Resumo: Trata este breve estudo sobre a possibilidade da reconvenção em reconvenção, bem como sobre o cabimento de tal instituto no âmbito de ação rescisória. Sendo assim, aborda-se o conceito de tal instituto, bem como os requisitos exigidos ao seu cabimento, analisando, ao final, as hipóteses de cabimento supracitadas.
Palavras-chave: Reconvenção. Conceito. Requisitos. Ação rescisória.
1 - Considerações iniciais.
O instituto da reconvenção vem expresso nos artigos 315 a 318 do Código de Processo Civil, que assim dispõem:
Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem. (§ 1º renumerado pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
§ 2º (Revogado pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
Art. 316. Oferecida a reconvenção, o autor reconvindo será intimado, na pessoa do seu procurador, para contestá-la no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 317. A desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga, não obsta ao prosseguimento da reconvenção.
Art. 318. Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a reconvenção.
Em geral, pensa-se na figura do réu adotando uma postura de defesa ao ataque promovido pela parte autora. No entanto, admite-se a possibilidade do réu abandonar a sua postura passiva e intentar verdadeiro ataque, ou contra ataque, em face do autor, o que vem a se denominar de reconvenção. Este instituto constitui verdadeira ação promovida pelo réu em face do autor, no bojo do mesmo processo intentado por este contra aquele, acarretando, assim, na ampliação do objeto do processo.
Nesse sentido, observe-se o escólio de Ovídio Araújo Baptista da Silva, amparado nos ensinamentos de Mario Dini:
A diferença fundamental entre a posição do réu que suscita uma exceção substancial e a daquele que propõe uma demanda reconvencional está em que o primeiro simplesmente se defende, ao passo que o reconvinte age contra o autor. O objeto do processo, que se mantém inalterado na primeira hipótese, alarga-se e duplica-se com a propositura da demanda reconvencional.[1]
Cabe destacar que o réu que propõe a reconvenção é denominado de reconvinte, enquanto que o autor que sofre o contra-ataque (reconvenção) é chamado de reconvinte.
Dessas breves considerações, já se pode depreender alguns requisitos necessários à propositura da reconvenção, tais como a necessidade de haver um processo em curso, bem como a necessidade de que as partes sejam as mesmas. Em razão deste requisito, não se admite a reconvenção em substituição processual, isto é, quando alguém, em nome próprio, postula o direito de outrem.
2 - Requisitos: a reconvenção da reconvenção e o seu cabimento em ação rescisória.
Consoante preceitua o artigo 299, do Código de Processo Civil, a reconvenção deve ser proposta em peça autônoma (faz-se necessário mencionar que, de acordo com orientação jurisprudencial, admite-se a propositura de reconvenção na mesma petição da contestação, desde que se possam identificar os dois atos), devendo-se, ainda, observar o prazo para sua propositura, que é de quinze dias, sendo mister, ainda, a sua apresentação simultânea à contestação. Caso a parte demandada-reconvinte assim não o fizer haverá preclusão consumativa. A reconvenção deve ser proposta por meio de petição inicial, devendo-se observar os requisitos expressos no artigo 282 do Código de Processo Civil. Desse modo, poderá o magistrado rejeitar de plano a reconvenção, com fulcro no artigo 295 do Código de Processo Civil. No entanto, o recurso cabível da decisão que rejeita a reconvenção é o agravo de instrumento, e não a apelação, considerando-se que, por estar atrelada à ação principal, esta continua o seu transcurso apesar da rejeição da peça ou do pedido reconvencional, bem como pelo fato de não existir no nosso ordenamento jurídico apelação por instrumento. Proposta e aceita a reconvenção, o autor-reconvindo será intimado na pessoa de seu procurador para respondê-la. Diante de tais circunstâncias, cabe referir que a ação e a reconvenção devem ser julgadas na mesma sentença.
Outrossim, de acordo com a redação do artigo 315 do Código de Processo, a reconvenção deve ser conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Sendo assim, quanto à conexão com a ação principal, entende-se que a ação e a reconvenção podem ser conexas quando possuem o mesmo pedido ou a mesma causa de pedir. No que se refere à conexidade pelos fundamentos da defesa, tem-se que esta se refere à defesa indireta de mérito, ou seja, quando o fundamento da reconvenção for conexo com os fatos constitutivos, extintivos e modificativos do direito do autor.
Além disso, exige-se que o juízo competente ao julgamento da causa principal também o seja, em razão da matéria, para julgar a reconvenção. Caso não seja competente ao julgamento da reconvenção, o juízo deverá indeferir a sua petição inicial, impedindo o seu processamento. Outro requisito a ser destacado é a compatibilidade entre os procedimentos, devendo o procedimento da demanda principal ser compatível com o procedimento da demanda reconvencional. Merece registro o fato de que, se a demanda reconvencional exigir procedimento especial, o réu pode renunciar a tal rito, a fim de que a reconvenção seja processada pelo rito ordinário, conforme salienta o professor Ovídio Araújo Baptista da Silva[2].
Nesse ponto, faz-se necessário registrar que nos procedimentos especiais que se convertem em ordinário após o prazo para defesa, admite-se a reconvenção, sendo este um dos fundamentos ao cabimento deste instituto no âmbito da ação monitória, sendo que o enunciado de súmula jurisprudencial n. 292 do STJ preceitua que “a reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário”.[3]
Noutro giro, ponto bastante debatido no campo doutrinário tem sido o cabimento de reconvenção no âmbito do procedimento sumário. Para uma parte da doutrina a resposta seria negativa, sendo exemplo disso o entendimento dos professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Luiz Arenhart. Segundo estes processualistas, em decorrência do que preceitua o artigo 278, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, que prevê a figura do denominado “pedido contraposto”, não se poderia admitir a reconvenção no rito sumário. Isso porque o pedido contraposto exige a observância de regras próprias e distintas da reconvenção propriamente dita, além de ter uma incidência mais restrita, uma vez que somente pode ser argüido – o pedido contraposto – com base nos mesmos fatos referidos na inicial. No entanto, os referidos processualistas admitem a natureza reconvencional do pedido contraposto.[4] Não obstante o entendimento dos nobres processualistas, tem-se que é possível a admissão do cabimento de reconvenção no âmbito do procedimento sumário, com base em interpretação sistemática, visto que se na hipótese de se inadmitir o cabimento não teria o legislador instituído o pedido contraposto ou teria obstado o exercício das denominadas defesas indiretas de mérito.
Além dessa questão, merecem enfrentamento outras duas de grande relevância, quais sejam: cabe reconvenção de reconvenção? Cabe reconvenção em ação rescisória?
No que diz respeito à primeira indagação, tem-se que a resposta deve ser afirmativa. Com efeito, não há vedação legal à hipótese de reconvenção da reconvenção, de modo que estando preenchidos os seus pressupostos inexistiria razão para vedar a sua propositura pela parte autora-reconvinda.
No mesmo sentido é o escólio de Aderbal Torres de Amorim, para quem, em primeiro plano, a possibilidade de apresentar reconvenção de reconvenção atenderia ao princípio do contraditório[5]. Além disso, para este autor o fato de estar expresso no artigo 316 a palavra ‘contestar’, e não ‘responder’, não seria óbice ao cabimento de reconvenção de reconvenção, discordando desse modo do posicionamento de Adroaldo Furtado Fabrício. A fim de ilustrar o posicionamento de Aderbal Torres Amorim, merece transcrição breve excerto de seu artigo “Reconvenção e Revelia”, observe-se:
[...] o emprego da palavra contestar é mero cochilo do legislador e tanto isso é verdade que, além de contestar, stricto sensu, ao reconvindo abrir-se-ia a possibilidade de excepcionar (ao menos com respeito à hipótese de impedimento previsto no inc. V do art. 135 do C. Pr. Civ.). Nesse caso, trazido a lume pelo próprio FABRÍCIO, tem-se como indiscutível a possibilidade do autor reconvindo ressaltar possível interesse do julgador a seu desfavor no qe pertine com o julgamento da causa ferida na contra-ação. Mutatis mutandis é o mesmo exemplo focado pelo eminente processualista gaúcho para a ação declaratória incidental proposta pelo réu (“o juiz, desinteressado na relação condicionada pode ser de algum modo interessado na relação condicionante”).
Outrossim, o processualista Ovídio A. Baptista da Silva admite a possibilidade da reconventio reconventionis, conquanto o Código de Processo seja silente a este respeito, citando o posicionamento de outros ilustres processualistas que reconhecem a possibilidade do autor-reconvindo reconvir contra o réu, tais como José Frederico Marques, Pontes de Miranda e Calmon de Passos.[6] Não destoa o entendimento de Fredie Didier Jr.[7], bem como Luiz Guilherme Marinoni admite que é lícito ao autor reconvindo deduzir reconvenção em face do réu, desde que preenchidos os pressupostos e ‘que a primeira reconvenção (a oferecida pelo réu) tenha sido baseada no fundamento da defesa’[8]. Explica o renomado processualista, que, nesta hipótese (reconvenção baseada no fundamento da defesa), o réu traz material fático totalmente novo ao processo, podendo surgir daí o interesse do autor-reconvindo em apresentar, sobre esse novo material, também sua pretensão’[9].
No que concerne ao cabimento de reconvenção em ação rescisória, também entende-se que não se pode negar a sua possibilidade. Em tal caso, exige-se que a reconvenção possua caráter rescisório, bem como que a decisão transitada em julgado objeto da ação rescisória tenha imposto sucumbência recíproca. Nesse sentido, podemos pensar o seguinte exemplo: Autor e reconvinte tem interesse de rescindir a mesma sentença, contudo, em diferentes partes ou capítulos. Desse modo, pode-se admitir até que um tenha pedido a rescisão total da sentença (a que o réu se opõe) e o outro a rescisão de pequeno capítulo.
Na mesma esteira, merece destaque o exemplo de Ovídio Baptista da Silva, que aduz ser possível a reconvenção em ação rescisória quando o autor propõe ação rescisória alegando um dos fundamentos previstos no art. 485 do CPC; o réu, sustentando-se noutro fundamento, pede também a rescisória da sentença’.[10]
Por sua vez, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha também admitem o cabimento da reconvenção em ação rescisória, destacando os mesmos pressupostos referidos por Ovídio Baptista da Silva, quais sejam a necessidade da existência de sucumbência recíproca, embasando-se no escólio de Calmon de Passos. Além disso, referem Fredie Didier Jr. e Leonardo José que há a necessidade de que a reconvenção tenha sido proposta ainda dentro do prazo para o ajuizamento da ação rescisória. A fim de ilustrar tal entendimento, assim se transcreve:
Admite-se a reconvenção em ação rescisória. Dois, são, porém, os requisitos: a) é preciso que a reconvenção também seja uma ação rescisória; b) é preciso que se trate de ação rescisória do mesmo julgado que já é objeto de pedido de rescisão. “Exemplo de fácil percepção é o da rescisão de uma sentença em que autor e o réu tenham sido vencidos e vencedores em parte. Propondo um deles a rescisória, para afastar a coisa julgada material na parte em que a sentença lhe foi adversa, poderá o outro também reconvir pedindo a rescisão da parte em que fora vencido” (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 3, p. 347).
Ademais, par que caiba a reconvenção na ação rescisória, é preciso que ainda haja prazo para a propositura de ação rescisória. Se, ao ser apresentada a reconvenção do réu,, já não havia mais prazo para o ajuizamento da rescisória, não deve ser admitida a reconvenção.[11]
3. Conclusão
Destarte, considerando-se o posicionamento doutrinário supracitado, não se pode deixar de admitir tanto o cabimento da reconvenção de reconvenção, quanto a possibilidade de ser proposta reconvenção em ação rescisória.
Referências Bibliográficas:
AMORIM, Aderbal Torres. Reconvenção e Revelia. Revista Forense vol. 284. Editora Forense, 1983.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento (vol. 1). 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
[1] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 279.
[2] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 280.
[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento (vol. 1). 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 497.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 148.
[5] AMORIM, Aderbal Torres. Reconvenção e Revelia. Revista Forense vol. 284. Editora Forense, 1983.
[6] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 280.
[7] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento (vol. 1). 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 494.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 151.
[9] Idem, ibidem.
[10] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 281.
[11] DIDIER JUNIOR. Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 7 ed., v. 3, Salvador: JusPODIVM, 2009, pp. 438-439.
Bacharel em Direito pelo UNIRITTER/RS. Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB/CEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALMAS, Samir Bahlis. Reconvenção em reconvenção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40366/reconvencao-em-reconvencao. Acesso em: 23 dez 2024.
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