RESUMO: Este artigo tem por primado a análise acerca dos modelos de sistemas processuais penais existentes, consubstanciados nos sistemas acusatório, inquisitivo e misto, bem como acerca daquele que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, será abordado o histórico de cada modelo processual e as características a eles inerentes, ponderando tais elementos com o que apregoam a Constituição Federal de 1988 e o Código de Processo Penal vigente. Através de estudos e pesquisas doutrinárias, conclui-se que o modelo de sistema processual penal brasileiro, notadamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é o acusatório, não se deixando de apontar, entretanto, a existência de resquícios do modelo processual inquisitivo, ainda presentes no diploma processual penal vigente.
Palavras-chave: Sistemas processuais penais. Sistema acusatório. Resquícios do modelo inquisitivo.
1 INTRODUÇÃO
Com a evolução das relações travadas entre o indivíduo e o estado, houve a necessidade de se resguardar normas que garantissem os direitos fundamentais do ser humano em face da força intervencionista estatal. Para tanto, as Constituições de diversos Estados pelo mundo se viram compelidas a inserir nas suas respectivas molduras normativas preceitos de cunho garantista, que impusessem ao Estado e à própria sociedade o respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.
A regulação do Direito de determinada nação representa o reflexo dos valores dominantes em determinado momento histórico. Sendo assim, as alterações políticas no tempo e a diversidade de ideologias em uma mesma época fazem com que existam diferentes tratamentos aos institutos processuais na evolução histórica e nos vários países. Por tais razões, é que se afirma que os conceitos dos institutos fundamentais do direito processual não apresentam conotação de definitividade.
Nesse diapasão, tem-se que, do íntimo relacionamento entre processo e Estado, deriva a introdução cada vez maior nos textos constitucionais de princípios e regras de direito processual, levando ao desenvolvimento de estudos específicos sobre as normas processuais. Quanto ao tema, e especificamente quanto à importância da análise dos preceitos normativos à luz do ordenamento constitucional, esclarecedor é o magistério da eminente ADA PELLEGRINI GRINOVER, que assim preleciona:
“[...] o importante não é apenas realçar que as garantias do acusado – que são, repita-se, garantias do processo e da jurisdição – foram alçadas a nível constitucional, pairando sobre a lei ordinária, à qual informam. O importante é ler as normas processuais à luz dos princípios e das regras constitucionais. É verificar a adequação das leis à letra e ao espírito da Constituição. É vivificar os textos legais à luz da ordem constitucional […].”
Não é tarefa simples identificar as tendências do direito processual penal, porquanto, em virtude do forte conteúdo político que o informa, há, entre os países, intensas diversidades legislativas e, entre os doutrinadores, graves dissensos, ressonâncias das diferentes ideologias dominantes, acolhidas ou contestadas pela comunidade jurídica.
Apesar dessas naturais diferenças, revelam-se, em alguns pontos, certas inclinações comuns, principalmente em países da Europa e da América do Sul, da família românica, manifestadas em recentes e semelhantes reformas legislativas ou em idênticas reivindicações doutrinárias.
Nessa perspectiva, a história do processo penal é geralmente reconstruída como a história da alternância dos modelos acusatório e inquisitório, com destaque para o momento em que se buscou fundir ambos sistemas, criando um sistema misto.
Tais sistemas, contudo, são abstrações ou modelos ideais. Atualmente não existem sistemas acusatórios ou inquisitórios “puros”. Nenhum legislador estrutura o processo penal de forma totalmente acusatória ou inteiramente inquisitória. A análise dos diversos ordenamentos jurídicos demonstra a possibilidade de várias combinações de características dos sistemas acusatório ou inquisitório: ora o processo é provavelmente acusatório, ora apresenta maiores características inquisitoriais.
Entende-se que a atividade jurisdicional que se desenvolve visando à descoberta da verdade real e, em última análise, à aplicação da sanção àquele que praticou o fato infringente da norma penal incriminadora, é concretizada no processo.
Segundo a doutrina majoritária, são três os sistemas estruturais de processo: o acusatório, o inquisitivo e o misto, delimitados por características muito particulares. É bem verdade que a regulamentação dos processos apresenta diferenças sensíveis de país para país, de época para época, o que não impede, contudo, sua classificação, tendo-se em conta, principalmente, suas peculiaridades e traços distintivos.
2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
Hodiernamente, muito se tem discutido acerca do sistema processual adotado pelo nosso Código de Processo Penal, de maneira a dividir-se a doutrina, basicamente, em duas correntes, a saber: sistema acusatório e sistema misto.
No entanto, antes de se imiscuir nessa discussão, faz-se necessário uma abordagem teórica acerca dos sistemas processuais apontados pela doutrina. Historicamente, de acordo com as formas com que se apresentam e os princípios que os informam, pode-se falar em três tipos de sistemas processuais utilizados durante a evolução do direito: o acusatório, o inquisitivo e o misto.
2.1 Sistema Acusatório
Originado na Roma e na Grécia, este sistema teve o seu nome ligado à premissa de que alguém somente poderia ser processado em juízo mediante uma acusação. Inicialmente, com fundamento na acusação oficial, sendo facultado aos cidadãos o direito de acusar, por conta do interesse comum e igual de todos os membros da sociedade de conservar a ordem pública e o fiel cumprimento da lei para diminuição dos delitos e intimidação dos malfeitores.
De acordo com CARNEVALE, o que define e caracteriza a forma acusatória:
“[...] são as três funções essenciais e básicas do processo: a de acusar, a de defender e a de julgar em órgãos distintos e independentes; há um processo de partes, de forma acusatória. É traço característico e fundamental do processo acusatório o contraste entre as partes, no qual o juiz atua no âmbito da lide como se fosse um árbitro.”
Portanto, tem-se que o referenciado sistema se caracteriza pela distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos. Nesse sentido, a investigação prévia incumbe ao órgão de Polícia Judiciária que, funcionando como órgão auxiliar do juízo e do Ministério Público, reúne num inquérito policial uma série de informações que devem servir, exclusivamente, para a formação do convencimento do dominus litis quanto à viabilidade da ação penal (artigo 144 da Constituição Federal).
A função de julgar, nesse sistema, fica afeta ao magistrado, garantindo-se o princípio do juiz natural e da imparcialidade do órgão julgador, ficando este, com isso, proibido de interferir no inquérito, salvo se for provocado para tomar medidas cautelares que garantam os direitos fundamentais do acusado.
No processo acusatório são traços profundamente marcantes: a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se em pé de igualdade; c) o processo é público, permitindo-se apenas de forma excepcional uma publicidade restrita ou especial); d) o processo pode ser oral ou escrito; e) existe, ainda em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permittitur” (não deve ser lícito ao autor o que não é permitido ao réu); f) o réu é tratado como sujeito da relação processual e não como objeto do processo.
2.2 Sistema Inquisitivo
O sistema inquisitivo tem sua origem no direito romano, quando se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Já durante a Idade Média o mencionado modelo processual foi revigorado, ao se tentar afastar a repressão criminal dos acusadores privados. Desde então, a partir do século XV, alastrou-se por todo o continente europeu, declinando apenas com a Revolução Francesa.
Como lembra ANTÔNIO MAGALHÕES FILHO, citado por FERNANDO CAPEZ:
“O método inquisitivo aperfeiçoou-se, sobretudo, no seio das jurisdições eclesiásticas, diante da necessidade de repressão da heresia e das condutas irregulares do clero, que exigiam uma permanente atividade de investigação por parte das autoridades religiosas. Corolários dessas exigências eram o segredo, face ao perigo da propagação das condutas heréticas ou contestadoras do poder real, bem como o caráter ilimitado da pesquisa da verdade, que consistia em verdadeira obsessão do inquisidor, daí ser natural, nessa perspectiva, a utilização do saber do próprio acusado como fonte de informação; se culpado, o acusado tem certamente conhecimento preciso da realidade, e a confissão, se obtida, constitui a melhor forma de se alcançar a verdade real; assim, acabava por transformar-se toda a atividade probatória em uma desenfreada busca da confissão, inclusive com a admissão do recurso à tortura.”[1]
O processo do tipo inquisitório constitui o verdadeiro reverso da medalha no que pertine ao sistema acusatório. Com efeito, nele, o julgador concentra as funções de acusar e julgar. Em regra, o direito de defesa é limitado, sendo inexistente em algumas oportunidades. Não há publicidade. A decisão é entregue ao arbítrio do magistrado. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda de sujeito de direito em objeto do processo, circunstância essa que motiva a prisão preventiva na maioria das vezes.
No autorizado magistério de GIOVANI CONSO (1990), o sistema inquisitivo, tal como praticado no tempo de Diocleciano, dos imperadores do Oriente e do Direito Canônico, tem como principais características:
“[...] (a) intervenção ex officio do juiz; (b) caráter sigiloso do processo com relação não apenas aos cidadãos, mas ao próprio acusado; (c) procedimento e defesa totalmente escritos; (d) desigualdade de poderes entre o juiz acusador e o acusado; (e) total liberdade do juiz na colheita da prova; […]; (g) encarceramento preventivo do acusado […].”
A partir de tais premissas, observa-se que no referenciado modelo processual a acusação é desnecessária, porquanto o juiz pode agir de ofício, cabendo, ainda, a esse, a colheita de provas, tendo total liberdade para esse mister.
2.3 Sistema Misto
Também conhecido por acusatório formal, sua reforma radical se deu com o Code d’ Instruction Criminalle, de 1808, na época de Napoleão. Tendo se espalhado por todo o continente europeu durante o século XIX, de ordem que o referido modelo processual deita raízes na Revolução Francesa, mais especificamente na luta dos enciclopedistas contra os abusos propiciados por processos de estrutura inquisitiva até então vigentes.
Nesse palco de ideais iluministas era evidente a reprovação ao que apregoado pelo sistema inquisitório, sendo que, com a finalidade de refreá-lo, restaram introduzidas algumas garantias em favor do acusado, especialmente a publicidade e o direito à assistência por um defensor; todavia, manteve a fase inicial da investigação secreta, de modo que, a partir do comparecimento do acusado perante o magistrado para interrogatório, iniciava-se a segunda fase do procedimento, pública e contraditória, com ampla possibilidade de intervenção do defensor e, inclusive, com o reconhecimento do direito de inquirir testemunhas de acusação e produzir contraprova.
Com efeito, o sistema processual misto caracteriza-se por sua divisão em duas fases, sendo uma primeira de feição inquisitiva, ou seja, com um procedimento escrito e sem contraditório, somada a instrução preparatória; e a segunda, com o julgamento e todas as garantias do procedimento acusatório.
Para o ilustre doutrinador TOURINHO FILHO, o sistema misto:
“[...] desenvolve-se em três etapas: a) investigação preliminar (de la policie judiciaire), dando lugar aos procés verbaux; b) instrução preparatória (instruction préparatoire); e c) fase do julgamento (de jugement). Mas, enquanto no inquisitivo essas três etapas eram secretas, não contraditórias, escritas, e as funções de acusar, defender e julgar concentravam-se nas mãos do Juiz, no processo misto ou acusatório formal, somente as duas primeiras fases é que eram e continuaram secretas e não contraditórias. Na fase do julgamento, o processo se desenvolve oralement, publiquement et contradictoirement. As funções de acusar, defender e julgar são entregues a pessoas distintas.”[2]
Como se denota da análise de suas características, não se trata da fusão dos dois sistemas anteriormente vistos, na medida em que não há a interpenetração dos dois processos, mas sim a adaptação, a reunião e a alternação das formas já estudadas.
É que, o sistema misto se caracteriza de uma forma inquisitória: a) interesse público em sua iniciação e trâmite, mediante juízes permanentes que representam o Estado; b) presunção de inocência do acusado e necessidade de provar a culpa; c) faculdades ao juiz de investigação oficiosa e produção livre de provas; d) investigação inicial secreta e sem audiência do acusado, porém modificada quando se admite sua intervenção e defesa (indagatória); e) aceitação da condenação baseada na prova judiciária; f) em alguns países, a forma escrita absoluta ou parcial; g) intervenção da sociedade por meio do Ministério Público; h) as partes, em geral, não podem dispor de o processo parar ou terminá-lo por desistência ou transação.
Por outro lado, o misto também apresenta as características típicas do sistema processual penal acusatório: a) pronta intervenção do acusado, como direito de exercer sua defesa; b) em muitos países, a forma oral absoluta ou predominante, que é a desejável; c) a livre valoração das provas ou sistema de livre convencimento; d) instituição da parte civil ou acusador particular; e) existência de jurados compostos por juízes populares transitórios.
3 SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
Alguns doutrinadores afirmam que, embora não oficialmente, o sistema processual adotado pelo Brasil é o misto, vale dizer, com feições acusatórias e inquisitoriais. Defendem que a existência do inquérito policial na fase pré-processual já seria, por si só, indicativa de um sistema misto; outros apontam que a existência de determinados poderes atribuídos aos juízes no Código de Processo Penal seria a justificativa para tal conclusão.
Entretanto, esquecem-se esses que a relação processual inicia-se com a denúncia ou a queixa, ficando o inquérito numa fase pré-processual, não fazendo sentido, pois, falar-se em sistema misto, na medida em que o sistema processual penal diz respeito a uma série de normas e princípios que cuidam, exatamente, do processo penal, de como aplicar o direito penal ao caso concreto, ficando, portanto, como já dito, o inquérito policial numa fase pré-processual.
A doutrina especializada indica que o estudo do direito processual penal apresenta dois enfoques: o constitucional e o processual. Com efeito, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, supervenientemente à edição do vigente Código de Processo Penal, alguns dispositivos do referido diploma processual apresentaram-se incompatíveis, até mesmo em razão do distinto contexto em que tais normas foram produzidas.
A Constituição Federal apregoa a existência de um sistema processual penal sob a vertente acusatória. No entanto, alguns preceitos normativos do Código de Processo Penal, nada obstante as reformas que lhe sobrevieram após a promulgação da Carta Política de 1988, adotam elementos do sistema processual inquisitivo.
A Constituição Federal de 1988 se transformou em um instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado. Diante disso, surgiram inúmeros princípios que resultaram na caracterização do sistema acusatório no processo penal brasileiro.
Com efeito, inicialmente, de acordo com o artigo 5º da CF/88, exige-se a igualdade entre as partes. Há ainda a previsão de princípios como o do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV, LV e LXXIV, da CF/88), assegurando ao Ministério Público a função privativa de propor a ação penal pública (artigo 129, inciso I, da CF/88) e, subsidiariamente, ao ofendido, por meio da ação penal privada (artigo 5º, inciso LIX, da CF/88), além do princípio do juiz natural (artigos 5º, inciso LIII, 92 e 126, todos da CF/88).
Também se garantiu a publicidade dos atos processuais, restringida, apenas, quando exigida a defesa da intimidade e do interesse social (artigos 5º, inciso LX e 93, inciso IX, ambos da CF/88). Surgem, ainda, nesse sistema, princípios como o do estado de inocência, da busca pela verdade real, da iniciativa das partes, da licitude das provas, dentre outros.
Dessa forma, de acordo com o processo penal constitucional, para ser justo o processo, deve ele ser realizado sob a instrução contraditória, perante o juiz natural da causa, sendo exigida a participação efetiva da defesa técnica, para um válido convencimento judicial, sendo este sempre motivado para que haja um adequado exercício da função judicante e para que se possa impugná-lo com maior amplitude, construindo-se um processo sob a ótica da lei, de maneira que a verdade judicial seja resultado da atividade probatória licitamente desenvolvida.
Por outro lado, tem-se o Código de Processo Penal, de 03 de outubro de 1941, que foi inspirado na legislação processual penal italiana, produzida na década de 1930, em pleno regime facista, circunstância essa que resultou em um diploma, notadamente na sua feição originária, recheado de tons nitidamente autoritários.
Um dos pontos característicos dessa conclusão presente no referenciado diploma processual é a moldura dada ao princípio da busca da verdade real, por meio do qual ampliou-se significativamente a liberdade de iniciativa probatória do juiz, descaracterizando o perfil acusatório que se quis conferir à atividade jurisdicional, sendo esse, aliás, o motivo pelo qual alguns autores conceituam o nosso sistema processual como inquisitorial.
É o caso, por exemplo, do artigo 156 do Código de Processo Penal, ao tratar acerca da produção probatória no âmbito do processo penal. Com efeito, mesmo após a modificação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690/2008, ainda remanesceu no referido artigo elemento caracterizador do sistema acusatório, ao facultar ao julgador, de ofício, “ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida” (inciso I do artigo 156 do Código de Processo Penal). Neste caso, confere-se ao julgador uma atuação substitutiva da função ministerial quanto ao ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações feitas ao acusado.
De igual modo, o artigo 311 do diploma processual penal, que, nada obstante a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.403/2011, ainda permite a atuação do julgador, de ofício, na decretação da prisão preventiva ao réu no curso do processo penal, ao assim preceituar: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”
De tudo resulta que, nada obstante o perfil acusatório de modelo de sistema processual penal apregoado pela Constituição Federal de 1988, há ainda no sistema processual penal vigente preceitos normativos que ostentam nítido caráter inquisitivo. No entanto, tais circunstâncias não se afiguram aptas a descaracterizar o modelo constitucional acusatório, até porque esse se apresenta no ordenamento jurídico pátrio com status constitucional.
Nesse sentido, considerando os elementos abordados, pode-se dizer que o modelo de sistema processual penal brasileiro, notadamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é o acusatório, não se deixando de apontar, entretanto, que ainda remanesce no sistema do Código de Processo Penal alguns dispositivos com nítida feição inquisitiva.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade jurisdicional consiste em aplicar o Direito ao caso concreto. No caso do direito penal, essa atividade se torna essencial, porquanto, sendo ele de coação indireta, sua concretização somente se pode dar por intermédio do direito processual penal. Tal aplicação se deu, historicamente, de várias formas, denominadas sistemas processuais penais: acusatório, inquisitivo e misto.
O sistema inquisitivo surgiu como uma superação do sistema acusatório e teve como nota essencial a reunião na mesma pessoa das funções de acusar, defender e julgar.
O sistema acusatório, por sua vez, teve como ponto essencial a distribuição das funções de acusar, defender e julgar em pessoas distintas. Por garantir os direitos do acusado, é típico de sociedades mais democráticas. O sistema acusatório também pode ser apontado como uma estrutura racional de descoberta e ou construção da verdade ética por meio do processo, sistema este que veio substituir as mazelas do sistema inquisitivo, em que a força da tortura era amplamente difundida como mecanismo de investigação e instrução nos julgamentos do Santo Ofício.
O sistema misto situa-se entre o sistema acusatório e o inquisitivo e se caracteriza por contar com o processo dividido em duas fases, sendo uma primeira fase inquisitiva, ou seja, com um procedimento escrito e sem contraditório, somada a instrução preparatória; enquanto há uma segunda fase, com o julgamento e todas as garantias do procedimento acusatório.
No caso específico do modelo de sistema processual penal adotado pelo ordenamento pátrio, tem-se que a análise dos preceitos normativos constantes da Constituição Federal de 1988 revela que o constituinte optou pela adoção do sistema acusatório. Por outro lado, há que se considerar que o Código de Processo Penal vigente, nada obstante as reformas que sobrevieram à sua publicação, no longínquo ano de 1941, ainda ostenta dispositivos que se apresentam com nítido caráter inquisitorial. No entanto, tais circunstâncias não se afiguram aptas a descaracterizar o modelo constitucional acusatório, até porque esse se apresenta no ordenamento jurídico pátrio com status constitucional.
Portanto, considerando os elementos abordados, pode-se dizer que o modelo de sistema processual penal brasileiro, notadamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é o acusatório, não se deixando de apontar, entretanto, a existência de resquícios do modelo processual inquisitivo, ainda presentes no Código de Processo Penal vigente.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República, 1941.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial, volume 4. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CARNEVALE, Emanuele. Direito Criminal. Roma. 1942.
CONSO, Giovani. Perfil dos Procedimentos Penais. 2ª. ed. Pádua: Cedam. 1990.
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
[1] Curso de Direito Penal: legislação penal especial, volume 4. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 286.
[2] Processo Penal. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 93-94.
Assessor Jurídico Ministerial da 15ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Criminologia, Direito e Processo Penal pela Universidade Potiguar - UnP. Autor do livro "O Ministério Público e a Investigação Criminal: aspectos constitucionais legitimadores".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Pablo de Oliveira. Sistemas processuais penais: abordagem acerca do modelo adotado pelo ordenamento jurídico pátrio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40501/sistemas-processuais-penais-abordagem-acerca-do-modelo-adotado-pelo-ordenamento-juridico-patrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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