RESUMO: O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n? 8.069/1990) disciplinou o Sistema de Garantia dos Direitos infantojuvenis e inseriu os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente nessa seara. É objetivo do presente trabalho delimitar o conceito e a natureza jurídica dos Conselhos de Direitos, discorrendo e refletindo criticamente sobre a sua composição e atribuições. Os Conselhos são entidades com atribuição administrativa, com independência e autonomia na tomada de decisões. A sua composição é paritária entre integrantes da sociedade civil organizada e do Poder Público. Os Conselhos de Direitos têm, basicamente, duas atribuições: a proposição, elaboração e decisão quanto às políticas públicas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente; e a regulação/controle da execução destas políticas. Entre outras atribuições, eles registram e inscrevem as entidades de atendimento não governamentais; lideram o processo de escolha dos membros dos Conselhos Tutelares; e fiscalizam (ou até efetivam a gestão) dos Fundos dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Finalmente, conclui-se que, embora materializados legislativamente e instituídos fisicamente, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente precisam fortalecer e organizar a sua atuação.
Palavras-chave: Conselhos de Direitos. Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema de Garantias.
1 INTRODUÇÃO
O processo de redemocratização do Brasil na década de 80, com o fomento de mecanismos de controle social das ações promovidas pelos gestores públicos no sentido de fazer aplicar as políticas e garantir acesso aos serviços pela população, resultou na Constituição Federal de 1988. Este marco no exercício da cidadania e na regulamentação da democracia garantiu a descentralização político-administrativa, o aumento da participação da população na definição e controle das políticas públicas e, não menos importante, disciplinou a realização de ações assistenciais.
É neste cenário que os direitos da criança e do adolescente entram em pauta. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n? 8.069/1990) estabeleceu um Sistema de Garantia de Direitos que determinou que a política de atendimento à criança e ao adolescente deve ser fruto da articulação de ações não-governamentais e governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, garantindo a promoção, controle social e defesa dos direitos (FISCHER; COMINI; LORENZI; LOPES, 2007).
Portanto, o ECA assegurou à criança e ao adolescente o reconhecimento, enquanto sujeitos de direitos, prevendo a definição de políticas públicas alinhadas às necessidades desses (agora reconhecidos como) agentes sociais. E, tendo em vista o disciplinamento do Sistema de Garantia dos Direitos Infantojuvenis, os Conselhos de Direitos atuam na esfera do controle social das políticas públicas, uma vez que são entidades formais para a promoção da participação social na definição e acompanhamento das políticas públicas de garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Considerando a notória dificuldade na gestão dos Conselhos e no alcance da democratização do processo político-administrativo no âmbito da infância e da juventude, é objetivo do presente trabalho delimitar o conceito e a natureza jurídica dos Conselhos de Direitos, discorrendo e refletindo criticamente sobre a sua composição e atribuições no transcorrer das próximas seções, contribuindo para o avanço teórico-prático na efetividade das políticas públicas por eles deliberadas.
2 OS CONSELHOS DE DIREITOS: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A Constituição Federal, no art. 227, § 7º, em conjunto com o art. 204, reordenou o entendimento quanto à matéria infantojuvenil, adotando a proteção integral como premissa no tratamento das questões na área em tela. Como consequência, restaram estabelecidas a descentralização político-administrativa e a necessidade iminente da participação social na definição e controle das políticas públicas de atendimento da infância e da adolescência.
O ECA – Lei n? 8.069/1990, em seu art. 88, inciso II, instituiu os Conselhos de Direitos como instrumentos para a efetivação da participação e controle social, legitimando-os como órgãos/instrumentos de democracia participativa (TAVARES, 2014), in verbis:
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
I – municipalização do atendimento;
II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
III – criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;
IV – manutenção de Fundos Nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos de direitos da criança e do adolescente;
V – integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional;
VI – mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.
O conceito do Conselho de Direitos engloba a perspectiva de que a sociedade e o Estado, juntos, têm papel fundamental na formulação, implantação e regulação de uma política de atendimento que promova proteção integral e prioridade na satisfação das necessidades de crianças e adolescentes.
Os Conselhos, portanto, são entidades com atribuição administrativa, estabelecidas por Lei em todos os Estados e Municípios da federação, situadas na estrutura do Poder Executivo, e que, embora não possuam personalidade jurídica própria, mantêm independência e autonomia na tomada de decisões. Significa dizer que eles promovem um espaço de interlocução entre sociedade e gestores públicos, formulando políticas, controlando ações e mediando negociações para transformar a realidade social por meio da melhoria na qualidade e acesso às políticas públicas na matéria da infância e juventude, favorecendo o estado democrático de Direito.
Conforme esclarece Tavares (2014), a lei de criação dos Conselhos deve inseri-los na estrutura da Administração Pública, detalhando atribuições, definindo normas quanto à sua composição e prevendo a estrutura administrativa requerida para o seu funcionamento.
É aqui que faz-se necessária a análise da composição dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e suas condicionantes.
3 A COMPOSIÇÃO DOS CONSELHOS DE DIREITOS E SEUS IMPACTOS NO FUNCIONAMENTO
Está prevista no art. 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente a composição paritária entre integrantes da sociedade civil organizada e do Poder Público na constituição dos Conselhos de Direitos no tocante à infância e juventude. É justamente o caráter paritário da composição que assegura que a participação da sociedade na definição e controle das políticas públicas seja real e concreta, e não apenas um ideal normativo.
Importante registrar que não há limitação quanto à quantidade de membros, desde que resguardada a participação igualitária entre sociedade e Poder Público.
Os membros dos Conselhos de Direitos, seja na parcela governamental, seja na composição estranha à administração pública, são, via de regra, integrantes de órgãos e entidades que têm atuação na política de atendimento à infância e à juventude. É importante que os integrantes dos Conselhos tenham afinidade com a matéria, conhecimento técnico e disponibilidade para o exercício da função, o que assegurará, minimamente, a efetiva contribuição destes com a atividade-fim do Conselho; registrando-se, ainda, que não percebem remuneração pela função, conforme previsto no art. 89 do ECA – daí, também, a relevância do interesse e afinidade com a temática.
Ao se tratar da escolha dos integrantes dos Conselhos, o procedimento e os prazos devem estar detalhados na lei de criação, como citado na seção anterior. Caberá à Chefia do Executivo a indicação dos titulares e suplentes responsáveis pela representação governamental nos Conselhos. No tocante à sociedade, a representação é escolhida por meio de eleição, em fórum próprio, desvinculada da interveniência governamental (sob pena de nulidade do processo), com a fiscalização do Ministério Público. A lei de criação deverá prever, adicionalmente, as normas do processo eleitoral, os prazos, requisitos necessários para concorrer e período do mandato.
A composição dos Conselhos tem impactos diretos sobre seu funcionamento. De acordo com Tavares (2014), a maior parte dos Conselhos se estrutura em órgãos administrativos e deliberativos. A disposição dos integrantes nestes dois tipos de órgãos facilita a organização e divisão do trabalho, otimizando recursos e distribuindo a carga das atribuições. O órgão administrativo é responsável pela representação judicial e extrajudicial do Conselho, bem como pelas reuniões do colegiado (organização, secretaria e presidência). O órgão deliberativo é responsável pelo estudo e discussão dos temas no sentido de subsidiar os atos decisórios.
É com base em sua composição e estruturação que o Conselho de Direitos poderá, efetivamente, atingir sua missão institucional e efetivar o controle social das políticas públicas tocantes à criança e ao adolescente – daí emerge a necessidade de se deter sobre as atribuições desta entidade.
4 A ATRIBUIÇÃO DOS CONSELHOS DE DIREITOS
Os Conselhos de Direitos têm, basicamente, duas atribuições: a proposição, elaboração e decisão quanto às políticas públicas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente em nível nacional, estadual e municipal; e a regulação/controle da execução destas políticas, acompanhando e avaliando as ações praticadas pelo Poder Público e pelas entidades de atendimento não governamentais. Destaque-se, assim, que eles estão voltados para todo o universo infantojuvenil, e não somente à parcela em situação de risco.
Ribeiro e Santos (2004) postulam que estas entidades se constituem como uma inovação institucional, uma vez que aproximam governo e sociedade, criando novos padrões de interação na definição de políticas sociais. Este entendimento deve-se ao fato de que os Conselhos deliberam – e, portanto, não apenas propõem, mas também decidem, quanto às políticas em tela.
Eis um dos pontos mais relevantes no tocante à atuação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente: a obrigação do gestor público de seguir as suas decisões. As resoluções dos Conselhos, decorrentes das deliberações do colegiado, representam atos da própria Administração Pública e, portanto, o gestor que não acatá-las poderá, inclusive, responder por ato de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da administração pública. Logo, a autonomia na deliberação é decorrente da própria natureza constitucional onde, em configuração paritária, os Poderes Executivos de entes da federação e a sociedade civil definem a opção política legítima que entendem conveniente, viável e oportuna.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
[...] 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas[1].
Significa dizer, em suma, que toda e qualquer determinação do Conselho que importe em implementar garantias aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes deve ser atendida pelo chefe do Poder Executivo, sob pena de ingerência do Poder Judiciário, que, nunca é demais dizer, não importa em violação ao Princípio da Separação dos Poderes tendo em vista que está em jogo direitos constitucionalmente garantidos.
Além das atribuições básicas indicadas no estatuto infantojuvenil, outras poderão ser determinadas por meio de legislação especial ou até sem previsão legal, desde que compatíveis com a natureza da entidade e que não invadam o escopo de atuação dos outros integrantes do Sistema de Garantias.
Outra atribuição importante dos Conselhos Municipais é a de registrar e inscrever as entidades de atendimento não governamentais – art. 91 do ECA. Conforme a disposição normativa, o Conselho negará o registro às entidades cujas instalações não tenham condições de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança; cujo plano de trabalho não esteja alinhado aos princípios do Estatuto; cuja constituição seja irregular ou mantenha integrantes sem idoneidade.
Também é do Conselho Municipal a responsabilidade pela organização das eleições dos membros dos Conselhos Tutelares, complementando a legislação municipal, se aplicável; providenciando a divulgação do processo eleitoral, viabilizando a participação da comunidade em sua totalidade; e informando ao Ministério Público todas as etapas do processo de escolha, garantindo a fiscalização.
Finalmente, os Conselhos podem fiscalizar (ou até gerir) os Fundos dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, destinados à reserva de recursos financeiros para execução das políticas de atendimento ao público infantojuvenil. Portanto, poderão indicar a destinação dos recursos financeiros e, ainda, controlar a aplicação dos mesmos.
5 CONCLUSÃO
É incontestável o impacto da evolução constitucional de 88 na concepção de crianças e adolescentes enquanto agentes sociais cujos direitos precisam ser protegidos e garantidos. As determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente e a previsão de criação dos Conselhos de Direitos deixou de ser uma idealização normativa para tornar-se uma prática efetiva no País.
Os estudos de Fischer, Comini, Lorenzi e Lopes apontaram, há exatos 07 (sete) anos e menos de 02 (duas) décadas após o advento do ECA, a existência de Conselhos em todos os Estados da Federação e em mais de 80% (oitenta por cento) dos municípios.
Todavia, a mesma pesquisa apontou fragilidades na atuação e estruturação desses Conselhos e o consequente impacto dessas deficiências no desempenho institucional – com a pouco espontânea participação social, baixa resolutividade e pouco impacto da atuação.
Significa dizer que, embora materializados legislativamente e instituídos fisicamente, os Conselhos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes precisam fortalecer e organizar a sua atuação, fomentando a participação social, melhorando a sua estrutura de funcionamento e, acima de tudo, disseminando o conhecimento e a reflexão crítica sobre as políticas públicas de atendimento infantojuvenil.
Talvez seja essa a maior contribuição de trabalhos como este – ajudar a propagar o conhecimento sobre a natureza, perspectivas de atuação e forma de funcionamento dos Conselhos para, quem sabe assim, incrementar a crítica e participação social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal, 2000.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente/Secretaria Especial dos Direitos Humanos: Ministério da Educação, Assessoria de Comunicação Social. Brasília: MEC, ACS, 2005.
FISCHER, Rosa Maria; COMINI, Graziella Maria; LORENZI, Gisella Werneck; LOPES, Mariana Rocha de Mello Serrajordia. Atuação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares no Brasil: panorama atual e desafios futuros. VI Conferencia Regional de ISTR para a America Latina Y El Caribe. Bahia: ISTR y CIAGS/UFBA, 2007. Disponível em <http://lasociedadcivil.org/docs/ciberteca/032.pdf>. Acesso em 18/05/2014.
SANTOS, Orlando Alves dos; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. Governança Democrática e poder local. Rio de Janeiro: Renavam, 2004.
TAVARES, Patrícia Silveira. Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. In: Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos/Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (coord.) 7 ed, p. 442-465. São Paulo: Saraiva, 2014.
Assessor Jurídico do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário FACEX - UNIFACEX.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Leopoldo Germano. O papel dos conselhos de direitos na construção das políticas infantojuvenis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40507/o-papel-dos-conselhos-de-direitos-na-construcao-das-politicas-infantojuvenis. Acesso em: 08 dez 2024.
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