RESUMO: O Serviço Público está sujeito a constantes mudanças políticas e, com isto, mudanças de gestão são quase inevitáveis. Nesse contexto, gerir o capital intelectual, ou seja, o conhecimento, a memória organizacional, nessas instituições torna-se cada vez mais importante, devendo ser visto de forma mais ampla que em empresas do setor produtivo, mas poucas são as iniciativas de sucesso encontradas. Este artigo pretende discutir os principais desafios da implantação de processos de Gestão do Conhecimento em órgãos públicos.
Palavras-chaves: Gestão do Conhecimento, Gestão Pública
ABSTRACT: The Public Service is subject to constant political changes and, thus, management changes are almost inevitable. In this context, managing intellectual capital, ie the knowledge, organizational memory, these institutions becomes increasingly important and should be viewed more broadly than in production companies, but few successful initiatives found . This paper discusses the main challenges of deploying knowledge management processes in public agencies.
Keywords: Knowledge Management, Public Management.
As organizações atualmente motivadas pelo avanço tecnológico, aumento da produtividade, melhoria na qualidade dos produtos ou na prestação de serviços e também pela necessidade em obter vantagem competitiva perante a concorrência, buscam constantemente algo que as torne diferenciadas no mercado. Nesse contexto, a Gestão do Conhecimento vem sendo considerada uma prática importante e veículo transformador nas organizações que pretendem permanecer à frente do mundo dos negócios, pois se entende que ela representa um processo contínuo no fluxo de trabalho diário da organização ampliando o potencial humano e valorizando o seu mais importante ativo intangível: o conhecimento.
As organizações da Administração Pública também devem acompanhar essas transformações que vem ocorrendo com a sociedade e mundo empresarial. Existem muitos motivos para utilização de um sistema eficaz de Gestão do Conhecimento em todo tipo de organização, mas na administração pública, especialmente, é muito importante preservar suas “memórias” organizacionais, pois é fato que esse setor se constitui basicamente de potencial humano e não de máquinas, portanto é imprescindível investir nesse capital humano que faz a “máquina” pública funcionar. Porém, apesar das organizações públicas serem notadamente intensivas em conhecimento, não possuem uma cultura e um ambiente voltados para a aprendizagem organizacional e/ou para a inovação. Quais são as principais barreiras e desafios para a implantação da Gestão do Conhecimento no setor público?
Não existe um consenso sobre a mais correta definição do que seja a Gestão do Conhecimento. Os inúmeros conceitos existentes refletem na verdade diferentes enfoques dados a esse tema, ora enfatizando no suporte da tecnologia da informação, em conceitos de armazenamento e reaproveitamento de informações, no enfoque comercial com o conhecimento organizacional ou capital intelectual agregando valor mercadológico da organização, ou ora ressaltando as função do compartilhamento de conhecimento e de geração de novas ideias. O fato é que a Gestão do Conhecimento ajuda na transferência, na transformação do conhecimento individual em conhecimento coletivo, da organização, de forma organizada através de ações sistemáticas e uma coleção de processos.
Para desenvolver os sistemas de gestão do conhecimento é necessário ter foco abrangente e externo, tecnologias de informação e comunicação facilitadoras, gestão de performance com mensuração dos objetivos alcançados e pontos de melhoria no processo e gestão de pessoas que envolve desde a área gerencial quanto à técnica. Uma organização que aprende deve estimular a ampliação dos conhecimentos de todos de forma democrática e as pessoas devem ser valorizadas por suas contribuições, independente de sua posição hierárquica, coexistindo uma política participativa. O comportamento de todos na organização deve ser ético, respeitando as opiniões e individualidades, gerando um clima de confiança e respeito, proporcionando um ambiente agradável.
Na Gestão do Conhecimento, as ferramentas e sistemas de informações não são o mais importante e sim o componente recursos humanos. Este insumo é essencial, é o mais crítico, pois os empregados/servidores poucos incentivados em compartilhar seus conhecimentos uns com os outros impossibilita que os processos organizacionais ou mesmo no próprio setor sejam beneficiados pelo compartilhamento de ideias.
De acordo com TERRA (2010), os desafios públicos precisam de soluções inovadoras para lidar com a demanda da sociedade. As organizações públicas têm, ao mesmo tempo, como explica Terra, a vantagem e a desvantagem da perenidade. A vantagem é que seus funcionários ainda têm sua vida profissional amplamente ligada à organização e à sua evolução, o que facilita o compartilhamento e a retenção de conhecimento. A desvantagem óbvia é que a ausência de competição, do risco de falência ou perda de mercado levam a uma certa acomodação, o que leva a uma perda do senso de urgência em termos de capacitação, criação de conhecimento e inovação.
Terra complementa que, por razões específicas das leis brasileiras, nas organizações de esfera pública o conhecimento está muito mais intimamente ligado a uma função ou cargo específico do que acontece no setor privado, porque os servidores ou funcionários públicos prestam concurso público para um determinado cargo e são impossibilitados muitas vezes, por força da lei, de exercerem outra atividade a não ser se prestarem novo concurso. A consequência indesejada que isso gera é que a visão do indivíduo fica muito mais amarrada ao cargo e à função que ele exerce do que às suas competências e potencial, caso esses estejam fora dos limites das atribuições que o cargo lhe confere. Isso não é uma vantagem, pois numa sociedade em que o aprendizado contínuo, a lateralidade e a flexibilidade são importantes características de quem trabalha com conhecimento o vínculo estreito com o cargo não é algo desejável. Na Sociedade do Conhecimento, ao contrário, os indivíduos passam a ser vistos de forma mais ampla, em todo o seu potencial técnico e criativo, pelo acúmulo de suas experiências ao longo de sua vida e carreira e pelo seu potencial de se engajar em diferentes tipos de comunidades de aprendizado, práticas e projetos, além do seu perfil comportamental que pode lhe conferir outras vantagens e oportunidades. Neste contexto é fácil tornar a Gestão do Conhecimento no setor público apenas mais um processo burocrático, uma tarefa adicional e desestimulante para os funcionários, e com isso não agregar valor algum para a sociedade.
Em geral, as esferas da administração pública não possuem uma cultura e um ambiente voltados para a aprendizagem organizacional e/ou inovação e, com raras exceções, também não incentivam a educação continuada de seus servidores. Ao contrário do que se observam na iniciativa privada, trabalhadores do setor público devem dar conta de tarefas mais triviais com maior carga burocrática, isto aparece tanto mundial como nacionalmente e esta demanda pode prejudicar a produtividade dos trabalhadores, gerarem frustrações e criando uma tendência a realizar apenas as exigências mínimas de trabalho. Este déficit reflete, principalmente, numa menor amplitude e qualidade do atendimento às demandas sociais e prestação precária e onerosa de serviços públicos.
Historicamente o serviço público sempre foi taxado por boa parte da população por contar com pessoas acomodadas que se apoiam na estabilidade do cargo sem se importar com a adequada execução das suas atribuições. Porém a acomodação no setor público e mesmo a inflexibilidade de mudança é algo cultural e gerenciar a cultura não é trivial para nenhum caso, desde grupos pequenos a uma nação.
Conforme estudo de BATISTA et al. (2005), os obstáculos para o desenvolvimento dos processos de Gestão do Conhecimento nas organizações públicas foram destacados em percentuais, conforme Quadro 1:
Obstáculos |
Percentual |
Inexistência de indicadores |
57% |
Dificuldade de capturar o conhecimento não-documentado |
55% |
Deficiências de capacitação do pessoal |
53% |
Baixa compreensão sobre Gestão do Conhecimento na organização |
48% |
Falta de tempo ou de recursos para compartilhar conhecimento concretamente na rotina diária |
47% |
Falhas de comunicação |
43% |
Falta de incentivos para compartilhar conhecimento |
39% |
Resistência de certos grupos de funcionários / cultura organizacional de resistência a mudanças |
35% |
Tendência organizacional de concentrar esforços nas TIC, em vez de questões organizacionais ou ligadas às pessoas |
26% |
Receio de que outros órgãos - públicos em geral - possam ter acesso a informações sigilosas/confidenciais |
22% |
Deficiências na infraestrutura computacional, redes, servidores etc. |
22% |
Pouca propensão para investimentos em tecnologias voltadas essencialmente para facilitação de aprendizado e colaboração |
22% |
Tabela 2 – Principais obstáculos para o desenvolvimento dos processos de Gestão do Conhecimento nas organizações públicas (Fonte: Adaptado por PRADO et al, a partir de BATISTA et al., 2005)
A partir dos dados apresentados se conclui que que grande parte desses conhecimentos estão desarticulados e este problema se agrava ainda mais sempre que o governo troca de mãos, seja pela substituição das pessoas que o detém, seja pela descontinuidade de planos e projetos, que muitas vezes não são registrados de maneira explícita e residindo apenas na cabeça das pessoas.
Além da questão cultural, outros fatores devem ser levados em consideração para que o incentivo da criação do conhecimento na organização pública seja mais natural. Isso envolve, além do suporte à colaboração e o forte apoio das chefias, um sistema de recompensas. Porém nem sempre é possível recompensar financeiramente no setor público devido ao regimento dos Planos de Carreiras que contempla um conjunto de normas e condições para a progressão. Normalmente a ascensão na carreira se dá pelo tempo de casa e não pela produtividade. Dessa forma, o servidor é pouco valorizado pelos seus resultados e, ao mesmo tempo, recompensa-se com cargos e benefícios pessoas que ocupam posições estratégicas por interesses pessoais de seus pares, sem se preocupar com a adequada execução de seu trabalho e com os benefícios para a população. NOGUEIRA et al.(2007) complementam que valorização da antiguidade como principal critério de reconhecimento e ascensão na carreira, pode deixar o servidor acomodado, pois a garantia da recompensa é certa se empenhando ou não, pois basta aguardar o tempo exigido nos regimentos legais. Em contrapartida a antiguidade não pode ser desvalorizada, pois a experiência acumulada em anos de serviço num mesma organização é inevitável e deve ser valorizada.
Conforme visto, é consenso entre os autores que a ausência de uma política de meritocracia, ou seja, de reconhecimento e recompensa que deveria ser gerada em contrapartida à boa produtividades e resultados satisfatórios, prejudica o estímulo à motivação pessoal do servidor/funcionário no setor público.
O desenvolvimento e perenidade de uma organização depende de efetivos mecanismos que lhe assegurem a continuidade e compartilhamento do seu conhecimento, do seu negócio. Assim sendo, enquanto as empresas privadas trabalham o conhecimento como um diferencial competitivo no mercado, pois sua motivação está relacionada à sua sobrevivência no mercado, os entes públicos necessitam saber como compartilhar as informações, tanto internamente quanto externamente a fim de democratizá-la, pois sua motivação refere-se à capacidade de cumprir sua missão, ou seja, atender com qualidade a prestação de serviços de interesse da sociedade (PRADO et al). Essa diferença de enfoque em que a Gestão do Conhecimento para o setor privado significa “lucro” e no setor público a “democratização”, faz com que o setor privado esteja bem a frente neste novo modelo, apesar das organizações públicas serem notadamente intensivas em conhecimento.
A Gestão do Conhecimento não é uma tecnologia como muitos pensam, mas sim uma nova filosofia de trabalho para a organização baseada no conhecimento. Pode-se constatar a importância e a complexidade da gestão do conhecimento e a existência de um grande desafio para a implantação de projetos deste gênero no âmbito da administração pública, pois ela tem características únicas em contrapartida à iniciativa privada que prejudicam sua instalação. Dentre essas características pode-se destacar a mudança constante dos governantes e superiores, o que não contribui para uma política contínua de Gestão do Conhecimento e, principalmente, a questão da cultura organizacional do setor público que conta principalmente com a condição de estabilidade e carreira dos servidores, mas fatores burocráticos excessivos tornam complexo o estabelecimento de nova política de meritocracia e recompensas.
Para garantir a eficácia da Gestão do Conhecimento na administração pública e provar dos seus benefícios, é necessária uma reformulação organizacional para que os projetos saiam do papel e façam parte do cotidiano dos servidores.
BARROSO, Antonio Carlos de Oliveira. Tentando Entender a Gestão do Conhecimento. Disponível em http://pt.scribd.com/doc/35677070/Tentando-Entender-a-Gestao-do-Conhecimento. Acesso em 05/02/2014
BATISTA, Fábio Ferreira et al., Gestão do Conhecimento na Administração Pública. Brasília, IPEA, 2005. Disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/892/1/Gest%C3%A3o%20do%20conhecimento%20na%20administra%C3%A7%C3%A3o%20p%C3%BAblica%20TD%201095.pdf Acesso em 28/01/2014
GORSKI, André. Meritocracia no Serviço Público: o uso da meritocracia para alcançar eficiência na gestão. 2012, disponível em http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/meritocracia-no-servico-publico-o-uso-da-meritocracia-para-alcancar-eficiencia-na-gestao/67235/. Acesso em 30/04/2014
MIRANDA, A.C.D et. Al. A Importância da Memória de Trabalho na Gestão do Conhecimento, Ciência & Cognição 2006, volume 09, disponível em http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/591/373 Acesso em 28/01/2014
NAGEM, Júlio Vinícios Guerra. Gestão de Conhecimento no Setor Público Brasileiro: Estudo de Caso das Ações Preliminares para Implantação do Sistema Integrado de Informações da Prefeitura Municipal de Curitiba. Curitiba, 2006. Disponível em www2.fae.edu/galeria/getImage/108/1232054600334186.pdf. Acesso em 23/04/2014
NEVES, Cloves das. Gestão Estratégica do Conhecimento. Florianópolis, 2004. Disponível em https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/84831/238891.pdf?sequence=1. Acesso em 07/03/2014
NOGUEIRA, José Marcelo Maia ; OLIVEIRA, Leonel Gois Lima; PINTO, Francisco Roberto. A Meritocracia no Setor Público: uma análise do Plano de Cargos e Carreiras do Poder Judiciário cearense. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em http://www7.tjce.jus.br/portal-conhecimento/wp-content/uploads/2013/11/nogueira_et_al_meritocracia_setor_publico_pcc_tjce.pdf. Acesso em 30/04/2014
PRADO, Maria de Lourdes et al. Desafios à Implantação da Gestão do Conhecimento: a Questão Cultural nas Organizações Públicos Federais Brasileiras. Santa Catarina. Disponível em http://www.convibra.com.br/upload/paper/adm/adm_2562.pdf. Acesso em 14/04/2014
Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. especialista em Gestão Estratégica da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Gestão Pública pelas Faculdades Integradas Jacarepaguá e especialista em Gestão de Projetos em TI pela Faculdade Internacional Signorelli. Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Ouro Preto<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Cristiane Corrado de. Os principais desafios da implantação da Gestão do Conhecimento em organizações públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40345/os-principais-desafios-da-implantacao-da-gestao-do-conhecimento-em-organizacoes-publicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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