RESUMO: O crescimento da omissão do Estado quanto ao seu dever constitucional de preservação, proteção e fiscalização do meio ambiente tem gerado danos expressivos à sociedade que se vê tolhida do seu direito de uso desse bem fundamental. Neste contexto, o trabalho propõe-se a análise do fundamento da responsabilidade do Estado por danos causados ao meio ambiente em razão da omissão da administração em cumprir seus deveres constitucionais. Da mesma forma, propõe-se a análise da possibilidade de alegações de excludentes de responsabilidade no âmbito da tutela do meio ambiente.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Ambiental. Atos omissivos.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como meta analisar a responsabilidade extracontratual do Estado por atos omissivos que causam dano ao meio ambiente. Busca-se entender se a responsabilidade subjetiva atende, principalmente a partir das disposições constitucionais previstas no artigo 225 da Constituição da República de 5 de outubro de 1988, a necessidade da reparação integral do dano ambiental.
DESENVOLVIMENTO
Os princípios da prevenção e da precaução
Os princípios da prevenção e da precaução são princípios inerentes à tutela do meio ambiente e têm por finalidade prevenir, com base no risco, eventuais danos ao ambiente. Busca-se, dessa forma, evitar o dano. Assim, no domínio da responsabilidade civil ambiental, pode-se responsabilizar uma pessoa por condutas que embora não tenham causados efetivos danos, colocaram o bem ambiental em risco de dano.
De acordo com Paulo Affonso Leme Machado “a precaução caracteriza-se pela ação antecipada diante do risco ou do perigo”. [1]
Com relação à importância do princípio da precaução, deve-se citar, por oportuno, o Princípio 15 da chamada Declaração do Rio de Janeiro, que foi uma Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992.
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
O princípio da prevenção também tem por finalidade, como dito anteriormente, evitar o dano. O seu fundamento, diferentemente do princípio anterior, é a possibilidade de gerência de um risco determinado e conhecido. Ou seja, no âmbito da prevenção sabe-se exatamente o que poderá acontecer se determinada conduta for realizada. De acordo com Édis Milaré, aplica-se o princípio da prevenção “quando o perigo é certo e quando se tem elementos seguros para afirmar que uma determinada atividade é efetivamente perigosa”.[2]
O entendimento da finalidade dos princípios analisados é de extrema importância para o tema responsabilidade civil ambiental porque, dentre outros motivos que serão mencionados adiante, justifica o posicionamento doutrinário que sustenta que a obrigação de reparar o dano ambiental tem por fundamento a teoria do risco integral. E nesse sentido ensina a doutrina o que segue:
É por isso que os princípios da prevenção e da precaução, já objeto de nossas considerações, basilares do Direito Ambiental, não podem ser jamais deixados de lado, mesmo na aplicação dos institutos da responsabilidade civil e administrativa. Assim por exemplo, os legitimados para o ajuizamento de ação civil pública não estão obrigados a aguardar a consumação do dano ambiental para agir; ao contrário, o remédio processual pode e deve ser usado para coibir práticas que apresentem mera potencialidade de dano, obrigando os responsáveis por essas atividades a ajustarem-se às normas técnicas aplicáveis, de modo a mitigar o risco a elas inerentes. Do mesmo modo, quando houver descumprimento das regras jurídicas tutelares do patrimônio ambiental, os órgãos integrantes do SISNAMA podem aplicar sanções administrativas independentemente da ocorrência efetiva de lesão, uma vez que, por óbvio, a inobservância de tais normas eleva significativamente o risco envolvido no desenvolvimento da atividade.
Dessa forma, resta evidenciado a importâncias dos princípios analisados para o tema responsabilidade civil ambiental.
A responsabilidade civil ambiental e a omissão estatal
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que é anterior à Constituição da República de 5 de outubro de 1988, já consagrava a responsabilidade objetiva por danos causados ao meio ambiente em seu artigo 14, cuja transcrição segue.
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
[...]
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
A Constituição de 05 de outubro de 1988, posterior a lei comentada, tutela de forma abrangente o meio ambiente e além de dispor sobre normas ambientais nos capítulos referentes à ordem social e a ordem econômica, tem um capítulo específico para tratar do tema e em um único artigo, o 225, estabelece, segundo Edis Milaré, “um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”[3].
O Poder Constituinte originário, logo no primeiro parágrafo do artigo dedicado à tutela do meio ambiente impõe obrigações ao Poder Público tanto de preservação como de proteção e fiscalização para, frise-se, assegurar a efetividade do meio ambiente como direito fundamental, bem de uso comum do povo que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações. Assim, de acordo com o artigo 225, § 1º, da Constituição da República, incumbe ao Poder Público o que segue:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Em análise às obrigações impostas ao Poder Público pelo Poder Constituinte originário, o citado doutrinador chega a conclusão de que a proteção ao meio ambiente é matéria que não se insere no campo da discricionariedade administrativa razão pela qual a administração não pode deixar de proteger o meio ambiente ao argumento de que falta política pública.
[...] cria-se para o Poder Público um dever constitucional, geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, isto é, de zelar pela defesa (defender) e preservação (preservar) do meio ambiente. Não mais, tem o Poder Público uma mera faculdade na matéria, mas está atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de defesa e preservação, sua atuação transforma-se de discricionária em vinculada. Sai da esfera da conveniência e oportunidade para ingressar num campo estritamente delimitado, o da imposição, onde só cabe um único, e nada mais que único, comportamento: defender e proteger o meio ambiente. Não cabe, pois, à Administração deixar de proteger e preservar o meio ambiente a pretexto de que tal não se encontra entre suas prioridade públicas. Repita-se, a matéria não mais se insere no campo da discricionariedade administrativa. O poder Público, a partir da Constituição de 1988, não atua porque quer, mas porque assim lhe é determinado pelo legislador maior.[4]
Dessume-se do artigo em comento, bem como das ponderações do doutrinador citado, que o Poder Público, no que tange à proteção do meio ambiente, deve ser responsabilizado nos casos de ação e nos casos de omissão.
Para a abordagem do tema não se pode deixar de mencionar que existe divergência sobre a natureza da responsabilidade do Estado quando o dano é resultado de uma omissão da administração. O doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello sustenta que a responsabilidade, nesses casos, é subjetiva por entender que o Estado não agiu e que terceiro é quem provoca o dano, enquanto que o Ministro Celso de Mello sustenta que a responsabilidade do Estado em qualquer caso é objetiva porque o artigo 37, § 6º, da Constituição tem por objetivo proteger o administrado e, portanto, deve ser interpretado de forma ampliativa.
Não se pode olvidar, contudo, que a discussão acima mencionada diz respeito à responsabilidade objetiva com fundamento na teoria do risco administrativo e que no âmbito da proteção ao meio ambiente sustenta-se que a responsabilidade tem por fundamento a teoria do risco integral, ou seja, procura-se uma responsabilização total, sem possibilidade de se alegar caso fortuito ou força maior para fins de exclusão da responsabilidade. Assim, procura-se proteger o meio ambiente de qualquer tipo de dano. Dessa forma, denota-se que a posição do Ministro Celso de Mello é mais coerente com a teoria do risco integral e, portanto, nos casos de omissão do dever de proteção, preservação e fiscalização deverá o Poder Público ser responsabilizado pelos danos ambientais decorrentes de sua omissão inconstitucional.
Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra de direito ambiental, também sustenta que a reparação dos danos causados ao meio ambiente independe da perquirição do elemento subjetivo culpa, conforme segue:
Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente.
[...]
A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o meio ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente.[5]
Assim, na tutela do ambiente, os danos ocasionados por omissões do Poder Público do seu dever constitucional de preservar, conservar e fiscalizar, devem ser recuperados, restaurados e ressarcidos independentemente da análise da culpa do agente. Ademais, não poderá o Estado alegar situações de caso fortuito ou força maior, isso porque a responsabilização é com fundamento na teoria do risco integral.
Frise-se, ainda, que incube ao Poder Público criar as normas que irão proteger o meio ambiente e adotar ações que efetivamente concretizem os preceitos constitucionais dirigidos à tutela ambiental, sob pena de se configurar a temida omissão estatal a ensejar sua responsabilização, inclusive, por meio de ações judiciais tais como a ação civil pública e a ação popular. Nesse sentido ensina Luiz Guilherme Marinoni o que segue:
Omissão em relação à norma de proteção e omissão em relação à deixar de atuar concretamente. O que interessa é o deixar de atuar concretamente.
Quando o Poder Público editou a norma de proteção, mas é necessário o controle ou a fiscalização estatal, é claro que o dever do Estado não pára na realização da norma. Com efeito, ao lado de uma norma de proteção, pode ser necessária atuação concreta da administração pública. Nesse caso, havendo omissão da Administração, a ação deverá ser proposta contra o Estado, pois aí o ilícito omisso é estatal.
Nessa situação – é importante que se esclareça – o Estado cumpriu apenas em parte o seu dever de proteção, deixando de atuar concretamente para a efetivação da norma. Assim, nessa perspectiva, a omissão é do Estado, e não do particular.
No entanto, diante de uma norma que requer atuação da Administração para ser observada, é comum que, perante a omissão estatal, o particular esteja agindo sem lhe dar cumprimento. Nessa situação, a ação judicial deve se preocupar não apenas com a omissão estatal, mas também em inibir a continuação do ilícito decorrente da violação da norma.[6]
Conclui-se, de todo o exposto, que o Estado deve ser responsabilizado objetivamente por suas omissões inconstitucionais que causam dano ao meio ambiente, uma vez que a Constituição da República não deixou margem de discricionariedade para sua atuação, pelo contrário, outorgou-lhe o dever de defensor maior da preservação e conservação do ambiente.
CONCLUSÃO
O estudo, que ora se encerra, buscou evidenciar que o Estado responde objetivamente pelos danos causados ao meio ambiente por ações omissivas. Para tanto se fez uma análise legal e constitucional da responsabilidade civil ambiental, que tem por fundamento a teoria do risco integral e os princípios da prevenção e precaução.
Procurou-se enfatizar a importância da ação preventiva na tutela do meio ambiente para se chegar a conclusão de que, em razão da disciplina constitucional e legal da matéria, o Estado tem o dever de reparar lesões ambientais ocasionadas por omissão da administração pública.
Por fim, não se pode perder de vista que o meio ambiente tem natureza de direito fundamental e que, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, é bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, razão pela qual não é equivocada a responsabilidade objetiva, com fundamento no risco integral, no domínio do Meio Ambiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JÚNIOR, Nelson de Freitas Porfírio. Responsabilidade do estado em face do dano ambiental. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
LEITE, José Rubens Morato Leite. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão em foco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão em foco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro Sampaio. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Jurídico Atlas, 2008.
SILVA, José Afonso da Silva. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
[1] Idem. p. 64.
[2] MILARÉ. Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 5ª edição. São Paulo: editora revista dos tribunais, 2007. p. 766.
[3] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6ª edição. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009. p. 156.
[4] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6ª edição. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009. p. 157
[5] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13ª edição. São Paulo: Malheiros editores, 2005. p. 335/336.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 339
Analista Jurídico no MPMT de 10.11.2004 a 07.02.2014. Advogada da União desde 07.02.2014. Pós-graduação em Direito Público e Pós-graduação em Direitos Difusos e Coletivos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Jucelaine Angelim. Considerações sobre responsabilidade civil ambiental por atos omissivos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40724/consideracoes-sobre-responsabilidade-civil-ambiental-por-atos-omissivos. Acesso em: 23 dez 2024.
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