O presente estudo objetiva abordar de forma sucinta a concessão do benefício de pensão por morte a filha solteira do denominado ex combatente.
O tema ganha relevância em razão da sucessão de normas sobre o tema, o qual provoca uma série de dúvidas para o intérprete quanto à correta incidência da norma aplicável no caso concreto e as categorias de ex combatentes existentes, as quais possuem tratamento jurídico diverso.
Os primeiros diplomas legais que regulamentaram a concessão de aposentadoria a ex combatente foram as Leis nºs 288/48 e 1.756/52, as quais concederam, respectivamente, aos militares de carreira e servidores públicos vantagens não extensíveis aos demais militares quando da aposentação em decorrência da participação no quadro de operações da Itália ou em missões de patrulhamento do litoral, bem como estenderam esses benefícios aos funcionários da Marinha Mercante Nacional.
Observa-se que os servidores da Marinha Mercante Nacional são equiparados aos militares pela Lei nº 1.756/52, porém não são militares de carreira.
As leis acima mencionadas tratam da concessão de aposentadoria aos militares, algumas categorias de civis e aos vinculados a Marinha Mercante Nacional que se aposentaram dentro do regime próprio, destinado a determinadas carreiras as quais estavam vinculados como profissionais desde a época do conflito, leia-se, Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
Para as categorias acima mencionadas, cumpre ainda citar a Lei nº 5.315/67, a qual regulamentou o artigo 178 da Constituição Federal de 1967.
Porém, houve uma categoria que permaneceu sem qualquer benefício relativo à aposentadoria e participou do quadro de operação na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.
Tal categoria é composta pelos militares que participaram do conflito e, posteriormente, retornaram a suas atividades normais vinculadas ao regime geral de previdência social. Dentre estes, podemos citar o pracinha convocado para o serviço militar obrigatório e que, portanto, não era militar de carreira, bem como os funcionários da Marinha Mercante.
Assim, para os ex combatentes civis que participaram do conflito, os quais estavam vinculados ao regime geral de previdência social quando da aposentação, disciplinou a concessão do benefício de aposentadoria de ex combatente as Leis nºs 4.297/63 e 5.698/71.
Ressalta-se que a Lei nº 5.698/71 retirou a equiparação dos funcionários vinculados a Marinha Mercante Nacional em razão da expressa revogação da Lei nº 1.756/52.
Observe-se, assim, a existência de duas categorias de ex combatentes, as quais podemos simplificar como os militares de carreira e funcionários públicos e a dos ex combatentes civis que participaram do conflito, dentre estes os vinculados a Marinha Mercante Nacional. Os primeiros regidos pelas Leis nºs 288/48 e diplomas posteriores específicos e os segundos pelas Leis nºs 1.756/52, 4.297/63 e 5.698/71 e demais diplomas[1].
O primeiro diploma legal que tratou da concessão de pensão por morte gerado por benefícios concedidos a ex combatentes civis que participaram do conflito foi a Lei nº 4.297/63, a qual em seu artigo 3º, letra a, garante a concessão de pensão por morte a filha solteira de qualquer idade:
Art. 3º Se falecer o ex-combatente segurado de Instituto de Aposentadoria e Pensões ou Caixa de Aposentadoria e Pensões, aposentado ou não, será concedida, ao conjunto de seus dependentes, pensão mensal, reversível, de valor total igual a 70% (setenta por cento) do salário integral realmente percebido pelo segurado e na seguinte ordem de preferência:
a) metade à viúva, e a outra metade, repartidamente, aos filhos de qualquer condição, se varões - enquanto menores não emancipados, interditados ou inválidos - se mulheres, enquanto solteiras, incluindo-se o filho póstumo;
(grifamos)
É se salientar que a concessão de pensão por morte à filha solteira maior de vinte e um anos e válida em muito se assemelha a concessão das pensões concedidas aos militares de carreira, onde a filha solteira possui direito a pensão por morte independentemente da idade.
Posteriormente, a Lei nº 4.297/63 foi revogada pela Lei nº 5.698/71, a qual remeteu os ex combatentes civis ao regime geral de previdência social com algumas derrogações, conforme se observa dos seus artigos 1º e 2º abaixo transcritos:
Art. 1º O ex-combatente segurado da previdência social e seus dependentes terão direito às prestações previdenciárias, concedidas, mantidas e reajustadas de conformidade com o regime geral da legislação orgânica da previdência social, salvo quanto:
I - Ao tempo de serviço para aquisição de direito à aposentadoria por tempo de serviço ou abono de permanência em serviço, que será de 25 (vinte e cinco) anos:
II - À renda mensal do auxílio-doença e da aposentadoria de qualquer espécie, que será igual a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, definido e delimitado na legislação comum da previdência social.
Parágrafo único. Será computado como tempo de serviço, para os efeitos desta Lei, o período de serviço militar prestado durante a guerra de 1939 a 1945.
Art. 2º Considera-se ex-combatente, para os efeitos desta Lei, o definido como tal na Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, bem como o integrante da Marinha Mercante Nacional que, entre 22 de março de 1941 e 8 de maio de 1945, tenha participado de pelo menos duas viagens em zona de ataques submarinos.
Parágrafo único. Consideram-se ainda, ex-combatentes, para os efeitos desta Lei, os pilôtos civis que, no período referido neste artigo, tenham comprovadamente participado, por licitação de autoridade militar, de patrulhamento, busca, vigilância, localização de navios torpedeados e assistência aos náufragos.
Cumpre relevar que o artigo 2º faz menção a Lei nº 5.315/67 para alcançar também o militar licenciado que se vinculou ao regime geral de previdência social.
Assim, a Lei nº 5.698/71 remeteu a concessão, manutenção e reajuste do benefício concedido a ex combatentes civis e seus dependentes ao regime geral de previdência social, salvo algumas derrogações.
Conforme se observa da remansosa jurisprudência oriunda do Superior Tribunal de Justiça, norteada pela orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a concessão do benefício de pensão por morte é regida pela legislação vigente a data do óbito:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. EX-COMBATENTE. PENSÃO POR MORTE. FILHA MAIOR DE IDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO. REVOGAÇÃO DA LEI 4.297/63. APLICAÇÃO DA LEI 5.698/71. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. RECURSO DESPROVIDO.
1. É entendimento sedimentado tanto no STF quanto no STJ de que o direito à pensão por morte de ex-combatente é regido pela lei vigente à época do óbito, momento em que os requisitos legais para a obtenção do benefício deverão estar preenchidos. Aplicação, por analogia, da Súmula 340 do STJ.
2. O art. 8º da Lei 5.698/71 revogou a Lei 4.297/63, tendo resguardado apenas aos dependentes de ex-combatentes os direitos previstos na legislação revogada, caso os requisitos nela previstos já houvessem sido preenchidos na sua vigência. Precedentes.
3. Como o instituidor da pensão por morte de ex-combatente faleceu quando a Lei 4.297/63 já estava revogada, não há como aplicar suas disposições que possibilitavam a concessão do benefício à filha solteira maior de idade e não inválida. Incidência, ante a data do óbito, da Lei 5.698/71, que não amparou tal espécie de beneficiário.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 862402 / PE AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2006/0153631-7)
Assim, caso a concessão do benefício de pensão por morte ocorresse na vigência da Lei 4.297/63, a filha solteira maior de vinte um anos, ainda que não inválida, possuía direito a concessão do benefício de pensão por morte decorrente de aposentadorias concedidas aos ex combatente civis.
De outra quadra, a partir da entrada em vigor da Lei 5.698/71, remetendo as disposições do regime geral de previdência social para fins de concessão, manutenção e reajuste de benefício de ex combatentes civis vinculados ao regime geral de previdência social, tanto o artigo 39 da Lei nº 3.807/60 como o artigo 13 do Decreto nº 77.077/76, abaixo transcritos, bem como legislações posteriores excluíram do rol de dependentes habilitados à percepção do benefício de pensão por morte a filha maior de vinte e um anos não inválida:
Art. 39. A quota de pensão se extingue:
a) por morte do pensionista;
b) pelo casamento de pensionista do sexo feminino;
c) para os filhos e irmãos, desde que não sendo inválidos completem 18 (dezoito) anos de idade;
d) para as filhas e irmãs, desde que não sendo inválidas, completem 21 (vinte e um) anos de idade;
e) para a pessoa do sexo mesculino designada na forma do § 1º do art. 11, desde que complete 18 (dezoito) anos de idade;
f) para os pensionistas inválidos se cessar a invalidez.
§ 1º Não se extinguirá a quota de pensão de pessoa designada na forma do § 1º do art. 11 que, por motivo de idade avançada condição de saúde ou em razão dos encargos domésticos continuar impossibilitada de angariar meios para o seu sustento, salvo se ocorrer a hipótese da alínea b dêste artigo.
§ 2º Para os efeitos da concessão ou extinção da pensão, a invalidez do dependente deverá ser verificada por meio de exame médico, a cargo da previdência social.
Art. 13. Consideram-se dependentes do segurado, para os efeitos desta Consolidação:
I - a esposa, o marido inválido a companheira mantida há mais de 5 (cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos e as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas;
II - a pessoa designada, se do sexo masculino, só poderá ser menor de 18 (dezoito) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, ou inválida;
IV - os irmãos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos e as irmãs solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas.
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes dos Itens I e II exclui do direito às prestações os das classes subseqüentes.
§ 2º Equiparam-se aos filhos, nas condições do item I, mediante declaração escrita do segurado:
b) o menor que, por determinação judicial, se ache sob sua guarda,
c) o menor que se ache sob sua tutela e não possua bens suficientes para o próprio sustento e educação.
§ 3º Inexistindo esposa, ou marido inválido, com direito às prestações, a pessoa designada poderá. mediante declaração escrita do segurado, concorrer com os filhos deste.
§ 4º Não sendo o segurado civilmente casado, será considerada tacitamente designada a pessoa com quem ele se tenha casado segundo rito religioso, presumindo-se feita a declaração prevista no § 3º.
§ 5º Mediante declaração escrita do segurado, os dependentes do item III poderão concorrer com a esposa, a companheira ou o marido inválido, com a pessoa designada na forma do § 4º, salvo se existir filho com direito às prestações.
§ 6º Para os efeitos deste artigo, a invalidez deverá ser verificada em exame médico a cargo do INPS.
Assim, apenas as filhas solteiras menores de vinte e um anos possuíam direito a concessão de pensão por morte do denominado ex combatente civil a partir da entrada em vigor da Lei 5.698/71.
Observe-se que o artigo 8º da Lei nº 5.698/71 apenas resguardou aos dependentes de ex combatentes os direitos previstos na legislação revogada (Lei 4.297/63), caso preenchidos os requisitos nela previstos na sua vigência, fato que não se verifica na espécie.
No sentido da argumentação exposta, segue orientação do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Recurso Especial nº 311.933 – RN:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. EX-COMBATENTE. FILHA MAIOR SOLTEIRA. LEI Nº 5.698/71. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA O RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 311933 / RN RECURSO ESPECIAL 2001/0032831-8)
É de se ressaltar que existem inúmeras demandas pleiteando a concessão do benefício de pensão por morte decorrente de benefício de ex combatente à filha solteira válida maior de vinte e um anos, não fazendo a distinção entre benefícios concedidos aos ex combatentes militares de carreira e aos ex combatentes civis, bem como tomando por base a legislação vigente quando da concessão do benefício ao instituidor e não aquela vigente a data do óbito.
Conclusão
Diante do exposto podemos concluir que existem duas classes de ex combatentes, quais sejam, a dos ex combatentes militares de carreira e servidores públicos e a dos ex combatentes civis vinculados ao regime geral de previdência social, sendo que a possibilidade de concessão de pensão por morte à filha solteira não inválida maior de vinte e um anos foi, a princípio, equiparada pela Lei nº 4.297/63, deixando de prevalecer a partir da entrada em vigor da Lei nº 5.698/71 para os ex combatentes civis.
Para os ex combatentes militares a possibilidade de concessão de pensão por morte à filha solteira não inválida maior de vinte e um anos permaneceu nos termos da legislação específica.
Procurador Federal e Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICCHELUCCI, Alvaro. Pensão por Morte. Ex Combatente. Concessão a Filha Solteira maior de 21 anos de Idade e Válida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40727/pensao-por-morte-ex-combatente-concessao-a-filha-solteira-maior-de-21-anos-de-idade-e-valida. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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