Sumário: 0. – Resumo; 1. – Introdução; 2. – Conhecimento; 2.1 – Breves considerações acerca dos juízos universais; 3. – Conhecimento científico; 3.1 – Empirismo e Positivismo científico; 3.2 – Filosofia do Conhecimento de Karl Raimund Popper; 3.3 – Filosofia do Conhecimento de Thomas Samuel Kuhn; 3.4 – Considerações parciais; 4. – Conhecimento jurídico; 4.1 – O Positivismo jurídico segundo Hans Kelsen; 4.1.1 – O Direito Positivo - Objeto da ciência jurídica – Estática Jurídica; 4.2 – A argumentação jurídica após a Segunda Guerra Mundial; 4.2.1 – A argumentação jurídica segundo Chaïm Perelman; 4.2.2 – O resgate da linguagem jurídica segundo a tradição jurídica clássica aristotélico-tomista; 4.2.3 – A interpretação das leis segundo a concepção jurídica de Karl Larenz; 4.2.4 – Os direitos humanos como valores absolutos na concepção jurídica de Ronald Dworkin; 5. – Critical Legal Studies – CLS (Estudos Jurídicos Críticos) e a coerência das decisões jurídicas; 6. – Conclusão; 7. – Referencial bibliográfico.
Karl Popper
Os estudos levantados, visando conhecer os caminhos teóricos trilhados para se apreender a gnose científica, foram sobretudo baseados nos trabalhos filosóficos desenvolvidos, principalmente, por Karl Popper, notadamente, em sua obra “Conjeturas e Refutações”, bem como em Thomas Kuhn, especificamente em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”. As contribuições trazidas por Bruno Latour e Larry Laudan, respectivamente, em seus trabalhos sobre o conhecimento científico analisados nas obras “Ciência em Ação” e “O Progresso e seus Problemas: rumo a uma teoria do crescimento científico” e em outros pensadores que lidam com este tema, foram apenas feitas por meio de citações.
Quanto ao conhecimento jurídico, buscou-se analisar as principais matrizes epistemológicas que se ocupam com esse saber humano, partindo-se da metodologia adotada pela escola do positivismo jurídico, do pós-positivismo e do realismo jurídico. Para tanto, apoiou-se nos trabalhos teóricos dos filósofos representativos de tais correntes jurídicas, a saber, em Hans Kelsen, mormente, em suas obras “Teoria Geral do Direito e do Estado” e “Teoria Pura do Direito”; no pensamento jurídico de Chaïm Perelman, sobretudo em sua obra “Lógica Jurídica”; na revalorização e resgate do discurso jurídico de tradição clássica aristotélico-tomista, com supedâneo nos estudos, nesses assuntos, desenvolvidos por Luís Fernando Barzotto, hauridos de sua obra “Filosofia do Direito”; bem como em outros pensadores da Ciência do Direito como Karl Larenz, Herbert Hart, Ronald Dworkin, dentre outros. As corroborações de outros jusfilósofos sobre a metódica jurídica, que, direta ou indiretamente, laboraram com este assunto, como Ludwig Wittgenstein, Immanuel Kant, John Searle, John Austin, Manuel Atienza, Klaus Günther, Robert Alexy, Neil Maccormick, John Finnis, além de outros, também não foram levantadas aqui nem feitas pesquisas mais detidamente, a despeito de alguns apontamentos deles sobre este tema terem sido estudados e consignados, nesse trabalho, de forma não aprofundada.
Espera-se que os propósitos almejados desse artigo tenham sido alcançados e os trabalhos nele vertidos possam contribuir com outros pesquisadores dessas duas modalidades de conhecimento do intelecto humano.
Conhecer é o ato pelo qual o sujeito cognoscente (sujeito pensante) dirige sua atenção e seu intelecto para apreender certas propriedades do objeto cognoscível, posto que objeto em si, em oposição à imagem ou às características dele capturadas pela mente, continuará sempre incognoscível em sua essência, dando a conhecer apenas as suas manifestações fenomênicas, como aparências. Assim, conhecer “... é representar-se uma cousa. É a operação imanente pela qual um sujeito pensante se representa um objeto. É o ato de tornar um objeto presente à imaginação ou à inteligência. É o ato de sentir, perceber, imaginar ou pensar um objeto”.[1]
Pelo conhecimento, a cousa como que renasce, em novas condições de existência, dentro do sujeito conhecedor. Eis por que a ideia se chama também conceito, produto de uma concepção ou geração. E o sujeito conhecedor, assimilando a forma da cousa conhecida, deixa-se assimilar, em parte, por ela, como o lacre que, recebendo em si a forma do sinete, se assemelha ao sinete. Por força do conhecimento, o sujeito como que renasce também, porque se transforma, e toda transformação, de certa maneira, é um nascimento numa nova forma de ser.[2]
Kant[3], em Prolegômenos, § 22, observa que os juízos são subjetivos quando as representações encontram-se relacionadas a uma consciência de um determinado sujeito e nele unificadas. Ao revés, por juízos objetivos entenda-se quando as representações estejam unificadas numa consciência geral, de forma necessária. As representações, sejam as que decorrem direta ou indiretamente de objetos reais ou virtuais, apresentados ou dados à mente, são desenvolvidas na mente e, de suas ativas combinações, chegam-se ao conhecimento de tais objetos pelos juízos que deles são inferidos no intelecto, através do exercício de se predicar as propriedades desses objetos, conceitualizando-os, e, assim, gerar o conhecimento genuíno.
A maneira como a mente permite a recepção de determinado objeto para a consecução do conhecimento, Kant denomina de intuição ou representação. A atividade funcional da mente que permite a assunção de representações combinadas, ele denomina de pensamento ou concepção. As experiências vivenciadas por qualquer indivíduo nada mais são que perspectivas singulares que cada um faz do mundo que o circunda. Nessa medida, o eu é o elemento mais singular e, ao mesmo tempo, a unidade básica para formação do mais universal. O dualismo kantiano de intuição e pensamento, onde aquela, a intuição, que se dá pelo contato imediato de cada eu conhecedor e o objeto observado, possibilita o perspectivismo; ao passo que é o ato de pensar que dá ensejo a criação de conceitos do objeto na mente de cada um, possibilitando inúmeras perspectivas possíveis e, destas, somente as que geram juízos verdadeiros que darão ensejo aos juízos válidos para todas as perspectivas. Os juízos constituem o modo como a mente organiza o que lhe é dado pela experiência, a qual possui alguns aspectos que são necessários e não contingentes. Configura esta necessidade o traço fundamental da objetividade dos juízos. Nesse sentido, os juízos verdadeiros não são válidos apenas para quem julga, mas para todos aqueles que vivenciam a mesma experiência e chegam aos mesmos resultados daqueles juízos verdadeiros, confirmando a universalidade de juízos, persistindo-os até quando novos juízos universais os desbanquem.[4]
Tais considerações acerca dos juízos objetivos de Kant deram ensejo ao significado fundamental de conhecimento objetivo como de validade para todos. Nesse sentido, esta objetividade hoje é denominada de intersubjetividade, a qual possibilita que, por meio de técnicas especiais, sejam em diferentes domínios do conhecimento, assegura ou viabilize comprovar e aferir os resultados de determinada investigação. A qualidade de intersubjetivamente válido, portanto, remete à ideia de válido para todos, segundo um método qualificado, o que, em última instância, quer significar o entendimento independente do sujeito, isto é, externo à consciência pessoal, abstraído das preferências ou avaliações particulares. Desta forma, valer-se de uma base empírica neutra como garantia epistemológica para a assunção e apreensão do caráter público, compartilhável, comunicável e verificável por todos, caracteriza o saber universalmente aceito. Cumpre frisar que para Kant as representações não são criadas apenas pelo objeto do conhecimento, mas há também o objeto da razão prática cuja representação pode ser derivada das várias manifestações do valor liberdade, sendo o resultado deste objeto obtido de uma ação livre. Nessa medida, o objeto, seja o que produza conhecimento, seja o que fomenta o pensamento, decorre de uma atividade ou de qualquer operação dele.[5]
Acerca de um saber aceito universalmente, é oportuno esclarecer que, hodiernamente, para o conhecimento científico essa ideia de universalidade sofreu alterações, não se podendo falar em consenso ou unanimidade do entendimento, ainda que os carateres de compartilhável e aferível subsistam, portanto, válidos e legítimos para o discurso científico. Assim, quando em face de determinado objeto, vários observadores, com conhecimentos diferentes deste objeto, podem existir, numa potência de 2n, onde “n” corresponde ao número de observadores existentes, conforme a teoria dos conjuntos, da Álgebra. Dessarte, a título de exemplo, dado um determinado objeto, analisado por 3 observadores, haverá, então, 8 conhecimentos possivelmente verdadeiros e diferentes do objeto em foco. Considere-se como observadores aqui as várias comunidades científicas que coexistem e que tenham diferentes entendimentos acerca de um objeto sob análise. Exemplificando, os observadores “a”, “b” e “c” formam um conjunto A = {a, b, c}, cujos subconjuntos são IP(A) = {{a}, {b}, {c}, {a, b}, {a,c}, {b, c}, {a, b, c}, φ}. O conjunto {a, b, c} representa o o conhecimento igual que todos observadores “a”, “b” e “c” têm acerca de um dado objeto. O conjunto {a, b} designa o entendimento que os observadores “a” e “b” têm em comum em face desse objeto e assim por diante. Já o conjunto vazio, representado pela letra grega “φ”, designa a existência de um conhecimento desse mesmo objeto, todavia, ainda ignorado pelos observadores “a”, “b” e “c”.
A Epistemologia apresenta-se como teoria do conhecimento ou, então, como filosofia da ciência, ambas acepções interligam-se, posto que o problema do conhecimento na filosofia moderna e contemporânea fundem-se com o da ciência. Esta teoria ou filosofia epistemológica, como queiram, tem resultados práticos no campo da Ciência, da Ética e da Política, haja vista que o relativismo epistemológico consistente na ideia de não haver uma verdade objetiva e, em última instância, que o sentido de verdade esteja associado ao de utilidade, como se revela o conhecimento científico ao visar dar respostas aos problemas humanos que se lhe antepõe em dado tempo e lugar, estreitando-se com as ideias autoritaristas e totalitárias, é a crença de Karl Popper, e, primeiramente, formulada por Bertrand Russell.[6]
Vale consignar que o surgimento da ciência e da tecnologia modernas, como hodiernamente as conhecemos, que se dotam de um aparato lógico e matemático, inovando no sentido da construção de uma nova concepção de mundo, repousam suas raízes de inspiração no movimento de libertação que se inaugura com o Renascimento, o qual significou a valorização da cultura greco-romana e o resgate, em especial, dos saberes filosóficos da Grécia antiga. Movimento de libertação que sagrou vitorioso frente às vicissitudes da Reforma e das guerras religiosas e revolucionárias da Idade Moderna, dos séculos XVI e XVII, criando as condições ideais para o nascimento e a consumação das sociedades livres ocidentais e as ideias do liberalismo.
David Hume, filósofo escocês do século XVIII, apresenta-se como um tenaz defensor das ideias de Francis Bacon e de seu Empirismo. Perspectiva filosófica esta que atribui à observação a fonte única do conhecimento. Hume sustenta que os fatos concretos, extraídos da Natureza e desvendados pela experiência sensível, revelar-se-iam ao sujeito pensante a forma como realmente são, sem qualquer demonstração lógica.[7]
Auguste Comte, pensador francês e criador da Filosofia Positivista, desenvolveu suas ideias no século XIX. Comte considerava que todo saber provinha dos fenômenos positivos da experiência, os quais deveriam ser postos, observados, experimentados, firmados e expressos pelo sujeito de forma lógica e matematicamente comprovados. Tudo o que não pudesse ser evidenciado pela observação não poderia entender-se como conhecimento científico. Para Comte os reais fundadores da Filosofia Positivista foram Bacon, Galileu e Descartes, por assim guiarem seu espírito indagativo e intelecto investigativo na busca do verdadeiro conhecimento.[8]
Cabe consignar que o pensamento positivista de Comte é defendido pelo denominado “Círculo de Viena”, o qual reuniu nos idos de 1922, em Viena, Áustria, um grupo de pensadores que sustentava a importância das observações e experimentações aliadas aos estudos do discurso lógico-matemático. O perfil epistemológico desse colégio de filósofos rendeu-lhe a alcunha de escola do positivismo lógico ou empirismo lógico, também denominado de neopositivismo. Os positivistas lógicos entendiam que a ciência deveria ser objetiva, neutra e assentada em observações, bem assim que a comprovação decorreria do método indutivo e o progresso do conhecimento científico se daria por um contínuo processo de acumulação de conhecimentos.[9]
Esta postura positivista epistemológica otimista, cujas origens remontam à Escola do Renascimento, como bem observa Comte, teve em Francis Bacon e René Descartes os seus principais corifeus. Tal nova ordem teórica do conhecimento funda-se na concepção de que nenhum homem precisa curvar-se, resignadamente, ante ao discurso de autoridade, mormente, ao da filosofia aristotélica que jamais poderia ser refutada, ou ante ao do discurso de tradição, especialmente, ao do bíblico-teológico-histórico, insuscetível de ser contrariado, sob pena de ser lançado na fogueira pela “Santa Inquisição”, ou mesmo deles valer-se para saber o que é verdadeiro, posto que todo homem traz consigo as fontes do conhecimento, bastando confiar, segundo Bacon, na percepção de seus sentidos e aplicá-los detidamente na observação da Natureza que a verdade seria revelada, e, para Descarte, restaria fiar-se no poder de intuição do intelecto, da razão, no método cartesiano da dúvida sistemática, para discernir o verdadeiro do falso. Ambos compreendiam, piamente, que, agindo pelo critério da observação e do intelecto, consubstanciariam em doutrina que garantiriam a verdade manifesta.[10]
O pessimismo epistemológico, ancorado na teoria do autoritarismo e na teoria do tradicionalismo histórico, foi fortemente contraposto pelo otimismo epistemológico que se baseia no argumento teórico do racionalismo e na ciência empírica, a qual só aceita como conhecimento verdadeiro apenas dados da Natureza que possam ser, através da observação e da experimentação, empiricamente demonstrado. Nessa medida, rejeitam e criticam o discurso de autoridade, de tradição, fulcrados meramente na pura irracionalidade, no preconceito, na crença tradicional e no elemento aleatório.
A despeito da epistemologia otimista de Bacon e Descartes romper com a sistemática cognicitiva do discurso de autoridade e no discurso de tradição e servir de inspiração para promoção de uma revolução intelectual e moral sem precedente na História, bem como servir de libertação para que os homens pudessem pensar por si sós, livres das amarras e desses discursos alienantes, e, por fim, favorecer o desenvolvimento da ciência moderna, ela não pode ser tida como verdadeira. No dizer de Karl Popper, “...Este é o caso de uma má ideia que inspirou muitas boas”. Todavia, este pensador observa que quando as errôneas epistemologias do empirismo e do racionalismo advogam e concebem a ideia de que a verdade é manifesta pela consulta à Natureza ou à razão dada por Deus aos homens, traduzida na teoria assim concebida, tais posições epistemológicas deram ensejo a resultados desastrosos, os quais, invariavelmente, consistiram na essência e no móvel de quase todas espécies de fanatismos, arrematando que a verdade de uma teoria abstraída não é manifesta, mas antes ela deve sempre ser submetida ao crivo da interpretação e afirmação, e, continuamente, reinterpretada e reafirmada.[11]
Aliás, Popper prefere usar o termo corroboração em lugar de confirmação, posto que este vocábulo sugere a ideia que aludida teoria, uma vez transpostas as tentativas do presente de testabilidade ou de refutabilidade, a mesma atingiria a condição de verdadeira, ao passo que corroboração apenas subentende que a teoria ainda não foi falseada, cuja persistência de verificabilidade e sorte no futuro são incertos.
Bacon e Descartes, em que pesem arduamente lutarem contra o discurso de autoridade, não se libertaram dele como esperado, não meramente por suas doutrinas também trabalharem com a deificação da Natureza e da razão, isto é, a Natureza ou o Intelecto como autoridades religiosas, mas sobretudo pelo forte caráter subjetivista presente em suas teorias epistemológicas, de acentuado traço de solipsismo, que inevitavelmente resvalam para a arbitrariedade, por padecerem da ausência de um conhecimento intersubjetivamente aceito. Sentencia Popper que:
“... independentemente de qual possa ter sido a razão, e por muito que o desejassem, foram certamente incapazes de deixar de pensar em termos de autoridade. Conseguiram apenas substituir uma autoridade - a de Aristóteles e da Bíblia - por outra. Recorreram, cada um deles, a uma nova autoridade - um, à autoridade dos sentidos, o outro, à autoridade do intelecto.”[12]
Nem o conhecimento baseado na observação ou na razão podem ser garante da verdade manifesta a ponto de levar a um discurso de autoridade. Podem, quando muito, ajudar no expurgo de conjeturas absurdas, que auxiliam no desvendar do desconhecido. O fato é constatar que nosso conhecimento é finito e nossa ignorância infinita. E todo conhecimento adquirido tem que estar sendo sempre revisado, através de um contínuo exercício de criticar nossas próprias teorias ou suposições, por mais verdadeiras que se possam parecer. Esta linha epistemológica foi denominada por Karl Popper de racionalismo crítico.[13]
Nessa perspectiva, o racionalismo crítico sustenta a tese de que a atitude crítica consiste na incessante busca de tentar modificar as teorias ou as leis, com vista a apurá-las ou descartá-las, através do contínuo teste observacional e experimental, para refutá-las, falseá-las, caso seja possível. Esta atitude crítica identifica-se com a atitude científica. Nessa medida, tais esquemas teóricos manifestam-se provisórios, conjeturais ou hipotéticos, até que, mediante o avanço da técnica, dos métodos experimentais e das condições sociais, possam falseá-los ou não. Em sentido oposto, a postura dogmática, que formula suas teorias com base na observação da Natureza, nos reiterados e repetidos testes empíricos, isto é, conforme o método indutivo, que parte da observação dos fatos às leis ou à teoria, traduz a atitude dogmática que corresponde a uma atitude pseudo-científica. Nenhuma regra pode ser obtida, garantida ou inferida baseando-se em repetidas observações, por mais generalizadas que possam aparentar, como a de que o Sol sempre nasce e se põe no decorrer de vinte quatro horas, proposição esta facilmente refutada pela constatação de que nos pólos do globo o Sol da meia-noite dura meses.[14]
Para a verdadeira Ciência, no entender de Popper, o método indutivo é um mito, consistente na crença de que o conhecimento científico decorre da observação para a teoria, ao passo que as reais teorias científicas são deduzidas, são invenções, conjeturas, hipóteses arrojadas, ou seja, são abstrações lógico-matemáticas, que constituem a linguagem por excelência do método dedutivo, isto é, que se originam das leis às teorias, ou destas aos fatos. As observações e experiências indutivistas têm importância e lugar apenas para submeterem as genuínas proposições científicas ao constante teste da verificabilidade crítica, para aferir a veracidade ou falseabilidade veiculadas em suas proposições.
As ideias de Thomas Kuhn acerca do desenvolvimento do conhecimento científico divergem das formulações concebidas pelos positivistas lógicos e contrapõe ao racionalismo crítico de Karl Popper. Primeiramente, Kuhn não considera pseudo-ciência as teorias que se tornaram obsoletas com o emergir de uma nova metodologia teórico-científica de compreensão e interpretação da Natureza. Muito menos considera esse conjunto teórico de visão de mundo, dito antiquado, abstraído segundo o método da observação e da experimentação, consoante ao raciocínio indutivo, um mito. Caso contrário, o próprio domínio de teorias e leis empregadas atualmente que compõem o conhecimento científico-tecnológico hodierno poderá também vir a padecer da mesma sentença de acientificidade. Em segundo lugar, essas crenças obsoletas, em suas respectivas épocas, responderam satisfatoriamente a todas indagações formuladas por seus pesquisadores, os quais lançaram mãos do arsenal científico de então, seja para atender os desafios e necessidades impostos à astronomia, à química ou à física de seu tempo. Só posteriormente, quando alguns problemas novos surgidos, para os quais o domínio científico existente não conseguia interpretá-los a contento, revelando-se anômalos, deram ensejo a crise e ruptura, sendo preciso buscar novas teorias para respondê-los. Por último, os cientistas não estão numa incessante procura por novidades substanciais ou num sistemático exercício de falsear, de refutar as teorias ou leis de paradigma mediante confronto direto com a Natureza, com vista a produzirem descobertas revolucionárias, e, mesmo que consigam refutá-las, a História registra que grupos de pesquisadores não abandonam facilmente suas convicções científicas em virtude de uma mera refutação. Ao contrário, a ciência normal busca aplicar os seus conhecimentos no sentido de aprimorá-los e os profissionais que atuam nessa atividade científica alegram-se em saber que os problemas levantados estão sendo resolvidos pela aplicação do paradigma em prática.[15]
Aliás, esta análise de Kuhn acerca de não se abandonar uma teoria em virtude da presença de uma simples anomalia é compartilhada por Larry Laudan, conforme se depreende do texto abaixo:
Começando por (a'), diversos filósofos (em particular Pierre Duhem, Otto Neurath e W. Quine) argumentaram que não se pode decidir racionalmente se determinada teoria que gera uma anomalia deva ser abandonada, por certas ambiguidades não elimináveis em relação à situação de teste. São duas as principais ambiguidades:
1. Em qualquer teste empírico, é necessária uma rede de teorias para derivar qualquer predição experimental. Se a predição se revelar errônea, não sabemos onde situar o erro na rede. Segundo os críticos, é arbitrária a decisão de que determinada teoria da rede é falsa.
2. Abandonar uma teoria porque ela é incompatível com os dados supõe que nosso conhecimento dos dados seja infalível e verídico. Tão logo nos damos conta de que os dados em si são só prováveis, a ocorrência de uma anomalia não requer necessariamente o abandono de uma teoria (podemos escolher, por exemplo, "abandonar" os dados).
...
Temos aqui de nos contentar com a observação de que casos refutantes não resolvidos são muitas vezes de pouca importância cognitiva.[16]
Kuhn considera ciência normal o domínio científico-tecnológico de um determinado período histórico, a qual pressupõe que a comunidade científica bem conhece o mundo em que vive e que os pesquisadores desta comunidade estão comprometidos com as teorias e as técnicas científicas consagradas de seu tempo. Tal ciência é a atividade que os cientistas, em sua maioria, ocupam-se quase todo seu tempo disponível, relacionando-a intimamente com a ideia de paradigma. Para Kuhn paradigma traduz-se num conjunto de crenças, valores e técnicas aplicadas e compartilhadas pelos integrantes de uma determinada comunidade científica, como um modelo ou padrão de realizações científicas aceitas como eficazes na solução de problemas.[17]
Nesse diapasão, Kuhn concebe os paradigmas como “...as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.[18]
Observa Kuhn que quando surgem alguns problemas que, à primeira vista, poderiam ser facilmente solucionados segundo os métodos paradigmáticos utilizados pela ciência normal, mas, contudo, mostram-se resistentes à conformação e adequação às tais regras e procedimentos, bem como quando tais problemas não se amoldam às expectativas esperadas ao serem submetidos ao escrutínio da aparelhagem técnica, mesmo sendo lançados às análises dos mais competentes grupos de pesquisadores. Afiguram-se, assim, anômalos e violadores da ciência normal a eles aplicada, ao ponto de subverterem as observações científicas dos profissionais, a despeito das reiteradas tentativas de decifrá-los. Instala-se, nesse momento, um mal-estar geral na comunidade científica, que se degenera em uma forte crise a ensejar o desenvolvimento de investigações extraordinárias, as quais prenunciam a emergência de novas teorias a imporem mudanças em grande escala no paradigma existente, levando ao surgimento de um novo status científico.[19]
Tais momentos de crise podem apresentar três soluções distintas. À determinada crise, a ciência normal em vigor consegue, através de seus próprios métodos, contornar a situação no sentido de pôr termo aos problemas que a gerou. Noutras situações de crise, os problemas surgidos não podem ser solucionados com o emprego do paradigma em uso, pois o seu estágio de desenvolvimento está aquém de dar uma resposta à altura dos casos suscitados. Por derradeiro, há casos em que a crise torna-se tão aguda que provoca uma ruptura com o paradigma vigente e sua consequente substituição por outro. Esse episódio foi denominado por Kuhn de revolução científica.[20]
A história da ciência registra várias revoluções científicas que conduziram a transição de um paradigma para outro, tais como a revolução copernicana que rompeu com a perspectiva científica baseada na astronomia ptolomaica geocêntrica; a revolução newtoniana que se apartou de vez com a dinâmica aristotélica, bem assim a teoria da relatividade de Einsten que, por sua vez, colocou de lado a Física Clássica de Newton, principalmente quando este concebia a massa como um dado inerente ao corpo, quando, na concepção einsteniana, a massa de um corpo é conversível em energia, isto é, ela é um dado relativo à velocidade de um sistema de referência; a revolução promovida por Lavoisier na Química, quando refutou o princípio do flogisto até então aceito pelos químicos como condição da combustão, afirmando que os corpos sofriam combustão não por possuírem a substância denominada flogisto, mas pela combinação de substância combustível neles presentes e o oxigênio; e muitos outros exemplos emblemáticos que aqui não merecem ser relatados por transcenderem o escopo de interesse desse artigo.[21]
Nessa medida, sentencia Kuhn que o conhecimento científico não se dá por um processo de acumulação, tendo em vista a passagem do velho paradigma para o novo, que consiste numa:
reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. Durante o período de transição haverá uma grande coincidência (embora nunca completa) entre os problemas que podem ser resolvidos pelo antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo. Haverá igualmente uma diferença decisiva no tocante aos modos de solucionar os problemas. Completada a transição, os cientistas terão modificado a sua concepção da área de estudos, de seus métodos e de seus objetivos.[22]
A comparação metafórica feita por Kuhn para designar a transição de paradigmas de revolução científica a evocar os aspectos e o alcance de uma revolução social, deu-se pela semelhança que ambas situações representam para suas respectivas áreas. Como as revoluções sociais representam uma insatisfação popular com as instituições políticas existentes, as quais não mais dão respostas satisfatórias para as demandas sociais impostas pelos problemas econômicos e sociais surgidos de uma época, evidenciando a incapacidade da classe política detentora do poder em debelar a crise, a exigir a reestruturação e, até mesmo, a criação de novas instituições e à mudança de poder para novas forças políticas. O mesmo ocorre com um paradigma científico revolucionário que se impõe ao velho e estabelece novas teorias e novas leis que aperfeiçoam e alargam a concepção de mundo da comunidade científica que se sagrou vitoriosa no embate de paradigmas.[23]
3.4 – Considerações parciais
Fato é reconhecer que as ciências físicas e naturais (Astronomia, Física, Química, e Biologia etc.), assim como as ciências sociais e humanas, comumente, apresentam reinterpretações de suas concepções científicas. Todavia, elas diferenciam-se em grande escala quanto à frequência destas mudanças. Constata-se que as Ciências Sociais e Humanas são mais amiúde suscetíveis de novas e mais profundas intepretações em virtude talvez de seu objeto de estudo, qual seja, o próprio homem, seu comportamento, a sociedade humana ou sua cultura, como uma auto-análise, que se apresenta como um ser social, cultural e dinamicamente mutável, nessa medida, extremamente complexo, tornando-se mais penoso, sob a ótica da metodologia experimental/matemática positivista, para apreendê-lo e explicá-lo. Em sentido oposto, o objeto de estudo daquelas outras ciências, isto é, a Natureza ou o Universo, revela-se sempre constante, onde a variante encontra-se não no objeto analisado, mas na forma como o observador, ou seja, o sujeito cognoscente, enxerga o mundo em que está envolto, fazendo com que o conjunto das práticas teóricas e técnico-científicas de uma determinada comunidade científica, entenda-se paradigma, perdurem por um período de tempo maior. Prova é que todos exemplos, trazidos à baila por Popper e Kuhn, em suas filosofias, deram-se no campo da Ciências Físicas e Naturais, nas quais as revoluções científicas ocorridas foram bem mais espaçadas no tempo.
Ainda que se possa vangloriar-se de nossas conquistas técno-científicas, certo é admitir que tais avanços trouxeram riscos de segunda dimensão, posto que tais riscos ganham nova dimensão e contornos, vez que não podem mais ser previstos, identificados, controlados ou mesmo evitados, causando mesmo insegurança do saber científico quanto ao seu potencial efeito deletério para a homeostase do meio ambiente, como se supunham estar seguro e serem calculáveis os riscos da primeira fase da Revolução Industrial.[24]
Constata-se que desde que, em 1953, James Watson e Francis Crick desvendaram as bases científicas da engenharia genética (Adenina – Timina; Adenina – Uracila; Citosina – Guanina), de replicação da vida e do material plástico-proteico, nunca o Prometeu se viu tão liberado, pois, a partir de então e sobretudo nos dias atuais, o homem passou a entender o seu mecanismo e, assim, logo em seguida, a interferir no patrimônio genético de todos seres vivos. Ele agora se arvora a tomar o lugar da Natureza e, de forma potencialmente temerosa, faz-se inventor, haja vista os seus feitos ao criar seres transgênicos, ao engendrar a clonagem, ao ter o domínio da técnica genética que o possibilita desenvolver órgãos replicados para transplante, de diversos tecidos humanos, a transfusão de sangue oriundo de síntese genética, ao proceder o mapeamento sequencial do genoma humano e patenteamento da vida, acarretando resultados esteticamente desastrosos e problemas ético-jurídicos voltados à vida, à morte e à própria existência dos ecossistemas. Consoante previu Hans Jonas, “... o Homo sapiens torna-se objeto de estudo do Homo faber”[25] [26]. Outras ameaças e situações de riscos produzidas pela sociedade capitalista, com seu modelo de exploração de uso e obtenção dos recursos naturais, que poderá levar o planeta à exaustão muito antes do que se imagina, também podem ser mencionadas, decorrentes dos progressos da ciência e da técnica atuais, seja na energia nuclear, seja do uso desenfreado de novas substâncias químicas, das novas tecnologias de informação.
O emprego desses novos conhecimentos técnico-científicos na Natureza provoca riscos que superam substancialmente os perigos da primeira fase da industrialização a ponto de colocar em grave ameaça a sobrevivência humana na Terra, potencialmente, capazes de causar auto-destruição de toda civilização planetária. Os problemas ambientais de segunda geração exigirão a atenção e o cuidado por parte dos Poderes Públicos para os efeitos combinados de várias fontes de poluentes e suas repercussões mundiais e seus efeitos duradouros.[27] Tais questões reclamam referenciais jurídicos e normativos mais eficientes e adequados a serem estabelecidos e atendidos pelas instituições políticas modernas, as quais devem responder aos aludidos riscos tecnológicos desta sociedade pós-industrial, de segunda modernidade, com vista à consumação de uma democracia participativa e fulcrada nos mais lídimos ditames da justiça ambiental.
Logo de início, cumpre diferenciar a metodologia do Conhecimento Científico em relação à metodologia empregada no Conhecimento Jurídico, tendo em vista que não são raras as invectivas de muitos dos pesquisadores na área das ciências da natureza, ligados àquele conhecimento, que não consideram os métodos aplicados pelas ciências humanas como um todo, nas quais se insere a ciência jurídica, o status de cientificidade.
Importa assentar, nesse passo, que qualquer ciência pode valer-se de diversos tipos de técnicas para elucidação de seus enunciados e proposições, todavia, a pesquisa científica só pode guiar-se apenas por um método, que seja adequado para análise de determinado objeto, tendo em vista que a validade e confiabilidade do resultado do raciocínio científico dele advém.[28] Eis a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr. acerca do conceito de método e técnica:
Método é um conjunto de princípios de avaliação da evidência, cânones para julgar a adequação das explicações propostas, critérios para selecionar hipóteses, ao passo que técnica é o conjunto dos instrumentos, variáveis conforme os objetos e temas. O problema do método, portanto, diz respeito à própria definição de enunciado verdadeiro. Note-se, de enunciado verdadeiro e não de verdade.[29]
Constata-se que, nas ciências naturais, têm-se os fatos; através do método de abordagem, fazem-se as observações, formulam-se enunciados extraídos da existência de ligações constantes entre os fatos e os fenômenos naturais deles decorrentes; daí, num processo elaborativo e abstracional, por meio de construções lógicas rigorosas, formulam-se hipóteses a que a realidade empírica deve adequar-se, criando-se a teoria científica. Vale ressaltar que o cientista não quer mudar a realidade, mesmo porque está fora de seu alcance, quer explicá-la, prová-la, submetê-la a teste, buscar a confirmação da teoria que elaborara.
Quanto à Ciência do Direito, nos fenômenos humanos, o cientista do direito não se contenta em explicá-los, vai mais longe e procura compreendê-los. Quando assim dispõe o seu espírito investigativo, ou melhor, aplicativo, o cientista interfere intuitivamente no sentido dos fenômenos, pois os valora. Nessa medida, é necessário que haja um método próprio que seja ele mesmo validado pelo referencial axiológico e que lhe dê sentido, validando-o segundo valores individuais, sociais, culturais, ideológicos e históricos.
Aqui, nesse ponto, é oportuno fazer a distinção entre Direito Positivo e Ciência do Direito ou Ciência Jurídica, tendo em vista o emprego errôneo e indiscriminado de um e de outro, como se tratassem da mesma linguagem. Na perspectiva de Hans Kelsen, a Ciência do Direito busca conhecer e compreender o seu objeto de estudo, qual seja, a norma jurídica, o ordenamento jurídico, ou seja, o Direito Posto. Nessa medida, a Ciência do Direito tem seu próprio paradigma, o qual se vale de uma linguagem descritiva e predicativa para enunciar as constatações encontradas ou expressar o significado de seu objeto. De tais enunciados extraem-se proposições, as quais se submetem ao crivo da verificabilidade, da testabilidade, do falso/verdadeiro, em relação ao paradigma metodológico adotado. A Ciência Jurídica vale-se da lógica apofântica ou alética ou formal, que se opera sobre o mundo do ser, sendo, repise-se, descritiva e predicativa. A seu turno, o Direito Positivo consiste num conjunto de normas jurídicas, que se caracterizam por proposições acentuadamente prescritiva e relacional, dotadas de imperatividade e autorizamento. Imperativa no sentido de dar um norte, uma direção à conduta humana, seja uma permissão, proibição ou obrigação, segundo os anseios sócio-políticos de uma sociedade organizada de um determinado tempo e lugar. Autorizativas por possibilitarem a legitimação por parte do lesado em exigir do Poder Estatal a satisfação ou a reparação do seu direito violado. Nesse sentido, o Direito Posto está submetido à lógica deôntica, a qual opera sobre o mundo do dever ser. De seus enunciados colhem-se também proposições, as quais não mais são verificadas segundo o binômio do verdadeiro/falso, mas segundo os critérios da validade ou invalidade em relação à conformação ao ordenamento jurídico em referência.[30]
Enquanto o objeto das Ciências Naturais apresenta-se imutável ao querer humano, o objeto de estudo da Ciência do Direito, qual seja, o Direito Positivo, transforma-se para atender às necessidades humanas de um dado tempo e lugar. Segue-se daí que tanto o legislador pode mudar a lei, segundo conveniências históricas, políticas e sociais, muitas vezes até atendendo a pauta do clamor popular, quanto ao juiz na solução do caso concreto, interpreta e aplica a norma segundo certas contingências contextuais, levado, não raras vezes, pela repercussão de fatos sociais. Ou seja, tendo em vista que o objeto da ciência jurídica, qual seja, o direito e as normas jurídicas, modifica-se constantemente no tempo e no espaço, levando alguns juristas a denunciar o seu caráter científico, posto não haver exatidão na construção do saber científico.
Há também o questionamento que procura saber se o método compreensivo é acentuadamente valorativo ou se é possível optar por uma neutralidade axiológica, ainda mais quando também se questiona se a doutrina jurídica é uma das fontes do próprio Direito. Nesse particular Tércio Sampaio Ferraz Jr. observa que “... A Ciência do Direito, nestes termos, não apenas se debate entre ser compreensivo-valorativa ou axiologicamente neutra mas também, para além disso, uma ciência normativo-descritiva, que conhece e/ou estabelece normas para o comportamento”.[31]
Em que pesem as vozes discrepantes, para maioria dos juristas, a ciência jurídica é uma ciência, posto que detém as especificidades que a individualiza, bem como compreende em si todos os caracteres necessários a revelar-se como autêntico conhecimento científico. Vale dizer, apresenta-se como um conhecimento sistemático, construído e demonstrado por um método próprio, o qual dirige-se a um determinado objeto individualizado por abstração dos demais fenômenos. A sistematicidade do discurso jurídico é um insofismável argumento para sustentar o caráter científico do conhecimento jurídico. Sistemático no sentido de tratar de uma atividade ordenada, segundo seus próprios princípios e específicas regras, levando o jurista a cuidar e conduzir-se, não raras vezes, pelo modelo das ciências naturais, mormente, no que toca às relações lógico-formais dos fenômenos jurídicos, desvencilhando-se de seu conteúdo empírico e axiológico.[32]
No que tange a ser ou não ciência o saber jurídico, cabe consignar que esse debate é de somenos importância, haja vista que para a ciência jurídica a decidibilidade passou hoje a configurar o seu problema central e não o valor verdade, ou se os enunciados científico-jurídicos, próprios das teorias jurídicas, são verificáveis ou refutáveis segundo o critério de cientificidade das ciências naturais, vez que a validade dos enunciados devem ser aferidos segundo a sua relevância prática, no sentido de serem utilizados como instrumentos que possibilitem obter decisões, sejam legislativas, judiciais, administrativa, contratuais etc. Tércio Sampaio Ferraz Jr. leciona que:
Ao envolver uma questão de decidibilidade, a Ciência do Direito manifesta-se como pensamento tecnológico. Este possui algumas características do pensamento científico stricto sensu, à medida que parte das mesmas premissas que este. Os seus problemas, porém, têm uma relevância prática (possibilitar decisões: legislativas, judiciárias, administrativas, contratuais etc.) que exige uma interrupção na possibilidade de indagação das ciências em geral, no sentido de que a tecnologia dogmatiza os seus pontos de partida e problematiza apenas a sua aplicabilidade na solução de conflitos.[33]
As profusões de referenciais epistemológico-jurídicos que tratam dos problemas pertinentes à ciência do direito são muitas e com nuanças bem distintas uma da outra, como o historicismo casuístico, representado pelo jusnaturalismo; o empirismo exegético, que se apegava nas concepções legalista ou mecânicas da interpretação e da aplicação do direito; o sociologismo eclético; o racionalismo dogmático ou normativismo jurídico e egologia existencial. O próprio Direito e seus enunciados podem ser observados e analisados sob o foco de várias ciências e saberes.[34]
Estas duas modalidades do conhecimento humano, isto é, científico ou jurídico, não devem pretender sobrelevar suas conquistas cognocíveis em detrimento de outros saberes humanos tão importantes quanto, como se fossem as únicas explicações possíveis da realidade. Tais discursos não são melhores do que o discurso da metafísica, das religiões, da arte, da poesia, da psicanálise, e até mesmo do materialismo histórico.
Portanto, nos sub-itens seguintes, serão feitas, primeiramente, um estudo sobre a posição epistemológica do racionalismo dogmático, ligado à perspectiva do positivismo jurídico, baseando-se na obra “Teoria do Direito e do Estado”, de Hans Kelsen, por ser este pensador um exponencial representante desta escola, e, num segundo momento, analisar-se-ão os discursos jurídicos que contrapõem a metodologia juspositivista e outras que buscam fazer o seu resgate.
4.1 – O Positivismo jurídico segundo Hans Kelsen
Antes de se ocupar do estudo desta corrente jurídico-filosófica, importa observar que o positivismo jurídico, como reflexo da filosofia positivista na seara do direito, que se antagoniza com as concepções naturalista, metafísica, sociológica, histórica, antropológica e com as ideologias externas ao fenômeno jurídico, onde o uso de uma linguagem puramente científica para a argumentação jurídica constitui garantia de objetividade e impessoalidade, predominou no ocidente até o fim da Segunda Guerra Mundial.[35] Esta corrente filosófica expurga do direito toda e qualquer associação com a ideia de justiça, bem assim elimina da filosofia qualquer associação a valores, isto é, a juízos axiológicos, pois, por serem variáveis no tempo e no espaço, arrastam e impregnam o Direito com o subjetivismo, que redunda na arbitrariedade e na insegurança jurídica, subtraindo do discurso jurídico o seu caráter científico.
Contudo, em sentido contrário, Bobbio entende que o positivismo jurídico:
“... em suas origens (que se encontram no início do século XIX) nada tem a ver com o positivismo filosófico - tanto é verdade que, enquanto o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão "positivismo jurídico" deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural.”[36]
Já, nas primeiras páginas da obra “Teoria Geral do Direito e do Estado”, Hans Kelsen preocupa-se em especificar qual é o verdadeiro objeto de uma ciência jurídica, observando, de forma recorrente, que seu objeto é o Direito positivo ou real, ou seja, restringe-se ao Direito posto, em contraposição ao Direito ideal, do qual se ocupa a política, ou em oposição ferrenha ao Direito natural, por constituir-se de valores absolutos e, portanto, arbitrários. Para ele a conduta efetiva dos indivíduos pode estar conforme ou não com o Direito positivo que regula esta conduta, pois estudar o ser, a realidade efetiva da conduta dos indivíduos é preocupação da sociologia, como ramo da ciência natural, a qual, a conduta, é determinada pelas leis da natureza e em harmonia com o princípio da causalidade. A ciência natural descreve seus objetos segundo este princípio, já a ciência jurídica descreve o seu objeto observando o princípio da normatividade. Se o Direito positivo estiver em correspondência com o Direito ideal, designado como justiça ou Direito natural, tanto melhor, do contrário, caso não haja conformidade, a sua existência independe desta relação biunívoca entre esses dois sistemas referenciais de regulação da conduta humana, pois as normas pertencentes ao Direito positivo são normas de dever ser e, qualquer conflito entre uma conduta efetiva e a norma de dever ser que preceitua comportamento diverso do ocorrido, não fere o princípio da não contradição, que é válido e deve ser obedecido tanto pelo Direito positivo quanto pelo Direito ideal.[37]
Por exemplo, sentenças como “A deve ser” e “A não deve ser” são inadmissíveis sua coexistência no Direito positivo, num dado tempo e espaço. Ou seja, uma destas proposições deve ser considerada inválida por não conformar-se com o seu ordenamento jurídico. Do mesmo modo, proposições como “A é” e “A não é”, constantes em um Direito Ideal, também nas mesmas condições espácio-temporal, são impossíveis de existirem. Contudo, proposições como “A deve ser” e “A não é”, ou melhor exemplificando, “A deve dizer a verdade” e “A mente aqui e agora”, que muito ocorre com condutas em dissintonias com o Direito positivo, não representa uma incoerência. Tal fato não configura uma contradição lógica dentro do Direito posto, o que ocorre é apenas um conflito ou uma contradição teleológica com o ordenamento jurídico.[38] Observe-se abaixo outros exemplos dados por Kelsen em sua obra Teoria Pura do Direito:
Assim sucede, por exemplo, quando uma das normas determina que o adultério deve ser punido e a outra que o adultério não deve ser punido; ou quando uma determina que o furto deve ser punido com a morte e a outra determina que o furto deve ser punido com prisão (e, portanto, não é com a morte que deve ser punido). Este conflito não é, como anteriormente mostramos, uma contradição lógica no sentido estrito da palavra, se bem que se costume dizer que as duas normas se "contradizem". Com efeito, os princípios lógicos, e particularmente o princípio da não-contradição, são aplicáveis a afirmações que podem ser verdadeiras ou falsas; e uma contradição lógica entre duas afirmações consiste em que apenas uma ou a outra pode ser verdadeira; em que se uma é verdadeira, a outra tem de ser falsa. Uma norma, porém, não é verdadeira nem falsa, mas válida ou não válida.[39]
Nessa medida, assevera Kelsen que o valor de Direito é objetivo, ao passo que o valor de justiça é subjetivo, relativo, não absoluto, encontra-se no plano das especulações. Substituir o valor de Direito pelo valor de justiça é trocar o certo pelo duvidoso. Assim, os julgamentos jurídicos de valor podem ser verificados objetivamente recorrendo-se aos fatos, o que significa dizer que estão insertos na ciência jurídica, enquanto os julgamentos de justiça não são passíveis de serem verificados objetivamente, pois, ao serem confrontados com a realidade fática, a despeito de um grande número de pessoas consentirem ou anuírem com certos paradigmas de justiça, num determinado tempo e espaço, mostram-se não totalmente testáveis, ou se verificados, revelam-se, em determinadas situações, falsos com a realidade subjacente, dessa maneira não se enquadram dentro de uma ciência jurídica. De igual forma aos julgamentos de justiça, acontecem com os julgamentos morais, religiosos e políticos, pois tais julgamentos fundam-se em ideologias e em consonância com uma realidade social definida, todos imersos num ambiente inseguro dos julgamentos subjetivos, divergindo com os julgamentos jurídicos de valor, que se fiam em um solo seguro de uma ordem jurídica determinada. Na perspectiva kelseniana, sustentar que um comportamento de um indivíduo é justo ou injusto, moral, religiosa e politicamente correto ou incorreto, significa para a teoria pura do Direito o mesmo que analisar e asseverar se tal conduta é legal ou ilegal em confronto com uma norma jurídica válida que a regula, pertencente a uma ordem jurídica positiva.[40]
Nessa perspectiva, a cientificidade do Direito será alcançada ao alhear-se o fenômeno jurídico de toda e qualquer contaminação externa à sua ontologia, configurando tal postura de assepsia jurídica na pedra de toque para autonomia do Direito como ciência, extraindo, assim, uma descrição pura do Direito.[41]
Sentencia Kelsen que a natureza ou característica essencial do Direito é a norma, seja geral ou individual, não sendo correto usar o termo regra, pois regra remete à ideia que algo acontece geralmente ou que um determinado evento ou fenômeno deva ocorrer sempre que estiverem satisfeitas certas condições ideais. O dever jurídico de um determinado indivíduo pressupõe a existência de uma norma jurídica que o estabelece e a conduta contrária à conduta esperada ou ditada pela norma configura um delito, o qual é a condição necessária para infligir a sanção ditada pela ordem jurídica.[42]
Nesse sentido, a norma individual, decorrente de uma decisão do tribunal ou uma decisão administrativa, a qual aplica uma sanção à prática de um delito, oriundo de uma ação judicial do queixoso ou de um requerimento ou ato de ofício administrativo, é um fenômeno que constitui uma norma do Direito, e aludidas decisões judicial e administrativa têm um caráter constitutivo. Nesse particular, pondera Kelsen:
A criação da norma individual pela decisão do tribunal civil é o propósito imediato do processo jurídico iniciado pela ação judicial do queixoso. A partir desta perspectiva dinâmica, o queixoso desempenha, assim, uma parte essencial na criação da norma individual que a sentença da corte representa. Ter um direito é ter a capacidade jurídica de participar da criação de uma norma individual, da norma individual pela qual uma sanção é ordenada contra o indivíduo que — segundo a declaração do tribunal — cometeu o delito, que violou o seu dever. Se um direito jurídico é um fenômeno do Direito, então essa norma individual também deve possuir o caráter de Direito. O Direito não pode consistir apenas em normas ou regras gerais.[43]
Ocupa-se Kelsen, em sua teoria pura do Direito, em distinguir jurisprudência normativa de jurisprudência sociológica, ou para melhor compreender, diferencia o que é próprio da teoria do Direito do que é pertinente à sociologia do Direito. O Direito em sua teoria corresponde a um sistema de normas válidas, tendo como objeto de estudo as normas, gerais ou individuais. Os enunciados de seu objeto descrevem não o que é, mas o que deve ser, o que faz de sua teoria uma teoria normativa. Sentencia que a teoria do Direito resvala para o mundo inseguro da metafísica quando transcende as fronteiras do Direito positivo e passa a enunciar preceitos absolutos, próprios do Direito natural. Assevera que o objeto da jurisprudência sociológica não são normas válidas, mas a conduta efetiva humana que tenha alguma importância para a sociologia do Direito. Abaixo Kelsen apresenta um exemplo em que destaca comando puramente jurídico, isto é, concernente à teoria do Direito, comando de importância apenas para jurisprudência sociológica, ou seja, da sociologia do Direito, e comando irrelevante para ambas jurisprudências, in verbis:
O objeto da jurisprudência sociológica não são normas válidas — as quais constituem o objeto da jurisprudência normativa — mas a conduta humana. Que conduta humana? Apenas a conduta humana tal que, de um modo ou de outro, está relacionada ao "Direito". O que distingue sociologicamente tal conduta da conduta que está fora do campo da sociologia do Direito? Um exemplo pode servir para esclarecer o problema. Alguém recebe um aviso das autoridades fiscais, solicitando o pagamento de $ 10.000 de imposto de renda, ameaçando com uma sanção a omissão do pagamento. No mesmo dia, a mesma pessoa recebe um aviso do chefe de uma famigerada quadrilha exigindo que ela deposite $ 10.000 em determinado lugar, ameaçando matá-la caso ela não cumpra a exigência, e uma terceira carta, na qual um amigo pede uma grande contribuição para o seu sustento. Em que aspecto a notificação do imposto difere, sociologicamente, da carta de chantagem; em que aspecto ambas diferem da carta do amigo? É óbvio que existem três diferentes fenômenos, não apenas a partir de um ponto de vista jurídico, mas também a partir de um ponto de vista sociológico, e que a carta do amigo, pelo menos, com o seu efeito sobre a conduta do destinatário não é um fenômeno que esteja dentro do campo da sociologia do Direito.[44]
Para o Direito apenas a ordem de pagar imposto, emanada de uma autoridade fiscal competente, é imperativa e autorizante, ou seja, decorre de um indivíduo autorizado por uma ordem jurídica pressuposta como válida. Ela é imperativa por emitir uma conduta a ser seguida. Autorizante em virtude do seu não cumprimento legitimar o Poder Estatal a aplicar uma sanção ao contribuinte pela omissão do pagamento do imposto, sendo, portanto, uma ordem válida. Sob a perspectiva da jurisprudência sociológica de Max Weber, o contribuinte interpreta internamente o aviso de pagar imposto como um comando válido por ter a conotação jurídica de uma obrigação. A ordem de depósito da aludida quantia, sob pena de matar a vítima de extorsão, proferida pela quadrilha, afigura-se imperativa por enunciar uma conduta a ser efetivada, mas não autorizante porque não parte de autoridade competente para exigir este depósito, não sendo uma ordem válida. Assim, não é uma ordem válida por não pertencer ao ordenamento jurídico. Externamente, a vítima pode até cumprir a ordem, comportando-se da mesma forma do aviso da autoridade fiscal, contudo, tal ordem não tem a mínima relevância para o Direito, mas tem para a sociologia do Direito, seja cumprindo ou não a ordem da quadrilha, pois configura um crime de extorsão. O último exemplo, pode-se sustentar que se trata de uma “ordem” imperativa, pois enuncia uma conduta a ser seguida moralmente, no sentido de ajudar os necessitados por solidariedade humana, mas também não é autorizante, vez que não autoriza aquele que não teve suas súplicas atendidas pelo amigo a exigir do Estado que o obrigue a contribuir com um pouco para a manutenção de seu sustento. Em suma, não é uma ordem jurídica válida por não pertencer ao ordenamento jurídico. Nessa medida, não apresenta qualquer relação com a teoria do Direito nem com a sociologia do Direito, isto é, que fique bem claro, sob o ponto de vista daquele, isto é, do amigo, de quem se espera uma ação solidária.[45]
Herbert Hart[46] pontua que a concepção da teoria jurídica de Kelsen de centrar no caráter único da coerção, existente na norma jurídica válida, como traço peculiar a distinguir a ordem desta norma das demais, sejam as ético-morais, sejam as emanadas por pessoas ligadas a grupos criminosos, constitui uma visão simplista de abstrair a concepção da jurisprudência jurídica, entenda-se teoria do Direito, da jurisprudência sociológica. Observa que as ordens emanadas por ladrões, assassinos ou por pessoas em estado de comiserabilidade não são permanentes, não têm a pressuposição de permanência e persistência que as ordens constantes das normas jurídicas têm, isto é, aquelas ordens são fortuitas, eventuais e sem o caráter de durabilidade destas, ou até quando durar o ordenamento jurídico da qual fazem parte.
Hans Kelsen, em seu positivismo jurídico, compreende o ordenamento jurídico como um sistema hierarquizado de normas, no qual a norma inferior encontra na norma imediatamente superior o seu fundamento de validade, e esta, por sua vez, na seguinte, até chegar na grande e primeira norma de um Estado, que valida todas as demais de seu complexo normativo, e esta, a Constituição original, a primeira Constituição historicamente criada, pode ter sido criada por um usurpador ou por uma assembleia, não importa. Ela, por seu turno, tem seu fundamento de validade amparado na norma hipotética fundamental, a qual não é a norma constitucional de um Estado, mas a pressuposição lógica de todo o sistema, o ponto mais elevado da pirâmide escalonada de normas jurídicas, que, para esse jusfilósofo, não pode ser derivada de nenhuma outra norma superior, tendo caráter técnico-gnosiológico, ou seja, tem existência puramente lógica. Assim, este encadeamento de normas consiste num verdadeiro sistema jurídico dinâmico, unitário, orgânico, fechado, completo, numa ordem jurídica dinâmica e auto-suficiente. [47]
Intriga e inquieta saber, então, qual o significado desta norma hipotética fundamental, qual a sua validade? Ela é uma norma positivada, criada pelo primeiro legislador e por isso deve ser respeitada em caráter obrigatório, como o reconhecimento da existência de uma consciência ou uma aprovação de todas pessoas em aceitar a Constituição, e, dessa forma, justifica o sistema normativo dela derivado? Kelsen sustenta que a norma fundamental é apenas uma norma pressuposta como sendo válida, ou seja, “...uma pressuposição necessária de qualquer interpretação positivista do material jurídico”[48].
Ainda assim apresenta-se esta norma hipotética fundamental, para os críticos da teoria pura do Direito de Kelsen, algo vago, difícil de se apreender, de existência fluida, para alguns, de verificação não sensorial, metafísico, para quem quer fazer de seu objeto de estudo, a saber, o Direito positivo um objeto de análise da ciência jurídica totalmente apartada do dualismo metafísico. Isto é, as diversas correntes filosóficas, como a Metafísica de Platão, o sistema estóico, o cristianismo, a filosofia naturalista e todas as demais que, até o século XVIII, de uma forma ou de outra, estavam presas à sistemática cognicitiva em que o aqui e agora se revela apenas como uma cópia grosseira e fugaz do além incognoscível, do mundo invisível, este sim perfeito, verdadeiro e real mundo, quando Kant, com sua obra “Crítica da Razão Pura” e apoiado na ciência, no empirismo, no racionalismo, promove uma radical ruptura com essa visão de mundo que sustenta ser inacessível aos nossos sentidos reproduzir uma cópia fiel entre a natureza e a supra natureza, entre o natural e o sobrenatural, entre o empírico e o transcendente, entre o sensível e supra-sensível, entre natureza e liberdade, entre razão teórica e razão prática, o que lhe rendeu a alcunha de “destruidor de tudo”. Tal arremate, desfecho kelseniano, constitui o calcanhar de Aquiles da obra de Kelsen, o ponto vulnerável de toda sua teoria pura do Direito. Contudo, eis a sua resposta para seus críticos, in verbis:
Em lugar de especulação metafísica, temos uma determinação das leis, isto é, das condições objetivas sob as quais ocorre o processo de cognição. O homem pode penetrar até este ponto e não mais na sua luta para além da esfera da ciência empírica material. Uma teoria crítica do conhecimento toma o lugar da metafísica, o "transcendental" (no sentido da filosofia de Kant), o lugar do transcendente. No entanto, esta filosofia também é dualista; só que ela não mais repousa num dualismo metafísico, mas num dualismo epistemológico, crítico. Em contraste com a metafísica, podemos chamá-la filosofia da crítica.
Ao caracterizar o tipo de personalidade que corresponde a esta atitude antimetafísica, crítica, podemos supor que nela prevalecem a energia intelectual e uma luta por conhecimento. Ela está mais interessada em compreender este mundo, em experimentá-lo por meio do saber, do que em captá-lo com a vontade e modelá-lo, remodelá-lo ou até mesmo governá-lo de acordo, com anseios que tendem a gratificar desejos instintivos. O componente racional da consciência é mais forte que o emocional.[49]
...
Assim como os princípios lógicos transcendentais da cognição (no sentido de Kant) não são leis empíricas, mas simplesmente as condições de toda a experiência, a própria norma fundamental não é uma regra jurídica positiva, um estatuto positivo, porque não foi feita, mas, simplesmente, pressuposta como a condição de todas as normas jurídicas positivas...
Estes atos — criadores e executores de Direito — constituem a chamada realidade histórico-política. Assim, a norma fundamental significa, em certo sentido, a transformação de poder em Direito.[50] (grifou-se)
Em conclusão, constata-se que toda ciência parte de um axioma fundante, que não se discute pela obviedade de sua proposição, tornando possível a gnose do objeto em estudo, e, assim, a norma hipotética fundamental tem lugar na Ciência do Direito como uma necessidade gnosiológica, uma necessidade para se conhecer um dado objeto. Paulo de Barros Carvalho, no mesmo sentido, reconhece que:
Não deve causar espécie a circunstância de a Ciência do Direito precisar de um axioma, enunciado que se dá por verdadeiro sem demonstração, para fincar a raiz do seu sistema. Tal acontece em todo o sistema científico: a Geometria, a Matemática, a Sociologia, a Psicologia e as demais ciências partem sempre de proposições escolhidas arbitrariamente ou de evidência imediata, não demonstráveis, e sobre elas desdobra a organização descritiva dos respectivos objetos.
A Ciência do Direito estuda o sistema nomoempírico do direito positivo, vendo-o como uma pirâmide que tem no ápice uma norma fundante, imaginária, que Kelsen chama de norma hipotética fundamental, cuja função consiste em legitimar a Lei Constitucional, outorgando-lhe validade sintática. A contar desse Texto Básico, as restantes normas do sistema distribuem--se em vários escalões hierárquicos, ficando nas bases da pirâmide as regras individuais de máxima concretude.[51]
Cumpre sublinhar que o processo de criação e validação da norma superior à inferior não decorre de uma dedução lógica ou matemática, mas sim por autorização, que estará sempre condicionada e na dependência de que a eficácia da nova norma criada esteja em conformidade e em comunhão com os princípios que informam a Magna Carta de uma sociedade politicamente organizada. Nesse sentido, tendo em vista que a norma jurídica é o princípio e o fim do sistema normativo kelseniano, a definição de validade configura o seu conceito-chave. Então, para este sistema, validade significa que uma dada norma jurídica para adentrar regularmente em um sistema, ela deverá submeter ao crivo da forma, do rito, do momento, do modo, da hierarquia, da estrutura, da lógica de criação, previamente, previstos em um ordenamento jurídico dado.[52]
Consigna Herbert Hart que a validade de uma norma jurídica não se restringe simplesmente ao fato delas terem obedecido ao rito, à forma, à hierarquia e aos procedimentos, previamente, previstos em um ordenamento jurídico para sua feitura, ou seja, além desses pressupostos de validade é imprescindível para que uma norma jurídica, que advém ínsito uma obrigação, dever ou permissão, é necessário o reconhecimento subjacente a toda norma jurídica da importância ou da seriedade que o seu não cumprimento repercutirá numa pressão social a exigir que todos a cumpram. Esta regra foi denominada por Hart de regra secundária de reconhecimento, coexistentes com as regras secundárias de alteração e julgamento, considerando as normas de obrigação de regras primárias. Sustenta que esta pressão social ou regra de reconhecimento consiste no verdadeiro caráter vinculativo da obrigação de toda norma, sem desconsiderar a importância que serventuários e oficiais do Estado representam para aplicar as sanções decorrentes do não cumprimento da norma jurídica.[53]
Portanto, a sistemática de produção normativa de Kelsen difere de um sistema lógico-formal, baseado na verificação de proposições verdadeiras e falsas para aferir a coerência sistêmica, que, se assim fosse, conceberia um direito estático. Contudo, a sua teoria pura do Direito cria um sistema dinâmico em expansão, onde os enunciados normativos não estão submetidos ao raciocínio lógico do verdadeiro ou falso, mas submetidos à análise do válido ou inválido, em consonância com o ordenamento jurídico e, por corolário, em harmonia com a Lex Mater. Eis, em suas palavras, a concepção de normas a partir da autorização e validação da norma fundamental:
A norma fundamental apenas estabelece certa autoridade, a qual, por sua vez, tende a conferir poder de criar normas a outras autoridades. As normas de um sistema dinâmico têm de ser criadas através de atos de vontade pelos indivíduos que foram autorizados a criar normas por alguma norma superior. Essa autorização é uma delegação. O poder de criar normas é delegado de uma autoridade para outra autoridade; a primeira é a autoridade superior, a segunda é a inferior. A norma fundamental de um sistema dinâmico é a regra básica de acordo com a qual devem ser criadas as normas do sistema. Uma norma faz parte de um sistema dinâmico se houver sido criada de uma maneira que é — em última análise — determinada pela norma fundamental.[54]
Herbert Hart embora reconhece e mesmo defende que as normas jurídicas, sejam as que impõem obrigação, dever ou permissão, constituírem o cerne de um sistema jurídico, elas, por si sós, não abarcam o todo do sistema, posto que, à medida que se afasta deste centro, é necessário acomodar outras normas de natureza distinta para fiel concepção da teoria jurídica.[55] Em apoio à construção de sua tese, cita a lapidar frase de Santo Agostinho que admoesta: “o que são os Estados sem justiça senão bandos de ladrões alargados?”[56].
Hart parte de um truísmo que o fim último de todos seres humanos é o de se manterem vivos, isto é, desejam consciente e inconscientemente viverem, posto não sermos um bando de suicidas. Sendo assim, desta trivial verdade desponta a constatação de que existe uma conexão conspícua entre direito e moral, a qual desenvolve e favorece a criação de normas jurídicas e morais voltadas para consecução de manutenção da vida e, em última instância, o inevitável anseio de associação e de cooperação entre uns e outros para a sobrevivência de todos. Tais normas, jurídicas e morais, comungam de verdades incontestes, as quais dispensam demonstração e explanação, acerca da natureza humana, as quais visam a manutenção da vida de todos, a saber: (i) Vulnerabilidade humana; (ii) Igualdade aproximada de todos as pessoas; (iii) Altruísmo limitado entre as pessoas; (iv) Recursos limitados; e (v) Compreensão e força de vontade limitadas das pessoas.[57]
Para desfecho dessa sub-seção e com base nos ensinamentos de Kelsen, é verdadeiro sentenciar que estática jurídica quer significar a ordem jurídica analisada em sua integralidade, em um estado de repouso, em um estado de contemplação jurídica. Nesse sentido, o que se observa são as normas determinando a criação de atos jurídicos. Por sua vez, por dinâmica jurídica entenda-se o processo pelo qual é criado e executado o ordenamento jurídico, onde o Direito, ao criar leis e executar leis, apresenta-se como um produto e produtor de si mesmo. Nessa medida, é correto sustentar que esta dinâmica jurídica concebe e interpreta o Direito como um sistema autopoiético.[58]
4.2 – A argumentação jurídica após a Segunda Guerra Mundial
4.2.1 – A argumentação jurídica segundo Chaïm Perelman
Ocupa-se Chaïm Perelman, em sua obra “Lógica jurídica”, a analisar as especificidades e características do discurso jurídico em relação a lógica formal, da qual se servem as ciências naturais, que se dotam de construções lógicas rigorosas e de um aparato matemático como garantia de objetividade e universalidade do conhecimento científico. Ressalta que, enquanto estas buscam a precisão do resultado, que deve submeter às categorias da verificabilidade, da testabilidade, da refutabilidade ou falseabilidade para adequar-se à realidade empírica e gozar do critério de cientificidade, bem assim para criar a teoria científica, o raciocínio jurídico, preocupado mais com a construção da decisão justa, “...admite a existência de situações em que outros valores passam a ser considerados mais importantes do que a própria verdade, e isto mesmo nos casos em que a decisão justa depende do conhecimento objetivo dos fatos”.[59]
A linguagem jurídica, após 1945, especialmente depois do julgamento do processo de Nuremberg, consiste numa visão moderna do direito e de sua linguagem, caracterizando-se pela forte reação devotada ao positivismo jurídico e às suas decorrentes escolas, quais sejam, a da exegese, que se expressa, primeiramente, numa concepção de análise aritmética e dedutiva do direito, e a corrente funcional ou sociológica, que perquire nos textos normativos a vontade última do legislador e, assim, estrutura a sua argumentação jurídica.
A concepção moderna do direito, em sentido contrário às escolas que a precedera, entende e concebe o direito como expressão de realidades sociais, econômicas e políticas, não ousando ou se arvorando guiar e determinar essas realidades, posto que a adesão míope de identificar o direito à lei, presente nas escolas da exegese e funcional, não rara vezes, dera azo à decisões injustas, como as observadas na Alemanha desde a ascensão de Hitler ao poder em 1933. Agora, orienta-se em substancializar os direitos à vida, à liberdade, à equidade e todos os valores que orbitam e dão densidade axiológica ao princípio da dignidade da pessoa humana, posto pertencerem ao patrimônio jurídico da humanidade, não consistindo em mera concessão jurídico-estatal, mas antes em direitos e princípios inerentes à condição humana, vez que, embora venham consignados em diversas Magnas Cartas, ali se encontram por simples ato declaratório, pois só se declara aquilo que já existe, impõem-se, assim, numa dimensão pré-estatal ou até mesmo supra-estatal. Seria então um retorno ao direito natural dos séculos XVII e XVIII, de viés nitidamente metafísico? Responde Perelman, verbis:
Essa reação perante a soberania do legislador, antes incontestada, significa o renascimento do direito natural, a volta à jurisprudência universal que dominou os séculos XVII e XVIII? Certamente não, na medida em que o direito natural racionalista acreditava poder formular princípios unívocos de alcance universal. Mas, certamente sim, se se trata de rejeitar a concepção positivista, legalista e estatizante do direito, expressão da vontade arbitrária de um poder soberano, que nenhuma norma limita e não é submetido a nenhum valor.[60]
“... Tratar-se-ia de uma volta ao direito natural clássico? Eu diria que é uma volta à concepção de Aristóteles que, ao lado das leis especiais, escritas, afirma a existência de um direito geral, "todos esses princípios não escritos que se supõem ser reconhecidos em toda parte.”[61]
Questão bastante interessante presente nas concepções modernas do direito e da linguagem jurídica, trata-se em assentar que o juiz, nessa sistemática, não pode conformar-se com sentenças motivadas segundo apenas à adequação e sintonia com os preceitos jurídicos, porém, deve ir além, e aquilatar o valor das decisões proferidas, aferindo-as se lhe apresentam justas, ou, ao menos, se lhe afiguram sensatas. Dessa forma conduzindo-se o magistrado, inevitavelmente, produziriam sentenças subjetivas, que resvalariam para o mundo obscuro, imprevisível, inseguro e arbitrário do subjetivismo, à guisa das decisões prolatadas pelo juiz Magnaud, citadas por François Gény em sua obra “Méthode d'interprétatíon et sources en droit prive positif'”, e referido por Perelman em seu livro, in verbis:
Pois o método que preconizava Gény, do modo como era representado pelo presidente Magnaud, "deveria fatalmente redundar na incerteza e na instabilidade das soluções positivas, portanto em uma espécie de anarquia jurídica, que aboliria qualquer freio nos julgamentos, arruinaria toda segurança nos negócios. Realmente, no momento em que se deixa o poder de formular regras abstratas descer da esfera intangível, na qual o abrigava a plenitude soberana da lei, para o domínio versátil do juízo individual, expomo-nos a uma desconcertante flutuação das decisões de direito.
O presidente Magnaud queria ser "o bom juiz, clemente para com os miseráveis, severo para com os privilegiados". Não se preocupava com a lei nem com a doutrina, nem sequer com a jurisprudência, comportava-se como se fosse a encarnação do direito: "É a apreciação subjetiva", escreve Gény, ‘que domina e anima, ao mesmo tempo, todo o processo de julgamento do presidente Magnaud. Ele pretende ver, por si mesmo e à primeira vista, o motivo da decisão. E, se recorre à lei, é para apreciar-lhe o valor segundo seu juízo pessoal. Assim, critica do alto e sem medir palavras a jurisprudência estabelecida que não corresponderia a suas opiniões pessoais. Entretanto, mais grave ainda, essa apreciação subjetiva consiste apenas em considerações vagas, mais aptas a tocar o sentimento do que a firmar a razão, e que é, de qualquer modo, impossível de condensar, quer em princípios firmes, quer em meios práticos, constitutivos, em seu conjunto, de um sistema bem articulado’.[62]
Realmente, juízes, que assim manifestassem em suas decisões, provocariam um verdadeiro caos social pela desestabilidade jurídica instalada, pois desvinculadas que se apresentam de qualquer referencial axiológico intersubjetivamente aceito e estabelecido por uma sociedade organizada, próprias de regime de exceção e passíveis de existirem mesmo em ambiente onde reina um verdadeiro estado democrático de direito. Seus julgados não teriam nenhum valor jurídico, suas sentenças sequer poderiam ser consideradas um discurso jurídico.
Portanto, o discurso jurídico hodierno preconiza, para não sucumbir ao canto atrativo e fatal da sereia do positivismo jurídico, tanto de uma exegese fria da lei, ou à vontade da norma prevista pelo legislador, ou, então, de uma dedução lógica, bem assim incorrer em execráveis subjetivismos, que o juiz deve sim ater-se e mirar-se no ordenamento jurídico para prolatar coerentes decisões. No entanto, se a solução encontrada para um litígio jurídico estiver em conformidade com arcabouço normativo, mas em dissintonia com o bom senso, a prudência, a temperança, a razoabilidade e carente de justiça, impele ao tribunal reformar aludida decisão de primeiro grau e adequá-la aos princípios gerais do direito, chegando à solução justa. Perelman a esse respeito sentencia, in verbis:
Toda a problemática do raciocínio jurídico, especialmente judicial, esforçar-se-á, portanto, para elaborar uma dialética em que a busca de uma solução satisfatória enriqueça o arsenal metodológico que permite manter a coerência do sistema e torná-lo mais flexível. É nesta perspectiva que cabe sublinhar o papel crescente atribuído pelos teóricos do raciocínio jurídico aos princípios gerais do direito e à tópica jurídica.[63]
Sublinha Perelman em sua obra a crescente influência dos princípios gerais do direito na doutrina jurídica e nas decisões dos tribunais do continente europeu e na América do Norte, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial e ao julgamento de Nuremberg, citando autores como J. Esser, Martin Kriele e Othmar Ballweg, na Alemanha; Ter Heide, nos Países Baixos; W. Van Gerven, na Bélgica; L. Husson, na França; L. Recaséns Siches, no México, e K. N. Llewellyn e R. M. Dworkin, nos EUA, todos destacando a importância dos juízos de valor para guiarem o juiz na busca incessante da decisão judiciária justa, equitativa, sensata, aceitável e conforme ao direito, postura esta advogada por esses autores que batem de frente com a teoria pura do direito de Hans Kelsen.[64]
Perelman consigna que, a bem da verdade, boa parte desses princípios gerais que informam o direito vigente, a despeito de terem maior densidade axiológica, remontam às obras jurídicas de Aristóteles (Específicos) e ao direito romano clássico e que essa nova metodologia do discurso jurídico fez foi resgatar os Tópicos jurídicos, há tempo esquecidos, que hoje, na realidade, importam ser lembrados e utilizados pelo juiz como uma técnica metodológica para harmonizar a fidelidade ao sistema normativo com a prudência, razoabilidade, temperança e aceitabilidade da decisão. Elenca vários tópicos jurídicos reunidos por Gerhard Struck, como Lex posterior derogat legi priori (lei posterior revoga lei anterior), Lex specialis derogat legi generali (lei especial derroga lei geral), Et audiatur altera pars (é preciso também ouvir a parte contrária), In dúbio pró reo ou in dúbio pró libertate (em caso de dúvida, a favor do réu ou a favor da liberdade), dentre vários outros encontrados na legislação e jurisprudência alemã, visando demonstrar a atualidade deles.[65]
A crítica mais pertinente feita aos adeptos do uso dos tópicos jurídicos consiste em afirmar que os mesmos podem ser invocados por ambas as partes em litígio e por serem extremamente vagos e de baixa decidibilidade. Todavia, rebatem os partidários que tais tópicos constituem uma técnica de interpretação para chegar a solução mais sensata possível, bem como, quando há conflito de direitos ou princípios, refutam que não há nenhum direito ou princípio absoluto, apenas que, num determinado caso concreto, um direito ou princípio deve ser limitado o seu alcance em favor do outro, observando sempre que a decisão encontrada é a mais equitativa, a mais aceitável e a única que preserva a integridade do sistema.[66]
A nova retórica da lógica jurídica propõe que a decisão, além de se encontrar conforme ao ordenamento jurídico, exige-se que seja equitativa, razoável ou aceitável. Contudo, quais são os procedimentos intelectuais à disposição do juiz para cumprir esse digno mister, quando em face de questões extremamente controvertidas? Perelman assevera que, diante da falta de técnicas unanimemente aceitas, impõe ao juiz socorrer-se dos raciocínios dialéticos, retóricos e dos tópicos jurídicos, atirados ao limbo pelas filosofias racionalistas e positivistas, que ora tais expedientes do intelecto humano foram resgatados e dado a sua devida importância para promoverem um ajuste entre os valores, bem como para estabelecerem sua melhor aplicação, quando os juízos valorativos encontrarem-se em rota de colisão. Oportuna a paráfrase de um texto de Platão feita pelo professor J. Moreau e citada por Perelman em sua obra “Lógica jurídica”, verbis:
Se divergíssemos, tu e eu, diz Sócrates a Eutifron, sobre o número (de ovos de um cesto), sobre o comprimento (de uma peça de tecido) ou sobre o peso (de um saco de trigo), não brigaríamos por isso; não começaríamos uma discussão; bastar-nos-ia contar, medir ou pesar e nossa divergência estaria resolvida. As divergências só se prolongam e se envenenam quando nos faltam tais métodos de medição, tais critérios de objetividade; é o que sucede, precisa Sócrates, quando estamos em desacordo sobre o justo e o injusto, o belo e o feio, o bem e o mal, em uma palavra, sobre os valores. Ora, se se quer evitar que em tais casos o desacordo degenere em conflito e seja resolvido pela violência, não há outro meio senão recorrer a uma discussão racional. A dialética, arte da discussão, se mostra o método apropriado à solução dos problemas práticos, os que concernem aos fins da ação, que envolvem valores; é no exame de tais questões que é empregada nos diálogos socráticos, e esta a razão da estima que Platão tem por ela.[67]
Nesse sentido, importa ressaltar que a noção de auditório é de crucial importância para a retórica. Assim, para persuadir e convencer um auditório é necessário que o discurso seja eficaz, o que só será alcançado se se amoldar às expectativas do público alvo. Aqui, cabe evidenciar outra especificidade do discurso jurídico em cotejo com o discurso formal, apresentada por Perelman, pois, enquanto o discurso sobre o real, no qual se emprega o raciocínio lógico, só pode ser verdadeiro ou falso para todos observadores de um auditório universal, isto é, conforme as categorias de verificabilidade e testabilidade da ciência de uma época, não há que escolher entre o verdadeiro e o falso, mas, simplesmente, conferir a correspondência com a natureza para dizer se é falso ou verdadeiro. Também, no discurso filosófico, mesmo que não haja consenso sobre verdadeiro ou falso de uma proposição, a solução da controvérsia poderá projetar-se e arrastar-se por séculos afora, sem que se chegue a uma solução, ou seja, não se exige que ponha termo a contenda. Todavia, quando está em jogo o discurso sobre valores, do qual se ocupa a lógica jurídica, que tem que apresentar a decisão justa em tempo hábil para não gerar instabilidade e insatisfação social, o juiz, em seu discurso jurídico, terá que persuadir três diferentes auditórios, quais sejam, de uma banda, as partes adversas, em seguida, os operadores do direito, e, por último, a opinião pública.[68]
Acerca desta apologia feita por Perelman de adequação do discurso jurídico ao auditório, cabe uma oportuna crítica que não poderia deixar de ser assinalada. Trata-se de sua tese acerca do discurso jurídico hodierno, observa-se que este não só visa ressaltar o desejo de resgate da dialética clássica, mas sobretudo desponta um inegável anseio de também restaurar o discurso sofista, muito condenado por Sócrates, Platão e Aristóteles, pois tal discurso baseia-se na constatação de que todo argumento é passível de ser contraditado por outro e que a eficácia de um argumento corresponderia na verossimilhança a ser demonstrada para uma dada plateia, ou seja, na aparência de verdadeiro, sem necessariamente ser verdadeiro. O discurso aprimora-se com o domínio da técnica de bem falar e persuadir, com vista ao convencimento assemblear.[69]
Por fim, impera registrar, a despeito de em linhas volvidas ter sido tratado de forma sucinta, ocorrem casos, embora excepcionais, em que o juiz para decidir, de forma razoável, equitativa e aceitável, não encontra no ordenamento jurídico a solução almejada, seja na legislação, seja no recurso a técnicas de interpretação, seja lançando mão da dialética, da retórica e dos tópicos jurídicos, seja pela morosidade da intermediação legislativa que poderá levar a debates parlamentares infindos, que a situação premente do caso não pode esperar, enfim, um verdadeiro impasse jurídico. O que fazer? Perelman sentencia que tais situações demonstram o verdadeiro descompasso e inadequação da realidade jurídica e das regras de direito vigentes em relação às demandas sociais, nas quais a única saída plausível para o juiz impor sua decisão é servindo-se da ficção jurídica, “...seja na qualificação dos fatos, seja na motivação da sentença”, acentuando que tal recurso provoca um mal-estar na sociedade.[70]
De toda a obra “Lógica jurídica”, de Perelman, restou claro o seu primordial intento, qual seja, discernir o discurso jurídico, em especial a linguagem jurídica utilizadas nos tribunais superiores, da lógica formal, pontuando que, a despeito da argumentação dos operadores do direito servirem-se de uma linguagem calcadas em ordenamento jurídico, este sempre dependente da atividade de legisladores e de juízes, nos princípios gerais do direito, na dialética e na retórica, que, para os adeptos do uso de uma linguagem matemática para expressar a realidade com precisão, tais técnicas jurídicas afiguram-se-lhes propícias a gerarem contradições e inseguranças, o discurso jurídico cumpre sua missão de, na esmagadora maioria dos casos, possibilitar a solução de litígios sociais por meio de decisões justas, ou, em casos raríssimos, pondo fim à demandas jurídicas que, caso se arrastassem indefinidamente, acarretariam maiores danos para a sociedade.
Tema bastante controvertido no discurso jurídico, refere-se em saber a quem deverá dar preeminência se às regras ou aos princípios quando tais normas jurídicas entrarem em rota de colisão. Perelman e os pós-positivistas como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Gustav Zagrebelsky, dentre outros, sustentam a primazia dos princípios. Humberto Ávila manifesta entendimento contrário. Em seu artigo “Princípios e Regras e a Segurança Jurídica, publicado na Revista de Direito do Estado, Ano 1, n. 1, 2006, p. 190, apresenta interessante esquema de classificação onde sublinha diferenças entre princípios e regras sob a perspectiva de duas correntes doutrinárias distintas, a primeira, denominada de distinção fraca e a segunda, de distinção forte. Para os defensores da primeira corrente doutrinária:
...os princípios são normas portadoras de elevado grau de abstração (destinam-se a um número indeterminado de situações) e generalidade (dirigem-se a um número indeterminado de pessoas) e, por isso, exigem uma aplicação influenciada por um elevado grau de subjetividade do aplicador, contrariamente às regras, que denotam pouco ou nenhum grau de abstração (destinam-se a um número (quase) determinado de situações) e generalidade (dirigem-se a um número (quase) determinado de pessoas) e, por isso, demandam uma aplicação com pouca ou nenhuma influência de subjetividade do intérprete.... É dessa concepção que vem a afirmação de que os princípios são os alicerces, as vigas mestras ou os valores do ordenamento jurídico, sobre o qual irradiam os seus efeitos. Dela também decorrem as assertivas no sentido de que os princípios, em contraposição às regras, veiculam valores.[71]
De outra sorte, Ávila observa a existência da distinção forte, com a qual se identifica, sentenciando que seus defensores advogam que:
... enquanto as regras instituem deveres definitivos (deveres que não podem ser superados por razões contrárias) e são aplicados por meio da subsunção (exame da correspondência entre o conceito normativo e o conceito do material fático), os princípios estabelecem deveres provisórios (deveres que podem ser superados por razões contrárias) e são aplicados mediante ponderação (sopesamento concreto entre razões colidentes com atribuição de peso maior a uma delas).[72]
Segundo ainda as lições de Humberto Ávila, o conceito de princípios abarca o seu viés em sentido estrito e a figura dos sobreprincípios, asseverando que os princípios são:
... instrumentos de garantia da justiça individual, tendo em vista que visam a deixar aberta a solução para um conflito de interesses a ser objeto de decisão, pelo aplicador, mediante a consideração das razões privilegiadas pelos princípios que entrarem concretamente em conflito. Em razão disso, a sua aplicação deve obedecer a critérios específicos que visam a diminuir a arbitrariedade mediante a introdução de estruturas argumentativas intersubjetivamente controláveis.[73]
Quanto às regras, assinala Humberto Ávila que elas:
... devido ao seu caráter decisório, excluem razões que seriam consideradas não houvesse sido escolhida a técnica de normalização por meio da regra. Vale dizer, se não existisse a regra, o intérprete estaria liberado para decidir a questão levando em conta outras razões, mas como há uma regra posta, essas razões ficam excluídas pela razão imposta pela regra.[74]
Humberto Ávila, em seu livro “Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos”, refuta a tese pós-positivista que reconhece a hegemonia normativa dos princípios constitucionais em relação às regras de mesmo status hierárquico-normativo, ou seja, quando princípios e regras constitucionais colidirem, aqueles devem prevalecer à estas, na perspectiva dos mensageiros do novo constitucionalismo. Eis o seu magistério abaixo:
... Conexa a essa questão está a concepção doutrinária largamente difundida no sentido de que descumprir um princípio é mais grave que descumprir uma regra. Em geral, o correto é o contrário: descumprir uma regra é mais grave que descumprir um princípio. E isso porque as regras têm uma pretensão de decidibilidade que os princípios não têm: enquanto as regras têm a pretensão de oferecer uma solução provisória para um conflito de interesses já conhecido ou antecipável pelo Poder Legislativo, os princípios apenas oferecem razões complementares para solucionar um conflito futuramente verificável. Também relacionado a essa questão está o problema de saber qual norma deve prevalecer se houver conflito entre um princípio e uma regra do mesmo nível hierárquico (regra constitucional versus princípio constitucional). Normalmente, a doutrina, com base naquela já referida concepção tradicional, afirma que deve prevalecer o princípio. Assim, porém, não deve suceder.[75]
4.2.2 – O resgate da linguagem jurídica segundo a tradição jurídica clássica aristotélico-tomista
Para o estudo da argumentação na ciência jurídica em contraposição à argumentação na ciência da natureza, cumpre estabelecer, preliminarmente, diferenças cruciais entre ambas matrizes epistemológicas. Para tanto, apoiar-se-á no magistério de Luís Fernando Barzotto[76], o qual buscou na obra “Suma de Teologia”, de Tomás de Aquino, os pressupostos teórico-filosóficos para fundamentar sua tese. Barzotto observa que o conhecimento científico, por natureza predicativo, só pode inferir ponderações predicativas em relação às realidades da essência ou substância das coisas, da quais podem ser abstraídas sentenças universais, passíveis de serem verificadas ou falseadas se não tiverem correspondência com o mundo circundante observado; ao passo que na ciência jurídica a realidade não é apreendida pelo intelecto tendo como foco a essência, mas, ao contrário, a existência. Aqui a ciência predicativa nada pode afirmar por ser contingente e impassível de ser universalizado. Nessa medida, repugna ao conhecimento científico contemporâneo definir pessoa, posto ser particular e insuscetível de ser conhecido como tal. Destarte, pessoa não se trata de um dado empírico, que possa ser medido, pesado, submetido a teste, falseado ou verificado a sua natureza, do contrário, pessoa estaria sendo considerada como meio e não como um fim em si mesma. O ser humano em sua dimensão como pessoa é considerado como autofinalizado, não podendo ser sacrificado qualquer minoria sua com vista à preservação da maioria, como apregoa a tese filosófica utilitarista. O que se pode provar, ser sistematizado como um dado é o ser humano ou a sua natureza para distingui-lo como homo sapiens, abstraindo por certas qualidades do resto dos seres vivos. Como ensina Bazotto:
Não há uma definição científica de Sócrates. Sócrates não é um algo que possa ser definido, mas é um existente concreto, um alguém que só pode ser apreendido em um ato de reconhecimento expresso no seguinte juízo: "Sócrates é pessoa". Este juízo engaja quem o profere na assunção do valor ou na dignidade de Sócrates, por este ser uma pessoa. O reconhecimento é um engajamento, não uma contemplação.[77]
Considerar o ser humano como pessoa constitui um impasse para epistemologia científica, posto não ser substância, essência do gênero humano, mas se dar a conhecer pela existência e, nessa medida, escapa ao escrutínio científico o seu entendimento. A existência só pode ser conhecida pelo intelecto pela percepção, pela disposição do intelecto de reconhecer, de pronunciar um juízo de valor. Nessa medida, o conhecimento científico define humano como um animal racional, gregário, político etc., com características tais encontráveis em todo membro desta espécie. Todavia, traços da personalidade de um determinado membro desta espécie, tidos como acidentais para ciência predicativa, encontráveis segundo a singularidade do existir de cada pessoa, como dotado de alma, religiosidade, engenhosidade, agressividade, docilidade, belicosidade, por exemplo, à ciência predicativa não interessa o seu estudo por não ser universalizável, cumprindo à ciência jurídica perceber e reconhecer a riqueza e a complexidade de cada pessoa e como tal deve ser considerada e respeitada, nunca conceituada. Admitir e conceber o ser humano como pessoa é que a ciência jurídico-naturalista designa por reconhecimento. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana impõe a exigência de reconhecer todo ser humano como pessoa. Condutas ou situações que violem a dignidade da pessoa humana nada mais significam e representam o fato de que a sua condição de pessoa não foi reconhecida.
A concepção científica de ser humano, baseada em sua essência, o define como uma comunidade de pessoas, os quais se identificam como racional, político, gregário etc. Tais atribuições do gênero humano foram utilizadas por várias sociedades como critérios de exclusão, inclusão e hierarquização desde os primórdios de nossa história até os dias atuais. Contudo, a concepção jurídico-jusnaturalista de ser humano, também compreendida como um conjunto de pessoas, subverte o entendimento da ciência predicativa, vez que aqui as pessoas não são gênero ou espécie, mas indivíduos indeterminados. Isto é, a pessoa não abstraída em sua essência, mas em sua existência e, nessa circunstância, não pode ser universalizada para, utilizando-se de certos critérios, segundo a metodologia científica, e pegando determinada pessoa ao acaso para designá-la como pertencente ao gênero humano. Tal qual se faz com um metal para encontrar nele certos materiais para identificá-lo como sendo um ouro, uma prata, para defini-lo como sendo do gênero mineral. Não. Na perspectiva da ciência jurídica, mormente a jusnaturalista, a pessoa é existência impassível de ser definida ou subsumida em uma classe. A pessoa humana, nessa perspectiva, não é um problema a ser desvendado pela ciência natural, mas um mistério que só pode ser captado pelo intelecto através do reconhecimento. O reconhecimento da existência da pessoa, como a fé que se tem em determinado mistério, dogmas religiosos, são admitidos como impassíveis de argumentação, interpretação ou racionalização, quando muito, segundo a antropologia personalista que se busca afirmar, pode sustentar o que pessoa humana não é, mas nunca o que é. Nesse sentido, “...Como mistério, a pessoa é indefinível; como absoluto, é incomensurável; como sagrado, é inviolável.”[78]
Também, nessa perspectiva, a pessoa humana, como sua dignidade, não é algo que possa ser testado a sua natureza intrínseca, ser submetida a prova, verificada, segundo os cânones dos pressupostos científicos para se determinar a sua natureza, mas só pode ser compreendida por uma disposição do espírito humano que o aceite como tal, não passível de ser conceituado, mas impõe à razão humana a ter consciência dos seus limites para compreendê-la. Consoante Barzotto, a “... essência (o que é x?) é o foco da ciência. A existência (por que o ser, e não o nada?) está no âmbito do mistério”.[79]
Reconhecer o ser humano como pessoa, sob um exame epistemológico, consiste em considerá-lo um mistério, posicionamento jurídico-teórico que transcende às representações e conceituações. A disposição do intelecto que adere ao ato de reconhecimento do outro não tem a mesma natureza do ato cognoscitivo da ciência, nem com a opinião. O conhecimento científico apresenta-se como certo, constatável racionalmente, que submete ao crivo da verificabilidade, sendo empiricamente demonstrável. A opinião trata-se de um pronunciamento incerto e não demonstrável. Ao seu passo, o reconhecimento consiste num conhecimento certo e não demonstrável, cuja veracidade de suas proposições só são aceitas por quem delas compartilha livremente o seu assentimento pelo forte conteúdo persuasivo de suas sentenças, semelhantemente, à fé, isto é, uma modalidade do intelecto humano de conhecer o objeto, que se encontra entre a ciência e a opinião. Contudo, o reconhecimento não se confunde com a fé, posto que a “... fé que permite acolher o outro como pessoa não é uma fé religiosa, pois seu conteúdo não é transcendente, mas humano. É, portanto, uma ‘fé secular’. O reconhecimento é um caso de um conceito teológico secularizado: um conceito que somente na teologia tem um equivalente adequado.”[80]
Uma vez consignado que o ser humano, como objeto cognoscível a ser analisado, não deve apenas ser conhecido em sua dimensão de essência, de substância, que possibilite a inferência de proposições universais, como a ciência natural o estuda, mas cabe à ciência jurídica transcender os limites empíricos cientificista e reconhecer que cada membro da espécie homo sapiens é dotado de particularidade, onde cada homem, em sua individualidade, contém traços de personalidade que o singulariza dos demais de sua espécie, observáveis e reconhecíveis pela simples manifestação de sua existência. O mero fato de existir de cada membro da espécie humana quer significar que cada pessoa deve ser tratada com dignidade e que dessa constatação, abstraída de sua realidade existencial, impõe a exigência de que a pessoa humana para ter dignidade decorre que ela é titular de direitos humanos. Tendo em conta o princípio da universalidade, é correto sustentar que todas as pessoas, pelo simples e puro fato de serem pessoas, são titulares de direitos humanos, o que não subentende que não haja diferenças entre elas a serem consideradas, em virtude e em respeito ao próprio princípio da igualdade.[81]
Assim, reconhecer que toda pessoa humana deve ser tratada com dignidade, pressupõe conferir a todo ser humano direitos, os quais devem ser observados e exercidos indiferentemente por todos. Aqui então, nesse passo, em breves considerações, importa discorrer como algumas concepções metafísicas do Ocidente reconhecem aludidos direitos humanos, restringindo-se a discorrer, não de forma exaustiva, acerca das argumentações formuladas pelas escolas filosóficas do idealismo, do empirismo e do realismo.
Para a filosofia idealista, a realidade é compreendida de ideias e essências. Esta corrente de pensamento concebe o ser humano como sendo detentor de uma natureza abstrata, comumente determinada pela racionalidade. Reduz-se, assim, a identidade humana a um dado mínimo, sem levar em consideração as realidades concretas e constatáveis em qualquer homem, independentemente, de seu tempo, lugar ou cultura, como sua nacionalidade, sua formação cultural, renda, classe social, religião, ideologia, gênero, as quais são separadas e desconsideradas com vistas a obter a essência humana, para, de posse desse referencial de humanidade, atribuir-lhe direitos e deveres. Ou seja, idealiza-se uma imagem abstrata do ser humano totalmente apartada e despida de sua história, resultando mais numa figura hipotética do gênero humano, denominada de “estado de natureza”, ideia esta muitíssimo valorizada pelo jusnaturalismo moderno. Nesse diapasão, o idealismo defende a edificação de direitos humanos universais, a serem destinados a uma ideia unívoca de ser humano. Assim, a título de exemplo, o valor liberdade para seres abstratos só é concebido de forma abstrata, sendo incapaz de se reconhecer que haja liberdade concreta como a opção por uma determinada crença religiosa, ou a liberdade de opção ideológica, filosófica ou outra que o valha. Observa-se abaixo, sublinhado por Barzotto, a flagrante contradição do discurso daqueles que defendem a universalidade dos direitos humanos, idealizados como de interpretação unívoca:
Isso gera um universalismo abstrato presente hoje em alguns discursos sobre direitos humanos. Assim, por exemplo, no discurso feminista dos países desenvolvidos denuncia-se a obrigatoriedade de mulheres muçulmanas usarem o véu, mas não se denuncia a proibição de mulheres muçulmanas usarem o véu (França e Turquia).[82]
A escola metafísica empirista somente concebe o real como um dado fático, observável segundo o seu tempo e lugar. São as relações de força política, pujança econômica (riqueza) e interesses em jogo, determinadas no decorrer da história de cada sociedade, que irão determinar quais dados serão relevantes para consecução de uma ordem jurídica a ser vivenciada e considerada em uma dada sociedade. Outras estruturas ou sub-estruturas da vida social não serão levadas em conta, estando estacionárias ou a reboque da ordem econômica e política. Desconsidera-se assim valores ético-morais como religiosidade, cultura, ideologia etc., apenas sendo admitidos e positivados se manifestarem os anseios da visão de mundo da classe hegemônica detentora do poder. Nesse sentido, os direitos humanos não serão concebidos como inerentes à condição humana, mas só serão válidos os direitos humanos fundamentais garantidos e tutelados por uma determinada ordem jurídica particular que os positivou, isto é, apenas exercitáveis por seus cidadãos. Esta escola jurídico-filosófica coaduna-se com a concepção positivista de direitos humanos. Barzotto observa que este pensamento jurídico engana-se, haja vista que:
Cada povo, por um ato de poder, irá fixar o sentido deste termo que, portanto, somente em experiências históricas e locais pode adquirir algum significado. Os seres humanos não "nascem livres e iguais" como afirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Cada povo, na sua particularidade histórica, irá determinar o que significa liberdade e igualdade para aqueles que estão submetidos à sua ordem jurídica. Não há uma essência humana partilhada por todos os seres humanos. Há apenas uma existência humana em situações particulares, e é essa que pode ser titular de direitos particulares.[83]
A metafísica realista extrai da realidade todos os elementos indispensáveis para o cabal conhecimento do ser humano, como objeto cognoscível, considerando sua essência, existência, os seus valores, os fatos, a forma e matéria, mesclando-os num todo indivisível e indecomponível, com vista a assimilar o máximo possível a compreensão do ser humano, tal como se dá a conhecer em suas manifestações fenomênicas. Dessa forma, despreza toda e qualquer postulação de redução de sua completa magnitude com o fito de criar um padrão de referência, com fins universalistas, como querem os idealistas.
Com esse encadeamento lógico, busca-se sentenciar que ser humano é pessoa humana, não como algo encontrável em Sócrates, Platão ou Aristóteles, mas pertencente à essência da natureza humana, todavia, manifestado concretamente em existência distintas e diferentes, sob várias matizes em cada indivíduo da espécie humana. Nesse sentido, “... Natureza humana, humanidade, homem indicam abstrações que só existem de um modo universal na mente humana, como conceito. Pessoa humana, por outro lado, indica sempre um ser concreto, existente, efetivo, real”.[84]
Pode-se abstrair elementos constitutivos da natureza humana, como a animalidade, a racionalidade e a sociabilidade, para conceituar como da essência de todo ser humano. A seu turno, a pessoa, na perspectiva metafísica realista, é esse animal racional concreto, com personalidade física e psíquica específicas, que desenvolve sua racionalidade em um contexto social singular, que a torna em indivíduo de idiossincrasia única da espécie humana. E, para que possa desenvolver toda sua potencialidade plenamente, é imprescindível o reconhecimento de ser a pessoa humana detentora de direitos humanos, os quais devem ser tutelados para que as diversas dimensões de sua natureza humana se desenvolva, sob condições sócio-ambientais e culturais concretas, como “... animalidade (vida e saúde); racionalidade: (liberdade, educação, direitos políticos); sociabilidade (família, comunicação, associação)”[85].
Para desfecho e cotejo dos perfis epistemológicos do pensamento metafísico esboçados acima acerca da pessoa humana como entidade existencial, calha registrar as ponderações de Barzotto a respeito:
Assim, para o idealista, liberdade é um conceito unívoco, que se aplica de modo idêntico a todos os seres humanos, independente das circunstâncias. Para o empirista, liberdade é um termo vazio, que terá significados completamente distintos em circunstâncias distintas. Para o realista, liberdade é um termo analógico. Ele indica algo que é devido ao ser humano como tal, e portanto trata-se essencialmente da mesma realidade para todos os seres humanos. Mas essa essência será aplicada a realidades distintas, e nessa aplicação, ela ganhará determinações. Isso dará origem a fenômenos semelhantes, nem absolutamente distintos (empirista), nem idênticos (idealista). Desse modo, a liberdade em uma aldeia rural será vivida de um modo distinto do que a liberdade em uma grande cidade. Há um mínimo (essência) compartilhado, pelo que podemos falar de uma liberdade presente em um ou outro contexto. Mas ela sofrerá modulações pela sua aplicação em um contexto diferente (existência), o que dá espaço para variações legítimas, uma vez que a racionalidade, animalidade e sociabilidade de todo ser humano se manifestam de modos distintos em pessoas distintas.[86]
Reconhecer que todo ser humano é pessoa e que esta consciência leva a concepção que todo ser humano é detentor de direitos humanos, os quais devem ser protegidos para que a personalidade de cada indivíduo se desenvolva em sua dimensão física e psíquica, consistindo em uma grande conquista da humanidade, ainda que seja da forma que a concebem os defensores do idealismo, empirismo ou realismo. Contudo, um fato é reconhecer, outro é como tutelá-los e destiná-los aos seus titulares. Aqui, então, adentramos no campo de como fazer justiça para destinar, manter e preservar aludidos direitos. No Ocidente, coube primeiro à Aristóteles, no Livro V, de “Ética a Nicômaco”, sistematizar o valor justiça com vista a distribuir bens e encargos às pessoas, segundo a reta razão e visando o bem comum. Posteriormente, Tomás de Aquino em “Suma de Teologia” fez um resgate do racionalismo aristotélico de justiça, unindo-o à fé cristã para torná-la doutrina da própria Igreja Católica. Ressai como uma máxima de tradição aristotélico-tomista que a justiça é um bem e que todo bem deve ser praticado e buscado, bem como que todo mal é para ser evitado. Assim, procura-se a justiça como um bem e, seu contrário, a injustiça deve ser evitada.
Aristóteles ocupa-se, no livro 5, de Ética a Nicômaco,[87] de investigar não da justiça como virtude em sua plenitude, mas sim de parte desta virtude que constitui a justiça particular que corresponde a justiça distributiva e a corretiva. A justiça distributiva atua no sentido de distribuir honras, dinheiro e outras coisas por mérito, isto é, bens e encargos, segundo a reta razão que, em situações desiguais, faz segundo a proporção, e, em situações iguais, faz segundo a igualdade. Cabe consignar que Aristóteles pontua que a ideia do que seja a dimensão do valor mérito pode variar conforme se esteja numa sociedade democrática, aristocrática ou oligárquica. Já a justiça corretiva desenvolve-se conforme as correções de perdas e ganhos que se devem atribuir às situações em que se dão nas transações entre as pessoas que voluntariamente fazem empréstimos, contratam aluguéis, cometem crimes diversos etc.
Assim, para Aristóteles, a justiça é a constante busca do homem justo de atribuir a si ou a outrem males e bens segundo a justa medida, segundo o meio termo; e a injustiça, o contrário, isto é, guiar-se o injusto em direção aos extremos, seja na direção de atribuir a outrem males em demasia, em excesso, e a si males com parcimônia, em parcas porções; seja no sentido de conferir a si bens em demasia e a outrem destinar bens em pequenas e diminutas quantidades. Dessa forma agindo voluntariamente, viola e contraria proporção, que a reta razão recomenda quando se está em face e em situações de conflito que envolva pessoas desiguais. Ou então, comete transgressão à igualdade, quando se encontra em face de situações conflituosas em que participam pessoas em pé de igualdade. A proporção a ser perseguida na justiça distributiva é a proporção geométrica que se opera com, no mínimo, entre quatro termos, de sorte que A está para B, assim como C está para D. Por seu turno, na justiça corretiva, a proporção que se deve buscar é a proporção aritmética, a qual deve ser um valor intermediário ou meio-termo entre a perda e o ganho, isto é, retira-se a parte em excesso de ganho de alguém que a obteve por vitimar uma perda, do mesmo tamanho, a outrem.[88]
Observa Aristóteles que a equidade é uma espécie superior de justiça, pois age com equidade e justiça todo aquele que, num caso particular, não previsto na lei, seja por simplicidade ou por excesso do legislador que não atentou para tal situação, o justo, então, age com equidade no sentido de corrigir a omissão e julga, ou melhor, legisla para o caso concreto como o legislador teria feito se estivesse na presença do fato.[89]
Barzotto, com supedâneo nos ensinamentos de Aristóteles e Tomás de Aquino, sentencia que o valor justiça, para que possa acontecer, é imprescindível que ela se dê nas interações que ocorrem entre a parte com o todo, o todo com a parte e na parte com a parte. Relações estas designadas de justiça legal, justiça distributiva e justiça comutativa, respectivamente.[90]
A justiça legal, hoje denominada de justiça social, estabelece o que determinado indivíduo deve em prol do bem comum da comunidade, como ocorre no direito ambiental, onde se exige de cada membro da sociedade a contribuição para a manutenção e preservação do meio ambiente equilibrado, abstendo-se de qualquer atitude que possa atentar contra a preservação da Natureza. Aqui observa uma igualdade absoluta entre todos os sujeitos, posto ser uma igualdade na dignidade, a qual não permite distinções. A homeostase do meio ambiente será o bem jurídico a ser tutelado em benefício imediato de toda coletividade e mediatamente em proveito de cada indivíduo da comunidade.
A justiça distributiva materializa-se na partilha proporcional do que é comum, sejam bens ou encargos. Importa estabelecer o que cabe a cada sujeito de bens e encargos existentes em uma dada sociedade. Nessa medida, utiliza-se o critério de distribuição, o qual deve observar as qualidades pessoais de cada um para que se estabeleça a justa medida de bens e encargos, extraídas do fator de proporcionalidade, a serem destinados a cada sujeito. A quem prestou serviço na guerra, honras e estipêndio para que possa viver dignamente. A quem aufere renda e tem patrimônio, distribuem-se bens e encargos segundo sua renda e seu patrimônio. Assim, na justiça distributiva, o bem jurídico tutelado será em benefício imediato do sujeito titular de tal bem e, mediatamente, em proveito do bem comum de toda coletividade.
Por seu turno, a justiça comutativa efetiva-se nas interações entre partes iguais, nas relações que envolvam duas pessoas. Percebe-se a justiça comutativa nos contratos de compra e venda, onde se realizam as trocas de algo em que uma pessoa oferece a outra e recebe desta outra coisa de importância para aquela, podendo ser dinheiro ou outro objeto de seu interesse.
Compreender o direito segundo a teoria clássica da justiça é admitir o justo em dada situação concreta, é transcender a concepção de homem como um ser genérico, como advoga a teoria liberal-burguesa dos direitos do homem. Para os clássicos a justiça a ser buscada realiza-se na interdependência entre pessoa e sociedade, entre autorrealização e bem comum. Nesse sentido, o bem comum nada mais significa do que o bem de todas as pessoas integrantes da sociedade e é só com a satisfação do todo que a parte, a pessoa em si, será capaz atingir a sua autorrealização, posto que a realização do outro é a condição inarredável para que a satisfação pessoal de cada sujeito seja alcançada.[91]
Outro grande embate travado entre os pensadores consiste na tese que busca determinar se os direitos humanos são absolutos ou, ao contrário, se eles são relativos. Para os positivistas e relativistas, a proposição que sustenta que “todo homem não deve ser condenado à prisão por transgressão a preceitos civis se, e somente se, vier declarado pela ONU” é uma sentença verdadeira, posto que aludidas escolas não concebem os direitos humanos nas ordens jurídicas como meras disposições declarativas, mas as entendem como constitutivas de direito, isto é, os direitos só são válidos se estiverem positivados ou são aceitos por consenso em dada sociedade.
Ao revés, para os adeptos da escola clássica aristotélica-tomista, os direitos humanos são direitos incondicionais e inerentes à condição humana, não estando dependente da aquiescência de maiorias ocasionais, consensos ou de consentimentos dos poderosos, a despeito de que sua efetivação, como acima argumentado, necessite de adaptações e modulações segundo as realidades e circunstâncias ético-econômico-culturais de cada sociedade, mas, por tudo e com tudo, os direitos humanos são absolutos e incondicionais.[92] A prática jurídica não deve ater aos cânones positivistas que advogam uma estrutura normativa vertical, onde há direitos humanos se houver uma norma e, nesse sentido, um sujeito de direito. A tradição clássica do direito subverte esta lógica na medida em que tais direitos não se encontram na dependência da subsunção de um caso à prescrição normativa, não se prende a esse trabalho técnico-dogmático, nem a necessidade política de ser cidadão para ser titular de direitos, mas no sentido horizontal da relação intersubjetiva de pessoa humana versus pessoa humana. A fenomenologia jurídica acontece e se desenvolve na relação e na interdependência de uma pessoa com outra, pelo simples reconhecimento da humanidade do outro e da consciência desse compartilhamento mútuo entre todas as pessoas.[93]
Para a epistemologia realista o direito encontra-se na realidade, da qual descrevem-se ou deduzem-se as regras. Nessa perspectiva e em clara contraposição à teoria sustentada pelo positivismo jurídico, não é o direito que parte ou deriva da regra, mas, em sentido oposto, são as regras extraídas do direito. Nessa medida, nenhuma normatividade que sobrepuja as estruturas da realidade deve ter validade jurídica, todavia, são tais estruturas que configuram a fonte, a origem de todas as normas. Assim, o jurisconsulto, na solução de um litígio, não deve procurar sustentação jurídica em uma regra preexistente, ao contrário, deve lançar mão de uma metodologia casuística para encontrar a solução do caso sub judice, devendo concentrar-se na situação e nas peculiaridades do problema em estudo ou na sua adequação às soluções encontradas para os casos semelhantes.[94]
A metódica casuística deverá observar os procedimentos a seguir elencados, a saber: “... a) Busca-se a solução mais razoável do ponto de vista prático e que leva em consideração as circunstâncias da causa; b) Invocam-se casos semelhantes (analogia); c) Invocam-se casos opostos (argumento a contrario); e d) Utiliza-se o argumento ab absurdo, mostrando que uma outra solução não seria razoável”[95]. Em resumo, a concentração do jurista deve ater-se para o caso e não para a regra.
4.2.3 – A interpretação das leis segundo a concepção jurídica de Karl Larenz
Na esteira da doutrina de Karl Larenz[96], a interpretação da lei consiste numa atividade de mediação em que o intérprete capta ao intelecto o sentido de um texto normativo que se afigura problemático. A problematicidade reside no fato do exegeta ter de aplicar a norma nos seus precisos contornos a uma situação de fato que busca subsumir-se à espécie que se quer ordenar juridicamente. Esta problemática apresenta-se ainda mais desafiante em virtude da linguagem utilizada pelas proposições jurídicas não se valer, como se valem a lógica formal, a lógica axiomática, de uma linguagem objetiva, neutra, descritiva, com termos rigorosamente fixos e sistematicamente estruturada, própria das linguagens das ciências naturais, mas, ao contrário, utiliza-se de termos flexíveis, de alta densidade semântica, cujo significado pode variar demasiadamente segundo as circunstâncias, a situação objetiva, o contexto do discurso, a forma em que a frase é enunciada e conforme a entoação da palavra. Este fato torna as definições legais incompletas e equívocas, posto também constatarem a existência e a ocorrência das mesmas expressões em diferentes disposições jurídicas com significados e sentidos distintos.
A importância da interpretação também tem lugar sempre quando duas normas jurídicas concorrerem para normatizar a mesma situação de fato, cujas consequências jurídicas mutuamente se excluem. Nesse sentido, a missão do intérprete é evitar a possível contradição entre normas, solucionando as questões acerca do concurso de normas, do concurso de regulações, e, em seu laborioso mister, deixar falar a norma por meio de seu texto nele vertido. Ocorre, contudo, que nem sempre o exegeta se coloca puramente passivo, mas, não rara vezes, deixa suas impressões subjetivas influenciar no resultado final de sua interpretação, o que se afigura perigoso, danoso e sobretudo acientífico, isto é, vicia a validade jurídica do seu trabalho. Para não incorrer em tais abomináveis erros, o exegeta deve, em sua tarefa de interpretação, lançar mão da jurisprudência e da ciência do Direito. Esta auxilia a jurisprudência, evidencia os problemas inerentes à interpretação e aponta os caminhos para solução. A jurisprudência, por sua vez, coloca à prova os resultados, em face da problemática em que o caso particular se insere, os quais devem constantemente ser verificados à luz dos lídimos ditames da ciência do Direito. Esta exigência de verificabilidade da cientificidade jurídica tem importância em virtude de que, quando o magistrado diz o direito no caso concreto, a despeito de ser impelido para pôr fim a uma demanda, sua decisão não restringir-se-á ao caso particular, mas sua interpretação servirá de referência para todos demais casos similares. Se os tribunais interpretassem a mesma disposição aplicável aos casos semelhantes de forma diversa, tal fato consistiria uma afronta ao postulado jurídico segundo o qual os casos iguais devem ser tratados de igual modo, bem como um golpe mortal contra a segurança jurídica a que toda lei almeja. Os tribunais, na ordem jurídica de seu país, não estão com isso obrigados, vinculados a interpretarem da mesma forma aceite. Devem, sempre que melhores razões jurídicas se lhes apresentem, buscarem nova interpretação que o caso requer. Observa que tais situações são relativamente raras, contudo, admitir uma relativa insegurança jurídica é aceitável, mormente, com vista a possibilitar uma alteração da jurisprudência para conformar-se às possíveis sentenças materialmente corretas.[97]
Toda interpretação, devida a um tribunal ou à ciência do Direito, tem a pretensão de ser correta, vez que encontra supedâneo em argumentos racionais compreensíveis. Contudo, não há interpretação absolutamente correta, no sentido de definitividade ou como válidas para todos os tempos. Seria algo impensável, haja vista que a diversidade incingível e a constante mutação das relações da vida colocam o intérprete, incessantemente, diante de novas questões, cujas interpretações devem se conformar e encontrar-se em pertinência com um ordenamento jurídico em referência, bem assim ao referencial axiológico, isto é, às pautas de valores que subjazem tal ordem de Direito. Toda interpretação deve encontrar-se condicionada aos valores de sua época, o que significa dizer que só há uma mutação fundamental da consciência valorativa geral é que o exegeta não pode se esquivar. A perenidade da jurisprudência demonstra segurança jurídica e transmite confiança ao cidadão, que nela se apoia e tem a esperança de que os litígios serão decididos em conformidade com as pautas vigentes. A correta jurisprudência não quer significar uma atividade científica na estreiteza do conceito de cientificidade a que as ciências naturais aspiram, mas adequada a uma ordem jurídica dada, em um dado tempo e lugar.[98]
No que toca ao alcance da interpretação da lei, já na segunda metade do séc. XIX, os jusfilósofos da época se contrapunham entre as correntes subjetivista e objetivista de interpretação da norma. Os defensores da teoria da interpretação subjetivista argumentavam que a correta exegese das proposições jurídicas deveria se ater à investigação da vontade histórico-psicológica do legislador, haja vista que é uma obra feita pelos homens e para os homens, uma criação do intelecto humano voltada para atender às necessidades do viver em sociedade. Ao seu turno, os pensadores jurídicos simpáticos à corrente teórica objetivista de interpretação da norma entendiam que a exegese deveria buscar o sentido contido na própria lei, posto que, assim que a lei fosse promulgada, a mesma irradiaria, com o transcorrer do tempo, alcance e eficácia para além do que fora intentado pelo legislador histórico, adquirindo força e vida própria para adequar-se à realidade da época. Na realidade, tanto a metodologia teórica de interpretação subjetivista da norma quanto a objetivista confluem para a melhor compreensão do sentido e alcance da lei, não podendo intérprete descurar das ideias jurídicas que impulsionaram a criação da norma e, por outro lado, com o decurso do tempo, impõe-se ao exegeta que, no seu nobre mister de investigar o seu exato sentido, constate a inegável ocorrência de que determinados valores perderam importância e outros sugiram, impondo que estes sejam reconhecidos e abarcados em sua densidade semântica. Nessa medida, para que a interpretação não fique a reboque do arbítrio do exegeta, mas que produza um trabalho de interpretação seguro e aferível, segundo critérios predeterminados de interpretação, exige-se que se atenha tanto à metodologia subjetivista e objetivista de interpretação e outras que lhe auxiliem na escorreita exegese. No processo de criação do Direito, a vinculação constitucional do magistrado à lei, ou seja, é preciso que fique claro, para epistemologia jurídica romano-germânica, consubstancia a supremacia do poder legislativo em face dos demais poderes, obviamente, corroborada pelo judiciário e executivo, arrematando que importa considerar na sistemática de exegese todas as metodologias e critérios de interpretação e que haja fiel obediência aos preceitos jurídico-constitucionais.[99]
Aludidos critérios já haviam sido desenvolvidos pela metodologia jurídica, mormente, por Savigny, como, por exemplo, destacava os critérios de interpretação gramatical, lógico, histórico e sistemático, os quais deveriam ser, no estudo interpretativo, observados conjuntamente, não atribuindo a nenhum primazia ou relevância em detrimento de outro, mas reciprocamente concertados. Tais critérios de exegese jurídica acresceram-se outros decorrentes do processo de desenvolvimento judicial do Direito. Nessa perspectiva, observa-se o sentido literal, o qual consiste no ponto de partida para interpretação da lei, tendo em vista que o legislador serve-se da linguagem corrente para que os jurisdicionados possam entender o que ele quis normatizar. Todavia, as proposições jurídicas devem ser veículadas, sempre que possível, por meio de uma linguagem técnico-jurídica específica, pertinente ao mundo do discurso jurídico-científico, para imprimir precisão e evitar esclarecimentos circunstanciais. Nessa medida, a linguagem jurídica, assim laborada, trata-se de uma modalidade da linguagem geral e não de uma linguagem simbólica, próprio da lógica formal, que se servem as ciências naturais, como a física, química, biologia etc., mas, ao contrário, deve-se utilizar da linguagem comum do povo para que todo cidadão possa guiar-se segundo a conduta esperada pela lei, mesmo porque a nenhum cidadão é dado alegar o desconhecimento da norma. Certamente, por esse motivo que seus termos necessitam de um contínuo processo de interpretação.[100]
Outro método de interpretação assinalado refere-se ao contexto significativo da lei, o qual determina que se deve analisar as frases, as palavras contidas no texto da lei e conjuntamente compreendidas no contexto com outras normas que se lhe complementam, que se interagem para formar uma norma jurídica completa, as quais se associam e se harmonizam materialmente numa regulação. Ao lado do sentido literal e da análise contextual da lei, corroboram para auxiliar o intérprete o estudo da vontade histórico-psicológica do legislador, já acima mencionado, que, muitas das vezes, pode ser apreendida e captada pela análise da própria lei, da consulta ao preâmbulo, das pesquisas às disposições transitórias, do exame das epígrafes e das conclusões axiológicas daí decorrentes. Se tais critérios não forem bastantes, busca-se, então, auxílio no método teleológico-objetivo de interpretação, também acima referido, o qual busca apreender os fins últimos visados pelo legislador, como objetivos do próprio Direito em si, quais sejam, a conservação da paz, a solução justa das contendas judiciais, a tutela dos bens jurídicos, a manutenção da ordem jurídica, que, em última instância, refletirá na adequada solução do caso concreto. Este critério tem grande valia para esclarecer e solucionar as aparentes contradições de valoração que ainda possam subsistir dentro do ordenamento jurídico. Entenda-se por critério teleológico-objetivo pelo fato do legislador nem sempre ter consciência de que está legislando em prol da regulação de tais fins de conformação social, à qual só se permite ser compreendida na sua totalidade por se encontrar o legislador condicionado e envolto a ela. Ao seu turno, o preceito da interpretação conforme à Constituição importa em orientar o exegeta no sentido de sempre guiar-se pela observação dos princípios reitores e que consubstanciam nos pilares fundantes da ordem constitucional vigente, a saber, a prevalência do dignidade da pessoa humana, o respeito à liberdade pessoal, à igualdade formal e material entre as pessoas, ao embasamento que esteja em consonância com o Estado de Direito, com a ideia de Estado Social e da democracia parlamentar, bem assim que as normas constitucionais devem ser consideradas hierarquicamente superiores em relação ao ordenamento infraconstitucional, todos arranjados no processo de interpretação de sorte a manter a unidade do sistema fundantes de valores. Nessa perspectiva, dentre as diversas interpretações possíveis, deve-se preferir àquela que mais se coadune com os princípios que regem a ordem constitucional de uma dada sociedade. Caso nenhuma se conforma ao preceituado constitucionalmente, há de se declarar a norma inconstitucional. Todos esses critérios de interpretação devem ser inter-relacionados, exigindo que sejam adotados pelo intérprete conjuntamente e nunca isoladamente, posto não consistirem em diferentes métodos de interpretação, mas de pressupostos diretivos de exegese jurídica, os quais transcendem em muito os quatro elementos de interpretação de Savigny. Também registra que os tribunais só podem concretizar imediatamente um princípio constitucional quando haja uma lacuna na lei e não exista outra forma de colmatação ou, então, quando a própria norma assim dispuser.[101]
O intérprete deve levar em conta todos esses critérios de interpretação e que fundamente as razões que o levaram a dar preeminência mais a um do que a outro. Registre-se que os tribunais nem sempre dão razões que os levaram a sobrelevar um critério no seu mister interpretativo, atribuindo as escusas pela premência de tempo que sempre estão jungidos. Todavia, ao trabalho de exegese da ciência do Direito não lhe é dado escusar-se de fundamentar as razões que se orientou mais nesse ou naquele critério de interpretação, vez que a credibilidade de sua produção interpretativa está na dependência e na resistência à crítica metódica.[102]
Conforme o magistério de Karl Larenz[103], na solução do caso concreto, o juiz sempre almeja a resolução que seja a mais justa possível. Certamente que na totalidade do ordenamento jurídico subjaz a exigência obrigatória do magistrado de guiar-se segundo os imperativos de justiça, todavia, tais ditames só podem ser validados se estiverem em consonância com as leis e com a Constituição, em suma, com o Direito vigente. Reconhece que há uma certa tentação por parte do juiz de colocar de lado os caminhos e critérios, anteriormente esboçados de interpretação e aplicação da lei, no sentido de desenvolver a resolução do caso segundo seu arbítrio judicial, consoante seu sentimento de justiça e equidade. Contudo, observa que, no Direito alemão, este procedimento não é legítimo e não encontra sustentação no ordenamento jurídico, tendo em vista o perigo que representa a decisão assim extraída decorrente de uma manipulação da lei, oriunda das convicções pessoais do magistrado e da subjetividade do juiz, acarretando extrema insegurança jurídica. Insiste Karl Larenz que nem o sentimento jurídico (Isay), nem a pré-compreensão do juiz (Esser), nem as ponderações jurídico-racionais (Kriele) são garantes de obter um caminho seguro a ponto de desconsiderar a aplicação correta da lei. Obviamente que a busca de uma solução equitativa representa uma meta de extrema importância no processo de interpretação da lei. Não obstante, ela não pode ser implementada ao sacrifício de relegar os critério de interpretação e, em última instância, o próprio Direito vigente. Às vezes, a solução justa torna-se problemática, sendo possível que não seja atingida segundo o ordenamento jurídico vigente. O magistrado está subordinado à lei, não lhe sendo permitido dizer o direito à margem do ordenamento jurídico global, baseando-se em sua consciência, em sua apreciação e valoração pessoais. Assim, deve o magistrado optar pela interpretação da lei, na solução do caso concreto, dentro dos quadros possíveis segundo os critérios de interpretação e a opção escolhida seja a única conforme à Constituição.
A respeito da interpretação do Direito consuetudinário, sublinha Karl Larenz[104] que não se trata de interpretar um texto jurídico dado, mas formalizar, linguisticamente, um comportamento reiterado no evolver social, tornando-o transmissível, e sentencia que a doutrina de tal direito não é satisfatória e que, na atualidade, não desempenha nenhum papel de relevância para a interpretação jurídica, posto padecer de uma formulação linguística, devendo os usos e costumes serem interpretados em conformidade com a Constituição, vez que lidam com a coisa Direito. Em contraposição, sustenta a enorme importância prática dos precedentes jurisprudenciais, ou seja, do Direito judicial. Contudo, observa que a grande questão que se coloca é saber se tais precedentes são vinculativos. Sentencia que se afigura duvidoso aplicá-los a outros casos a partir da transcendência das máximas neles encontradas. Diversamente das leis, as resoluções dos casos concretos respaldadas na concepção jurídica do tribunal não tem qualquer validade normativa imediata, posto que, para verificar a opinião judicial do tribunal, vale-se da interpretação literal e contextual da própria sentença reduzida a escrito, que por si sós são insuficientes para fundamentar uma decisão. Em suma, os precedentes não têm caráter vinculativo e não têm o condão de obrigar terceiros, apenas externam o entendimento jurídico desse ou daquele tribunal, atuando como referência de persuasão.
Também, nesse mesmo sentido, é o entendimento de Herbert Hart[105], reconhecido pensador jurídico da common law, isto é, ligado à concepção de Direito que fora desenvolvida pelas decisões dos tribunais, especialmente na sua crítica às algumas versões da teoria do Realismo Jurídico que sustentam a compreensão jurídica de que determinadas leis, pretéritas ou hodiernas, de terem validade e autoridade somente quando algum tribunal as aplicar de forma efetiva. Há determinadas posições realistas mais radicais que se quer admitem a existência de estatuto jurídico a quaisquer leis que não tenham sido ainda aplicada por algum tribunal. Consigna que, na realidade, tanto as leis dos tempos vitorianos ou outras dos soberanos do passado, que ainda não foram expressamente revogadas, quanto às do presente, promulgadas pela Rainha no Parlamento, têm, sem a menor sombra de dúvida, status das normas jurídicas da Inglaterra de hoje. Arremata que umas e outras “... são direito, mesmo antes de os casos a que se aplicam surgirem em tribunal e, quando surgem, os tribunais aplicam não só as leis vitorianas, como as modernas, porque são já direito.”[106]
No que toca à interpretação da Constituição, Karl Larenz[107] ensina, em seu magistério, com apoio nos pensamentos jurídicos de Hollerbach, que a ciência do Direito é uma disciplina científico-espiritual, posto referir-se às pessoas e visar à objetivação do espírito humano, nesse sentido, sua razão de existir apóia-se e dirige-se à interpretação compreensiva e não estritamente descritiva como nas ciências naturais. Compreende, como Häberlle, que a interpretação da Constituição deve-se dar num processo de abertura dos cânones metodológicos, os quais devem buscar desenvolver uma interpretação aberta para o futuro, que favoreçam a equiparação dos interesses justos e racionais. Trata-se, assim, de um processo contínuo de interpretação constitucional, que a torne constantemente ajustada aos novos tempos, sem deixar de prestigiar a sua função estabilizadora. Observa também que os princípios gerais de interpretação são aplicáveis à Constituição, vez que se revela como as demais leis. Consigna que o Tribunal Constitucional não se encontra acima da Constituição, mas subordinado aos seus princípios e preceitos.
No que tange à tese sustentada por Kriele de que os tribunais devem se ater, nas resoluções judiciais, às consequências previsíveis de índole econômica e sociais, observa Karl Larenz[108] que esta inteligência não desempenha qualquer importância. Primeiro, porque os tribunais não têm como antever tais consequências; segundo, em virtude do legislador ter promulgado disposições prévias a respeito de tais questões econômico-social que aos tribunais não lhes sejam lícitos torná-las inefetivas e eneficazes. Por último, a parte que tem a lei a seu favor aguarda que o tribunal decida em conformidade com as disposições legais. Todavia, em relação ao Tribunal Constitucional, consigna que cumpre a este uma responsabilidade política com vista à manutenção da ordem jurídico-estatal e de sua potencial capacidade de solução dos conflitos jurídicos, no sentido de ter de ponderar acerca das consequências de suas decisões econômico-sociais, não lhe valendo a máxima segundo a qual importa aos tribunais ocuparem-se da justiça e não das questões de Estado.
4.2.4 – Os direitos humanos como valores absolutos na concepção jurídica de Ronald Dworkin
Ronald Dworkin, em sua obra “Justiça para Ouriços”, ao longo de todo seu trabalho argumentativo, sustenta a tese filosófica e, pode se dizer, uma concepção jurídica em que compreende os valores éticos e morais pertencentes a uma rede coesa, singular e unitária em contraposição a tese filosófica que os concebe em uma configuração de pluralismo moral substantivo. Estas posições antagônicas, que registra uma das mais profundas separações existente entre pensadores, escolas jurídicas e mesmo a maneira de se comportar dos seres humanos em geral, foram representadas pelas figuras do ouriço e da raposa. Aquele tem uma concepção de mundo em que há princípios universais e coerentemente articulados que orientam a conduta humana, ao passo que esta compreende que a diversidade do mundo não possibilita o entendimento das situações da vida por um único sistema explicativo, podendo haver comportamentos diversos, até mesmo contraditórios, ambos moralmente válidos se considerados contextualmente, contudo, não solucionáveis e indetermináveis as colisões de valores se consideradas em uma dimensão universal.
Dworkin põe-se assim, em seu livro, a tecer toda uma teoria jurídica argumentativa ao lado e em defesa da perspectiva ética e moral dos ouriços, onde os valores têm verdade e são indivisíveis, citando vários pensadores que discorreram acerca da conduta humana que, com maior ou menor intensidade, sustentaram, à sua maneira, esta postura da unidade de valores, como Platão, Kant e, em certa medida, Nietzsche, dentre outros, e, desta forma, contrabater os pensadores como Aristóteles, Isaiah Berlin, John Rawls, Martha Minow e Joseph William Singer etc., que advogam a variedade de verdades plurais.
Ocupa-se, então, em descrever uma teoria sobre o que é viver bem e como se proceder para consigo mesmo e para com outras pessoas para atingir esse desidério. Observa que a responsabilidade intelectual sobre o valor é um valor importante em si mesmo. Para dar coesão à sua lógica de raciocínio discorre, pelos diversos capítulos de seu livro, sobre metafísica do valor, do caráter da verdade, da natureza da interpretação, das condições do acordo e desacordo genuínos, do fenômeno da responsabilidade moral e do chamado problema do livre-arbítrio.
Dworkin preocupa-se em descobrir, através de um discurso interpretativo, os valores que auxiliam e justificam a tomada de decisões e escolhas práticas, as quais devem encontrar-se fundamentadas em princípios ético-morais consistentes e integrados entre si. Os princípios éticos nos guiam como uma bússola para se viver bem e os princípios morais nos orientam como devemos tratar as outras pessoas. Torturar bebês, cometer estupros são condutas erradas em si mesmas e constituem morões morais que podem ser contactados e servirem de referência para se aferir, com segurança, que determinado comportamento é moralmente verdadeiro se respeitar as estacas morais basilares e falso se contraditar as proposições morais verdadeiras. Nessa medida, Dworkin rebate os pensadores autodenominados “antirrealistas” que sustentam a não existência de morões no mundo, pois como podem existir se podemos simplesmente construir os valores morais (filosofia construtivista dos valores de John Rawls).[109]
As concepções morais de justiça e igualdade, justiça e liberdade, justiça e democracia, justiça e direito só serão persuasivas se estiverem integradas e mutuamente ajustadas, consistindo esta adequação em condição necessária para se apresentarem como verdadeiras e constituindo em atributo indispensável para a sustentação da unidade do valor. Proposições jurídicas que defendem que a tributação coarcta o direito de liberdade, que as injunções estatais sobre a propriedade atentem contra liberdade de propriedade, que as discriminações positivas ferem o direito de igualdade são falsas, pois tais direitos da moralidade política pertencem a uma moralidade mais geral, e esta, por sua vez, está contida numa teoria que a todas abarca, que se traduz naquilo que consiste em viver bem, onde tais limitações do valor liberdade são consistentes e justificadas para que os valores liberdade e igualdade possam mutuamente co-existirem. Nessa perspectiva, os conflitos entre aludidos valores morais são aparentes, os quais devem ser discernidos por meio de um trabalho interpretativo de responsabilidade moral e esta se funda na concepção de que existe uma teoria objetiva da moral, bem como existe para a ética, que os princípios morais e outros que ditam o nosso agir são objetivamente verdadeiros, pertencem ao domínio da argumentação, aos quais a exegese de responsabilidade autêntica deve se fiar e criar a sua epistemologia da moral e da ética.[110]
Os julgamentos morais são verdadeiros, não por ser um dado do mundo bruto, mas por poderem ser obtidos do julgamento dos casos concretos, cujos juízos morais são bons se suas razões morais forem boas e decorrerem de um raciocínio interpretativo que se funde em bons argumentos, estabelecendo-se, assim, a circularidade da argumentação ético-moral. Um argumento de interpretação moral só perderá sua força de persuasão se for possível demonstrar a existência de outro argumento moral que o substitua e seja mais adequado para justificar uma escolha e seja consentâneo à moldura sistêmica de valores. O direito não consiste em um conjunto de preceitos antagônicos, mas um ramo da moralidade política, cuja integração apresenta-se como condição necessária para se chegar à proposição ético-moral verdadeira. Os conflitos de valores são aparentes, os quais são desfeitos por meio de um projeto interpretativo de argumentação responsável e autêntico para com arcabouço ético-moral universal e indivisível, do qual se extraem as proposições ético-morais verdadeiras, decorrentes de um trabalho de interpretação holístico e circular.[111]
O princípio de Hume sugere que com base em nosso conhecimento disponível não é possível verificar se nossas convicções éticas ou morais são verdadeiras. Dessa sentença de Hume, Dworkin observa que, se ela estiver correta, nenhuma proposição de lógica ou de estruturação científica do universo terá o condão de atestar a veracidade ou falsidade das proposições morais, e todo juízo que se fizer nesse sentido acaba por se constituir em proposição moral, que poderá ser rebatida ou confirmada somente com argumento de índole moral. Nessa medida, tal princípio destrói o ceticismo filosófico de não haver verdade moral, criando, por corolário, a independência do conhecimento ético-moral em relação ao outros saberes humanos, sejam científicos, filosóficos ou sociológicos etc., posto que só através de argumentação dialética dos valores ético-morais se poderá predicar se um determinado fato ético ou moral é verdadeiro ou falso, ou, então, se uma sentença jurídica é verdadeira ou falsa. E, dentre estes, só o ceticismo interno à moral e à ética interessa e é passível de ser predicado, posto que o externo, por trabalhar com critérios estranhos à moral, escapa a qualquer tipo de aferição, seria como ponderar quem teria sido mais brilhante Einstein ou Picasso, posto não haver critérios compartilhados para se fazer tal juízo.[112]
Ronald Dworkin demonstra, no Capítulo 19, a relação íntima entre o direito e a moral, que o direito é um ramo da moral política e contrabate, com sua teoria interpretativista, o positivismo legal que sustenta a independência completa dos dois sistemas. Observa que o positivismo jurídico reconhece a existência em seu ordenamento jurídico tanto de leis justas e injustas, desde que ambas satisfaçam os pressupostos legais para sua promulgação, ao passo que o interpretativismo entende o conceito de lei como um conceito interpretativo, nessa medida, compreende que integra a ordem jurídica tanto regras promulgadas quanto as que decorrem dos princípios justificativos que ostentem o melhor direito.[113]
Para demonstrar as repercussões jurídicas de um sistema de outro, Dworkin evoca a emblemática Lei do Escravo Fugitivo, publicada pelo Congresso Americano antes da Guerra Civil. Aludida lei dispunha que um escravo que fugisse para Estados livres continuaria escravo. Os magistrados que tivessem que aplicar esta lei inevitavelmente teriam que enfrentar um dilema moral. Aplicar uma lei ainda que perversa. Se decidissem por entregar o fugitivo em favor dos senhores proprietários de escravos, estariam a confirmar a distinção entre direito e moral. Ao contrário, se formulassem um juízo de integração racional entre direito e moral, deveriam invalidar a lei má com supedâneo em argumento moral mais forte vinculado aos direitos humanos, em consonância com os princípios estruturantes de equidade. Para a escola jurídica interpretativista, a lei escravocrata não deveria ser aplicada, ainda que válida, pois era demasiadamente injusta para ser aplicada, ou, então, que tal lei era extremamente injusta para ser considerada válida. A lei do Escravo Fugitivo como todas as leis promulgadas por Estados democráticos ou totalitários, como os Estados nazi-facistas, que atentem contra os princípios estruturantes de equidade são injustas e moralmente inválidas, portanto, não devem ser aplicadas segundo a perspectiva interpretativista de vinculação integrada entre direito e moral, que não admite a distinção da lei da moral política.
Dworkin sentencia que o big bang da revolução galilaica se vangloria de ter tornado o mundo das proposições científicas seguras para as ciências naturais, pois tais sentenças decorreriam dos fenômenos positivos da experiência, os quais deveriam ser postos, observados, experimentados, firmados e expressos pelo sujeito de forma lógica e matematicamente comprovados. Assim, tudo o que não pudesse ser evidenciado pela observação não poderia entender-se como conhecimento científico. Dworkin indaga se esta lógica científica seria também segura para o valor e refuta com um categórico não, haja vista que os problemas jurídicos não pertencem ao mundo da teoria geral da verdade científica, afeta mais às ciências naturais, mas ao mundo da teoria geral da argumentação dialética. A verdade axiológica é um conceito interpretativo e integrativo.[114]
No tocante aos casos difíceis, Dworkin observa que a teoria utilizada pela escola do positivismo jurídico para solução dos casos difícieis, isto é, das ações judiciais que não podem ser solucionadas segundo as regras do ordenamento jurídico, um verdadeiro impasse jurídico, atribui ao juiz o poder discricionário para pôr fim ao litígio jurídico, decidindo num sentido ou noutro. Contudo, assim sentenciando, o que se desponta é que o magistrado concede a uma das partes um direito preexistente de obter a decisão favorável, o que a toda vista configura uma ficção jurídica altamente condenável por criar um novo direito aplicável retroativamente à solução do caso sub judice. Em face dessa circunstância nada convincente para a parte sucumbente, pois teve que conformar com uma regra estatuída post factum. Consigna que mesmo em situações de mal estar jurídico onde não se encontra qualquer regra do ordenamento jurídico que possa pôr fim à contenda jurídica, uma das partes tem o direito de ganhar a demanda, tendo o juiz o dever de encontrar quais são os direitos das partes, sem apelar para construções jurídicas fictícias com eficácia retroativa. Sentencia Dworkin que os direitos políticos são criações tanto da história como da moralidade subjacente na sociedade civil, cujos direitos do indivíduo pertencentes a essa sociedade são respeitados quanto mais são praticados e quanto mais são justas as instituições políticas nelas existentes. Nessas circunstâncias, não há falar em tensão entre decisões originais e a história institucional, devendo, sim, os juízes criarem novos julgamentos sobre os direitos políticos das partes que estejam em consonância com as decisões políticas estabelecidas no passado e não em oposição a elas, decidindo segundo esses valores universais através da interpretação a eles responsável.[115]
No que toca a objetividade da lei, cabe fazer algumas ponderações críticas ao interpretativismo dworkiniano, bastante em voga na contemporaneidade, que também concebe o direito como ato interpretativo ou que se manifesta como um fenômeno de interpretação e o risco que esta tendência da hermenêutica hodierna representa para os destinatários da norma e para toda sociedade. Não se deve perder de vista que a lei tem que ser objetiva, jamais admitida como algo variável segundo as compreensões subjetivas às realidades que a norma visa determinar. O caráter objetivo quer significar que algo é determinado a partir do objeto e que se funda e que se revela a partir deste objeto, em sentido contrário ao subjetivo, que se exterioriza pelos sentimentos, pelas volições e asserções pessoais de um determinado sujeito, que, para o caso em discussão, do exegeta do direito.
Assim, apresenta-se como extremamente perigoso esse subjetivismo da hermenêutica jurídica contemporânea. Uma vez assentindo que direito é interpretação, logo a lei só tem existência se for interpretada, que esse objeto lei se dá a conhecer pela interpretação, ocorrendo, dessa forma, a confusão entre o objeto, isto é, a conduta que a lei visa ordenar, com a própria lei. Nesse sentido, o objeto a ser interpretado se confunde com a sua interpretação. E, diante desta constatação, como distinguir uma boa interpretação de outra ruim em referência ao objeto, haja vista que este não tem existência a não ser pela interpretação?
Nessa perspectiva, impera saber a quem deve caber o nobre mister de julgar? Quem realizará a interpretação? A grande indagação que os pensadores clássicos se contrabatiam para saber quais virtudes morais e intelectuais devem ter nossos governantes e, para o caso em tela, os nossos intérpretes para bem captar a verdade oculta de um texto jurídico não é mais um dilema, mas sim resta saber “... quem tem o poder de impor sua interpretação. Se o objeto da interpretação está à disposição do intérprete, toda questão é saber "quem manda".[116]
Wittgenstein chama atenção para o fato da linguagem nos conduzir a diversos caminhos e com isso possibilitar o desenvolvimento de uma interpretação inflacionária, que pode sucumbir na absorção de seu objeto: “Eis porque ‘seguir a regra’ é uma práxis. E acreditar seguir a regra não é seguir a regra. E daí não podermos seguir a regra ‘privadamente’; porque, senão, acreditar seguir a regra seria o mesmo que seguir a regra.”[117]
Destarte, se a regra corresponde a intepretação que o sujeito dela obtém, como será possível distinguir da atitude de guiar-se por uma regra da que age em transgressão à regra? Como condenar a conduta de determinada pessoa que sustente que esta ou aquela é a minha intepretação da regra e, dessa forma, jamais ser passível de violar a regra. Nessa medida, para o exegeta transgressor não existe diferença entre julgar estar seguindo uma regra e verdadeiramente seguir a regra. Todavia, a imperatividade da lei impõe a todas pessoas no sentido de se conduzirem conforme os ditames da lei e absterem-se de se guiarem pela interpretação da lei desta pessoa ou daquele agente do poder. Observa Luís Fernando Barzotto que:
A proposta da hermenêutica contemporânea, de negar a objetividade da lei, ao negar a referência a um objeto que está para além da interpretação, transforma o Estado de Direito no Estado dos intérpretes. Para se ter o "governo das leis", e não o "governo dos homens", como afirma Aristóteles, é preciso rejeitar o subjetivismo. Para tanto, deve-se insistir em sua natureza lógica, afastando o psicologismo que anima o subjetivismo.[118]
5. – Critical Legal Studies – CLS (Estudos Jurídicos Críticos) e a coerência das decisões jurídicas
O estudo aqui desenvolvido sobre “Critical Legal Studies – CLS (Estudos Jurídicos Críticos) e a coerência das decisões jurídicas apoiou-se nas obras “Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões” e na “Intervenção Judicial nos Contratos e Aplicação dos Princípios e das Cláusulas Gerais”, ambas de Roberto Freitas Filho, sendo que a proposta deste autor de potencializar os CLS com sua análise da coerência interna das decisões jurídicas arrimou-se na teoria da linguagem de Richard Hare, sobretudo, em seu Prescritivismo Universal.
Primeiramente, cumpre apresentar breves considerações acerca do movimento teórico-político denominado “Critical Legal Studies” – CLS (Estudos Jurídicos Críticos) e a proposta de Roberto Freitas Filho de incrementá-lo com a teoria da linguagem e os princípios da lógica formal para detectar, denunciar e depurar decisões e argumentos jurídicos inconsistentes com vista à produção de decisões coerentes por parte de juízes e agentes políticos, com o fito de reclamar a accountability do judiciário, entendido esta como a exigência devida dos representantes de responderem aos que representam no exercício de seus poderes e deveres e, quando houver desvio no uso deles, serem responsabilizados.[119] Tais representantes estatais são detentores de poderes políticos, os quais, inconsciente, inconsequente ou deliberadamente mal utilizados, acarretam irreparáveis danos para o indivíduo e para sociedade, a despeito do aludido movimento ideológico não ter a pretensão de apresentar um modelo alternativo para pôr no lugar do quadro sócio-jurídico denunciado, mas meramente demonstrar sua vigília e, assim, possibilitar a transformação de uma consciência crítica a respeito do que os tribunais têm feito com o direito.[120]
Os CLS, concebidos nos EUA, deram a conhecer nos anos finais da década de sessenta e no transcorrer da década seguinte. Pegou carona nos movimentos de contestação dos valores culturais da época, muito em voga nesse período, ganhando vigor teórico com os trabalhos científicos desenvolvidos e apresentados por David Trubek e Duncan Kennedy nos estudos acadêmicos, ocorridos na Universidade de Wisconsin, em Madison, no mês de maio de 1977. Suas principais críticas cingem-se em denunciar o liberalismo e atacar o formalismo exacerbado da escola positivista. Condenam a indiferença alienante ínsita à doutrina jurídica e a postura desconstrutivista advogada pelo realismo norte-americano, mormente, em seu viés intelectivo de “indeterminação”, bem como desmascaram as relações de poder subjacentes às disposições normativas e às práticas jurídicas delas decorrentes.[121]
Observa-se que existem dois modos de se avaliar um discurso, a saber, um substantivo, em sua perspectiva material e outro, em sua dimensão formal. Arriscar aferir a verdade substantiva de determinado juízo afigura-se problemático na medida em que se advoga a existência de preceitos morais universais ou, então, no mínimo, que se adote de um referencial ético-moral pré-estabelecido como correto, o que, a toda prova, é discutível. Todavia, consigna Roberto Freitas Filho que a avaliação da consistência formal de determinado juízo é factível e desejável, sob pena de comprometer a inteligência do que se quer comunicar por meio do uso da linguagem. A inteligibilidade de um juízo proferido por determinado emissor pode ser facilmente decodificada pelo receptor utilizando-se de dois princípios básicos da lógica formal aristotélica, quais sejam, o princípio da identidade e o princípio da não contradição. Pelo primeiro, tem-se que um sujeito não pode manifestar o que um objeto representa ser e, em seguida, o mesmo sujeito sustentar algo diferente do que havia dito a seu respeito (isto é, A é A, sempre). Já, pelo segundo, determinado sujeito não pode dizer que um objeto é uma coisa e outra coisa ao mesmo tempo (ou seja, A não pode ser simultaneamente B e não B). Nessa medida, a coerência é uma exigência principiológica da linguagem prescritiva, da qual o direito é uma de suas inúmeras derivações.[122]
A transparência e a publicidade das decisões judiciais constituem pressupostos do Estado de Direito e tais valores principiológicos têm lugar para possibilitar que qualquer do povo tenha acesso às razões de fundamentação que levaram determinado Juízo ou Tribunal a decidir dessa ou daquela forma, podendo apreciá-las para aferir se estão, no mínimo, condizentes com as leis lógicas acima estampadas, para lhes conferir e verificar a racionalidade do discurso nelas vertido. Assim, é nessa perspectiva formal de coerência que interessa a Roberto Freitas Filho desenvolver.
Sob a análise do conteúdo, da substância de uma decisão, imerso em um sistema normativo, é possível constatar a adequação de coerência do sentido de uma decisão em duas perspectivas, a saber, interna e externa. A coerência interna tem importância determinante para os autores ligados à escola interpretativista, a guisa de exemplo, Robert Alexy, Ronald Dworkin e Neil MacCormick. Robert Alexy advoga que as decisões devem ter um compromisso com um mínimo ético universal, do qual o julgador não pode se abster, como, a título de exemplo, a boa-fé ao se julgar, o que colide com a crítica dos CLS. Dworkin pugna pela existência de um mínimo de valores que estão integrados entre si, do qual também uma decisão correta não pode desconsiderar. Por seu turno, MacCormick apóia-se numa metódica descritiva que sistematiza o processo de decisão, ainda que formal, auxilia na verificação material de uma decisão correta. Ao revés, em uma análise crítica da decisão, isto é, em sua aplicação externa, a coerência nada mais é considerada do que um discurso de legitimação do processo decisório. Nessa perspectiva, encontram-se os CLS que repudiam qualquer debate acerca da correção de decisões.[123]
Como destacado acima, para Roberto Freitas Filho, embora admite a relevância de tais estudos e discussões, este não é o objeto de seu trabalho, pois sua preocupação é “... relativa às condições de intelegibilidade da linguagem, em um nível bem mais básico do que se vê na análise dos autores mencionados.”[124] Nos limites de seu trabalho, uma vez colocado de lado a coerência interna das decisões jurídicas defendida pelos autores citados por ele de interpretativistas, desenvolve, então, o conceito de “coerência” sob duas perspectiva distintas, uma externa e outra interna. A perspectiva dos pensadores dos CLS, de aplicação externa, apregoa que a coerência manifestada pelo sistema jurídico é um mito, um sistema auto-referente que se acha capaz de produzir decisões corretas, sejam quais forem os problemas submetidos à sua análise. Nessa visão teórica, as contradições existentes na doutrina jurídica e no sistema jurídico produzem indeterminações que denunciam a incapacidade de tais referenciais metodológicos para dar resposta certa ou decisão certa aos casos jurídicos sob exame. Aliás, o conceito de Rule of Law, alardeado pela doutrina jurídica de limitação do poder estatal pelo Direito democraticamente criado, não tem qualquer referência com que o magistério jurídico doutrinário sustenta. O que de fato se constata e se combate é a existência de um Estado Político onde as decisões judiciais são puras manifestações políticas de legitimação de um sistema de opressão e de dominação considerados como válidos, sem qualquer correlação de coerência e adesão a um sistema ético de referência pré-estabelecido. Em suma, o direito não se serve de uma técnica racional, eficiente, inexorável à ordem política e econômica, mas impõe-se como um discurso do poder a serviço de uma estrutura institucional que monopoliza o uso da força a seu favor, a sua coerência é relativa a um dado sistema normativo que expressa os anseios da classe detentora do poder.[125]
De outro giro teórico, já numa aplicação interna, o autor Roberto Freitas Filho trabalha com o princípio da indeterminação, desenvolvido pelos CLS, dentre outros três apresentados pelo projeto crítico-teórico dos CLS, a saber: do antiformalismo, da contradição e marginalidade.[126] Segundo o princípio da indeterminação teorizado pelos CLS, o direito não se apresenta como sistemático e não é capaz de fornecer respostas normativas consistentes e coerentes para as situações a si apresentadas, pois utiliza da linguagem natural, por natureza polissêmica, não precisa, intrinsecamente indeterminada, verificando-se, na realidade, que as decisões jurídicas não passam de apreciações pessoais idiossincráticas ou políticas de quem as julga. Nessa medida, o processo decisório jamais poderá atingir uma racionalidade, um conhecimento que se possa ser compartilhado, a não ser que condicionado por uma ideologia. Então, para aludido autor, ainda que a crítica dos CLS seja pertinente, tal crítica não quer significar uma radical postura de negar que as decisões judiciais possam ser racionais. Os CLS devotam uma incredulidade no método empírico de “correção” das decisões judiciais, bem como não admitem a existência de valores universais que possam orientar o magistrado na escorreita aplicação de seu mister de julgar, todavia, a maneira como os litígios e demandas jurídicas são conformadas pelo judiciário ressaem como a opção menos imperfeita.[127] Assim, o interesse pelo princípio da indeterminação tem razão de ser em virtude de sua premissa fundar-se no fato de que as decisões são incontroláveis e, nessa medida, a coerência é estudada sob foco lógico-formal, a sua conceituação pressupõe a aplicação do princípio da identidade e do princípio da não contradição, como forma de poder sim haver uma coerência interna e, nessa perspectiva, cobrar do judiciário decisões judiciais racionais e previsíveis.
O conceito de coerência, na perspectiva interna, quer significar que, embora as decisões jurídicas possam encontrar-se envoltas às imprecisões, indeterminações e alta densidade semântica inerente à linguagem natural, da qual tais decisões se servem, a irracionalidade do discurso jurídico pode ser combatida, tendo em vista que as normas jurídicas são pré-estabelecidas, isto é, permitem certa previsibilidade, e são embasadas por argumentos racionais. A linguagem jurídica, de cunho informativo, não se trata da linguagem poética, pois a coerência necessita que haja uma interação na comunicação onde um mínimo de assentimento compartilhado e intersubjetividade seja aceito, posto ser imprescindível para o sucesso daquilo que se quer informar pela linguagem. Esta coerência interna, segundo o autor, é compatível com a crítica dos CLS na medida em que parte de um conceito formal e contribui para fazer uma avaliação lógica do discurso jurídico e vai de encontro à crítica deste projeto teórico que visa à correção do resultado das decisões. Também, configura uma ferramenta poderosa para evidenciar as práticas políticas que subjazem nas decisões judiciais, vez que auxilia na análise do conteúdo do discurso de legitimação e justificação das decisões. Como os CLS denunciam as contradições e incoerências teóricas existentes no sistema jurídico, bem como observam que o que realmente existe é um deslavado interesse político por detrás das práticas jurídicas, as quais consumam e perpetuam o discurso de manutenção do status quo da classe dominante. Nessa medida, a coerência interna sob a perspectiva da lógica formal, que verifique a consistência lógica da linguagem jurídica, que denuncia as incongruências detectadas, que demonstra os desvios de caráter, as preferências ideológicas, aqui defendida, ainda que se reconheça que o processo decisório sofra de influências políticas, econômicas e de idiossincrasias, contribuirá para a transformação social que realize a assunção de uma sociedade mais justa em termos de compartilhamento de poder, de distribuição das riquezas sociais, de inclusão social e de democracia participativa.[128]
A coerência interna das decisões jurídicas, estudadas por Roberto Freitas Filho, com a qual busca acrescer o projeto dos CLS, baseia-se na teoria do Prescritivismo Universal, desenvolvida por Richard Hare, nos idos das décadas de 1960, 1980 e mesmo no limiar do século XXI. Esta teoria procura demonstrar o funcionamento da linguagem prescritiva, mormente, no que toca às distinções entre dois tipos de palavras e a significação lógica de tais modelos de palavras, a saber: palavras descritivas e palavras avaliatórias. Assim, tal teoria tem como ponto central analisar os motivos em que a ação humana se fundamenta e pesquisar a função racional dos juízos valorativos.[129]
Registre-se que tanto a linguagem moral quanto a linguagem jurídica são prescritivas, nesse sentido, têm conteúdo imperativo de orientar a conduta humana através de comandos. Nessa medida, a importância da teoria de Hare centra-se no fato de que ela pode ser utilizada no sentido de auxiliar a decifrar e identificar o problema existente no bojo de uma complexa fundamentação jurídica, sobretudo, quando as decisões jurídicas encontrarem-se repletas de expressões de elevado conteúdo de imprecisão em seu aspecto avaliatório, recheadas de normas abertas. Constata-se que, na linguagem natural, as palavras têm uma “textura aberta” e, obviamente, como as normas jurídicas expressam seus comandos normativos por meio desta linguagem, tais normas também padecem desta vagueza, imprecisão e elasticidade semântica.[130] [131]
Analisar a coerência das decisões jurídicas subentende a compreensão e a aceitação da ideia de universalidade dos juízos. Nessa medida, a universalidade dos juízos consiste em conceito medular para o entendimento do prescritivismo universal. As coisas do mundo podem ser captadas pelo intelecto ou serem relatadas para outrem por meio de juízos descritivos e os predicados que se fazem de tais juízos é de natureza descritiva. Assim como os juízos morais, os juízos descritivos possuem características universalizáveis.[132]
A utilização de palavras avaliatórias no discurso afigura-se complexo, posto fazer referência à qualificação de outros objetos em uma dada situação e circunstância. Nesse sentido, o uso de palavras avaliatórias revela-se mais complexo do que manifestar algo por meio de palavras descritivas, pois enquanto estas são universalizáveis, submetidas ao crivo dos princípios da identidade e da não contradição, pela mera constatação da correspondência entre o significante e o significado, ainda que por meio de um raciocínio puramente convencional; aquelas, por sua vez, mostram-se contingentes, de alto caráter subjetivo, o que dificulta avaliar a coerência do discurso.[133] Importa consignar que, no âmbito da linguagem jurídica, os princípios e as cláusulas gerais constituem proposições jurídicas veiculadas por palavras ou termos ou expressões avaliatórias, portanto, configuram normas abertas, por natureza vagas e imprecisas; ao passo que as regras casuísticas constituem proposições jurídicas em que se notam a presença de palavras ou termos ou expressões descritivas, consistindo em normas fechadas, que demandam menor esforço hermenêutico para serem aplicadas pelos operadores do direito.[134]
A distinção entre palavras de valor e palavras descritivas, e o mesmo pode ser afirmado em relação a distinção entre princípios e regras,[135] não se prende ao fato de umas serem mais imprecisas do que outras, posto que ambas são polissêmicas, têm plurissignificados, sendo vagas e eivadas de imprecisão, mas, como doutrina Roberto Freitas Filho, o que as diferenciam são que as “...normas formuladas com palavras descritivas das formuladas com palavras avaliatórias é a função lógica das palavras que as compõem”[136].[137] Ou seja, enquanto as palavras avaliatórias não manifestam algo que tenha relação com o mundo fenomênico ou, se manifestam, mostram-se extremamente variáveis e inseguras, assim, dificultam enormemente a utilização de critérios minimamente aferíveis para se determinar o que realmente querem significar. Contrariamente, as palavras descritivas, como sua própria designação revela, descrevem algo que se pode verificar a sua adequação com as manifestações fenomênicas do mundo circundante.[138]
Certo é que esta abertura semântica, polissêmica dos vocábulos, pode dificultar na inteligibilidade de qualquer discurso, mas para o discurso jurídico, prescritivo por excelência, que prima pela coerência das decisões, pela objetividade, pela universalidade dos juízos, pela publicidade de seus trabalhos, pelo tratamento isonômico entre as partes no processo, o uso de palavras e expressões avaliatórias, frequentemente, presentes nas normas abertas, como “justiça”, “mérito”, “mercado”, “bom”, “excessivo”, “bonito”, “adequado”, “boa-fé”, “excessivamente oneroso”, “valor razoável”, “negócio justo” etc.,[139] torna-se dramaticamente problemático, pois tais palavras e expressões não são auto-evidentes, necessitando de uma intermediação por meio de palavras descritivas para designarem seus reais sentidos. Quando juízes e agentes políticos, com poderes de proferirem decisões, não precisarem, por meio de palavras descritivas, o verdadeiro enunciado de que tais palavras e expressões querem significar em suas decisões jurídicas, tal postura configura uma petição de princípio, sem sentido, deixando ao arbítrio de suas preferências pessoais, ideológicas e idiossincráticas o destino da vida das pessoas e da sociedade aos seus meros caprichos. Em suma, instala-se o reino da arbitrariedade, da insegurança jurídica, do salve-se quem puder e o governo dos homens e não das leis.
6. – Conclusão
Como visto, tanto o conhecimento científico quanto o conhecimento jurídico estão envoltos em imprevisibilidade de seus resultados, em insegurança do melhor caminho teórico-metodológico a ser empregado de forma a proporcionar confiança e bem-estar aos destinatários de suas conquistas cognoscíveis e, sobretudo, em indeterminações que acometem a sociedade planetária hodierna, a qual não tem a menor consciência a respeito de quais mãos e mentes encontram-se tão poderosas ferramentas técnico-científicas e se tais saberes estão sendo responsável ou inescrupulosamente aplicados, com fins nobres ou com intenções ocultas e escusas.
Negar a evolução alcançada pela sociedade moderna pós Revolução Industrial, com os avanços trazidos com o nosso desenvolvimento científico e a substancial melhora de nossa qualidade de vida dele decorrente é algo impensável, até mesmo digno de chacota a quem ouse manifestar opinião contrária. Seja na área da saúde, com a descoberta de cura para doenças e epidemias que há milênios atormentavam a humanidade, possibilitando a sustentação de vidas mais longevas; seja no setor de produção alimentar que rompeu com as limitações impostas pelas adversidades climáticas, facilitando o cultivo de diversos cereais durante todo ano e em larga escala, saciando e matando a fome de milhares de seres humanos; seja no campo da comunicação, do ensino e da colossal compreensão do espaço sideral e do microcosmo, alargando a nossa visão de mundo e compreensão dos fenômenos naturais, o que nos possibilitou rechaçar toda dominação e subjugação baseadas na heurística do medo, como, muitas das vezes, épocas pretéritas de nossa História, tais acontecimentos da Natureza eram atribuíveis à fúria de Deus por este ou aquele comportamento humano condenável sob a perspectiva teológica medieva.
Contudo, a consciência humana ainda não havia dado conta da fragilidade do ecossistema de nosso planeta, isto é, a “... vulnerabilidade da natureza provocada pela intervenção técnica do homem — uma vulnerabilidade que jamais fora pressentida antes de que ela se desse a conhecer pelos danos já produzidos”[140]. Nesse sentido, cobra-se agora uma responsabilidade da humanidade para com o destino da Natureza, com vista a não sucumbir a galinha de ovos de todos nós, embora desponte também uma consciência antropocêntrica, mas sem sombra de dúvidas, com viés e resultados melhores, dantes impensável tal exigência de postura ética. Ou seja, urge dar resposta adequada à nova realidade que se antepõe à humanidade nos dias hodiernos. A inexorável dinâmica da vida moderna, decorrente do contínuo aumento populacional, a produção excessiva para atendê-la, o consumo exacerbado, toda esta conjuntura acarreta impacto ambiental e sua consequente irreversibilidade. A força motriz destes processos advém da ação tecnológica que avança em uma contínua marcha autopropulsionada, que, em razão desse movimento acelerado, dificulta as autocorreções. A crença cega e obstinada nesta ciência e na vã credulidade e esperança na onipotência da técnica, um novo ópio ou um novo ansiolítico religioso, é tida como o elixir que perpetuará a existência do Homo sapiens na Terra e a panaceia para debelar todos os efeitos previsíveis e não previsíveis. Esta obstinada credulidade poderá acarretar sérias consequências ao meio ambiente e tornar insustentável a existência dos animais humanos e não humanos em nosso planeta.
Tamanho desvario e embriaguez da coletividade configuram uma atitude irresponsável, que levado às últimas consequências, colocará em risco a sobrevivência de todas as espécies animais e vegetais em nosso planeta, ultimando um novo imperativo ético que limpe e elucide a mente turva dos que assim se comportam. Para tanto, aos imperativos éticos conquistados, em particular, o kantiano que norteia e orienta a conduta humana no sentido de "Agir de tal maneira que o princípio de tua ação se transforme numa lei universal", deve-se acrescentar um outro, de igual importância, para mudança de atitude e que esteja em consonância com esses novos desafios, qual seja, "Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra"; ou exposto de forma negativa: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida"[141].
Nessa medida, a heurística do medo agora consiste em lógica fundamental para o agir responsável com o porvir, posto possibilitar e dar preferência aos prognósticos de desastre aos que prenunciam felicidades, haja vista as irrefutáveis capacidades de destruição do planeta com as experimentações técnico-científicos em curso, a despeito também desses cálculos fazerem referência de acontecimento em um futuro distante. Todavia, não se permite a ninguém fazer aposta em condutas que ameacem o destino de gerações que ainda não existem e por isso mesmo se encontrem em uma cruel desvantagem, em razão do simples fato das vítimas futuras não poderem fazer suas próprias reivindicações e dependerem da consciência dos que hoje vivem; ainda que aludidos desastres são alardeados por cientistas que se fiem em probabilidades remotas de danos[142].
A nova ética também se depara com os problemas advindos do alarmante progresso técnico-científico, no qual “... o próprio homem passou a figurar entre os objetos da técnica. O homo faber aplica sua arte sobre si mesmo e se habilita a refabricar inventivamente o inventor e confeccionador de todo o resto”. O atual estágio de evolução da biologia celular, propulsionado pelo desvendar das interações e reações bioquímicas intracelulares, demonstra possuir reais capacidades técnico-científicas para retardar o envelhecimento e mesmo a possibilidade de se evitar o perecimento orgânico dos seres humanos. Nesse sentido, será que homem realmente não deseja morrer, ou melhor, se o direito de morrer não consiste um atributo próprio da densidade axiológica contida no princípio da dignidade da pessoa humana? A infinita longevidade biológica acarreta a perda, a supressão e a ausência de surgimento de novos indivíduos, um mundo habitado por velhos, com a perda da juventude e a decorrente perda do novo, do inusitado e das probabilidades de mudança.[143]
Não há mais lugar para discursos ambientais de grande eloquência, de promessas vazias, insinceras e destituídas de verdadeiro compromisso ético-ambiental. Não mais tem sentido a promulgação de normas meramente procrastinatórias como resposta às prementes demandas sociais decorrentes das perturbações ecológicas, advindas do aumento populacional e dos avanços técnicos científicos orientados pela lógica utilitarista de custos e benefícios que o sistema capitalista insiste em perpetuar. As disposições legais devem ser suscetíveis de serem cumpridas na prática, abarcando a ideia de igualdade, fulcrada na solidariedade dos povos, no tratamento digno do homem e na justiça social que dê vazão à plena instituição de um autêntico Estado de Direito Ambiental para fazer frente aos desafios impostos e reinantes na sociedade de riscos da contemporaneidade.
No que toca ao conhecimento jurídico, com seus vários perfis epistemológicos, os quais se contrapõem visceralmente e, conforme a linha metodológica empregada para solução de um caso concreto, pode-se chegar a resultados completamente antagônicos. Um Juízo ou Tribunal pode muito bem adotar a metodologia pós-positivista para solução de um determinado caso, sobrelevando os princípios em contraposição à utilização de um normativismo obcecado, pautando-se mais pelo bom senso, prudência e razoabilidade em vez de subsunção, ater-se mais ao direito constitucional e deter-se menos com conflitos jurídicos estéreis, orientar-se mais pelas decisões jurisprudenciais do que pela inflação legislativa, formulando juízo de integração racional entre direito e moral. Já, noutro caso semelhante, adotar outra matriz epistemológica totalmente contrária a esta, a qual poderá chegar a resultado completamente adverso. Em tais circunstâncias, ninguém poderá alegar que, em ambos os casos, as sentenças ou acórdãos prolatados não foram cientificamente fundamentados, pois lançaram mão de discursos jurídicos intersubjetivamente aceitos e compartilhados, sem qualquer pecha de acientificidade jurídica, ficando, contudo, o indivíduo e a sociedade como um todo sem saberem qual será a metodologia jurídica a ser adotada nesse ou naquele caso, ou seja, um verdadeiro caos e insegurança jurídica.
O que sobressai de tudo isso não é a constatação de que a linguagem jurídica está permeada de insegurança e imprevisibilidade, mas sim a ausência de uma decisão política por parte da sociedade brasileira acerca de qual epistemologia jurídica deverá ser adotada pelo nosso ordenamento jurídico, para se cobrar dos operadores do direito a fidelidade ao que foi aclamado pela população. Não decidimos politicamente por ser um Estado democrático, pela forma de governo republicana, pela forma de estado federativa e pelo sistema presidencialista, ainda que tais escolhas nem sempre sejam as mais razoáveis para todas as situações da vida social? Se para Dewey, Russell e Popper a democracia “... é a aplicação do método científico à vida política”[144], por que não podemos fazer uma decisão política por uma metodologia jurídica que seja adotada por todos juízos e tribunais? Como observado por Tércio Sampaio Ferraz Júnior., apresentado em linhas volvidas, onde sustenta que uma “... ciência pode utilizar muitas e variadas técnicas, mas só pode ter um único método”[145].
Ressalte-se que os pós-positivistas alardeiam a sobrepujação do jusnaturalismo histórico e declaram a sucumbência política do positivismo, vangloriando-se que tais realidades permitiram o advento de um vasto leque e ainda incompleto de reflexões acerca do direito, as quais possibilitaram um maior reconhecimento de sua importância social e de sua potência interpretativa. Todavia, conforme observa Elival da Silva Ramos, todo esse otimismo epistemológico “... como se o positivismo jurídico, com as renovações por que passou e continua passando, tivesse deixado de ser o modelo dominante nos domínios da Teoria do Direito e, consequentemente, da Dogmática Jurídica”[146].
7. – Referencial bibliográfico
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[1] Goffredo TELLES JÚNIOR. Tratado da consequência. p. 7.
[2] Ibid., p. 35.
[3] Immanuel Kant. Crítica da razão pura e outros textos filosóficos. p. 136.
[4] Allen WOOD. Kant – introdução. p. 49-52; 72 e 136.
[5] Nicola ABBAGNANO. Dicionário de Filosofia. p. 841-5.
[6] Karl POPPER. Conjeturas e refutações. p. 19.
[7] HUME, David. Os Pensadores – Volume II - Capítulo 31, 1ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1972, p. 440 e ss.
[8] COMTE, Auguste. Os Pensadores – Volume III - Capítulo 47, 1ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1972, p. 641 e ss.
[9] SCHLICK, Moritz. Os Pensadores – Volume IV - Capítulo 67, 1ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1972, p. 868 e ss.
[10] Karl POPPER. Conjeturas e refutações. p. 20 e ss.
[11] Karl POPPER. Conjeturas e refutações. p. 24.
[12] Ibid., p. 33-4.
[13] Kar POPPER. Conjeturas e refutações. p. 37.
[14] Ibid., p. 77 e ss.
[17] Thomas Samuel KUHN. A estrutura das revoluções científicas. p. 30.
[18] Thomas Samuel KUHN. A estrutura das revoluções científicas. p. 13.
[19] Ibid., p. 13, 78 e ss.
[20] Ibid., p. 115-6.
[21] Thomas Samuel KUHN. A estrutura das revoluções científicas. p. 133-144.
[22] Ibid., p. 116.
[23] Ibid., p. 125 e ss.
[24] Patryck de Araújo AYALA. Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. p. xx, 14, 17, 22, 39, 40, 44-45, 53, 59, 148, 196-7, 402.
[26] Observa Hans Jonas que ... “Na técnica, como indicamos antes (capítulo I, parte IV), esse êxito, com sua visibilidade pública estonteante, abarcando todos os domínios da vida — um verdadeiro cortejo triunfal —, faz com que a aventura prometéica se desloque, diante da consciência comum, do papel de um simples meio (o que toda a técnica é em si mesma) para o de finalidade, mostrando-se a "conquista da natureza" como a vocação da humanidade: o Homo faber ergue-se diante do Homo sapiens (que se torna, por sua vez, instrumento daquele), e o poder externo aparece como o supremo bem — para a espécie, obviamente, não para os indivíduos.” Cf. JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. p. 272.
[27] Patryck de Araújo AYALA. Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. p. 39-40.
[28] Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. p. 10-11.
[29] Ibid., p. 11.
[30] António Braz TEIXEIRA. A razão jurídica I: apontamentos de filosofia do direito e metodologia jurídica. p. 9.
[31] Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. p. 12.
[32] Ibid., p. 13 e ss.
[33] Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. p. 44.
[34] Maria Helena DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 35.
[35] Eduardo Carlos BITTAR, Guilherme Assis de ALMEIDA. Curso de filosofia do direito. p. 336.
[36] Noberto BOBBIO. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. p. 15.
[37] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 49.
[38] Ibid., p. 398.
[39] Hans KELSEN. Teoria pura do direito. p. 229.
[40] Ibid., p. 52.
[41] Eduardo Carlos BITTAR, Guilherme Assis de ALMEIDA. Curso de filosofia do direito. p. 336.
[42] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 64.
[43] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 90.
[44] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 176.
[45] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 121.
[46] Herbert L. A. HART. O Conceito de Direito. p. 28.
[47] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 116.
[48] Ibid., p. 121.
[49] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 423.
[50] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 424-5.
[51] Paulo de Barros CARVALHO. Curso de direito tributário. p. 177-8.
[52] Eduardo Carlos Bianca BITTAR, Guilherme Assis de ALMEIDA. Curso de filosofia do direito. p. 338.
[53] Herbert L. A. HART. A. O Conceito de Direito. p. 97.
[54] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 117-8.
[55] Herbert L. A. HART. O Conceito de Direito. p. 108-9.
[56] Ibid., p. 170.
[57] Herbert L. A. HART. O Conceito de Direito. p. 209-14.
[58] Hans KELSEN. Teoria geral do direito e do estado. p. 43-4.
[69] Eduardo Carlos Bianca BITTAR, Guilherme Assis de ALMEIDA. Curso de filosofia do direito. p. 58-9.
[71] Humberto ÁVILA. Princípios e Regras e a Segurança Jurídica. p. 190.
[72] Humberto ÁVILA. Sistema Constitucional Tributário. p. 192.
[73] Ibid., p. 197.
[74] Ibid., p. 198.
[75] Humberto ÁVILA. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. p. 110.
[76] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 28-33.
[77] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 30.
[78] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 39.
[79] Ibid., p. 31.
[80] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 41.
[81] Ingo Wolfgant SARLET. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 229.
[82] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 49.
[83] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 50.
[84] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 51.
[85] Ibid., p. 51.
[86] Ibid., p. 52.
[87] ARISTÓTELES. Os Pensadores - Ética a Nicômaco. Volume IV, Livro V. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá, 1ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1972, 323-5.
[88] ARISTÓTELES. Os Pensadores - Ética a Nicômaco. Volume IV, Livro V. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá, 1ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1972, 325-9.
[89] ARISTÓTELES. Os Pensadores - Ética a Nicômaco. Volume IV, Livro V. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá, 1ª ed. – São Paulo: Abril Cultural, 1972, 336.
[90] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 66.
[91] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 67.
[92] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 73.
[93] Ibid., p. 78-80.
[94] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 170-3.
[95] Ibid., p. 173.
[96] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 375-6.
[97] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 377-8.
[98] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 379-0.
[99] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 381-4.
[100] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 385-0.
[101] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 390-415.
[102] Ibid., p. 416-8.
[103] Ibid., p. 419-428.
[104] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 429-434.
[105] Herbert L. A. HART. O Conceito de Direito. p. 70-5.
[106] Ibid., p. 73.
[107] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 435-8.
[108] Karl LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. p. 439-441.
[109] Ronald DWORKIN. Justiça para ouriços. p. 36-42, 74-7.
[110] Ronald DWORKIN. Justiça para ouriços. p. 335-358.
[111] Ronald DWORKIN. Justiça para ouriços. p. 199-225.
[112] Ibid., p. 51-78.
[113] Ibid., p. 409-424.
[114] Ronald DWORKIN. Justiça para ouriços. p. 425-430.
[115] Ronald DWORKIN. Levando os direitos a sério. p. 127-203.
[116] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 131.
[117] Ludwig WITTGENSTEIN. Investigações filosóficas. p. 92.
[118] Luís Fernando BARZOTTO. Filosofia do direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. p. 132.
[119] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 59.
[120] Ibid., p. 43.
[121] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 43.
[122] Ibid., p. 44.
[123] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 44.
[124] Ibid., p. 44.
[125] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 45-8.
[126] Leciona Roberto Freitas filho que o “... projeto crítico-teórico dos CLS foi construído sobre quatro princípios: indeterminação (indetenninacy), antiformalismo (antiformalism), contradição (contradiction) e marginalidade (marginality) (TRUBEK, 1984). O principio da indeterminação é aquele segundo o qual o direito não é sistemático e não provê respostas normativas para todas as situações. Há um grau de indeterminação nas normas jurídicas que tem necessariamente de ser suprido pela subjetividade do julgador.14 O princípio do antiformalismo diz respeito à negação de uma pretensa neutralidade racional do processo decisório. Formalismo é entendido como um método decisório, segundo o qual é possível decidir por meio de dedução lógico-formal.15 O princípio da contradição significa que o direito reflete a luta ideológica na tentativa de prevalência de um determinado modo de ver as relações humanas. Por fim o princípio da marginalidade significa que o direito não é visto como decisivo para a determinação do comportamento social.” (Cf. FREITAS FILHO, Roberto. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 45-6.)
[127] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 48.
[128] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 49-51.
[129] Ibid., p. 51.
[130] Ibid., p. 51.
[131] FREITAS FILHO, Roberto. Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das cláusulas gerais: o caso leasing. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 28-9.
[132] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 52.
[133] Ibid., p. 52.
[134] Roberto FREITAS FILHO. Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das cláusulas gerais: o caso leasing. p. 233-4, 241-2, 248, 251, 265, 293-4, 309.
[135] Ibid., p. 221-2, 241-2.
[136] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 53.
[137] Roberto FREITAS FILHO. Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das cláusulas gerais: o caso leasing. p. 271-2.
[138] Roberto FREITAS FILHO. Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. p. 53.
[139] As palavras e expressões avaliatórias foram extraídas da obra “Estudos Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. In Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, a. 44, n. 175. Brasília: Senado Federal, jul./set. 2007, p. 52” e da obra “Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das cláusulas gerais: o caso leasing. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 296-300”; ambas de Roberto Freitas Filho.
[140] Hans JONAS. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. p. 39.
[141] Hans JONAS. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. p. 47-8.
[142] Hans JONAS. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. p. 83-8.
[143] Ibid., p. 58-6.
[144] Nicola ABBAGNANO. Dicionário de Filosofia. p. 277.
[145] Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR. A ciência do direito. p. 11.
[146] Elivam da Silva RAMOS. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. p. 280.
Graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás - Goiânia (2001), Curso incompleto em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Goiás - Goiânia (sobrestado no último ano - 1996), pós-graduação em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - Goiânia (2009), Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília - 2012 (UniCEUB/DF). Auditor-Fiscal da Receita Estadual - Secretaria de Estado da Fazenda de Goiás. Instrutor do banco de talentos - Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás e professor de Direito Constitucional, Direito Tributário-constitucional e Teoria Geral do Estado da Faculdade do Sudeste Goiano (FASUG). Desenvolve estudos de Direito Constitucional, Direito Tributário-Constitucional e na área de Filosofia da Ciência, Linguagem Científica (Lógica Formal) e Linguagem Jurídica (Lógica Deôntica).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Cláudio Gonçalves. Conhecimento científico versus conhecimento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2014, 10:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40618/conhecimento-cientifico-versus-conhecimento-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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