Resumo: No contexto da criminalidade contemporânea recebe grande atenção e relevância a prática do delito da lavagem de dinheiro, cuja figura típica foi introduzida no ordenamento brasileiro pela Lei 9.613/1998. Ocorre, contudo, que o referido diploma legal não trouxe inovações apenas no âmbito do direito material, mas também na esfera processual. Destarte, busca-se no presente trabalho a análise dos requisitos necessários à configuração típica do delito de lavagem de dinheiro.
Palavras-chave: Lavagem de dinheiro. Prova. Crime antecedente. Autonomia. Dolo. Condenação.
Considerações iniciais
Como corolário da criminalidade contemporânea surge a conduta da lavagem de dinheiro, a qual passa a ser objeto de preocupação internacional, sendo classificada como crime e “combatida” por meio de instrumentos criminais. Dessa forma, conclui-se que a tipificação penal da ação supramencionada é recente no cenário mundial, e em especial no ordenamento jurídico pátrio.
Percebe-se que somente com o advento da Lei 9.613, datada de 03 de março de 1998, passou a lavagem de dinheiro a receber tratamento penal no sistema jurídico brasileiro. Observa-se que o legislador brasileiro, ao criminalizar a conduta de lavagem de dinheiro, em um primeiro momento, optou por estabelecer um rol taxativo de crimes antecedentes no artigo 1º, e incisos, da Lei 9.613/98, o que restou modificado com a advento da Lei 12.683/2012, sendo que a partir de então admite-se a lavagem proveniente da prática de qualquer infração penal.[1] Desse modo, somente se consubstancia a tipicidade da lavagem de dinheiro quando ocorrer a dissimulação ou ocultação de bens, direitos ou valores provenientes de ao menos uma das hipóteses típicas previstas no rol de delitos prévios descrito na Lei de Lavagem.
Além disso, a Lei 9613/98 traz em seu bojo inovações no âmbito processual penal, tais como a suposta autonomia entre o crime antecedente e o delito de lavagem de dinheiro (conforme dispõe o artigo 2º, inciso II, da Lei 9.613/98), e a possibilidade da instauração de ação penal para apurar a prática da lavagem sem a prova da ocorrência do delito antecedente (artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 9.613/98). Entretanto, tendo em vista o silêncio do legislador no que diz respeito à condenação no crime da lavagem de dinheiro e a necessidade ou não da prova cabal acerca do cometimento do delito antecedente, abordar-se-á no presente trabalho os requisitos exigidos à configuração da tipicidade da lavagem de dinheiro.
1. Conceito de prova
Antes de verificarmos os posicionamentos doutrinários acerca dos requisitos para a condenação pela prática de lavagem, devemos fazer uma breve digressão acerca do conceito de prova.
A partir da lição de Antônio Magalhães de Gomes Filho a primeira conclusão que se pode chegar quanto à prova é a de que esta não pode representar a “verdade”, compreendida esta como a correspondência com os fatos, na medida em que a reconstrução destes está condicionada a uma série de limitações, dentre as quais, e fundamental, está a impossibilidade da observação direta dos acontecimentos que serão considerados na decisão pelo juiz.[2]
A partir dessa constatação passa-se à busca de novos critérios de aproximação da verdade e convencimento judicial, sendo exemplo disso os conceitos de verossimilhança e probabilidade. Ocorre que a primeira, compreendida como a aparência da verdade, logo é refutada, dada a sua circularidade intrínseca, ou seja, somente se poderia conceber a aparência da realidade quando se verificasse qual é esta realidade, de onde se vislumbra a inutilidade de tal conceito, uma vez que “se se conhece a realidade, não é útil discutir se sua representação é ou não aproximada à verdade.”[3] No que se refere à probabilidade, verifica-se que esta se divide em probabilidade quantitativa e probabilidade lógica. A probabilidade quantitativa diz respeito à freqüência de determinados fenômenos com base na análise de dados estatísticos. Também este critério não tem sido muito aceito quando se trata de processo penal em razão de ferir frontalmente o princípio da presunção de inocência, uma vez que mesmo se considerando a alta probabilidade do acusado ser o responsável pela prática de uma ação delitiva, sempre haverá uma possibilidade, mesmo que mínima, de que ele não seja o efetivo autor da conduta.[4]
Afastados os critérios de aproximação com a verdade mencionados acima, verifica-se que a forma mais adequada, no que diz a essa aproximação, no bojo do processo penal, é a probabilidade lógica. De acordo com esse critério, ao revés de se procurar quantificar a relação dos elementos de prova e o acontecimento sob exame, tem-se por escopo “estabelecer o ‘grau’ de fundamento de uma afirmação sobre o fato, com base nos dados disponíveis; a medida da probabilidade não será expressa em números, mas tomando-se com base o ‘grau’ de confirmação fornecido pela provas existentes, será possível afirmar-se que uma hipótese é mais ‘provável’ que outra.”[5] A fim de melhor explicitar o conceito de probabilidade lógica, assim exemplifica Antônio Magalhães Gomes Filho:
[...] um policial declara que o acusado foi encontrado no jardim de uma casa da qual, pouco tempo antes, jóias haviam sido subtraídas, e essas mesmas jóias estavam em seu poder; a acusação certamente pretenderá demonstrar que o acusado é o autor do furto, através da generalização segundo a qual é normal que o agente da remoção de um objeto seja encontrado, em seguida, na posse do mesmo. Mas, para que tal generalização possa servir de fundamento a uma condenação, é necessário que possa resistir à interferência de uma série de fatores: a possível existência de outras pessoas no jardim, a intenção do acusado em devolver os objetos subtraídos por outras pessoas, etc. Enfim, para que se possa afirmar ter sido obtida uma prova consistente, fora de dúvidas, será necessário verificar se cada característica relevante da situação examinada é coerente com a generalização pretendida.[6]
2. Requisitos para a configuração da lavagem de dinheiro
Visto essas breves considerações acerca da concepção que se pretende exprimir a respeito da prova, cumpre analisarmos os requisitos para a configuração da lavagem, mais especificamente, a necessidade da prova do crime anterior para que haja condenação pela prática de lavagem de dinheiro.
Ab initio, devemos observar a relação de autonomia estabelecida entre o crime de lavagem e o delito prévio, consoante se extrai da redação do artigo 2º, inciso II, da Lei 9.613/98, veja-se:
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
[...]
II – independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012);
[...]
A partir do dispositivo supra transcrito, que consagra a autonomia da lavagem com relação ao crime antecedente, deu-se margem à interpretação de que poderia haver a configuração da lavagem de dinheiro, ainda que não comprovada a existência do delito antecedente. Nesse sentido, é o posicionamento de William Terra de Oliveira, in verbis:
O art. 1º trata de crimes que podem ser chamados de “diferidos” ou “remetidos”, já que fazem menção a crimes anteriores e precedentes, dependendo destes para sua conformação. Contudo, ainda que o tipo mencione delitos antecedentes, geradores do dinheiro e valores que serão objeto da conduta do agente na lavagem de dinheiro, não podemos esquecer que o crime de legitimação de capitais é um delito autônomo. Não é um delito “meramente acessório” a crimes anteriores, já que possui estrutura típica independente (preceito primário e secundário), pena específica, conteúdo de culpabilidade própria e não constitui uma forma de participação post-delictum. Em conseqüência, não é exigida a prova cabal dos delitos antecedentes (sentença penal condenatória), bastando apenas indícios da prática das figuras mencionadas nos incs. I a VII, para que se complete a tipicidade.[7]
Nesse mesmo sentido, encontra-se decisão em nossos tribunais, que admite a ocorrência da lavagem sem a prova da infração penal prévia, veja-se:
[...] - Se os crimes antecedentes foram praticados contra o sistema financeiro e contra a administração pública, na modalidade de descaminho/contrabando, aplica-se o disposto nos incisos V e VI do art. 1º, § 1º, I e § 2º, I, da Lei nº 9.613/98. - Não é exigida a prova cabal dos delitos antecedentes, bastando apenas indícios da prática das figuras mencionadas nos incisos I a VII para que se complete a tipicidade. [...]”omissis”[8]
Nas razões do voto do julgado supra destacado o douto magistrado Relator, Sr. Luiz Fernando Wowk Penteado, limitou-se a citar a doutrina supra transcrita, observe-se:
Quanto à inexistência do crime de lavagem de dinheiro em razão do princípio da especialidade, não deve prosperar. No caso vertente, os crimes antecedentes foram praticados contra o Sistema Financeiro e contra a Administração Pública, na modalidade de descaminho/contrabando, sendo aplicável aos réus o disposto nos incisos V e VI do art. 1º, §1º, I e §2º, I, da Lei nº 9.613/98.
Convém assinalar que o art. 1º da mencionada Lei:
"trata de crimes que podem ser chamados de 'diferidos' ou 'remetidos', já que fazem menção a crimes anteriores e precedentes, dependendo destes para a sua confirmação. Contudo, ainda que o tipo mencione delitos antecedentes, geradores do dinheiro e valores que serão objeto da conduta do agente na lavagem de dinheiro, não podemos esquecer que o crime de legitimação de capitais é um delito autônomo. Não é um delito 'meramente acessório' a crimes anteriores, já que possui estrutura típica independente (preceitos primário e secundário), pena específica, conteúdo de culpabilidade própria e não constitui uma forma de participação post delictum. Em consequência, não é exigida a prova cabal dos delitos antecendentes, bastando apenas indícios da prática das figuras mencionadas nos incisos I a VII para que se complete a tipicidade" (Raul Cervini e outros, in Lei de Lavagem de Capitais, 1998, p. 333/334, ed. RT).[9]
Contudo, não podemos compactuar com tal entendimento, na medida em que o crime antecedente se trata de verdadeiro elemento constitutivo do tipo de lavagem de dinheiro, sem o qual não há que se falar em tal prática. Embora se admita a autonomia entre o delito prévio e a lavagem, tem-se que tal autonomia não é absoluta. Trata-se, em verdade de uma autonomia procedimental, referente aos processos-crime, a não aos crimes em si, uma vez que o crime antecedente (aqui já restou mencionado que em se tratando da lavagem, assim como ocorre nos delitos de receptação, incide a teoria da acessoriedade limitada. Sendo assim a conduta precedente deve ser ao menos típica e ilícita, independente da aferição da culpabilidade) integra, como elementar, o tipo de lavagem, isto é, a conduta delitiva de lavagem depende da existência do injusto prévio para que reste perfectibilizada a sua tipicidade.[10]
Portanto, dessa autonomia da lavagem, resulta a possibilidade de que a prova do crime antecedente seja averiguada no próprio curso da instrução da ação penal instaurada para investigar a suposta prática de lavagem, e não somente no curso do procedimento criminal de apuração da prática do crime prévio. Disso decorre a desnecessidade de sentença transitada em julgado que verifique a prática de um fato típico ilícito antecedente[11], porém não corresponde a afirmar que para a configuração da lavagem seja prescindível a prova do delito antecedente. Nesse aspecto, a lavagem, vez mais, assemelha-se com o delito de receptação.
Acerca da necessidade da prova do crime antecedente para a configuração da lavagem, refere André Luís Callegari que parte da doutrina espanhola recorre à jurisprudência da receptação, em que se fundamenta ser prescindível a sentença condenatória do delito prévio, mas não a prova desta infração penal antecedente, o que também ocorre em nosso ordenamento, podendo-se concluir que isso também se aplicaria com relação aos delitos de lavagem. Nas palavras do autor:
Assim, para poder demonstrar a relação entre um bem e um delito anterior é imprescindível provar a comissão desse delito prévio. Para esse dado existem duas possibilidades: pode-se exigir uma sentença transitada em julgado que constate a realização do fato tipicamente antijurídico, ou deixar o juiz que aprecia o delito de lavagem determine também esse assunto. Para solucionar essa polêmica, um setor da doutrina espanhola utiliza a jurisprudência da receptação, assinalando que nestes casos não é necessária uma sentença condenatória com relação ao delito prévio, mas se exige, pelo menos, um fato minimamente circunstanciado. Entretanto, é necessário que o juiz responsável pelo julgamento do fato de lavagem considere provada a existência de um fato delitivo prévio, ou seja, é necessário saber com precisão qual é o fato criminoso que originou os bens. Assim, não se requer uma sentença condenatória do crime antecedente, mas a receptação deve estar plenamente creditada em sua realidade e em sua natureza jurídica, sem que baste para isso a mera constância de denúncias, ocupação de bens e outras diligências policias ou sumárias. Por se tratar de um elemento constitutivo do tipo, faz-se necessário que as provas destinadas a acreditá-lo se tenham praticado com as garantias constitucionais e processuais que as tornem aptas para desvirtuar a presunção da inocência. Portanto, ao menos, é necessário que fique provado que os bens procedam de um dos delitos previstos na Lei de Lavagem. De sua parte, a jurisprudência brasileira confere o mesmo tratamento à receptação, isto é, não exige a necessidade de uma sentença penal condenatória que afirme a ocorrência. De acordo com isso, é possível a utilização dessa interpretação para os delitos de lavagem, em especial, ao preceito estabelecido no artigo segundo, inciso segundo, da Lei brasileira. Assim, para que se possa condenar o sujeito pelo delito de lavagem, é necessário, no mínimo, que haja uma prova convincente do delito prévio, prova essa que pode ser acreditada com relação a um dos delitos precedentes previstos na Lei de Lavagem.[12]
Portanto, é correto dizer que na instrução probatória da lavagem de dinheiro deve-se apurar, com base nos critérios da probabilidade lógica, a ocorrência do delito prévio, sem a qual não se consubstancia o tipo de lavagem. Nesse sentido aduz Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo que “no correr da instrução criminal, acusação terá de provar que os bens, objeto da suposta lavagem de dinheiro, provêm de determinado crime antecedente, que não se duvida tenha ocorrido. Caso contrário, será impossível assentar-se a tipicidade penal.”[13]
Ainda a corroborar o entendimento da imprescindibilidade da prova do crime antecedente para a condenação do agente pela perpetração de lavagem, merece relevo o escólio de Marco Antônio de Barros, que assim preleciona:
A comprovação da ocorrência do crime básico configura uma questão prejudicial do próprio mérito da ação penal em que se apura a prática do crime de “lavagem”. Desse modo, ao fundamentar a sentença condenatória, o juiz tem o dever funcional de abordar essa questão, afirmando estar convencido da existência do crime antecedente, apontando as provas dos autos que o levam a formar essa convicção. Obviamente, no processo criminal de “lavagem” não se julga delito anterior, mas é absolutamente necessário mencionar, de forma expressa, que ele de fato ocorreu. Prescinde-se, do ponto de vista legal, apenas da indicação de sua autoria, circunstância nem sempre poderá ser dissociada do convencimento seguro da ocorrência do crime anterior, pois, por exemplo, não é tão fácil assim concluir sobre a certeza da ocorrência de um crime praticado contra a Administração Pública seu autoria definida,. Daí exigir-se que o juiz forme seu convencimento embasado na prova segura da existência do crime antecedente, que poderá ser efetivada no próprio processo de “lavagem” ou em outro em que se apure o crime antecedente. Se, ao findar a instrução do processo, para o juiz ainda pairar dúvida sobre a existência do crime básico, a solução do processo criminal atenderá à máxima in dubio pro reo, absolvendo-se o imputado por falta de provas.[14]
Também nessa esteira, veja-se o seguinte julgado exarado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que ora se traz à colação:
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º DA LEI 8.137/90. IMPRESCINDIBILIDADE DO LANÇAMENTO DO CRÉDITO FISCAL. EVASÃO DE DIVISAS. ARTIGO 22 DA LEI 7.492/86. NÃO CONFIGURAÇÃO.LAVAGEM DE DINHEIRO. AUSÊNCIA DE CRIME ANTECEDENTE. ART. 333 DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
1. ao 3. “omissis”
4. Para caracterização do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98) é necessária a prévia ocorrência de crime, do qual o numerário seja proveniente, o que não restou evidenciado.
5. ao 6. “omissis”[15]
Nas razões do voto, assim aduziu o Sr. Relator Élcio Pinheiro de Castro:
No que tange à lavagem de dinheiro, mais uma vez laborou com acerto o douto Juiz sentenciante, eis que tal infração pressupõe a existência de crime antecedente, do qual provém o numerário, o que não ocorreu na espécie.
Veja−se, a propósito, o teor do decisum hostilizado:
"Do delito tipificado no art. 1º da Lei 9.613/98, atribuído aos acusados Dalmir e Ademir Burigo. É a redação do dispositivo em comento: 'Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de crime: I − (...) V− contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos (...) Pena: reclusão, de três a dez anos, e multa.' Como se vê, constitui elemento essencial à configuração do crime de lavagem de dinheiro que este provenha de crimes anteriores. No caso em tela, a acusação se refere especificamente a delitos contra a Administração Pública. (...) Observo que, também com relação a esse fato, a denúncia mais confunde que esclarece, dando enquadramento jurídico que não corresponde ao evento narrado. Contudo, a análise deste delito não comporta grandes digressões. Como dito acima, para sua configuração é necessário restar devidamente provada a prática de crime anterior, através do qual o 'dinheiro sujo' tenha se originado. Embora a denúncia não especifique, presume−se, pelo teor da acusação, que este envolveria a prática de sonegação fiscal. Como tal imputação restou afastada, inexiste delito anterior e, conseqüentemente, não há falar em crime de 'lavagem de dinheiro'. Assim, não havendo prova da existência do fato, a absolvição dos réus é medida que se impõe."[16]
Com efeito, exsurge das lições acima esposadas que em se tratando de lavagem de dinheiro, quando não comprovada a existência do delito prévio, opera-se a atipicidade da conduta. Necessário frisar, aqui, que da mesma forma ocorre com o crime de receptação, espécie delitiva que também não prescinde da prova da infração penal anterior para que se consubstancie a sua tipicidade.[17]
Também se deve fazer o registro de que, no que concerne ao delito antecedente praticado no exterior (Art. 2º, inciso II, in fine, da Lei 9.613/98[18]) é necessário observar o princípio esculpido no artigo 7º, parágrafo 2º, alínea ‘b’, do Código Penal[19], qual seja a dupla incriminação, conforme o qual o fato deve ser punível também no local de sua comissão. Nessa senda, traz-se à baila, vez mais, o escólio de Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, que preceitua nos seguintes moldes:
Não é necessária a coincidência de nome juris, de qualificação ou de punição, sendo suficiente o fato configurar-se crime e ser punível no Estado estrangeiro. Em suma, o fato tem de estar previsto como crime antecedente na capitulação do art. 1º da Lei 9.613/98, enquadrar-se na descrição legal do crime da lei penal brasileira, e também, ser tipificado como infração penal no local onde foi cometido. Portanto, se por qualquer razão o fato não for considerado crime, numa jurisdição ou noutra, exsurge impossível caracterizar o fato anterior como crime antecedente.[20]
No que se refere ao tipo subjetivo de lavagem de dinheiro, observa-se que somente se admite a forma dolosa, ante a ausência de previsão na modalidade culposa (artigo 18, parágrafo único, do Código Penal[21]). Tem-se, ainda, que o dolo no delito em apreço deve ser direto, ou seja, a vontade livre e consciente de realizar o tipo objetivo, embora haja o entendimento de que o agente pode assumir o risco de produzir o resultado (dolo eventual). Nesse sentido, William Terra de Oliveira, afirma que somente se pode admitir o dolo eventual quando o agente estiver investido em alguma posição de garante em evitar o resultado ou no caso de sua ação ser relevantemente causal para a prática da lavagem de dinheiro.[22]
Como não poderia ser de outra forma, ao se afirmar que a conduta de lavagem de dinheiro somente admite a modalidade dolosa, a problemática do tipo objetivo repercute no âmbito do tipo subjetivo. Isto é, a tipicidade da lavagem de dinheiro somente se perfectibiliza quando o agente tem o conhecimento da origem ilícita dos bens (sendo que a ação delitiva prévia deve se enquadrar em uma das hipóteses típicas previstas no rol taxativo de delitos antecedentes do artigo 1º, da Lei de lavagem) – consubstanciando assim o elemento cognitivo do dolo – e quer atribuir-lhes aparência de licitude, por meio da ocultação ou dissimulação da origem dos bens – caracterizando-se, assim, o elemento volitivo do dolo.
Nesse viés, assim refere Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo:
Acima afirmou-se que, na lavagem de dinheiro, o crime anterior constiui elemento objetivo do tipo, assim como se adotou o dolo como o conhecer e querer os elementos objetivos típicos. A prática da lavagem de dinheiro depende, portanto, de o sujeito ativo saber da origem ilícita dos bens, para concretizar-se o tipo doloso. Isto quer dizer, agente precisa ter ciência do delito prévio e querer realizar a ocultação ou a dissimulação da origem ilícita.[23]
Necessário frisar, ainda, que o elemento cognitivo na lavagem de dinheiro apresenta duas perspectivas diversas, pois o agente além de conhecer que os bens têm por origem uma das condutas típicas previstas no rol taxativo de crimes antecedentes da Lei de lavagem, também deve compreender o caráter ilícito da ocultação, dissimulação e integração dos bens à economia.[24] Essa distinção faz-se necessária, uma vez que o desconhecimento por parte do autor a respeito da origem criminosa dos bens – elemento objetivo do tipo – acarreta na atipicidade de sua conduta, sendo esta uma hipótese de erro de tipo (artigo 20 do Código Penal[25])[26], enquanto que a falta de conhecimento do agente no que pertine à ilicitude da lavagem, quando inescusável, caracteriza o erro de proibição (previsto no artigo 21 do Código Penal[27]).[28]
Em resumo se pode afirmar que o elemento subjetivo do tipo de lavagem exige: o conhecimento dos bens; a prática da infração penal antecedente; e a relação entre tais bens e o delito antecedente.[29]
Portanto, deve-se registrar, uma vez mais, que prova do crime antecedente é requisito imprescindível para que seja consubstanciada a tipicidade da lavagem de dinheiro.
Por derradeiro, trazemos à transcrição o paradigma do processo crime Ágata Colombini, relatado por Francesco Carrara, e citado por Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, o qual evidencia a impossibilidade da caracterização do crime acessório, sem a prova da prática do delito antecedente:
No caminho para a cidade italiana de Lucca, a acusada adquiriu vinte e cinco galinhas de um aldeão desconhecido. Ao buscar revendê-las no mercado, considerou-se o preço baixíssimo, criando-se clamor de que seriam produto de crime. A suspeita quanto ao valor das aves e a reticente versão imputada, no tocante à origem da mercadoria, levaram-na ao cárcere. Nas mãos do juiz-instrutor, buscou ele perquirir a verdade. Dedicou-se a apurar o crime anterior, pretenso furto de galinhas, chegando a enviar circulares a todos os postos de guarda daquela província, questionando a ocorrência do delito patrimonial. Soube de doze furtos e ouviu os respectivos proprietários lesados: “Pero la diligencia del juez investigador fue pasando de desilusión em desilusión. Ninguno de los doce robados pudo reconecer entre lãs cinco gallinas secuestradas a una sola como perteneciente a él”. Encerrada a investigação, o instrutor determinou ao secretário a venda das galinhas. Aguardava-se o arquivamento do caso, porém o Ministério Público não opinou dessa forma. Havia de recuperar os custos do processo e sustentar a acusação. Assim, denunciou Ágata Colombini pela compra dolosa de objetos roubados, asseverando: “Si me falta la prueba del hurto, se dijo, sin embargo tengo la prueba del conocimiento de él, que surge de los gravísimos indicios de lo barato del precio (comprobado por el hecho del secretario) y la declaración de la Colombini de haber comprado a un desconocido. A acusada foi condenada, com alicerce na mesma falácia, pelo Tribunal de Lucca. Irresignada, recorreu à Corte de Apelação. Em segundo grau de jurisdição, almejando manter a decisão condenatória, o acusador embasou-se na jurisprudência que autorizava a condenação do receptador, não obstante desconhecido o autor do crime contra o patrimônio. Essa fundamentação configurava evidente sofisma, partia da premissa verdadeira quanto à desimportância da autoria do delito anterior, chegando à falsa conclusão de que a incerteza sobre a ocorrência material do crime anterior permitiria reconhecer o crime acessório. Assim a Corte absolveu Ágata Colombini, segundo Carrara, porque: “Más sagaces fueron las observaciones del defensor, pues atacó a la acusasión en su terreno. Ud. dice que no hay necesidad de probar el hurto, sino que basta demostrar el conocimiento del hurto en el acusado. Y esto cree haberlo probado con los indicios de la baratura del precio y de la reticencia del nombre del vendedor. Pero cómo puede Ud. afirmar que la Colombini tenía conocimiento del hurto cuando usted mismo no ha podido adquirir esse conocimiento? Dice usted que aquellas gallinas podían provenir de algún hurto cometido en otras provincias, pero no advierte que com esa pretensión pone la base de mera posibilidad de acusasión, la cual no se mantiene en pie si no tiene el apoyo de una afirmación positiva. Frente a la simple afirmación de una posibilidad, queda siempre abierto el camino para posibilidad contraria. Usted há debido demostrar que aquellas gallinas eran robadas; en cambio, cuando se contenta con afirmar la posibilidad de que fueran robadas, justifica la investigación (para la cual basta la sospecha), pero no justifica la acusación ni la condena, para las cuales es necesaria la certeza.” [30]
Conclusão
A partir desses novos preceitos legais introduzidos pela Lei de lavagem, parte da Doutrina e Jurisprudência nacionais passou a defender o entendimento na esteira da possibilidade de haver a condenação pela prática de lavagem sem a devida comprovação da prática do delito antecedente, ou seja, admitir-se-ia a configuração típica da lavagem de dinheiro sem estar constituída uma das elementares do tipo.
Com a devida licença, buscou-se demonstrar no desenvolvimento da presente pesquisa que tal entendimento não pode prevalecer por se tratar de um contrassenso. A conduta típica da lavagem de dinheiro somente se consubstancia com a prova da ocorrência de um dos delitos previstos no rol taxativo expresso no artigo 1º da Lei 9.613/98. Isso porque, como já aludido, o delito prévio (sempre se fazendo a ressalva de que, em razão da incidência da teoria da acessoriedade limitada, o delito antecedente corresponde a uma ação ou omissão típica e ilícita, independente de ser culpável ou não) é uma elementar da conduta de lavagem de dinheiro, pois integra o seu tipo objetivo.
O crime antecedente importa, ainda, ao tipo subjetivo da lavagem, uma vez que é imprescindível o conhecimento por parte do agente do fato de que os bens, direitos ou valores, ocultados ou dissimulados, têm por origem a prática de um dos delitos antecedentes.
Portanto, extrai-se dessas considerações, também, que a suposta autonomia entre o tipo básico e o diferido não é absoluta, tratando-se de autonomia meramente procedimental.
Sendo assim, é correto afirmar, conquanto se admita a instauração da ação penal que imputa a ocultação ou dissimulação de capitais apenas com indícios suficientes da prática do delito anterior, que não há configuração típica da conduta de lavagem dinheiro sem a comprovação da ocorrência da ação típica e ilícita precedente.
Referências bibliográficas
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[1] Após as alterações trazidas pela Lei 12.683/2012 o artigo 1º da Lei 9.613/98 passou a apresentar a seguinte redação: “Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) IV - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) V - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) VI - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) VII - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) VIII - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) [...]”
[2] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 41-45. Aqui o autor faz a referência de que esta impossibilidade constitui uma diferença também entre o operador do direito (no caso juiz) e os pesquisadores das ciências experimentais, os quais mantêm contato direto com fenômenos sob análise. Antônio Magalhães Gomes Filho estabelece ainda uma comparação entre as atividades do juiz e do historiador, que se diferem em razão dos métodos empregados na colheita, seleção e avaliação dos dados a serem analisados.
[3] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal, p. 46-47.
[4] Ibid., p. 47-51.
[5] Ibid., p. 52.
[6] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal, p. 52-53. O autor ainda acrescenta que embora se tenha buscado definir um critério de aproximação da realidade na apuração probatória não se deve abandonar a reconstituição verdadeira dos fatos no interior do processo, isto é, a verdade processual. Isso porque não se pode prescindir de uma verificação correta dos fatos quando se almeja uma decisão “justa”. Anota o professor Gomes Filho que há nos sistemas judiciais a conjugação de dois fatores, quais sejam poder e decisão, sendo que não poderá haver a verdade “real” quando a sua obtenção estiver voltada somente a uma perspectiva (no caso a defesa social), uma vez que “somente o contraditório pode fazer emergir todos os aspectos do fato investigado.” Disso se extrai a necessidade de que não somente a acusação seja confirmada por meio de provas (nulla accusatio sine probatione), mas também que seja reconhecido o direito ao acusado de produzir provas contrárias às da acusação (nulla probatione sine defensione) Para tanto, deve-se assegurar as garantias do devido processo legal e da imparcialidade do magistrado que conduz a instrução probatória, bem como a previsão legal dos meios de prova (isto é, regras previamente fixadas), de modo que não se admita uma liberdade absoluta do magistrado, pois, dessa forma, poderia este trazer aos autos somente as provas que interessassem a justificar uma tese previamente concebida. Por fim, acrescenta o insigne doutrinador que não se pode prescindir no processo penal da transparência dos procedimentos probatórios, isto é, da publicidade para as partes (interna) e para o público em geral (externa) dos atos de produção probatória, uma vez que somente com tal publicidade se pode efetivar as demais garantias, constituindo-se, portanto, em verdadeira “’garantia das garantias’ cuja observância é a nota diferenciadora entre as culturas jurídicas democráticas e autoritárias.”
[7] CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais, p. 334-335.
[8] TRF4, Ap. Criminal 2001.71.00.037905-4/RS, Oitava Turma, Relator: Luiz Fernando Wowk Penteado, DJU 03/05/2006, p. 614. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br> Acesso em: 15 maio 2006.
[9] TRF4, Ap. Criminal 2001.71.00.037905-4/RS, Oitava Turma, Relator: Luiz Fernando Wowk Penteado, DJU 03/05/2006, p. 614. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br> Acesso em: 15 maio 2006.
[10] No que se refere a essa relativa autonomia entre a lavagem e o crime antecedente trata Marco Antonio de Barros da seguinte forma: “Temerário concluir que essa autonomia seja absoluta, irrestrita e incondicional. Na verdade, a independência do processo criminal de ‘lavagem’ em relação a qualquer um dos crimes básicos é relativa. Isto significa dizer que, embora sejam os processos autônomos, sempre deverá existir entre eles um elo de conexão que atenda ao pressuposto próprio do crime de ‘lavagem’, posto configurar condição essencial para o recebimento da denúncia o fato de ela ser instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente.” BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de capitais e obrigações civis correlatas, p. 210.
[11] CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003, p. 146.
[12] CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro, p. 146-147.
[13] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro, p. 131-132.
[14] BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de capitais e obrigações civis correlatas, p. 224-225.
[15] TRF4, Ap. Criminal 2000.72.08.000638-9/SC, Oitava Turma, Relator: Élcio Pinheiro de Castro, DJU 05/10/2005, p. 1013 Disponível em: <http://www.trf4.gov.br> Acesso em: 15 maio 2006.
[16] TRF 4, Ap. Criminal 2000.72.08.000638-9/SC, Oitava Turma, Relator: Élcio Pinheiro de Castro, DJU 05/10/2005, p. 1013 Disponível em: <http://www.trf4.gov.br> Acesso em: 15 maio 2006.
[17] Nesse sentido, veja-se a seguinte ementa de acórdão exarado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Receptação. Falta de prova em torno da ocorrência do crime antecedente (furto). Sentença absolutória mantida.” É mister também a transcrição de excerto das razões do eminente relator, proferidas no voto do julgado supra destacado, as quais resumem a idéia de que conquanto seja possível a instauração da ação penal sem a prova da ocorrência do crime antecedente, para que haja a condenação pela prática da infração penal de receptação deve restar comprovada a ocorrência do delito prévio, bem como a ciência do agente acerca da origem ilícita da coisa, observe-se: “É de ser mantida a sentença guerreada pelos seus próprios fundamentos, que transcrevo: [...] A prova do crime de receptação, aqui imputado ao réu, é insuficiente para condenar. Eventuais indícios apontando para a prática do crime em questão, colhidos na fase das investigações, que serviram de base para o oferecimento da denúncia, não foram confirmados em juízo. Desse modo, não se podendo positivar a ocorrência do crime antecedente – furto -, em razão da dúvida, esta estende-se ao segundo fato imputado, e, por conseqüência, impossibilita manter a condenação pelo crime conseqüente – receptação, porquanto, prejudicada ficou elementar deste segundo crime, a origem criminosa da coisa, e o dolo do receptador, que estaria sabendo ter adquirido coisa proveniente de furto. Por tais fundamentos, julgo improcedente a ação penal e absolvo Wagner Simão Brito, da imputação de incurso nas sanções do art. 180, “caput”, do Código Penal, o que faço com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Código Penal.” Subscrevendo integralmente a argumentação sentencial da Dra. Osnilda Pisa, Juíza de Direito, concluo no mesmo sentido. A prova é insuficiente para condenar.” TJ/RS, Ap. Criminal 70007048366, Sexta Câmara Criminal, Relator Ds. Paulo Moacir Aguiar Vieira, j. 04/03/2005. Disponível em: <http:// www.tj.rs.gov.br> Acesso em 15 maio 2006. Na mesma esteira, veja-se: TJ/RS, Ap. Criminal 70010709830, Oitava Câmara Criminal, Relatora Ds. Fabianne Breton Baisch, j. 15/06/2005 e TJ/RS, Ap. Criminal 70001583012, Oitava Câmara Criminal. Relator Ds. Tupinambá Pinto de Azevedo, j. 15/04/2003.
[18] “Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: [...]
II – independem do proceso e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país;”
[19] “Art. 7º Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: [...]
§2º Nos casos do inciso II, aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: [...]
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado.”
[20] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro, p. 123-124. No mesmo sentido, merece destaque também a lição de Rodolfo Tigre Maia: “Cabe relembrar que a definição criminal do ilícito-base no ordenamento jurídico alienígena, ainda que com outro nomen juris, deve ser assemelhada à tipificação adotada no Direito Penal brasileiro, para que não reste vulnerado o princípio da reserva legal dos delitos de ‘lavagem’ de dinheiro. Este requisito é análogo ao exigível para fins extradicionais, e, neste aspecto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “(...) a exigência da dupla incriminação constitui requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição. O postulado da dupla tipicidade impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto. A possível diversidade formal concernente ao nomen juris das entidades delituosas não atua com causa obstativa da extradição, desde que o fato imputado constitua crime sob a dupla perspectiva dos ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil e no Estado estrangeiro que requer a efetivação da medida extradicional. O fato atribuído ao extraditando (...) constitui, em tese, infração penal, quer à luz da legislação portuguesa, quer em face do que prescreve o ordenamento positivo brasileiro. Satisfaz-se, desse modo, a exigência legal da dupla incriminação ou da dupla tipicidade inscrita no Estatuto do Estrangeiro (art. 77, II)”. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro, p. 112-113.
[21] “Art. 18 [...] Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.”
[22] CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais, p. 328. Nesse aspecto o autor cita o seguinte exemplo: “um diretor de uma instituição financeira (que tem a obrigação legal de comunicar operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF) sabe que determinada operação se presta ao procedimento de lavagem de dinheiro, e mesmo assim não comunica tal fato às autoridades, ou ainda revela ao seu cliente que realizou dita comunicação, possibilitando um aperfeiçoamento da operação e um conseqüente benefício ao operador. Tal comportamento se aproxima do dolo eventual e portanto sua conduta será típica.” Por sua vez, Rodolfo Tigre Maia, embora admita as eventuais dificuldades para o reconhecimento prático do dolo eventual, conclui ser cabível o dolo eventual no tipo básico de lavagem de dinheiro. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro, p. 86-88.
[23] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro, p. 136.
[24] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro, p. 138.
[25] “Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a puniçõa por crime culposo, se previsto em lei.”
[26] CALLEGARI, André Luís. O erro de tipo no delito de lavagem de dinheiro. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, Porto Alegre, v. 3, nº 5, p. 40-42, jan./abr. 2002. Assim conclui Callegari: “[...] De acordo com isso, nos casos de lavagem de capitais, o referido conhecimento deve ter relação com a prévia comissão de um dos delitos enumerados no artigo 1º da Lei nº 9.613/98, ou seja, o sujeito deve ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimento ou propriedade dos bens, direitos ou valores, sabendo que estes procedem de, pelo menos, um dos delitos prévios elencados pelo legislador da Lei de Lavagem. Casso isso não ocorra, porque o sujeito, ao valorar a procedência dos bens, desconhece ou ignora, por exemplo, sua origem, ou seja, que não procedem de um delito previsto na Lei de Lavagem, atuará em erro de tipo.”
[27] “Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inveitável, isenta de pena; se evitável poderá diminuí-la de um sexto a um terço.”
[28] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro, p. 138.
[29] Ibid., p. 138.
[30] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro, p. 139-140. apud CARRARA, Francesco. Reminiscencias de cátedra y foro. trad. J, Guerrero. Bogotá: Temis, 1988, p. 263-268.
Bacharel em Direito pelo UNIRITTER/RS. Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB/CEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALMAS, Samir Bahlis. A imprescindibilidade da prova da existência do crime antecedente para que se opere a tipicidade do crime de lavagem de dinheiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 ago 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40730/a-imprescindibilidade-da-prova-da-existencia-do-crime-antecedente-para-que-se-opere-a-tipicidade-do-crime-de-lavagem-de-dinheiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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