Resumo: A presente análise objetiva abordar as hipóteses de obrigatoriedade e inexigibilidade de licitação, de acordo com os ensinamentos da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993) e dos artigos 37, XXI e 22, XXVII, da Constituição Federal, utilizando-se também de aprofundamentos doutrinários. Trata-se de um tema de grande importância não apenas para os operadores do Direito, visto que a exigência de licitação é aplicada para a Administração Pública como um todo, em suas obras, serviços, compras e alienações, excetuando-se apenas os casos de inexigibilidade e dispensa de licitação.
Palavras-chave: Licitação. Obrigatoriedade. Inexigibilidade.
1. Introdução
O presente estudo tem por finalidade abordar os aspectos gerais referentes ao instituto da licitação no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as hipóteses em que esta não será obrigatória, em casos excepcionais previstos na Lei n. 8.666/1993.
A licitação é um procedimento administrativo cujo objetivo é encontrar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, quando esta contratar com terceiros, para realizar obras, serviços, compras e alienações.
Para tanto, deverão ser observados os princípios licitatórios, como a isonomia entre os participantes, a impessoalidade, o julgamento objetivo das propostas e vinculação ao instrumento convocatório.
A referida análise será desenvolvida com base nos dispositivos constitucionais e legais referentes à matéria, além dos ensinamentos dos doutrinadores pátrios e da jurisprudência dos Tribunais brasileiros.
2. Obrigatoriedade de Licitação
Segundo o princípio da obrigatoriedade da licitação, para a realização de obras, serviços, compras e alienações, a Administração Pública direta, indireta e fundacional deve promover procedimento licitatório, vedando-se, assim, a contratação direta.
No entanto, o legislador ressalvou casos em que o administrador não precisa realizar licitação. Assim, excepcionalmente, admite-se a realização do certame de maneira direta, seja pela dispensa de licitação, quando exigível, seja pela inexigibilidade.
Neste sentido, a Lei de Licitações (Lei 8.666/93) prevê casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, podendo, no último caso, a licitação ser dispensada, quando o administrador está vinculado a fazê-lo, ou dispensável, quando é discricionário ao gestor realizar ou não o certame.
Ademais, a própria Constituição Federal, no artigo 37, inciso XXI, prevê tal exceção, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifos nossos)
Desse modo, mesmo nas hipóteses em que a licitação não for obrigatória, deverão ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência quando a Administração pública contratar terceiros para realizar suas obras, serviços, compras e alienações.
3. Inexigibilidade de Licitação
Ocorre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre eventuais interessados, conforme o artigo 25 da Lei 8.666/93. É importante ressaltar que as hipóteses do artigo em questão são meramente exemplificativas, de acordo com o que se extrai da expressão “em especial”, presente no caput do artigo, a saber:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
Quanto ao inciso I acima mencionado, será inviável a realização do certame quando houver produtor, empresa ou representante comercial exclusivo de determinado produto, visto que seria inútil licitar o que não é passível de competição.
José dos Santos Carvalho Filho[1] divide a exclusividade em absoluta e relativa. Naquela, empresa exclusiva é aquela que é única no país; nesta considera-se a exclusividade apenas na praça em que houver a compra do produto, como pode ocorrer na aquisição de combustível por prefeitura de uma cidade pequena, que possua apenas um posto de gasolina em suas proximidades. Assim, na primeira, deverá haver a inexigibilidade de licitação; porém, na segunda, se houver mais de um fornecedor fora da praça, será viável a realização do certame para se comparar propostas.
Por sua vez, Hely Lopes Meirelles[2] classifica a exclusividade em industrial e comercial. A primeira se refere ao produtor privativo no país, e é absoluta; já a segunda consiste nos vendedores e representantes na praça de comércio correspondente à localidade da licitação, e varia conforme a modalidade de licitação. Assim, se a modalidade de licitação correspondente a determinado contrato for o convite, praça será o local da eventual contratação; se for tomada de preços, ela será a localidade do registro cadastral; e, caso seja concorrência, o limite da praça será o próprio país.
Ademais, para que a contratação tenha eficácia, deve-se comprovar a exclusividade, o que pode ser feito mediante atestado do órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação, a obra ou o serviço; do Sindicato, Federação ou Confederação Patronal; ou de entidades equivalentes.
Assim, o Supremo Tribunal Federal esboça o seguinte entendimento:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ART. 89, LEI 8.666/93. FRAUDE NA LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO DO DOCUMENTO PARTICULAR. DENEGAÇÃO.
1. A tese ventilada na petição inicial deste writ diz respeito à possível ausência de justa causa para a deflagração da ação penal contra o paciente em razão de ter sido comprovado documentalmente que a sociedade empresária era distribuidora exclusiva do medicamento que necessitava a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e, por isso, se justificou a declaração de inexigibilidade de licitação para aquisição direta do medicamento pela referida sociedade. [3] (grifos nossos)
O inciso dispõe também que fica vedada a preferência de marca. Entretanto, o Ilmo. Hely Lopes Meirelles[4] entende que a escolha de determinada marca poderá ocorrer em três hipóteses: para continuar utilizando marca já adotada no órgão; se for uma marca mais adequada; ou para padronizar a marca, nos casos em que houver necessidade da Administração.
Ademais, João Ribeiro Mathias Duarte explana que “a vedação contida na lei não pode ser entendida como inflexível, impedindo a escolha de marca em qualquer hipótese. Quando a lei proíbe a indicação de marca, ela o faz em sentido genérico, ou seja, em termos, não querendo com isso sacramentar a vedação absoluta para todas as hipóteses, pretendendo chegar ao absurdo de prejudicar o próprio desenvolvimento do serviço público. Existindo razões técnicas que justifiquem a escolha de marca, deve a Administração, após a devida justificativa, formalizar a eleição e proceder à aquisição, evidentemente que observando os parâmetros legais.”.
Outrossim, o inciso II do artigo 25 da Lei de Licitações elenca outra hipótese de inexigibilidade do procedimento licitatório, in verbis:
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
A respeito do dispositivo normativo acima referido, o artigo 13 da Lei 8.666/93 demonstra o conceito de serviços técnicos, a saber:
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico. (grifos nossos)
Acerca da matéria em análise, os Tribunais Pátrios apresentam o seguinte entendimento:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO PARA REALIZAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS, MAS NÃO SINGULARES. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. LICITAÇÃO. DISPENSA. 1. Os serviços descritos no art. 13 da Lei n. 8.666/93, para que sejam contratados sem licitação, devem ter natureza singular e ser prestados por profissional notoriamente especializado, cuja escolha está adstrita à discricionariedade administrativa. 2. Estando comprovado que os serviços jurídicos de que necessita o ente público são importantes, mas não apresentam singularidade, porque afetos à ramo do direito bastante disseminado entre os profissionais da área, e não demonstrada a notoriedade dos advogados – em relação aos diversos outros, também notórios, e com a mesma especialidade – que compõem o escritório de advocacia contratado, decorre ilegal contratação que tenha prescindido da respectiva licitação. 3. Recurso especial não-provido. (STJ, Min. Relator JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, REsp 436.869).(grifos nossos)
Além disso, o parágrafo primeiro do dispositivo legal em estudo explana o significado de “notória especialização”:
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
A lei determina, ainda, que os serviços tenham natureza singular, ou seja, “singulares são os serviços porque apenas podem ser prestados, de certa maneira e com determinado grau de confiabilidade, por um determinado profissional ou empresa. Por isso mesmo é que a singularidade do serviço está contida no bojo da notória especialização” [5].
Além do exposto, o artigo 25 da Lei de Licitações traz o inciso III, o qual elenca outra hipótese de inexigibilidade de licitação, a se ver:
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. (grifos nossos)
Assim, o inciso III se justifica na medida em que não há como utilizar fatores objetivos para avaliar atividades artísticas, bem como pelo fato de que é pouco provável que um artista, consagrado pela opinião pública, submeta-se a um procedimento licitatório para sua contratação.
É importante frisar que o presente caso é demasiadamente relativo, tendo em vista que um artista pode ser consagrado em alguns locais e não o ser em outros.
Neste sentido, Marçal Justen Filho[6] resume as situações de inexigibilidade de licitação em: falta de pluralidade de alternativas, ausência de concorrência, impossibilidade de julgamento objetivo, bem como impossibilidade de definição objetiva da prestação.
Ademais, faz-se mister mencionar o conteúdo do artigo 26 da lei em comento, in verbis:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. (grifos nossos)
Neste sentido, verifica-se que a hipótese de inexigibilidade deve ser devidamente justificada, visto que é comum encontrarmos casos em que o gestor utiliza a contratação direta para favorecimentos contratuais em prejuízo do erário.
Ademais, o parágrafo segundo do artigo 25 da Lei de Licitações trata da questão do superfaturamento praticado quando houver inexigibilidade de licitação, a saber:
§ 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Dessa forma, se comprovado superfaturamento num dos casos de inexigibilidade de licitação, o fornecedor/prestador de serviços e o agente público responsável respondem solidariamente pelo prejuízo causado ao Erário Público.
4. Conclusão
No decorrer do presente estudo, foi abordado o instituto da licitação no âmbito da Administração Pública, bem como a possibilidade de contratação direta nos casos excepcionais previstos no ordenamento jurídico pátrio.
Conforme foi demonstrado, ficou constatado que, ao contratar a realização de obras, serviços, compras e alienações com terceiros, a regra consiste na obrigatoriedade da licitação. Assim, apenas excepcionalmente será admitida a feitura do certame de maneira direta, seja pela dispensa de licitação ou pela inexigibilidade desta.
Dessa forma, mesmo nos casos em que o procedimento licitatório não for obrigatório, a Administração Pública deverá respeitar os princípios delimitados na Lei n. 8.666/93: igualdade entre os licitantes, o dever de encontrar a proposta mais vantajosa para o ente público, vinculação ao instrumento convocatório, publicidade, probidade administrativa, entre outras normas previstas na lei em comento.
Referências bibliográficas
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de licitações e contratos administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.
DUARTE, João Ribeiro Mathias. Desenvolvimento do procedimento licitatório: convite, tomada de preços, concorrência, doutrina, jurisprudência, prática. São Paulo: Unesp, 2004.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e contratos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temam polêmicos sobre licitações e contratos, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
[1] JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO. “Manual de Direito Administrativo”, p. 292.
[2] HELY LOPES MEIRELLES. “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 287.
[4] HELY LOPES MEIRELLES, “Licitações”, p.104.
[5] EROS ROBERTO GRAU, “Inexigibilidade de Licitação – Serviços Técnico-Profissionais Especializados – Notória Especialização”, pp. 70 e seguintes.
Pós-graduanda em Advocacia Trabalhista pela Universidade Anhanguera. Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RESENDE, Adriana Torres de Sá. Obrigatoriedade e Inexigibilidade de Licitação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40309/obrigatoriedade-e-inexigibilidade-de-licitacao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.