Resumo: A recuperação de créditos da Fazenda Pública não pode se resumir à tradicional execução fiscal. Há meios alternativos muito eficazes, como a execução fiscal administrativa, o protesto extrajudicial de certidão de dívida ativa, envio do nome do devedor aos órgãos de proteção ao crédito e o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal – CADIN.
Palavras-chave: recuperação de créditos - execução fiscal- meios alternativos.
Introdução
A Lei de Execuções Fiscais (Lei 6830/80) trouxe importantes contribuições ao sistema de recuperação de créditos da Fazenda. A inovação, contudo, foi acompanhada de uma avalanche de execuções fiscais abarrotando anexos fiscais e varas da fazenda pública pelo país. Com o intuito de estancar esse incontrolável crescimento, o judiciário adotou políticas paliativas como a extinção de execuções fiscais com base no valor estabelecido pela Lei 10.522/2002 para que o Procurador da Fazenda desista da execução fiscal. Essa medida vem sendo desastrosa para as Fazendas, eis que estimula a inadimplência em relação a débitos de valor inferior a R$ 10.000,00. Também há um enorme número de execuções fiscais extintas em virtude da ocorrência de prescrição intercorrente.
A execução fiscal concentrada no poder judiciário não tem se mostrado muito eficiente. Dessa forma, faz-se necessário que sejam estimulados outros meios para que a Fazendas possa recuperar seus créditos.
Essa desconcentração de poderes dentro do judiciário encontra óbices pertinentes às garantias constitucionais do direito à privacidade, bem como as de ordem processual.
Desenvolvimento
Execução Fiscal Administrativa
A Execução fiscal administrativa é um projeto polêmico que é muito criticado por membros do poder judiciário. O Ministro Cesar Asfor Rocha não aprova a inovação pois não vê “como é possível permitir que o credor seja o formulador e o executor do seu direito sem a mediação feita pelo Judiciário”. O Ministro também pondera que a questão “vem na onda de um clamor para diminuir o acervo de processo nos tribunais, cujo principal gargalo é a execução fiscal”. O Ministro Napoleão Nunes maia Filho ataca a alternativa com veemência, dizendo que é “mais do que ilegal. É uma violência inconstitucional”. Outro argumento contra a medida, ponderado pelo Ministro Castro Meira é que “a parte que toca ao Judiciário não está parada por culpa dos juízes, mas porque os órgãos administrativos não conseguem localizar devedores.”
Contudo, se “o Estado-Administração é capaz de, visando a interesses sociais, expropriar um proprietário que nada lhe deve. No entanto, se o proprietário é inadimplente, na sagrada obrigação de honrar dívidas para com o Erário, a Administração queda-se impotente.”
A execução fiscal administrativa não é um devaneio uma mente inconsequente. Ela existe em muitos países desenvolvidos como Espanha, EUA, Alemanha e Suécia.
Segundo a exposição de motivos do anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa, traz, como novidades, a transação tributária, e a cobrança administrativa dos créditos da Fazenda Pública “sem prejuízo das garantias de defesa do executado, de forma a reduzir a necessidade dos atuais instrumentos indiretos de cobrança, como a exigência de apresentação de certidões negativas de débito”.
Protesto extrajudicial de certidões da dívida ativa
A Lei 12.767/2012 alterou a Lei 9492/97, incluindo, entre os títulos passíveis de protesto extrajudicial, as “certidões de dívida ativa da União, dos Estados do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e Fundações públicas”.
A mudança veio de encontro ao entendimento jurisprudencial segundo o qual tal modalidade de cobrança não seria razoável.
O protesto extrajudicial está em consonância com a Constituição Federal, pois apenas confere publicidade ao débito existente para com a Fazenda. Não há que se falar em violação à razoabilidade, na medida em que o protesto extrajudicial é útil pois serve como meio coercitivo para que o devedor pague o débito; é necessário, pois, não obstante a Fazenda dispor da execução fiscal para recuperar seus créditos, a exposição do devedor ao público atribui aos débitos fazendários a devida importância, conscientizando as pessoas sobre a importância de adimplir seus débitos perante o Poder Público; outrossim, é medida proporcional, tendo em vista que o devedor não pode se valer de uma garantia constitucional – o sigilo de dados fiscais – se ele está violando a ordem jurídica ao não pagar um débito da Fazenda.
Agora, com o advento da Lei Lei n. 12.7676/2012, que permitiu o protesto extrajudicial das “certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”, a possibilidade tornou-se clara. A grande vantagem é a cobrança de débitos inferiores a R$10.000,00, eis que a jurisprudência reconhece a ausência de interesse de agir nesses casos, tendo em vista que o art. 20 da Lei 10.522/02 autoriza o Procurador da Fazenda Nacional a requerer a extinção do processo.
No âmbito da Procuradoria-Geral Federal, que é incumbida da cobrança de débitos das autarquias e fundações federais, há muitas multas que são, em sua maioria, inferiores a R$ 1000,00, e têm intuito eminentemente pedagógico, como as aplicadas pelo IBAMA e pelo INMETRO. Dessa forma, como não há autorização para que o Procurador Federal não ajuíze ou desista da execução nesses casos, e, de outro lado, o judiciário vem extinguindo reiteradamente essas execuções fiscais, o protesto extrajudicial é medida útil e necessária para a recuperação dos créditos da União.
Por outro lado, há a desvantagem de ser levantada em juízo, a possibilidade de indenizações sob o argumento de ser desarrazoada a realização de protesto extrajudicial.
Envio do nome do devedor aos órgãos de proteção ao crédito
O art. 198, §3°, II do Código Tributário Nacional permite que a Fazenda Pública divulgue informações relativas a inscrição na Dívida Ativa da Fazenda Pública:
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) [...]
§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) [...]
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) [...]
O Código de Defesa do Consumidor, no art. 43, permitiu a criação de um cadastro de proteção ao crédito.
Por sua vez, a Lei 11.457/07, no art. 46, permite a celebração de “convênios com entidades pública e privadas para a divulgação de informações previstas no incisos II e III do §3° do art. 198 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional – CTN.”
A Serasa Experian é um órgão de proteção ao crédito criado em 1968 por iniciativa da Associação de Bancos do Estado de São Paulo (Assobesp) e da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), com o intuito de a assegurar a confiança ao mercado, auxiliando a recuperação de crédito, o combate ao endividamento e a estabilidade econômica.
Dessa forma, a inclusão do devedor de tributos seria uma medida salutar à recuperação dos créditos da fazenda, bem como seria bom para aumentar o nível de confiança no mercado, uma vez que o devedor de tributos também é um elemento nocivo á atividade econômica.,
Todavia, a jurisprudência tem colocado óbices à utilização desse meio alternativo de recuperação de créditos pelas Fazendas Públicas.
O Supremo Tribunal Federal editou as súmulas 70, 323 e 547, que, em suma, proíbem meios coercitivos para a cobrança de tributos que impliquem prejuízo às atividades profissionais.
Todavia, a inscrição do devedor de tributos nos órgãos de proteção ao crédito não é um meio coercitivo, nem impedem o exercício da atividade profissional, pelo o que não há como se aplicar o entendimento consolidado nas aludidas súmulas à hipótese em comento.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, tem entendido pela legalidade do meio alternativo de cobrança, como se vislumbra no aresto:
RMS 33381 / GO?RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA?2010/0210347-3
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CDA. INCLUSÃO DO NOME DO DIRETOR COMO CO-RESPONSÁVEL. MATÉRIA DE DEFESA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INSCRIÇÃO NO SERASA. EXECUÇÃO FISCAL POSTERIORMENTE PROPOSTA. JUÍZO GARANTIDO POR CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. EXCLUSÃO DO NOME DO CONTRIBUINTE.
1. Trazem os presentes autos mandado de segurança impetrado contra ato atribuído ao Secretário da Fazenda do Estado de Goiás, que determinou a inclusão do impetrante no pólo passivo de processo administrativo em que se discute tributação de diferenças de volumes de estoques de combustíveis originários de dilatação térmica, na qualidade de co-responsável solidário de débito da Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga, bem como autorizou a inscrição de seu nome no cadastro de proteção ao crédito do Serasa.
2. A expedição das Certidões de Dívida Ativa em face do recorrente, diretor da Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga, apenas ocorreu após o trâmite de processo administrativo fiscal no qual se apurou a responsabilidade solidária de todos os diretores da empresa inadimplente com base no art. 45 do Código Tributário Estadual. Assim, as alegações do recorrente de que não se configuraram quaisquer das situações autorizativas do art. 135 do CTN, já que não houve comprovação de prática de qualquer ato excessivo por parte do recorrente relativamente ao crédito tributário tratado nos autos, capaz de justificar a sua inclusão na certidão da dívida ativa, não podem ser acatada sem extensa dilação probatória, razão pela qual a matéria deve ser deduzida pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução, e não por meio de ação mandamental.
3. A propósito, é perfeitamente aplicável a jurisprudência desta Casa, firmada no Recurso Especial n. 1.110.925/SP, pela sistemática do art. 535-C do CPC, no sentido de que, tratando-se de indicado onome da pessoa jurídica e do dirigente na Certidão de Dívida Ativa, o ônus da prova de inexistência de infração à lei, contrato social ou estatuto cabe ao dirigente, via embargos do devedor, por exigir dilação probatória.
4. Ambas as Turmas de Direito Público desta Corte já se posicionaram no sentido da legalidade da divulgação das informações concernentes a inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública nos cadastros de proteção ao crédito. Precedentes.
5. Todavia, na hipótese dos autos, importa considerar que, após a data da impetração, a Fazenda Estadual propôs execução fiscal em face da Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga para cobrança dos valores constantes nas certidões de dívida ativa objeto destes autos, na qual foi apresentada Carta de Fiança Bancária a fim de garantir o juízo da execução, o que, por si só, autoriza a exclusão do nome do devedor do cadastro de proteção ao crédito.
6. Recurso ordinário parcialmente provido, para determinar a exclusão do nome do recorrente do cadastro do Serasa.
Há que se consignar, contudo, a existência de opinião diversa, segundo a qual “a exigência de quitação de tributos está autorizada apenas nos casos dos artigos 191, 192 e 193 do CTN. A lei que amplia os casos dessa exigência, estabelecendo formas de cerceamento da liberdade de exercício da atividade econômica, é inconstitucional. Primeiro, porque afronta o art. 170, parágrafo único da Constituição Federal. Segundo, porque institui forma oblíqua de cobrança de tributos, permitindo que esta aconteça sem a observância do devido processo legal.”
Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - CADIN
O Cadin é regulado pela Lei 10.522/2002 e é um meio alternativo de cobrança que contém informações de devedores da Fazenda Pública Federal, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. A inclusão é feita após 75 dias da comunicação de existência de débito ao devedor.
As informações são inseridas pelos respectivos órgãos responsáveis pela cobrança do tributo ou multa e centralizadas no Sistema de Informações do Banco Central do Brasil (Sisbacen).
Contudo, a não existência de registro no Cadin, não significa que o contribuinte esteja quite com suas obrigações fiscais, o que só é atestado pela Certidão Negativa de Débitos. Todavia, quando se tratar de operações financeiras destinadas à microempresa e empresa de pequeno porte, a Lei 10.522/02 dispensa a apresentação de quaisquer certidões exigidas por lei, caso não possuam inscrição no Cadin.
O art. 6° da Lei 10.522/02 exige a consulta prévia ao Cadin para a realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos (inciso I), a concessão de incentivos fiscais e financeiros (inciso II) e a celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso de recursos públicos (inciso III).
Com essas exigências, o Cadin é um meio de forçar o devedor a pagar seus débitos perante a Fazenda para que possa obter crédito ou contratar com a União. Não há que se falar em coação ilegal feita pelo poder público, pois nada mais justo que um credor não conceder empréstimo ou contratar com seu devedor.
Conclusão
Apesar de muitas críticas e resistência, principalmente do poder judiciário, a Fazenda Pública encontra muita dificuldade de recuperar seus créditos. Isso mesmo com as prerrogativas processuais concedidas à Fazenda na execução fiscal.
A execução fiscal, por seu turno, chegou a um ponto de colapso, pois, além de ocasionar o abarrotamento dos cartórios judiciais, não consegue reaver créditos de pequeno valor.
Por isso, são salutares e merecem fomento as medidas alternativas ora apresentadas, uma vez que desestimulam a inadimplência para com as Fazendas Públicas, com um custo operacional muito menor e mais rapidez comparativamente à execução fiscal tradicional.
Referências
Barros, Humberto Gomes de – “Execução Fiscal Administrativa” http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/941/1114 acesso em 19 de novembro de 2013
Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24ª ed.: Malheiros, São Paulo, 2004.
Vasconcelos, Marcos – “Ministros do STJ são contra execução fiscal sem juiz” http://www.conjur.com.br/2012-jun-08/ministros-stj-execucao-fiscal-administrativa-naufragar acesso em 18 de novembro de 2013.
Exposição de motivos e anteprojeto de lei de execução fiscal, p. 2 https://www.fazenda.gov.br/divulgacao/noticias/2008/abril/r040408c.pdf acesso em 22 de novembro de 2013
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BERLANDI, Victor Cesar. Meios alternativos de recuperação de créditos da Fazenda Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40297/meios-alternativos-de-recuperacao-de-creditos-da-fazenda. Acesso em: 23 dez 2024.
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