RESUMO: O presente artigo faz uma análise conceitual do instituto do concurso de pessoas, esquadrinhando suas correntes doutrinárias quanto a natureza jurídica, requisitos para constituição, diferenças entre os personagens do crime (autor, coautor e partícipe), bem como se dão as suas respectivas punições pelo ordenamento jurídico. Dentro deste contexto, é mister frisar que o tema em comento é de relevada importância na seara penalista, pois visa evitar a responsabilidade objetiva e priorizar o princípio da individualização das penas.
PALAVRAS CHAVES: Aspectos jurídicos. Participação.
SUMÁRIO: 1 - Introdução. 2 - Desenvolvimento. 2.1 - Natureza jurídica. 2.2 - Requisitos do concurso de agentes. 2.3 - Espécies de concurso de agentes. 2.4 - Formas de concurso de agentes. 2.5 - Punição do partícipe. 3 – Conclusão. 4 - Referência bibliográfica.
1. INTRODUÇÃO:
O instituto em análise vem previsto no art. 29 do Código Penal e também é denominado de coautoria, participação, concurso de deliquentes, concurso de agentes, cumplicidade ou co-deliquência, e se trata da cooperação desenvolvida por várias pessoas para a prática de um injusto penal.
Dada a sua utilidade e constância na vida prática penal é de suma importância saber qual a sua natureza jurídica, requisitos para configuração, espécies e formas de concurso de pessoas, bem como se dá a respectiva punição dos agentes.
2. DESENVOLVIMENTO:
2.1 - NATUREZA JURÍDICA:
Existem três teorias que tratam do assunto, são elas:
a) teoria unitária (monista): O Código Penal adotou via de regra esta teoria, determinando que “havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, mas provocando apenas um resultado, há somente um delito”[1].
Disciplina o caput do art. 29 do Código Penal que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
b) teoria pluralista: Esta teoria foi adotada como exceção no § 2º do art. 29 do Código Penal, ao dispor que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.
Em outras palavras, embora todos os agentes provoquem somente um resultado, cada partícipe responderá por um crime diferente. Fernando Capez com a didática que lhe é peculiar traz o seguinte exemplo:
“É o caso do motorista que conduz três larápios a uma residência para o cometimento de um furto. Enquanto aguarda, candidamente, no carro, os executores ingressarem no local e efetuarem a subtração sem violência (furto), estes acabam por encontrar uma moradora acordada, que tenta reagir e, por essa razão, é estuprada e morta. O partícipe que imaginava estar ocorrendo apenas um furto responderá somente por este crime, do qual quis tomar parte. Interessante: o delito principal foi latrocínio e estupro, mas o partícipe só responderá por furto, único fato que passou pela sua mente (se o resultado mais grave for previsível, a pena ainda poderá ser aumentada até a metade, mas o delito continuará sendo o mesmo). Há ainda outras exceções pluralísticas em que o partícipe responde como autor de crime autônomo: o provocador do aborto responde pela figura do art. 126 do Código Penal, ao passo que a gestante que consentiu as manobras abortivas, em vez de ser partícipe, responde por crime autônomo (CP, art. 124); na hipótese de casamento entre pessoa já casada e outra solteira, respondem os agentes, respectivamente, pelas figuras tipificadas no art. 235, “caput” e § 1º, do CP”[2].
c) teoria dualista: existem dois crimes, ou seja, um praticado pelos autores e o outro praticado pelos partícipes.
2.2 - REQUISITOS DO CONCURSO DE AGENTES:
Para Guilherme Souza Nucci os requisitos do concurso de agentes são:
“a) existência de dois ou mais agentes;
b) relação de causalidade material entre as condutas desenvolvidas e o resultado;
c) vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si; (...)
d) reconhecimento da prática da mesma infração para todos;
e) existência de fato punível”[3].
2.3 – ESPÉCIES DE CONCURSO DE PESSOAS:
a) Concurso necessário: refere-se aos crimes plurissubjetivos, ou seja, exigem pluralidade de agentes na prática delitiva.
b) Concurso eventual: refere-se aos crimes monossubjetivos, ou seja, podem ser praticados por uma ou mais pessoas.
c) Autoria: O Código Penal de 1940 adotou a teoria subjetiva, ou seja, equiparou os sujeitos ativos do crime, não fazendo diferença entre coautor e partícipe, podendo o juiz aplicar uma reprimenda padronizada para todos.
Entretanto, a Reforma Penal de 1984 adotou a teoria objetiva, reconhecendo que é escorreita essa diferenciação, mencionando-a inclusive em sua Exposição de Motivos, item 25, in verbis:
“Sem completo retorno à experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto aos críticos dessa teoria, ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção, aliás, reclamada com eloqüência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas”.
Dentro da teoria objetiva encontram-se ainda duas correntes doutrinárias, quais sejam:
a) teoria formal: esta é a posição majoritariamente adotada, e caracteriza o autor como sendo a pessoa que realiza o verbo nuclear e partícipe quem pratica ações fora da figura típica, quedando, deste modo, praticamente impunes se não fosse a regra da extensão que os torna responsáveis.
Guilherme de Souza Nucci exemplifica esta teoria da seguinte forma:
“aquele que aponta o revólver, exercendo a grave ameaça, e o outro que subtrai os bens da vítima são coautores do roubo, enquanto o motorista do carro que aguarda para a fuga aos agentes é o partícipe (os dois primeiros praticaram o tipo do art. 157; o último apenas o auxiliou”[4].
b) teoria normativa (teoria do domínio do fato): Para esta teoria, autor é tanto quem realiza o verbo nuclear quanto quem possui controle da ação criminosa por parte dos demais. Deste modo, o autor pode ser autor executor, autor intelectual ou autor mediato. Já o partícipe é aquela pessoa que contribui para a realização do crime, sem contudo realizar o verbo nuclear e comandar a ação delituosa. Guilherme de Souza Nucci para este posicionamento traz o seguinte exemplo: “o chefe de um grupo de justiceiros, que ordenou uma execução, bem como o agente que diretamente matou a vítima são coautores”[5].
2.4- FORMAS DE CONCURSO DE AGENTES:
a) Coautoria: Segundo Johannes Wessels, “co-autoria é o cometimento comunitário de um fato punível mediante uma atuação conjunta consciente e querida”[6], ou seja, é a realização de um crime por duas ou mais pessoas. Fernando Capez destaca ainda que:
“A contribuição dos co-autores no fato criminoso não necessita, contudo, ser materialmente a mesma, podendo haver uma divisão dos atos executivos. Exemplo: no delito de roubo, um dos co-autores emprega violência contra a vítima e o outro retira dela um objeto; no estupro, um constrange, enquanto o outro mantém conjunção carnal com a ofendida, e assim por diante. O co-autor que concorre na realização do tipo também responderá pela qualificadora ou agravante de caráter objetivo quando tiver consciência desta e aceitá-la como possível”[7].
b) Participação: Partícipe para Fernando Capez é
“quem concorre para que o autor ou co-autores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. Assim, no exemplo citado acima, pode-se dizer que o agente que exerce vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é considerado partícipe, pois, sem realizar a conduta principal (não subtraiu, nem cometeu violência ou grave ameaça contra a vítima), colaborou para que os autores lograssem a produção do resultado”[8].
2.5 - PUNIÇÃO DO PARTÍCIPE:
Todos os autores, co-autores e partícipes incidem nas penas aplicadas ao delito cometido, exceto no caso destes últimos terem desejado participar de ilícito menos grave. Entrementes, na dosimetria da pena deve o Magistrado diferenciar a situação processual de cada agente, na medida de sua culpabilidade, segundo a reprovabilidade da conduta própria, conforme disciplina o caput do art. 29 do Código Penal. Julio Fabbrini Mirabete leciona ainda que:
“Trata-se, aliás, de medida legal para a individualização da pena prevista constitucionalmente. Além disso, dispõe a lei que, sendo a participação de menor importância, é possível ao juiz diminuir a pena de um sexto a um terço. Essa colaboração de menor importância é aquela secundária, praticamente dispensável, e que, embora dentro da causalidade, se não prestada não impediria a realização do crime. A redução é facultativa, devendo o juiz verificar a importância da contribuição causal e a intensidade da vontade dirigida ao delito”[9].
3 - CONCLUSÃO:
Com o estudo realizado conclui-se que o instituto concurso de agentes se trata da colaboração de duas ou mais pessoas para a prática de um crime ou contravenção penal, e que para restar devidamente caracterizado deve preencher cinco requisitos que são “pluralidade de agentes, relevância causal das condutas para a produção do resultado, vínculo subjetivo, unidade de infração penal para todos os agentes e existência de fato punível”[10].
Conclui-se também que o Código Penal quanto a natureza jurídica adotou no caput do art. 29 do Código Penal a teoria monista e no seu § 2º a teoria pluralista, bem como que são espécies de concurso de agentes o concurso necessário, o concurso eventual e a autoria, e formas a co-autoria e participação.
Por fim, conclui-se que o assunto ora tratado é de extremada importância, pois reflete decisivamente na dosimetria da reprimenda, pois o Magistrado deve no caso concreto aplicar as penas de modo individualizado, levando em consideração a culpabilidade de cada agente, respeitando assim o princípio da individualização das penas.
4 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva: 2002.
COSTA JR, Paulo José da. Curso de direito penal. 9 ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, disponível no site <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 01.08.2014.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
WESSELS, JOHANNES. Direito Penal: parte geral. Trad. Juarez Tavares, Sérgio A . Fabris, Editor, 1976.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.311.
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral: volume 1. São Paulo: Saraiva: 2002, p. 303.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., págs. 313-314.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 311.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 311.
[6] WESSELS, JOHANNES. Direito Penal; parte geral. Trad. Juarez Tavares, Sérgio A . Fabris, Editor, 1976, p. 121.
[7] CAPEZ, Fernando.Op. Cit. p. 302.
[8] CAPEZ, Fernando.Op. Cit. p. 302.
[9] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 246.
[10] MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2009, p. 474.
Oficial de Gabinete lotada na 3ª Promotoria Criminal do Ministério Público Estadual da Comarca de Cáceres-MT. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT (2009). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Aprovada no Exame de Ordem 2011.1.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Elisângela de Oliveira. Concurso de pessoas e sua importância para a seara penalista. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40460/concurso-de-pessoas-e-sua-importancia-para-a-seara-penalista. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.