o requerimento de antecipação, no qual se vislumbra a natureza de ação incidental, não só pelo autor, como ainda pelo Ministério Público, atuando como demandante, ou “custos legis”, e também pelo terceiro interveniente. (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 535)
Existência de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial: Como se sabe, a antecipação de tutela é medida que será tomada antes de se completar a instrução da causa. Mais do que o exigido nas medidas cautelares (“fumus boni iuris” e “periculum in mora”), necessita-se que haja prova inequívoca.
Para Theodoro Júnior:
É inequívoca, em outros termos, a prova capaz, no momento processual, de autorizar uma sentença de mérito favorável à parte que invoca a tutela antecipada, caso pudesse ser a causa julgada desde logo. (THEODORO JÚNIOR, 2004a, p. 572)
Ainda neste sentido, Pontes de Miranda diz que:
Deve haver prova inequívoca das alegações do autor, isto é, insuscetível de gerar perplexidade quanto ao fato constitutivo do direito alegado. (PONTES DE MIRANDA, 2001, p.536)
Verossimilhança da alegação: Trata-se da veracidade dos fatos narrados pelo autor, ou seja, deve haver uma grande probabilidade de que os fatos alegados sejam verdadeiros. Para Gyanesini:
Verossimilhança não corresponde a certeza. Até porque é impossível de início, na cognição sumária que o juiz realiza quando analisa o pedido de tutela antecipada, ter alguma certeza. O que é possível ao juiz é presumir que há uma grande probabilidade de o autor ter razão. Para fins de tutela antecipada, não se exige que haja certeza. Faz-se suficiente a probabilidade. (GYANESINI, 2003, p. 171).
Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, alternativamente, abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu: Receio fundado é aquele que tem grande probabilidade de trazer prejuízo à parte que requer a medida.
Nas palavras de Theodoro Júnior:
Receio infundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juiz de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco do prejuízo grave. (THEODORO JÚNIOR, 2004a, p. 573)
Por abuso de direito de defesa entende-se a resistência injustificada do réu e, por manifesto propósito protelatório, o uso de meios ilícitos utilizados pelo réu na sua defesa.
Possibilidade de reversão da medida: Caso o requerente venha a sucumbir no processo, não deve haver a impossibilidade de retorno à situação anterior (o perigo da irreversibilidade será devidamente tratado no item 3.5 deste trabalho).
2. TUTELA ANTECIPADA EM FACE DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO
Após discorrer sobre a importância do instituto da tutela antecipada para o Ordenamento Jurídico Pátrio, bem como os seus requisitos necessários, passa-se agora, à análise da possibilidade da concessão desta medida em detrimento das Pessoas Jurídicas que compõem a Administração Pública Direta e Indireta.
2.1. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E SUA POSIÇÃO NO PROCESSO
A participação das Pessoas Jurídicas de Direito Público possui um aspecto peculiar, visto que, figurando no pólo ativo ou no pólo passivo da demanda, usufruem de determinados privilégios não reconhecidos aos particulares.
De maior importância para este trabalho, destacam-se o reexame necessário como condição de eficácia da decisão proferida contra a Fazenda Pública (artigo 475 do Código de Processo Civil); o processo especial de execução, consoante o que dispõe o artigo 100 da Constituição da República e as restrições legais quanto à concessão da tutela antecipada (Lei nº. 9494/97).
Parte minoritária da doutrina, como, por exemplo, Gyanesini (2003), entende que não é possível a concessão da tutela antecipada em face das Pessoas Jurídicas de Direito Público, em virtude da presença de tais privilégios.
Todavia, o presente estudo pretende mostrar que tais privilégios retro assinalados não constituem, de maneira alguma, óbice para a concessão da antecipação da tutela.
2.2. A TUTELA ANTECIPADA FRENTE AO REEXAME NECESSÁRIO
Há uma grande controvérsia quanto à possibilidade de concessão de tutela antecipada em face das Pessoas Jurídicas de Direito Público, uma vez que a própria sentença proferida em desfavor desta está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório como forma de eficácia da mesma.
Uma parte minoritária da doutrina afirma não ser possível a concessão da antecipação da tutela contra a Fazenda Pública em virtude da obrigatoriedade do reexame necessário.
Nas palavras de Gyanesini:
Ao se afastar o reexame necessário da hipótese, se estaria dando ao autor, preliminarmente, muito mais do que ele poderia vir a obter na própria sentença, o que é errado e ilógico. Assim, apesar de ser uma decisão interlocutória, há a necessidade de a concessão da tutela antecipada ser reexaminada pelo Tribunal. Se não for assim, esta tão propugnada celeridade criaria empecilhos ao próprio interesse público, o que não tem sentido algum. (GYANESINI, 2003, p. 173)
Assim prevê o artigo 475 do Código de Processo Civil:
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§ 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§ 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§ 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
Como se pode notar, a sentença proferida contra a Fazenda Pública não tem executividade imediata, com exceção do previsto no parágrafo 2º, devendo ser obrigatoriamente submetida ao duplo grau de jurisdição. A Súmula 423 do Supremo Tribunal Federal é clara neste sentido quando afirma que não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex-oficio", que se considera interposto "ex-lege".
O legislador usou a palavra sentença e não decisão. Assim, somente as sentenças estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição obrigatório, não se submetendo ao reexame as decisões interlocutórias.
Segundo Cunha:
Após acirradas discussões, chegou-se a um consenso: não se sujeitam ao reexame necessário as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública. Como bem lembrado por Renato Luís Benucci, no processo de Mandado de Segurança há reexame necessário e nem por isso está vedada a concessão de liminar. De igual modo, a simples existência de reexame necessário não é fator necessário e suficiente para impedir a concessão de provimentos antecipatórios contra a Fazenda Pública. (CUNHA, 2005, p. 196)
Marinoni considera que o reexame necessário não pode impedir a concessão da antecipação de tutela, sob pena de inconstitucionalidade, pelo fato de que:
O autor que tem razão não pode ter o seu direito lesado (direito a efetividade da tutela jurisdicional) em virtude da demora do processo, como também não pode ser obrigado a suportar, no caso de direito evidente e fragilidade da defesa, o tempo da justiça (direito a tempestividade da tutela jurisdicional). (MARINONI, 2000, p. 219).
Nessa mesma linha de raciocínio, apresenta-se a maior parte da jurisprudência, que se orienta no sentido de que não se sujeitam ao reexame necessário às decisões interlocutórias. Vejamos:
Não se aplica o art. 475, II do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, à tutela antecipada vinda sob a forma de decisão interlocutória, provisória e revogável, mas só às sentença de mérito. Não pode a lei ser interpretada restritivamente, impedindo que o direito se efetive desde logo, quando existe prova de verossimilhança das alegações e da plausibilidade da existência de dano irreparável e de difícil reparação ao direito pleiteado, não se enquadrando a hipótese em nenhuma das situações previstas em lei específica. (TJ/MG - AI nº. 05.699.852-9/001- 8ª Câmara Cível - Relator Desembargador Fernando Bráulio - Julgado em 08.09.2005)
A decisão que antecipa os efeitos da tutela proferida no curso do processo tem natureza de interlocutória, não lhe cabendo aplicar o art. 475 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, o qual se dirige a dar condição de eficácia às sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, quando terminativas com apreciação do mérito. (STJ. REsp 659.200/DF, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Sexta Turma, Julgado em 11/10/2004).
Ao continuar nessa linha de raciocínio, afirma Machado, citado por Vieira:
O duplo grau de jurisdição não é barreira à emissão de decisões interlocutórias contra o Estado, mas apenas a garantia de que, havendo uma sentença desfavorável a ele, esta será necessariamente reapreciada por um Tribunal. E tanto é verdade que não se pode usar o duplo grau, como argumento contra a admissibilidade da tutela antecipatória, que basta pensar no quão absurdo seria se alguém sustentasse que, pelo simples fato de já ter sido interposto o apelo com efeito suspensivo- o que significa que haverá obrigatoriamente um segundo julgamento da causa, vale dizer, que já está em pleno funcionamento o duplo grau de jurisdição, não cabe a tutela antecipada. (MACHADO apud VIEIRA, 2004, p. 55)
Dessa forma, pode-se concluir que o fato de as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública estarem sujeitas ao duplo grau de jurisdição não impede a concessão do instituto da tutela antecipada.
2.3.A REGRA CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS
Em um primeiro momento, é importante ressaltar que a execução por via do precatório judicial, previsto no artigo 100 da Constituição da República de 1988, diz respeito tão somente às obrigações de pagamento de quantia certa.
Quando se tratar de obrigações de fazer ou não-fazer, a execução da tutela antecipada se dará pelas regras estabelecidas no artigo 461 do Código de Processo Civil, em que o juiz poderá impor multa diária ao réu, inclusive pelo inadimplemento.
Deste modo, em se tratando de obrigações de pagamento de quantia certa, será adotado o disposto no artigo 100 da Constituição da República de 1988 que exige, para sua efetivação, a observância do precatório para “os pagamentos devidos pela Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária”.
Não obstante a Constituição da República de 1988 falar apenas em sentença judiciária, há que se atentar quanto à amplitude dessa expressão.
Neste sentido, afirma Viana:
Primeiro, convém atentarmos para o risco da interpretação meramente literal do dispositivo. Lembremos, por exemplo, que, não obstante a redação do art. 100/CF referir-se a sentença, a interpretação sistemática da norma autoriza a expedição de precatório também como base em título executivo extrajudicial. (VIANA, 1998, p. 146)
Em relação ao cabimento do procedimento dos precatórios ao se tratar de antecipação dos efeitos da tutela, há divergências quanto a essa possibilidade.
Parte minoritária da doutrina entende que a expressão “sentença judiciária” não abrange a tutela antecipada, vez que esta se trata de decisão interlocutória e, por isso, não poderia estar sujeita ao regime dos precatórios. Esta é a opinião de Gianesini:
O Poder Público, quando recebe um ofício requisitório, é obrigado a incluir o valor correspondente em seu orçamento. Se inclui um pagamento, tem de prever a receita respectiva. Para prever o pagamento de um precatório, o Poder Público pode precisar de prever a execução de uma obra. Mesmo que o beneficiário da tutela antecipada, na hipótese de perder a demanda, indenize o Poder Público pelos danos que sua tutela antecipada causou (a tônica da reversibilidade da tutela). Qual a extensão dos danos para a população com a não execução daquela obra que deveria ser realizada naquele momento? Portanto, o Poder Público deixou de prever a construção de uma obra necessária para prever as despesas com precatórios de tutelas antecipadas as quais, ao final, mostraram-se infundadas. Eis aí um inegável obstáculo para cumprir esta decisão interlocutória. (GYANESINI, 2003, p. 175)
Em entendimento totalmente contrário, Marinoni entende notadamente plausível a execução provisória da decisão que antecipa os efeitos da tutela:
Tratando-se de execução antecipada de soma, não é possível a dispensa do precatório, ainda que sua expedição possa ocorrer desde logo, ou seja, em virtude da decisão que concedeu a tutela antecipatória. Como é óbvio, não pode o juiz determinar, como meio de execução da tutela antecipatória, o seqüestro do dinheiro público, como tem ocorrido em algumas decisões já proferidas no país. (MARINONI, 2000, p. 220)
Nessa mesma linha, afirma Viana:
Cuidando-se de obrigação por quantia certa – porque nos demais casos a Fazenda Pública está sujeita às vias executivas comuns, previstas para a execução de fazer e entrega de coisa-, admitir a antecipação de tutela e sua atuação imediata, não implica dispensa na expedição do precatório. Esse será utilizado como instrumento operacionalizador da antecipação, respeitando-se, assim, o modus traçado pela lex magna. (VIANA, 1998, p. 147).
Entende-se que este seja o procedimento correto.
Desse modo, o fato de os créditos devidos pela Fazenda Pública, no que tange às obrigações de pagamento de quantia certa, estarem sujeitos ao sistema dos precatórios não afasta a possibilidade de cabimento quando se tratar de deferimento de tutela antecipada, vez que a Constituição não faz referência à sentença transitada em julgado.
Assim, uma vez concedida à antecipação dos efeitos da tutela, deverá o juiz requisitar o pagamento por intermédio do Presidente do Tribunal competente, conforme artigo 730, inciso I, Código de Processo Civil, fazendo o pagamento na ordem de apresentação do precatório e a conta do respectivo crédito, consoante o que dispõe o artigo 730, inciso, II, do mesmo dispositivo legal.
Esse é o entendimento de Marinoni:
Na execução da tutela antecipatória de soma contra a Fazenda Pública, está no artigo 730 do Código de Processo Civil, concedida a tutela o juiz deve dar a Fazenda o prazo legal para se manifestar. Em virtude da natureza da tutela antecipatória, não cabem os embargos, devendo a Fazenda apresentar sua defesa no próprio processo de conhecimento. ( MARINONI, 2000, p. 220)
A jurisprudência majoritária entende que se devem submeter ao procedimento do precatório as decisões que concedem a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública:
TUTELA ANTECIPADA – CONDENAÇÃO - AUTARQUIA FEDERAL - VERBAS PRETÉRITAS – NECESSIDADE – OBSERVÂNCIA - REGRAS PRECATÓRIO - Deferida antecipação de tutela contra autarquia federal, integrante da fazenda federal, torna-se currial condená-la de acordo com as formalidades constitucionais do precatório. (TJ/DF - AI nº 20010020043346/DF- 2ª Turma Cível.- Relator Desembargador Getúlio Moraes Oliveira- Publicado em 29.05.2002)
Conforme exaustivamente falado, uma vez comprovado que deverá se submeter à exigência do precatório, no caso da execução da antecipação dos efeitos da sentença, o procedimento se dará, na lição de Machado, da seguinte forma:
A sentença, mesmo sem trânsito em julgado, quando nesta houver sido concedida antecipação, ou a decisão interlocutória, presta-se como título adequado a instruir o precatório. Quando o juiz determinar a sua expedição, deixará claro que se trata de execução provisória, em face da nova figura processual, e dirá que o valor correspondente deve ser colocado à disposição do juízo. É certo que a Fazenda Pública não pode ficar desprotegida. O valor a ser pago ao contribuinte, autor da ação de repetição de indébito tributário, em cumprimento do precatório, deve permanecer depositado até que transite em julgado a sentença final. Esse depósito será a garantia de que se não criou uma situação irreversível. É possível, outrossim, o próprio pagamento ao contribuinte, se este ofertar caução idônea (...)” [...] “na eventual ocorrência de trânsito em julgado de sentença julgando a ação improcedente, o valor à disposição do juízo será convertido em renda da Fazenda Pública”. (MACHADO, 1996, p. 48).
Corroborando este raciocínio, ainda afirma o aludido autor que:
O argumento segundo o qual apenas a sentença pode servir como título executivo contra a Fazenda Pública é que o fato judicial da antecipação de tutela é simplesmente uma decisão interlocutória é daqueles que só encontram amparo na visão formalista do processo, hoje inteiramente superada, além de negar os elementos sistemático e teleológico, indispensáveis a uma adequada interpretação das normas jurídicas. Aliás, tal argumento, repita-se, levaria mesmo à total inutilidade a norma que autoriza a antecipação da norma jurisdicional. Em outras palavras, nega a própria instituição da tutela antecipada. Não sendo aquela decisão interlocutória um título judicial, porque não albergado pelo art. 584, não se prestaria para execução nenhuma, mesmo contra particulares. (MACHADO, 1996, p. 46)
Sem qualquer consistência, portanto, a tese que afirma não se submeter à exigência dos precatórios a decisão interlocutória que concede a tutela antecipada.
Assim, diante da verossimilhança da alegação, embasada pela presença da prova inequívoca, o juiz, a requerimento da parte, deverá conceder a tutela antecipada contra a Fazenda Pública para que, até o trânsito em julgado da sentença, o crédito a que será condenada a Fazenda já tenha sido posto a disposição de Juízo, através da formação do precatório.
Assim, se o pedido de tutela antecipada for deferido, o precatório deverá ser aparelhado, autuado e apensado ao processo principal, sem, com isso, ter que suspendê-lo.
Contudo, até que o feito se concretize, ou seja, enquanto não houver ainda sentença judicial transitada em julgado, o dinheiro deverá ficar à disposição do Juízo. Por outro lado, se a ação for, ao final, julgada improcedente, o montante disponibilizado para o pagamento do precatório deverá ser convertido em renda ao Poder Público sem causar, com isso, qualquer tipo de prejuízo à Fazenda Pública.
2.4.PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICONAL X PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Com o advento do instituto da tutela antecipada no Processo Civil brasileiro muito se discutiu acerca do confronto entre dois princípios distintos, igualmente relevantes e ambos dignos de tutela jurídica: o princípio da segurança jurídica e o da efetividade do direito e do processo.
Nas palavras de Vieira:
A segurança jurídica pode ser caracterizada como o direito de provocar a atuação do Estado, obtendo-se em um prazo adequado uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos, caracterizando-se como direito de que os bens em sentido amplo permaneçam com quem lhes detém até que se esgote o devido processo legal. O fator tempo é o elemento que desencadeia tal tensão, pois a exigência da efetividade jurisdicional não permite, em determinadas situações, a correta aplicação do devido processo legal. (VIEIRA, 2004, p. 48)
Neste sentido, afirma Alvim:
Em se tratando de direitos fundamentais de idêntica matriz constitucional, não há hierarquia alguma, no plano normativo, entre o direito a efetividade da jurisdição e o direito a segurança jurídica, pelo que hão de merecer do legislador, em geral, e do juiz, em particular idêntica consideração. (ALVIM, 2004, p. 747)
Há a salientar que a questão varia completamente em cada caso concreto, uma vez que é cediço que o deferimento ou o indeferimento da tutela antecipada irá afetar consideravelmente a parte, podendo gerar prejuízos, às vezes, irreparáveis.
Assim, caberá ao Poder Judiciário realizar a análise concreta dentro de cada caso, para saber qual dos dois princípios deverá prevalecer. Para isso, deverá ser realizada, de forma minuciosa, a ponderação das peculiaridades de cada caso, através dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como se valer do balanceamento dos valores envolvidos.
Dessa forma, o magistrado, valendo-se do princípio da proporcionalidade, deverá ponderar os interesses que estão em lide, optando por aquele que lhe pareça mais verossímil. Pois, sendo indispensável uma rápida atuação do Poder Judiciário, é preciso tutelar aquele valor que pareça mais plausível, aquele que terá mais probabilidade de ser reconhecido após cognição exauriente.
Alvim elucida que “O ideal seria que todos os princípios constitucionais atuassem de forma plena, sem restrição alguma, mas nem sempre é possível estabelecer uma convivência harmônica e simultânea de todo o conjunto dos direitos fundamentais”. (ALVIM, 2004, p. 747)
Nesse mesmo diapasão, Vieira conclui que:
Nesse contexto, a instituição da tutela antecipada no corpo do processo de conhecimento veio contribuir para dotar o sistema processual de adequado instrumento que permitisse a convivência harmônica desses princípios, pois presentes os pressupostos autorizadores da medida de antecipação, a parte terá acesso a uma tutela em tempo útil (princípio da efetividade do direito), sem que fique comprometida a adequada aplicação do direito ao fato (princípio da segurança jurídica). E mesmo quando confrontados os princípios referidos, a transcendência do princípio da necessidade harmoniza os princípios e reordena o sistema processual. (VIERA, 2004, p. 43)
E finaliza afirmando:
A segurança jurídica pode ser caracterizada como o direito de provocar a atuação do Estado, obtendo-se em um prazo adequado uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos, caracterizando-se como direito de que os bens em sentido amplo permaneçam com quem lhes detém até que se esgote o devido processo legal. O fator tempo é o que desencadeia tal tensão, pois a exigência de efetividade jurisdicional não permite, em determinadas situações, a correta aplicação do devido processo legal. Já na tutela jurisdicional antecipada é evidente a valorização do direito à efetividade; ainda que em detrimento da segurança jurídica, pois o juízo de verossimilhança que embasa o provimento antecipatório não permite o exaurimento do devido processo legal. (VIERA, 2004, p. 48)
Dessa forma, importante se faz dizer que não há a supressão do princípio da segurança jurídica. O que se fará é, através de uma cognição sumária, conceder à parte o direito que aparenta ser mais verossímil para, posteriormente dar seqüência à marcha processual garantindo, de igual forma, a segurança no processo.
Nas palavras de Alvim:
A parte contrária não fica privada do devido processo legal, porque depois do provimento antecipatório, que se dá em moldes de provisoriedade e temporalidade; abre-se o pleno contraditório e a ampla defesa, para só a final ser dada a solução definitiva da lide. Nesse percurso, pode, inclusive, o provimento antecipatório vir a ser suspenso, se concedido, ou, se negado, concedido por meio da interposição de agravo de instrumento. ( ALVIM, 2004, p. 749).
Continuando o raciocínio:
Mesmo nas hipóteses em que a lei processual permita ao juiz emitir provimentos inaudita altera parte, aquele em face de quem ou contra quem se dirige a pretensão terá a oportunidade de manifestar-se e defender-se, embora num momento posterior. Trata-se nesses casos, de postergar o contraditório, para permitir a efetividade da tutela dos direitos. Deste modo, respeitado estará o princípio. (ALVIM, 2004, p. 749)
Assim, conforme se notou, para tutelar o provável titular do direito subjetivo é necessário sacrificar, num primeiro momento, o princípio da segurança jurídica, vez que se a tutela não for viabilizada, poderá se fazer impossível num momento futuro. Contudo, o direito ao contraditório e à ampla defesa, próprios do princípio da segurança jurídica, restará totalmente resguardado, só que serão satisfeitos num segundo momento.
2.5.A QUESTÃO DA IRREVERSIBILIDADE
O artigo 273 do Código de Processo Civil, em seu §2º, dispõe que não será concedida a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Diante dessa limitação, muito se tem discutido se a eventual irreversibilidade dos efeitos do provimento antecipatório, principalmente quando em prejuízo ao erário, constitui uma barreira intransponível ao seu deferimento.
A questão, em cada caso concreto, é sempre muito polêmica, pois se trata de uma verdadeira colisão de valores, uma vez que a concessão ou denegação da medida antecipatória implica, em alguns casos, um prejuízo irreparável à outra parte.
A definição sobre qual dos princípios, quais sejam os da efetividade e da segurança jurídica, deve prevalecer é tarefa que o Poder Judiciário não pode desempenhar abstratamente, pois exige a exata ponderação das peculiaridades de cada caso, através da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como o balanceamento dos valores envolvidos.
Em alguns casos, é necessária uma rápida atuação do órgão judicante e é evidente que ele deve tutelar o direito que aparenta ser mais plausível, e que, provavelmente, será reconhecido após a cognição exauriente. Por outras palavras, se não existir outro modo de impedir a lesão ao direito que se demonstra plausível, deve-se permitir que o julgador provoque um dano irreparável ao direito que pareça ser improvável.
A discussão já foi apreciada por nossos tribunais, que assim entendem:
A irreversibilidade do provimento, meramente econômica, não é óbice à antecipação de tutela, em matéria previdenciária ou assistencial, sempre que a efetiva proteção dos direitos à vida, à saúde, à previdência ou à assistência social não puder ser realizada sem a previdência antecipatória. (TRF/4ª Região - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 2002.04.01.046195-1 - Relator Antônio Albino Campos de Oliveira, julgado em 09.04.2003)
Não há que se falar, no caso, em perigo da irreversibilidade do provimento antecipado, tendo em vista a natureza social e protetiva do direito que se quer garantir. Considerados os valores postos em conflito-prejuízo econômico da autarquia e proteção a subsistência e à vida do segurado/dependente-, há de prevalecer o segundo. (TRF/4ª Região - Agravo de Instrumento n. 2005.04.01.029245-5 - Relator Luiz Antônio Bonat, julgado em 03.11.2005)
Quando a Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, assegura que nenhuma lesão ou ameaça de direito será excluída da apreciação do Judiciário, através do devido processo legal, seu objetivo não foi apenas o de instituir procedimentos formais a serem seguidos pelo Juízo. Ao contrário, o real objetivo do constituinte, ao instituir o princípio do acesso à justiça, era garantir a prestação jurisdicional efetiva, por parte do Poder Público, a todos os cidadãos, de modo a coibir qualquer lesão aos direitos individuais e coletivos.
Por outras palavras, o processo é o instrumento adequado a viabilizar, efetivamente, a proteção do direito subjetivo ameaçado ou lesado. Por isso, podemos dizer que o devido processo legal é, na verdade, o processo justo, pelo que não há de se falar que a tutela antecipada em desfavor do Estado contraria o princípio constitucional da segurança jurídica.
Não obstante a possibilidade de o provimento se tornar irreversível, não pode o magistrado olvidar que o receio de dano irreparável, ou de difícil reparação, não é o da autarquia ter ou não solidez para reparar o ato depois da sentença definitiva, mas sim o do segurado não poder suportar essa longa espera sem evidente risco de agravamento irreversível de sua saúde ou, até mesmo, a perda da própria vida.
Diante da iminência da irreversibilidade, deve o juiz colocar na balança, de um lado, os prejuízos advindos da antecipação da tutela, e de outro, as conseqüências de sua denegação. Se o magistrado não conceder a medida antecipatória, a parte autora tem que aguardar a exaustiva cognição processual, podendo sofrer um dano que pode ser irreparável, caso julgado procedente o pedido.
É de se dizer que em havendo necessidade de se sacrificar direitos, recaia o sacrifício sobre o direito menos provável (plausível) ou sobre a parte que melhor irá suportá-lo. Principalmente porque a irreversibilidade deve sempre render-se ao direito evidente e ao risco de dano irreparável.
Assim, dizer que não se pode conceder tutela antecipada contra o Poder Público dada a irreversibilidade do provimento antecipado, é conduzir à verdadeira supressão do princípio constitucional que garante a efetividade da prestação jurisdicional (artigo 5º, XXXV, da Constituição da República de 1988), tendo em vista a prevalência de um protecionismo injustificado do direito inverossímil, em detrimento do direito aparente que necessita de uma tutela urgente.
2.6.NORMAS RESTRITIVAS
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de liminar da ação declaratória nº. 04-6/DF, declarou constitucional o artigo 1º da Lei nº. 9494 de 10/09/1997, que dispõe:
Art. 1º. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos artigos 273 e 461 do Código de processo Civil o disposto nos artigos 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº. 4348, de 26 de junho de 1964, no artigo 1º e seu parágrafo 4º da Lei nº. 5021, de 09 de junho de 1966 e nos artigos 1º, 3º e 4º da Lei nº. 8437, de 30 de junho de 1992.
Na ADC acima referida, o Supremo Tribunal Federal concedeu medida liminar para suspender, com eficácia “ex nunc” e efeito vinculante, toda decisão que se refira a antecipação de tutela em face das Pessoas Jurídicas de Direito Público e que tenha como pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº. 9494/97.
Do exame deste artigo, pode-se afirmar que só não pode ser deferida tutela antecipada contra a Fazenda Pública nos casos de reclassificação ou equiparação de servidores públicos; concessão de aumentos ou extensão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos; concessão ou acréscimo de vencimentos e em situações das quais resulte o esgotamento, parcial ou total, a perda do objeto da ação, desde que tais ações digam respeito, exclusivamente, a quaisquer das matérias acima aludidas.
Assim, conforme se pode notar, a maioria das decisões vem entendendo que esta impossibilidade se dá apenas nas hipóteses expressas elencadas pelo legislador:
Com relação à incidência da Lei nº. 9.494/97, que disciplina a outorga da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, entendo que as disposições do seu artigo 1º não encontram óbice à antecipação do provimento jurisdicional pleiteado, por não se confundir com nenhuma das hipóteses ali mencionadas, não se tratando de inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. (TJ/MG - AI nº. 005.646.972-9/001 - 8ª Câmara Cível - Relator Desembargador Duarte de Paula - Julgado em 13.10.2005)
TUTELA ANTECIPADA - FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE - REQUISITOS DA CONCESSÃO. - Excetuados os casos expressamente previstos no art. 1º da Lei nº. 9.494/97, pode-se deferir tutela antecipada em face da Fazenda Pública. ( TJ/MG - AI nº. 005.657.039-3/001- 8ª Câmara Cível - Relator Desembargador Duarte de Paula - Julgado em 01.09.2005)
Afora as hipóteses previstas no artigo 1.º Da Lei n.º 9494/97, a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, em tese, é perfeitamente possível, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que assegura o direito à adequada tutela jurisdicional. (TJ/MG - AI nº. 005.700.246-1/001- 6ª Câmara Cível - Relator Desembargador Batista Franco - Julgado em 23.08.2005)
Neste sentido, afirma Shimura:
Mesmo diante desta decisão do Supremo, é importante lembrar que esta Lei nº. 9494/97 tem caráter restritivo. Tudo o que não for reclassificação, equiparação, aumento de vantagens ou extensão de vantagens de servidor público não encontra, abstratamente, qualquer óbice quanto à viabilidade da antecipação da tutela. (SHIMURA, 2003, p. 186)
Corroborando este raciocínio, afirma Cunha:
Ora, se é vedada a antecipação de tutela contra o Poder Público nos casos previstos na Lei nº. 9494/97, significa que nas hipóteses não alcançadas pela vedação, resulta plenamente possível deferir a tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Cabível, portanto, com as ressalvas da Lei nº. 9494/97, a tutela antecipada contra a Fazenda Pública. (CUNHA, 2005, p. 196)
Fora os casos previstos de impossibilidade de concessão de tutela antecipada pela Lei nº. 9494/97, tal medida é perfeitamente cabível contra o Estado.
Há que salientar que, mesmo diante das disposições da Lei nº. 9494/97, cabe ao juiz analisar, em cada caso concreto, sobre a razoabilidade das restrições legais.
Afirma-se, de outro lado que não obstante a liminar de ADC nº. 04, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, pode-se garantir que qualquer vedação legal à concessão da tutela antecipada seria ofensa ao princípio do acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988).
2.7.INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ESTATAIS
A Constituição da República de 1988 assegura a todos o livre acesso à justiça. Tal garantia constitucional funciona como um instrumento inibidor da ação do legislador infraconstitucional, que pode vir a inibir aquele que acione o Poder Judiciário.
Para Grinover, Cintra e Dinamarco tal princípio:
Garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir solução para ela. Não pode a lei “excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV), nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, art. 126). (GRINOVER, CINTRA, DINAMARCO, 2003, p. 139)
Marinoni assevera que:
Se o direito à adequada tutela jurisdicional é garantido constitucionalmente, o legislador infraconstitucional é obrigado a estruturar o sistema processual de modo a permitir a efetividade da tutela dos direitos. Um sistema de tutela dos direitos que não contenha procedimento adequado à tutela de uma determinada situação de direito substancial não está estruturado de acordo com a exigência constitucional. (MARINONI, 2000, p. 108).
Assim, o direito à tutela de urgência, consubstanciado na garantia constitucional de acesso à justiça não pode ser suprimido por qualquer tipo de norma infraconstitucional, para um determinado caso concreto.
O artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição da República de 1988, que garantem o acesso à justiça, não significa “apenas que todos têm direito a recorrer ao Poder Judiciário, mas também quer significar que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva” (MARINONI, 2000, p. 218).
Isto quer dizer que:
Ora, se o legislador infraconstitucional está obrigado, em nome do direito constitucional à adequada tutela jurisdicional, a prever tutelas que, atuando internamente no procedimento, permitam uma efetiva e tempestiva tutela jurisdicional, ele não pode decidir, em contradição com o próprio princípio da efetividade, que o cidadão somente tem direito a tutela efetiva e tempestiva contra o particular. (MARINONI, 2000, p.218)
Como se pode notar, a Constituição da República de 1988 não quer apenas garantir ao cidadão o acesso formal à justiça, mas sim que essa garantia possa ser feita de forma a satisfazer, de maneira justa, tal direito constitucional.
Nesta mesma linha de raciocínio, Di Pietro afirma que qualquer tipo de vedação infraconstitucional à concessão da tutela antecipada deve ser vista de forma limitada, sob pena de violação ao princípio constitucional de inafastabilidade da jurisdição:
Há que se observar que todas as restrições às medidas liminares ou acautelatórias são de valor relativo, pois não se pode ser adotadas pelo Poder Judiciário quando coloquem em risco os direitos das pessoas, sob pena de ofensa ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que impede seja excluída da apreciação judicial, não só a lesão, como também a ameaça de direito. Por outras palavras, se devidamente demonstrado o periculum in mora, não poderá ser negada a medida liminar para proteger o direito ameaçado, já que, entre a norma constitucional e a lei ordinária, a primeira tem que prevalecer. (DI PIETRO, 2001, p. 611)
Corroborando este raciocínio, Moraes:
Importante, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausividade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que toda violação a direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue. (MORAES, 2003, p.103)
Conforme já foi falado, o artigo 273 do Código de Processo Civil impõe alguns requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada. Uma vez comprovada a plausividade do direito pleiteado e que este sofre risco de lesão caso não seja garantido imediatamente, necessário se faz a antecipação da tutela.
Assim, negar ao cidadão o direito de ter seu pleito protegido de forma tempestiva e efetivamente, quando se estiver em litígio com o Estado, é negar a ele a garantia constitucional de acesso à justiça.
Ademais, sabe-se que existe, para o Poder Judiciário, o poder-dever de controlar os atos praticados pela Administração Pública. Dessa maneira, caso o Judiciário seja impedido de atuar sobre os atos ilegítimos da Administração Pública, com a presteza e eficiência exigidas pelas situações urgentes, o princípio da inafastabilidade do controle judicial sobre os atos administrativos será letra morta em nosso ordenamento jurídico.
Portanto, a restrição da concessão da tutela antecipada, quando presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, representa afronta à Constituição da República de 1988, vez que esta garante a todos o acesso justo à jurisdição.
A limitação do legislador infraconstitucional, no que tange à antecipação de tutela, mostra afronta ao artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição da República de 1988, vez que admite que o autor, apesar de ter direitos, não poderá tê-los tutelados no momento oportuno.
Assim, dizer que é incabível a tutela antecipada contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público, mesmo em algumas hipóteses, é o mesmo que afirmar que a parte autora poderá ter seu direito lesado quando o réu for o Estado.
CONCLUSÃO
O Estado Democrático de Direito deve garantir a todos o acesso pleno à jurisdição. Este acesso não se restringe à livre possibilidade de ingresso com um pleito no Poder Judiciário, mas, também, que a lide seja satisfeita de forma justa e eficaz. Feito isso, dar-se-á mais segurança à população e maior credibilidade ao Estado, visto que uma vez tutelado, com justiça, o direito, de forma célere, o cidadão terá maior confiança no Estado detentor do monopólio da jurisdição.
Sabe-se que o instituto da tutela antecipada surgiu como forma de resguardar um direito urgente antes da cognição exauriente processual. Assim, uma vez presente prova inequívoca nos autos, que convença o juiz da verossimilhança das alegações, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou manifesto propósito protelatório do réu, o magistrado deverá conceder a medida como forma de assegurar a eficácia da prestação jurisdicional.
Conforme é cediço, o risco de danos irreparáveis também ocorre quando estão em lide as Pessoas Jurídicas de Direito Público. Desse modo, é de extrema necessidade garantir a aplicabilidade da tutela antecipada contra atos do Poder Público, como forma de assegurar a justiça processual.
Com efeito, sabe-se que é direito garantido constitucionalmente, a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado; logo, deve o legislador infraconstitucional garantir a eficiência processual e prever tutelas que permitam uma efetiva resposta do Poder Judiciário aos pleitos.
Dizer que o direito do particular poderá ser lesado quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, é o mesmo que dizer que o direito do cidadão pode ser violado quando no pólo oposto da lide estiverem as Pessoas Jurídicas de Direito Público.
Da mesma forma, permitir o abuso de direito de defesa é afirmar que, quando o Estado for réu, este poderá se utilizar de meios para protelar a decisão judicial, raciocínio este que fere, diretamente, a garantia constitucional de isonomia entre as partes.
Com efeito, sem outra alternativa, deve o órgão julgador optar pelo prejuízo que for menos gravoso, considerando, principalmente, o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, que impõe ao juiz o dever de atender os valores essenciais à sobrevivência digna dos seres humanos, como disposto da Constituição da República de 1988.
Dito isso, mister se faz tecer conclusões sobre a alegação de impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, posição esta defendida pela minoria da doutrina e por parte da jurisprudência:
- O fato do artigo 475, inciso II, do Código de Processo Civil, sujeitar, obrigatoriamente, as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública ao duplo grau de jurisdição, não se inclui a este preceito as decisões interlocutórias. Assim, mesmo cogitando a hipótese de que a tutela antecipada deveria se sujeitar ao reexame necessário, tal afirmação deveria se render ao princípio de efetividade da prestação jurisdicional.
- O fato da Constituição da República, no seu artigo 100, prever o sistema de precatórios como forma de satisfação das obrigações pela Fazenda Pública, da mesma forma, não impede a concessão do instituto da tutela antecipada. Isso porque a tutela antecipada só irá adiantar a instrumentalização do precatório, evitando, com isso, o maior problema atual, e de todos os tempos, enfrentado pelo Poder Judiciário: a morosidade; pois, como se sabe, demoram-se anos para satisfazer os créditos dos precatórios.
- O princípio da segurança jurídica, de forma alguma, restará prejudicado uma vez concedida a tutela antecipada. O que acontecerá é uma sobreposição, num primeiro momento, do princípio da efetividade da prestação jurisdicional. Contudo, o princípio da segurança jurídica será respeitado e obedecido, vez que, conforme se sabe, não existe uma hierarquia entre os princípios constitucionais. O processo seguirá sua marcha normal, garantindo a ampla defesa e o contraditório às partes até que seja realizada a cognição exauriente. O que se fará, no entanto, é garantir o direito aparente da parte, para que este não se deteriore (princípio da efetividade da prestação jurisdicional), e, “a posteriori”, retoma-se o procedimento usual até que seja proferida decisão final definitiva (princípio da segurança jurídica).
- O perigo da irreversibilidade do provimento antecipado (artigo 273, § 2º, do Código de Processo Civil) é uma questão que deve ser analisada pelo magistrado em cada caso concreto, uma vez que a concessão, ou denegação, da medida antecipatória implica, em alguns casos, um prejuízo irreparável à outra parte. Por isso, deve o julgador valer-se do princípio da proporcionalidade, ponderando os valores colidentes, e decidindo a favor do que pareça ser mais verossímil e relevante, mesmo que para isso provoque uma lesão irreparável no direito que pareça ser mais provável.
- As limitações impostas pelo legislador infraconstitucional à concessão da tutela antecipada contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público (Lei nº 9494/97) não devem ser vistas de forma absoluta. Mesmo nas hipóteses taxadas pela lei, deve-se fazer uma análise das peculiaridades de cada caso concreto, realizando uma ponderação dos valores que estão em colisão, para se decidir se deve haver uma prevalência do direito verossímil do particular sobre o interesse público. Isso é claro, desde que preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil. Uma vez feito isso, notará a prevalência do princípio da efetividade da justiça, que impede qualquer vedação legal ao livre acesso da justiça.
Diante de todo o exposto, não se pode permitir a vedação legal de concessão da tutela antecipada contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público. A Constituição da República de 1988 garante a efetividade na prestação jurisdicional em seu artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII e não deve haver óbices para aplicação deste princípio quando o Estado for réu. O instituto da antecipação de tutela é de grande relevância para atacar os atos de ingerência do Poder Público, nos casos em que o requerente demonstre a verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da Fazenda Pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICÁS:
ALVIM, Luciana G. Carreira. Tutela antecipada contra o Poder Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 93, vol. 822, p. 745-751, 2004.
BENUCCI, Renato Luís. Antecipação da Tutela em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2001.
BRASIL, Código de Processo Civil. Organização dos Textos, notas remissivas e índices por Yussef Said Cahali. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
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CINTRA, A.C.A; GRINOVER, A.P; DINAMARCO, C.R. Teoria Geral do Processo, 19ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 3ª edição. São Paulo: Dialética, 2005.
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Procuradora Federal, Graduada em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais- PUC-MG, e pós graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília- UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Mariana Savaget. A tutela antecipada em face das pessoas jurídicas de direito público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40289/a-tutela-antecipada-em-face-das-pessoas-juridicas-de-direito-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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