Partindo da premissa de que o Estado age administrativamente com fundamento em lei, produzindo atos que produzem efeitos jurídicos e constatando que um ato administrativo encontra-se eivado de vício, por não se obedecer às normas que lhe servem de fundamento e validade, em quais situações os efeitos deste ato devem ser preservados pela administração?
Existem situações em que a eficácia produzida por um ato administrativo nem sempre pode ser desconstituída, assim, apesar da inadequação do instrumento que deu causa ao ato viciado, seus efeitos podem constituir situações que devam ser protegidas juridicamente. Esta é posição (concepção da doutrina dualista), defendida por ilustres doutrinadores, tais como: Seabra Fagundes, Celso Antônio Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho, Weida Zancaner, entre outros. Nesta concepção, os atos administrativos de acordo com a gravidade e lesividade do vício que os inquinam, podem ser nulos ou anuláveis, sendo por fim perfeitamente viável a aplicação da convalidação (preservação de seus efeitos), uma vez que ao menos em tese não há ofensa aos princípios constitucionais.
Qual o papel desempenhado pelos princípios na preservação dos atos administrativos viciados? Diante da existência de um ato administrativo maculado por vício de legalidade, estaria a Administração Pública obrigada a invalidá-lo ficando adstrita à mera legalidade? Haveria incompatibilidade entre o princípio da legalidade e os princípios da segurança jurídica e da boa-fé?
A Lei Federal nº 9.784/99, em seu art. 55, trouxe a possibilidade da aplicação do instituto da convalidação do ato administrativo, conforme registramos “in verbis”:
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
Relevante também se faz a análise da convalidação prevista nesta lei, analisando se a previsão contida neste dispositivo trata-se de dever ou mera liberalidade colocada à disposição da administração.
Este estudo tem por escopo analisar o instituto da convalidação dos atos administrativos viciados frente ao aparente conflito existente entre o princípio da legalidade e os princípios da segurança jurídica e da boa-fé, verificando qual deve ser o comportamento da Administração frente à existência de ilegalidade em seu ato e a necessidade de zelar pela estabilidade das relações constituídas e pelo bem comum.
O conceito de fato administrativo diverge do significado de fato jurídico vez que este encontra amparo no direto privado, podendo ser definido como todo ato capaz de produzir efeitos no ordenamento jurídico, gerando e extinguindo direitos. O fato administrativo, por sua vez, apresenta noção mais ampla, pois abrange não só os fatos capazes de produzir efeitos no mundo jurídico, como também aqueles que não repercutem efeitos na esfera jurídica, mas que, de alguma forma, seja voluntária ou natural, produzem efeitos de ordem prática para a Administração.
Carvalho Filho (2007, p. 89-90) cita como exemplo de fatos administrativos voluntários a apreensão de mercadorias, a dispersão de manifestantes, a desapropriação de bens privados, a requisição de serviços ou bens privados; e exemplifica os fatos administrativos oriundos de fenômenos naturais ao citar o caso de um raio que destrói um bem público ou de uma enchente que inutiliza equipamentos pertencentes ao serviço público.
Os fatos administrativos voluntários materializam-se de duas maneiras: através dos atos administrativos, que formalizam uma providência desejada pela administração, através de sua manifestação de vontade; ou através de condutas administrativas, que representam comportamentos e ações administrativas, precedidos ou não por um ato administrativo formal.
Quanto aos atos administrativos naturais, estes não dependem da vontade do administrador, ao contrário, originam-se de fenômenos da natureza, mas de igual maneira acarretam efeitos que, de alguma forma, refletem na órbita administrativa.
Dessa forma, a noção de fato administrativo pressupõe apenas a idéia de que ocorreu um evento dinâmico da Administração. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 90).
Di Pietro (2006, p. 201) distingue a noção de ato e fato constante do Direito Civil. Para a autora, ato é o acontecimento imputável ao homem, ao passo que o fato decorre de acontecimentos naturais, que independem do homem ou que dele dependem apenas indiretamente. Entende que fato jurídico é aquele que corresponde à descrição contida na norma legal e produz efeitos no mundo do direito, recebendo a denominação de fato administrativo quando, descrito na norma legal, produzir efeitos no campo do direito administrativo. Conceitua, ainda, o chamado fato da administração, ou seja, aquele fato que não produz qualquer efeito jurídico no Direito Administrativo.
Pode-se afirmar que o ato administrativo é um ato jurídico, pois produz efeito de direito, existindo entre eles uma relação de gênero e espécie.
Assim como o ato jurídico, o ato administrativo é ato de vontade apto a produzir efeitos jurídicos de adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. Possui os mesmos elementos estruturais do ato jurídico, quais sejam, sujeito, objeto, forma e vontade. Possui, entretanto, qualificação especial já que o ato administrativo deve ser praticado por agente investido de prerrogativas públicas, dirigido a fins de interesse público. Logo, os atos administrativos são espécies do gênero ato jurídico.
Importante lembrar a inovação trazida pelo Código Civil de 2002 (arts. 104 a 114) de não mais indicar o objeto da vontade do agente – se a pessoa do agente pretendeu o efeito do ato - e sim a vontade jurígena, que objetiva gerar os efeitos jurídicos desejados. Por este entendimento, os atos administrativos não devem ser qualificados como negócio jurídico, mas como ato jurídico, em que a manifestação da vontade do agente, para a prática de um ato administrativo, deverá estar voltada ao exercício da função pública e não à sua vontade pessoal. A vontade jurígena será emitida pelos agentes da Administração em conformidade com a lei, ou seja, a emissão volitiva decorrerá diretamente da lei, independentemente de o agente desejar, ou não, a finalidade a ser alcançada pelo ato. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 92).
Tal afirmação, não exclui, no entanto, a possibilidade da Administração Pública praticar negócios jurídicos, como é o caso da celebração de contratos com particulares, em que o objeto contratual será realmente fixado pelas partes.
Partindo da premissa de que ato administrativo é ato emanado por órgão ou entidade da administração no exercício de um poder público, em sentido amplo, poder-se-ia considerar ato administrativo todo ato proveniente do Poder Executivo; ato legislativo aquele emanado pelo Poder Legislativo e ato judiciário aquele emanado pelo Poder judiciário.
Surgiria a problemática ao deparar-se com atos que, além da indispensável juridicidade, traduzem uma manifestação unilateral de vontade, expressa ou tácita, apta a produzir conseqüências, mas que porém não foram emanados do Poder Executivo, mas de um dos Poderes Legislativo ou Judiciário no desempenho de funções tidas como “atípicas”, porém essenciais à manutenção de sua própria estrutura. Por exemplo, ato de punição ou concessão de férias de um servidor. Assim, há a distinção de ato administrativo formal, aquele emanado pelo Poder Executivo, por excelência; e material, quando provier de quaisquer dos três Poderes no desempenho de sua função administrativa.
A utilização do critério material é, portanto, a mais acertada, já que parte da divisão de funções do Estado, ou seja, função legislativa, judiciária e administrativa. Apesar da expressa separação dos Poderes, a distribuição das funções entre eles não é rígida; cada qual exerce predominantemente uma função que lhe é própria, mas, desempenha também algumas atribuições de outros poderes, necessárias à própria manutenção da independência e harmonia entre eles.
Vários e distintos são os conceitos traçados acerca do ato administrativo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p. 206) conceitua o ato administrativo como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob o regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder judiciário”.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 352) define o ato administrativo:
declaração unilateral do Estado no Exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.
No entendimento de Hely Lopes Meirelles (1996, p.133):
ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direito, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.
Para Odete Medauar (2003, p. 148) o ato administrativo constitui:
um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade.
Variadas são as definições elaboradas pelos mais renomados doutrinadores. Por fim, entendendo se tratar de conceito de grande didática, citar-se-á José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 92) que conceitua ato administrativo como sendo: “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”.
Considera o autor que três pontos são fundamentais para a caracterização do ato administrativo: que a vontade emane de agente da Administração Pública ou dotado de prerrogativas desta; que seu conteúdo propicie a produção de efeitos jurídicos com fim público; e que o ato seja regido basicamente pelo direito público.
Interessante ainda enfatizar no conceito dos ilustres doutrinadores Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a consideração de que os atos administrativos estão sujeitos ao controle do Judiciário. A garantia do controle judicial, apresenta juntamente com as demais formas de controle (administrativo e legislativo) e com os princípios consagrados na constituição, enorme segurança à legitimidade do Estado de Direito. Constitui segurança ao cidadão de que os atos administrativos serão sujeitos ao controle de um órgão dotado de imparcialidade que terá a prerrogativa de apreciar e invalidar os atos ilícitos praticados pela Administração.
Os atos administrativos caracterizam-se, principalmente, pela tipicidade, presunção de legitimidade, imperatividade e auto-executoriedade.
Decorrente do princípio da legalidade, a tipicidade prevê que o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei pra se tornar apto a produzir resultados. Ou seja, cada finalidade pretendida pela Administração deverá estar amparada por um ato definido em lei.
Tal atributo garante ao administrado que a Administração não praticará atos dotados de imperatividade e executoriedade, vinculando unilateralmente o particular, sem que haja previsão legal. Essa garantia abrange inclusive aos atos discricionários , uma vez que a lei, ao prever a discricionariedade do ato, já define os limites que essa discricionariedade poderá ser exercida (DI PIETRO, 2006, p. 212).
É a presunção de que os atos administrativos estão em conformidade com as normas legais. Di Pietro (2006, p. 208) cita seus fundamentos:
1. o procedimento e as formalidades que precedem a sua edição, os quais constituem garantia de observância da lei;
2. o fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato o faz com o consentimento de todos;
3. a necessidade de assegurar a celeridade no cumprimento dos atos administrativos, já que eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular;
4. o controle a que se sujeita o ato, quer pela própria Administração, quer pelos demais Poderes do Estado, sempre com a finalidade de garantir a legalidade;
5. a sujeição da Administração ao princípio da legalidade, o que faz presumir que todos os seus atos tenham sido praticado de conformidade com a lei, já que cabe ao poder público a tutela.
Também chamado de coercibilidade, significa que os atos administrativos têm obrigatoriedade sobre todos aqueles que se encontrem em seu círculo de incidência, ainda que contrarie interesses privados, já que o alvo da Administração Pública é o interesse público. Decorre, portanto do princípio da supremacia do interesse público.
Decorre também do chamado “poder extroverso” que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do seu receptor; interfere na esfera jurídica dos administrados, constituindo-o unilateralmente em obrigações (MELLO, 2003, p. 383).
A imperatividade é, portanto, atributo que só está presente nos atos que impõe obrigações aos administrados, inexistindo nos atos que conferem direitos (licença, autorização, permissão, admissão) ou nos atos meramente enunciativos (certidão, atestado, parecer).
De maior importância, esse atributo significa que Administração pode executar seus atos sem necessidade de recorrer ao Judiciário. Possui como fundamento jurídico a necessidade de garantir rapidez e eficiência no cumprimento do interesse público. Apresenta também a garantia do efetivo exercício da função estatal administrativa.
Visto claramente nos atos baseados no exercício do Poder de Polícia (como nos casos de desabamento), vale lembrar que esse atributo não está presente em todos os atos administrativos. Existem atos que não são auto-executórios, dependendo efetivamente de decisão judicial, tais como a cobrança de multa ou a desapropriação.
Di Pietro (2006, p. 210) cita que a auto-executoriedade só é possível:
1. quando expressamente prevista em lei. Em matéria de contrato, por exemplo, a Administração Pública dispõe de várias medidas auto-executórias, como a retenção da caução, a utilização dos equipamentos e instalações do contratado para dar continuidade à execução do contrato, a emcampação, etc.; também em matéria de polícia administrativa, a lei prevê medidas auto-executórias, como a apreensão de mercadorias, o fechamento de casas noturnas, a cassação de licença pra dirigir;
2. quando se trata de medida urgente que, caso não adotada de imediato, possa ocasionar prejuízo maior par ao interesse público; isso acontece no âmbito também da polícia administrativa, podendo-se citar como exemplo, a demolição de prédio que ameaça ruir, o internamento de pessoa com doença contagiosa, a dissolução de reunião que ponha em risco a segurança de pessoas e coisas.
Importante ressaltar que tal atributo não dispensa o controle judicial posterior pelo Judiciário, no caso de lesão, ou ainda o controle preventivo no caso de ameaça de lesão. É o que garante a Constituição Federal, art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A doutrina não é pacífica quanto à indicação dos aspectos do ato que, quando ausentes, provocam a sua invalidação. Diversas são as terminologias adotadas, tais como “elementos” (CARVALHO FILHO, 2007; DI PIETRO, 2006, MOREIRA NETO, 2003; FAGUNDES, 1967; MEDAUAR, 2003; et al), “requisitos” (MEIRELES, 1996; FASPARINI apud CARVALHO FILHO, 2007), “aspectos” (JUSTEN FILHO, 2006) e “elementos e pressupostos” (MELLO, 2003).
Apesar de toda a divergência terminológica existe unanimidade ao se afirmar que a validade dos atos administrativos pressupõe a existência de alguns elementos. “Assim, as divergências entre os autores referidos estão apenas na superfície. No fundo, todos estão de acordo: a existência, a validade e a eficácia do ato administrativo dependem de inúmeros e diversos aspectos” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 200). Basta a inobservância de quaisquer um desses elementos para o ato administrativo estar eivado de vício de legalidade, sujeitando-se à anulação.
Dispostos de forma expressa no ordenamento jurídico pátrio a partir da Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29/06/1965, art. 2º), ao indicar os atos nulos, enumera os cinco elementos do ato administrativo, são eles: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Senão vejamos:
Artigo 2º - São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único - Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Para que o ato administrativo seja válido é necessária a existência de um sujeito capaz que o realize, sendo necessário ainda que esse sujeito possua competência para praticar o ato.
A competência pauta-se pela necessidade de divisão de trabalho, de distribuição da grande quantidade de tarefas decorrentes de cada uma das funções estatais – legislativa, administrativa ou jurisdicional – entre os vários agentes do Estado.
Segundo Di Pietro (2006, p. 213), partindo-se da idéia de que só o ente dotado de personalidade jurídica pode ser titular de direitos e obrigações, poder-se-ia entender que somente os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) teriam capacidade para a prática de atos administrativos.
Ocorre que, tamanho o volume de tarefas, as competências atribuídas a esses entes são distribuídas entre seus respectivos órgãos administrativos (Secretarias, Ministérios, subdivisões e outros), que, por sua vez, são redistribuídas entre seus agentes, pessoas físicas.
Percebe-se que a competência em relação aos entes políticos é aquela decorrente da Constituição Federal; ao passo que a competência em relação aos órgãos e servidores decorre de lei.
Di Pietro (2006, p. 213-214) define competência como o “conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direto positivo”. E enumera as seguintes regras:
1. decorre sempre da lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si, as suas atribuições;
2. é inderrogável, seja pela vontade da Administração, seja por acordo com terceiros; isto porque a competência é conferida em benefício do interesse público;
3. pode ser objeto de delegação ou de avocação, desde que não se trate de competência conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei.o se trate de compet m terceiros; isto porque a competuma das funç
Observa-se que tais regras são de grande relevância para a garantia dos interesses privados contra a arbitrariedade do Poder Público, é uma garantia de que o ato será praticado em prol do bem comum.
Importante registrar que tanto a delegação quanto a avocação de competência devem ser vistas como figuras excepcionais, conforme assevera Carvalho Filho (2007, p. 100):
Para evitar distorção no sistema regular dos atos administrativos, é preciso não perder de vista que tanto ao delegação como a vocação devem ser consideradas como figuras excepcionais, só justificáveis ante os pressupostos que alcei estabelecer. Na verdade, é inegável reconhecer que ambas subtraem de agentes administrativos funções normais que lhes foram atribuídas. Por esse motivo, é inválida qualquer delegação ou avocação que, de alguma forma ou por via oblíqua, objetive a supressão das atribuições do círculo de competência dos administradores públicos.
A Lei nº 9.784 de 29/01/99 (BRASIL, 1999), determina o caráter restrito dessas figuras ao estabelecer:
Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.
(...)
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
(...)
Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.
Forma é o meio pelo qual a Administração exterioriza sua vontade. Essa vontade necessita de procedimento e forma prescritos para se tornar válida. A forma constitui o elemento externo que integra o ato administrativo, compreendendo todos os requisitos de caráter extrínseco exigidos pela lei como necessários para a expressão da vontade da Administração.
É o meio de materialização da vontade administrativa, é a própria corporificação do ato administrativo. É o meio pelo qual a Administração se manifesta.
Cabe à lei, em cada caso, definir qual será a forma aplicável, embora, de modo geral, o ato administrativo deva ser escrito, ou, pelo menos registrado, com a devida segurança de que seu teor não será alterado sem que se o detecte, com possibilidade de recuperação. Assim, a vontade da administração normalmente é exteriorizada através de decretos, portarias, resoluções, deliberações colegiadas, dentre outros. Excepcionalmente, admite-se manifestação através de gestos ou palavras, como é o caso dos guardas de trânsito.
Objeto é o conteúdo a que o ato se dispõe. É o fim a ser alcançado pelo ato, o alvo buscado pelo agente. Como por exemplo, o alvará de funcionamento tem por objetivo assegurar que o empreendedor funcionará de forma legítima; o objeto de da nomeação de um servidor Público é a admissão de um indivíduo no serviço público.
No ensinamento de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 137), “todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas concernentes a pessoas, coisas ou atividades sujeitas à ação do Poder Público”. E, é nesse sentido, que pode-se afirmar que o objeto do ato administrativo identifica-se como seu conteúdo, pelo qual a Administração Pública manifesta seu poder e sua vontade, ou simplesmente atesta situações preexistentes.
Seabra Fagundes (1967, p. 38) define a finalidade como resultado prático que se procura alcançar pela modificação trazida à ordem jurídica. Como o resultado final a que deve atingir o objeto do ato. Para melhor esclarecimento, cita como exemplo o ato de demissão de funcionário. “O motivo está nas faltas que lhe são atribuídas e que a lei diz poderem acarretar a exoneração. O Objeto é a ruptura do vínculo jurídico entre o funcionário e o Estado. A finalidade é a seleção do quadro do funcionalismo, do qual se retira um servidor prejudicial.”
Todo ato administrativo se destina a um fim público que é a satisfação de um interesse coletivo, tal como segurança pública, saúde, educação, desenvolvimento econômico e outros. A finalidade, portanto, é elemento que aparece sempre vinculado ao próprio ato.
Ora, a Administração Pública existe unicamente para promover o bem-estar social, portanto, a finalidade dos atos administrativos sempre deverá se voltar à manutenção da ordem pública.
O Motivo compreende as razões em que se baseiam o ato. É a situação de fato e de direito que impulsiona a vontade do agente ao praticar um ato administrativo. O motivo de direito é aquele previsto pela própria lei. Já o motivo de fato é aquele decorrente das circunstâncias, das situações fáticas que levaram a Administração a praticar o ato.
Dessa forma, o motivo que determina ou autoriza a realização do ato pode vir expresso na lei, e será, portanto, vinculado. A própria lei pode, no entanto, deixar uma margem de liberdade de escolha ao administrador, deixando o motivo a seu critério de conveniência e oportunidade; o motivo será discricionário.
Importante esclarecer a distinção entre motivo e motivação. A Motivação é a explicitação dos motivos e demais pressupostos exigidos legalmente para a prática do ato. A motivação se relaciona à forma do ato administrativo e consiste na exposição formal do motivo. Já o motivo constitui o processo mental interno ao agente que pratica o ato. “A Motivação consiste na exteriorização formal do motivo, visando a propiciar o controle quanto à regularidade do ato.” Motivação é a exposição escrita dos motivos de fato e direito que levaram o agente á pratica de determinado ato. (JUSTEN FILHO, 2006, p. 205)
A partir dessa diferenciação, interessante mencionar a teoria dos motivos determinantes, que vincula a validade do ato aos motivos indicados como seu fundamento, de modo que, se inexistentes ou inverídicos os motivos, nulo será o ato. Segundo essa teoria, ainda que a lei não exija a motivação, se o agente motiva o ato, esta será vinculada à sua validade.
Se o motivo for vinculado (expresso em lei), o agente da Administração, ao praticar o ato, fica na obrigação de justificar a existência do motivo, sem o que o ato será inválido, ou, ao menos, invalidável por ausência de motivação. Quando, no entanto, a lei não exige o motivo para perfeição do ato, fica o agente com a faculdade discricionária de praticá-lo sem motivação, mas, se o fizer, vincula-se á obrigação de demonstrar sua efetiva ocorrência. (MEIRELLES, 1996, p. 137)
Exemplo amplamente divulgado pela doutrina são as exonerações ad nutum. A exoneração de servidor público ocupante de cargo de livre nomeação e exoneração prescinde motivação, mas, caso o agente público que praticou o ato resolva motivá-lo, esta motivação deverá ser verdadeira, sob pena de nulidade.
Ato vinculado é aquele em que a lei estabelece todos os requisitos e condições de sua realização, sem permitir qualquer margem de liberdade ao agente público. Não há opção, todos os elementos do ato estarão previstos na lei e, uma vez presentes todas as condições exigidas na lei, o ato deverá ser realizado. Por outro lado, se ausentes qualquer elemento contido na lei, a prática do ato será impossível. Como exemplos de exercício do poder vinculado, pode-se citar a licença para construir e a matrícula em escola pública.
Relaciona-se diretamente ao princípio da legalidade, vez que no ato vinculado, a lei confere liberdade ao administrador a prática de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua realização.
Mello (2003, p.393) afirma que, nos atos vinculados, a conduta praticada pelo administrador está totalmente descrita na norma a ser implementada. É a própria lei que indica, antecipadamente, com rigor e objetividade absolutos, os pressupostos requeridos para a prática do ato e o conteúdo que este obrigatoriamente deverá ter uma vez ocorrida a hipótese legalmente prevista.
Observa-se portanto que existe vinculação na própria conduta do administrador que, ante uma certa circunstância, legalmente prevista, ficará obrigado tomar determinada decisão.
Os elementos vinculados nos atos administrativos são sempre a competência e a finalidade. Quanto à forma, costuma-se dizer que também se trata de elemento vinculado, apesar da lei poder não estabelecer uma forma específica a ser observada, podendo inclusive deixar para o administrador a faculdade de optar pela forma que julgar mais conveniente.
Já no ato discricionário, a própria lei concede certa liberdade de escolha. O agente público tem uma margem de liberdade de decisão quanto ao conteúdo, destinatários, modo de realização, oportunidade e conveniência, diante do caso concreto. Assim, pode-se afirmar que a discricionariedade é a liberdade conferida dentro dos limites da lei. Caso o administrador ultrapasse esses limites, conferidos pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a decisão deixará de ser discricionária e passará a ser arbitrária, ilegal.
O poder discricionário conferido à maioria dos atos administrativos, se pauta pela faculdade concedida à Administração de modo explícito ou implícito para a prática de atos administrativos, quase sempre dotados de liberdade na escolha de sua conveniência e oportunidade.
Segundo Mello (2003, p. 831), discricionariedade é:
A margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.
A discricionariedade se distingue da vinculação pela maior liberdade de escolha a que a lei conferiu ao administrador.
A competência discricionária não se exerce acima ou além da lei, senão, como toda e qualquer atividade executória, com sujeição a ela. O que a distingue da competência vinculada é a maior mobilidade que a lei enseja ao executor no exercício, e não na liberação da lei. Enquanto ao praticar o ato administrativo vinculado a autoridade está presa á lei em todos os seus elementos (competência, motivo, objeto, finalidade e forma), no praticar o ato discricionário é livre (dentro de opções que a própria lei prevê) quanto à escolha dos motivos (oportunidade e conveniência) e do objeto (conteúdo). Entre praticar o ato ou dele se abster, entre praticá-lo com este ou aquele conteúdo (p. ex.: advertir apenas ou proibir), ela é discricionária. Porém, no que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro. (FAGUNDES aput MEIRELLES, 1996, p. 153)
Pode-se concluir que a discricionariedade possui duplo condicionamento: externo, pelo ordenamento jurídico a que toda atividade administrativa é condicionada; e interno sujeitando-se à necessidade de agir sempre em conformidade com princípios de moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, visando sempre ao bem comum.
Nesse sentido posiciona Weida Zancaner (1996, p.48-51) ao afirmar que a discricionariedade existe em dois casos: nos casos em que o legislador faculta ao administrador a possibilidade de escolher os motivos para integração do suposto de fato; ou nos casos em que lhe deixa a livre determinação do conteúdo ou objeto da decisão aplicável. Esclarece ainda a possibilidade da ocorrência de ambos os casos, a fim de que o administrador, através de sua apreciação subjetiva, complete o quadro regulativo necessário ao exercício do poder.
Temos que a discricionariedade pode residir na hipótese da norma de duas maneiras a saber: quando a norma confere ao administrador a faculdade de escolher o suposto de fato para seu agir, ou quando os supostos de fato enunciados na regra de direito são descritos mediante conceitos indeterminados, cabendo ao administrador precisa-los, com seu juízo subjetivo, quando da aplicação da norma.
Várias são as formas de classificação dos atos administrativos adotadas pelos doutrinadores, optou-se, porém, utilizar a adotada por Hely Lopes Meirelles (1996, p. 146-160), pela didática com que o autor aborda o tema.
São aqueles expedidos com finalidade normativa, sem destinatários determinados. Alcança todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida pelo ato.
São atos de alvo abstrato e impessoal, semelhantes aos comandos de lei. Podem ser revogáveis a qualquer tempo pela Administração, e só sofrem controle judicial se atacados por representação de inconstitucionalidade.
São atos com destinatários certos. Criam uma situação jurídica particular, apesar de poderem alcançar um ou vários sujeitos, desde que sejam individualizados, determináveis.
Podem gerar tanto direitos subjetivos (na maioria das vezes) quanto encargos administrativos pessoais. Quando geram direitos adquiridos, tornam-se irrevogáveis. Nos demais casos, podem ser revogados ou modificados, tendo em vista o interesse público, acarretando, no entanto, para a Administração o dever de indenizar aquele que, por ventura saiu prejudicado.
Por tratarem de situações de cunho específico e concreto, são passíveis de anulação tanto pela própria Administração, como pelo Judiciário.
São atos que produzem efeitos apenas no âmbito interno da Administração, dentro das repartições administrativas, sobre órgãos e agentes da entidade que os expediu. Não geram direitos individuais e independem de publicação no Diário Oficial para sua vigência, bastando a cientificação direta aos destinatários ou a divulgação regulamentar da repartição.
São atos destinados com alcance sobre administrados, contratantes e, em alguns casos, aos próprios servidores (quando versam sobre seus direitos, obrigações, negócios ou conduta perante a Administração).
Por se tratar de questões de interesse público, só entram em vigor após serem divulgados no Diário Oficial.
São aqueles atos de rotina interna da Administração, que não possuem caráter decisório. Destinam-se apenas a dar andamento aos processos e demais expedientes que tramitam pelas repartições públicas.
São atos praticados sem relação de supremacia com a Administração e seus administrados. São atos de pura administração dos bens e serviços públicos, ou de negócios com os particulares sem que haja necessidade de coerção entre os interessados.
São atos praticados pela Administração em que ela utiliza de sua prerrogativa de supremacia sobre os administrados e servidores. São atos de atendimento obrigatório, unilaterais, coercitivos, cuja vontade é onipotente do Estado.
Já citados alhures, são aqueles em que a lei estabelece requisitos e condições para sua realização. Necessitam de motivação por parte do administrador, no sentido de evidencia a conformação de sua prática com as exigências e requisitos legais que constituem pressupostos necessários de usa existência e validade. Requer todos os requisitos de validade já prescritos em lei (competência, forma, finalidade, motivo e objeto).
São atos praticados sem nenhuma margem de liberdade de decisão, pois são em que a lei previamente descreve um comportamento diante da hipótese por ela anteriormente prevista.
São atos praticados com relativa liberdade de escolha pela Administração. O Administrador é livre, dentro dos limites e opções estabelecidos pela lei, quanto à escolha dos motivo (oportunidade e conveniência) e do objeto (conteúdo) e, em alguns casos, quanto à forma.
Weida Zancaner (1996, p. 47) conceitua:
Há discricionariedade nos casos em que a lei define apenas algumas das condições necessárias ao exercício do poder, deixando que a Administração Pública complete o quadro regulativo para o exercício da potestade, através de uma estimação subjetiva, quer quanto à escolha ou valoração o pressuposto de fato, quer quanto à determinação última do conteúdo concreto da decisão aplicável, dentro das lindes legais, quer quanto a ambos os elementos.
São aqueles que resultam da manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal ou colegiado. Não importa quantas pessoas participaram na elaboração do ato, o que importa é a vontade unitária em sua origem. Como, por exemplo o despacho de um Ministro ou a decisão de uma Junta de Julgamento Administrativa.
Há um concurso de vontades para sua formação. São vontades homogenias no mesmo sentido oriundas de dois ou mais órgãos diferentes. Como atos de investidura em cargo que dependa de nomeação pelo Chefe do Executivo e nomeação pelo responsável pela seção.
São aqueles que resultam da vontade única de um órgão mas depende de verificações por parte de outro para se tornarem exigíveis. São exemplos os atos que dependem de homologação ou aprovação.
O ato administrativo é perfeito quanto está completo seu ciclo, quando existentes todos os atributos que o qualifiquem, quando esgotadas as fases necessárias à sua produção.
Terá validade o ato que guardar compatibilidade com a norma superior que autorizou sua edição, assim define Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 354) que validade é a “adequação do ato às exigências normativas”.
Quanto à eficácia, leciona ainda Mello (2003, p. 355):
O ato administrativo é eficaz quando está disponível para produção de seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos não se encontra dependente de qualquer evento posterior, como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade.
Necessário se faz, primeiramente, apontar a divergência quanto à terminologia adotada. Optou-se por utilizar a expressão invalidação para abranger as hipóteses tanto de nulidade quanto de anulabilidade, vez que o termo anulação é compreendido como apenas uma das espécies de invalidade.
Diversos são os entendimentos entre os doutrinadores no tocante à teoria da invalidade dos atos administrativos. A controvérsia reside no tocante à aplicabilidade ou não da teoria das nulidades do Direito Privado ao Direito Administrativo.
No Direito Privado as nulidades obedecem a um sistema dicotômico, em que os atos podem ser nulos (art. 166, CC/02) ou anuláveis (art. 171 CC/02). A diferença entre eles não se refere à gradação do vício, mas pela intensidade de repúdio a eles.
Weida Zancaner (1996, p. 82) leciona que “os atos ilícitos, quando em descordo com as exigências normativas, serão inválidos, podendo ser nulos ou anuláveis, dependendo do repúdio que a ordem jurídica tenha em relação a eles”.
Nesse mesmo sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 420):
Os atos administrativos praticados em desconformidade com as prescrições jurídicas são inválidos. A noção de invalidade é antitética à de conformidade com o Direito (validade).
Não há graus de invalidade. Ato algum em Direito é mais inválido que o outro. Todavia, pode haver e há reações do Direito mais ou menos radicais ante as várias hipóteses de invalidade. Ou seja: a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma relação de repúdio a eles.
É precisamente esta diferença quanto à intensidade de repulsa que o Direito estabeleça perante atos inválidos o que determina um discrímen entre atos nulos e atos anuláveis ou outras distinções que mencionam atos simplesmente irregulares ou que se referem os chamados atos inexistentes.
Diferindo atos nulos e anuláveis, a nulidade não admite convalidação, sendo que na anulabilidade a convalidação é aceita. Assim dispõe o art. 169 do Código Civil: “O negócio jurídico não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”.
Consoante arts. 168 e 177 do Código Civil, a nulidade pode ser decretada ex officio pelo juiz ou mediante alegação de qualquer interessado ou do Ministério Público. Já a anulabilidade só pode ser apreciada mediante provocação da parte interessada.
Partindo dessa teoria, ao Direito Administrativo, alguns doutrinadores aplicam a teoria monista (Hely Lopes Meirelles, Diógenes Gasparini, apud Carvalho Filho), enquanto outros corroboram com a teoria dualista (Seabra Fagundes, Celso Antônio Bandeira de Mello, José dos Santos Carvalho Filho).
Pela teoria monista, a dicotomia das nulidades não poderia ser aplicada ao Direito Administrativo. O ato seria válido ou nulo apenas. À existência de qualquer vício no ato administrativo, não importa qual, seriam produzidos todos os efeitos que naturalmente decorrem de um ato nulo.
Para aqueles que corroboram com a teoria dualista, os atos poderão ser nulos ou anuláveis, conforme a gravidade do vício no ato. Por esta teoria, seria perfeitamente possível a adoção, pelo Direito Administrativo, dos efeitos também da anulabilidade e, conseqüentemente, a aceitação do instituto da convalidação.
Necessário ainda se faz apontar os atos que uma vez presentes no campo do impossível jurídico são tidos como inexistentes. Assim leciona Bandeira de Mello (2003, p. 434), como comportamentos simplesmente inadmissíveis pelo Direito, como por exemplo “instruções” baixadas por autoridade policial para que subordinados torturem presos.
Weida Zancaner (1996, p. 90) aponta ainda aqueles atos que, apesar de produzidos em desacordo com o Direito, devido à irrelevância do defeito, são recebidos como se fossem regulares. Como, por exemplo, o ato de assinatura de uma autoridade em documento com caneta de tinta vermelha, quando exige-se tinta azul.
Invalidação é a retirada do ato administrativo do mundo jurídico por motivo de legalidade, tendo em vista sua incompatibilidade com a norma que o previu. É o desfazimento de um vício de natureza jurídica que retroagirá à data de criação do ato, ou seja, produz efeitos ex tunc.
A invalidação de um ato administrativo eivado de vícios visa a recompor a ordem jurídica existente anteriormente à sua criação. Nesse sentido, a invalidação poderá ocorrer na via administrativa, face ao princípio da autotutela, ou através do controle judicial.
Conceitua Weida Zancaner (1996, p. 45-46):
A invalidação é a eliminação, com eficácia ex tunc, de um ato administrativo ou da relação jurídica por ele gerada ou de ambos, por haverem sido produzidos em dissonância com a ordem jurídica.
No direito brasileiro são sujeitos ativos da invalidação o Poder Judiciário e a Administração Pública.
O Poder Judiciário poderá invalidar os atos administrativos no curso de uma lide, quando provocado ou “de ofício”, dependendo da reação do ordenamento jurídico com relação aos atos viciados.
A Administração Pública é sempre parte interessada na lisura de seus atos e poderá invalidá-los sponte própria ou quando provocada a faze-lo; entretanto, é bom esclarecermos desde já que o dever de invalidar encontra limites, [...].
A invalidação quando realizada pelo poder de autotutela pela própria Administração, tem o escopo de buscar a reposição da ordem na execução do direto, visa à estrita obediência à norma legal e a busca do bem estar social. Assim, esta não poderá ter aspecto definitivo ou terminativo, tal qual ocorre com as sentenças judiciais; pelo contrário, poderá sofrer reexame pelo Judiciário, ou até mesmo pela própria administração, que poderá inclusive voltar atrás e, cassando a invalidação, revalidar o ato invalidado.
Quando realizada pelo Judiciário através de seu poder de controle, garantido constitucionalmente (art. 5º XXXV), este o faz realizando seu poder de imperatividade como o único capaz de dizer o direito de forma definitiva (decisão constritiva final). Controle esse que representa forte amparo ao Estado de Direito.
Quanto aos efeitos da invalidação sobre os atos viciados, estes desconstituem tanto efeitos jurídicos quanto fáticos, ou apenas os efeitos de natureza jurídica, vez que se tornou impossível a desconstituição dos efeitos práticos já produzidos. Como no exemplo de ordem de demolição cumprida, uma vez executado o ato, não haverá como reconstituir o edifício demolido. O que não retira do proprietário o direito à indenização.
Frise-se ainda a presunção de legalidade dos atos administrativos:
Os atos da Administração são abonados por uma presunção de legalidade, de modo que, só muito excepcionalmente, poderão ser fulminados de ofício com a declaração de nulidade. Não é que nos pareça admissível dar validade ao ato inquinado de vício capital, só porque emane da Administração Pública. Mas, se, em relação aos atos privados, não protegidos a priori com essa presunção de legalidade, é raríssimo ter lugar o pronunciamento ex officio da invalidez, com maior razão o há de ser em se tratando de ato público, amparado por tal presunção. Somente casos muito excepcionais encaminharão a essa conseqüência. [...] (SEABRA FAGUNDES, 1967, p. 58)
A discussão acerca de haver ou não discricionariedade no poder da Administração para invalidar seus atos ilegais é intensa entre os doutrinadores. Parece ser mais acertada a corrente que defende a não existência de discricionariedade para a dita competência.Em regra, parece mais acertada a idéia de que não existe discrição no poder de invalidar.
Para a maioria dos autores, o exercício da invalidação depende da análise do caso concreto. Porém, de qualquer maneira, deparando-se com o ato viciado, existe o dever inafastável de restaurar a legalidade, seja invalidando-o, seja convalidando-o. O que busca a Administração Pública é a manutenção da ordem jurídica, do bem estar social, da manutenção dos princípios da segurança jurídica, da legalidade e da boa –fé.
Weida Zancaner (1996, p. 55) defende que inexiste no denominado “poder de invalidar” liberdade discricionária capaz de conferir ao administrador poder genérico de decidir, mediante critério subjetivo de conveniência, a decisão de invalidar, convalidar ou não. Para a autora, inexiste, em nosso sistema jurídico-positivo, norma que sirva de fundamento jurídico para tamanha liberdade de decidir se pretende invalidar ou não, convalidar ou não seus atos maculados com vícios.
Dessa forma, entende-se que inexiste poder de invalidar, mas um dever amparado pelo próprio princípio da legalidade e da segurança jurídica. Inexiste discricionariedade uma vez que o ato deve ser sempre invalidado quando não se comportar sua convalidação e, por sua vez, quando for possível a convalidação, o administrador não poderá deixar de fazê-la.
A invalidação se propõe obrigatória porque se o ato não comporta convalidação, inexiste outra forma de a Administração Pública restaurar a legalidade violada. Ora, a restauração do Direito é para ela obrigatória por força do princípio da legalidade. Logo, toda vez que o ato não seja (sic) convalidável, só lhe resta o dever de invalidar.
Por sua vez, a convalidação se propõe obrigatória quando o ato comporta-la, porque o próprio princípio da legalidade - que predica a restauração da ordem jurídica, inclusive por convalidação -, entendido finalisticamente, demanda respeito ao capital princípio da segurança jurídica.
Com efeito, a convalidação é um ato que não visa apenas a (sic) restauração do princípio da legalidade, mas também a estabilidade das relações constituídas, o que se alicerça em dois princípios jurídicos: o princípio da legalidade e o da segurança jurídica. (ZANCANER, 1996, p. 58).
Como regra geral, uma vez se deparando com ato viciado, o administrador, em consonância ao princípio da legalidade, tem o dever de anulá-lo, restaurando a legalidade e a ordem jurídica. Carvalho Filho (2007, p. 142) sustenta que, em princípio, não há possibilidade de se conciliar a exigência da legalidade dos atos com a complacência do administrador público em manter este ato no mundo jurídico produzindo normalmente seus efeitos, vez que tal omissão feriria demasiadamente o princípio da legalidade.
Ocorre que, em determinadas circunstâncias, situações dotadas de caráter de extrema especialidade podem ocorrer, situações que necessitam que o administrador mantenha o ato inválido. Esta decisão porém não é discricionária, pelo contrário, é a única conduta juridicamente viável ao administrador.
Tais situações representam o que os doutrinadores chamam de limitações ao dever de invalidar. Segundo Zancaner (1996, p. 62) são elas:
1- Decurso do tempo: graças ao princípio da segurança jurídica, o decurso do tempo por si só, pode ser motivo bastante para acarretar a estabilização de certas situações tornando-as imutáveis. É a prescrição e a decadência (CARVALHO FILHO, 2007, p. 142) como formas de óbices à invalidação do ato viciado, estabilizando certas situações fáticas de modo a transformá-las em situações jurídicas. Consoante prevê o art. 54 da Lei 9.784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos decai em cinco anos. Ultrapassado o prazo para a Administração anular o ato, este deverá permanecer como estava.
2- Consolidação dos efeitos produzidos: a conjugação dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica aqui representam a segunda limitação ao dever de invalidar. Tal situação ocorre quando as conseqüências jurídicas do ato, naquele caso concreto, demonstrarem que a manutenção do ato atendera mais ao interesse publico do que sua invalidação. Esta manutenção poderá estar amparada por uma regra específica ou por um principio de direito. É o que os doutrinadores denominam teoria do fato consumado.
Em resumo: as barreiras ou limites ao dever de invalidar ou resultam do mero decurso do tempo [...] ou nos casos em que o ato inválido produziu situação jurídica ampliativa de direito ou concessiva de benefício ainda não sanada pela completude do prazo dito prescricional [entendemos se tratar de decadência], do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: haver decorrido um certo lapso de tempo desde a instauração da relação viciada; existência de uma regra ou princípio de Direito que lhe teria servido de amparo se houvesse sido validamente constituída; e boa-fé por parte do beneficiário. (ZANCANER, 1996, p. 62)
Tanto o Judiciário quanto a Administração podem invalidar o ato corrompido por vício de legalidade. Tal afirmação há muito já se consagrou pelas Súmulas 346 e 473 do STF, senão vejamos:
A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Como já exposto anteriormente, essa possibilidade conferida ao Judiciário representa verdadeira garantia aos administrados e à legitimação do Estado de Direito. Aplicando a lei in concreto, o juiz, verificando a ausência de um dos requisitos de validade do ato administrativo, poderá invalidá-lo. Tal garantia é assegurada pela Constituição Federal, em seu art. 5º XXXV, que prevê o princípio que garante amplo acesso ao Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direito. Os meios aptos a esse combate são: o mandado de segurança (art. 5º, LXIX); a ação popular (art. 5º, LXIII), a ação civil pública (art. 129, III).
A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, por sua vez, institui a Súmula Vinculante como meio de impugnação aos atos administrativos. A Lei 11.417/06, que regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal, prevê a possibilidade de pedido de anulação ao STF de atos administrativos contrários a enunciado de Súmula Vinculante, ou que lhe negue vigência.
Os atos administrativos também poderão ser anulados pela própria Administração no seu poder de autotutela, fundamentado pelo principio da legalidade disposto no art. 37 caput da Constituição Federal. É o que dispõe o art. 53 da Lei 9.784/99: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”. Como já visto anteriormente, não se trata de poder, mas dever de anular os atos incompatíveis com o ordenamento jurídico.
Importante ainda ressaltar a distinção entre os institutos invalidação e revogação.
Ficará um ato administrativo sujeito à invalidação, quando se mostrar desconforme com regras e princípios do ordenamento jurídico. A revogação, por outro lado, é o desfazimento total ou parcial do ato administrativo, não por ilegalidade, mas por conveniência e oportunidade da Administração. Na revogação, o ato é perfeito, válido e eficaz, mas sua manifestação se tornou inconveniente e inoportuna, só podendo ser feita pela própria Administração.
O motivo da revogação é a inconveniência ou inoportunidade do ato ou da situação gerada por ele. É o resultado de uma reapreciação sobre certa situação administrativa que conclui por sua inadequação ao interesse publico. É conseqüência de um juízo feito “hoje” sobre o que foi produzido “ontem”, resultando no entendimento de que a solução tomada não convém agora aos interesses administrativos. Pouco importa que o agente entenda que a decisão anterior foi conveniente à Administração.
Segundo Carvalho Filho (2007, p. 149), “a revogação vem exatamente ao encontro da necessidade que tem a Administração de ajustar os atos administrativos às realidades que vão surgindo em decorrência da alteração das relações sociais”.
Na invalidação os efeitos produzidos serão ex tunc, alcançam o momento da edição do ato, serão desfeitas todas as relações jurídicas que se originaram do ato inválido. Já na revogação, os efeitos produzidos serão ex nunc, não alcançam o passado, visa apenas a obstaculizar a continuação dos efeitos ou a possibilidade de que estes venham a ser produzidos novamente.
Nos dizeres de Zancaner (1996, p. 65-66):
[...] o fundamento jurídico da invalidação é o dever de obediência ao princípio da legalidade e a necessidade de restaurar a ordem jurídica quando violada. É o dever imposto pelo sistema à Administração Pública.
Em contrapartida, o fundamento da revogação “é a competência que permita ao agente dispor ‘discricionariamente na qualidade’ sobre a mesma situação que já fora objeto de anterior provimento ou, então, ‘norma expressa’ que defira a algum sujeito o poder de suprimir disposição precedente, mesmo que lhe faltasse o poder de iniciativa pra editar o primeiro ato”
[...]
A condição deflagradora ou motivo de invalidação é a existência de um ato, de uma relação jurídica ou de ambos, em desconformidade com a norma jurídica.
Por outro lado, a revogação tem como motivo inoportunidade ou inconveniência de um ato, de uma relação jurídica ou de ambos. É na atualidade que se verifica a inoportunidade do ato ou da relação jurídica que se visa revogar, tendo em vista o interesse público.
Convalidação é o aproveitamento, é a confirmação, no todo ou em parte, por parte da Administração, dos atos administrativos maculados por vícios superáveis. Assim como a invalidação, a convalidação visa a restaurar a legalidade corrompida, porém esta recompõe a ordem jurídica preservando os efeitos do vício presente no ato, gerando efeitos ex tunc.
Partindo do pressuposto de que o administrador deve sempre buscar, além da legalidade formal, os princípios gerais do Direito, para calcar seus atos e decisões, há casos em que, pelos princípios da segurança jurídica e o da boa-fé, a observância desses preceitos maiores está na conservação dos efeitos viciados e não na sua desconstituição.
Assim disserta Bandeira de Mello (2003, p. 430):
A convalidação é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos. Este suprimento pode derivar de um ato da Administração ou de um ato do particular afetado pelo provimento viciado.
Quando promana da Administração, esta corrige o defeito do primeiro ato mediante um segundo ato, o qual produz de forma consonante com o Direito aquilo que dantes fora efetuado de modo dissonante com o Direito. Mas com uma particularidade: seu alcance específico consiste precisamente em ter efeito retroativo. O ato convalidador remete-se ao ato inválido para legitimar seus efeitos pretéritos. A providência corretamente tomada no presente tem o condão de valer para o passado.
É claro, pois, que so pode haver convalidação quando o ato possa ser produzido validamente no presente. Importa que o vício não seja de molde a impedir reprodução valida do ato. Só são convalidáveis atos que podem se legitimamente produzidos.
Se doutrinadores divergiam sobre a possibilidade ou não de se convalidar um ato emanado com vício de legalidade, a Lei 9.784/99, suprimiu toda essa divergência, ao prever em seu art. 55 que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
Não são quaisquer vícios no ato que serão passíveis de convalidação, mas somente os vícios sanáveis. São convalidáveis os atos que contenham vício de competência e de forma, esta também compreende os aspectos formais dos procedimentos administrativos. São também passíveis de convalidação atos com vício no objeto ou no conteúdo, mas apenas quando a vontade administrativa se preordenar a mais de uma providência administrativa no mesmo ato (atos de conteúdo plúrimo), podendo suprimir ou alterar alguma providência e aproveitar o ato quanto às demais providências não maculadas pelo vício (CARVALHO FILHO, 2007, p. 148).
Dessa forma, a doutrina tem entendido pela existência de dois pré-requisitos para haver convalidação:
1- Que o ato convalidado possa ser produzido sem vício, uma vez que se a repetição do ato importar em repetição do vício que o tornou inválido, este não poderá ser convalidado.
2- Que não tenha havido impugnação ao ato viciado, sob infortúnio de ferir o princípio da segurança jurídica. Se alguém, que se julgue prejudicado, insurge contra a impugnação do ato viciado, o princípio da segurança jurídica deverá prevalecer sobre a possibilidade de se conservar seus efeitos, preservando-se a estabilidade das relações constituídas.
Importante frisar o entendimento de Zancaner (1996, p. 60) que apresenta como barreiras ao poder de convalidar, a impugnação do ato viciado, juntamente com o decurso do tempo; este último com mesma razão que impede a invalidação, vez que este, por si só, poderá gerar a estabilidade do ato, dispensando a necessidade de convalidá-lo.
Diante da constatação de existência de vício de legalidade que maculou o ato administrativo, indaga-se se o administrador deve convalidar ou invalidar o ato.
Conforme já estudado em capítulo anterior, diante de um ato inválido, o Administrador não possui discrição para escolher livremente se convalida ou anula um ato viciado.
Em regra, o Administrador deverá primeiro verificar a possibilidade de “salvar” a situação preexistente, mantendo os efeitos do ato. Pelos princípios da legalidade e da segurança jurídica, somente se não puder convalidar, o administrador terá o dever de invalidar o ato desconstituindo seus efeitos retroativamente.
Bandeira de Mello (2003, p. 432), acompanhando os ensinamentos de Weida Zancaner, sintetiza que sempre que a Administração estiver perante um ato suscetível de ser convalidado, desde que não haja impugnação por parte do interessado, terá o dever de convalidá-lo. Tal afirmação, comporta uma exceção, que é a hipótese de vício de competência em ato de conteúdo discricionário.
Por outro lado, sempre que a Administração estiver perante um ato insuscetível de convalidação, será obrigada a invalidá-lo. Exceto se a situação gerada já estiver estabilizada pelo Direito, vez que não haverá situação jurídica inválida.
Verifica-se, portanto, que, pelos princípios garantidores de Direito, em especial o da segurança jurídica e o da boa-fé, que se sobrepõem à legalidade, não existe discricionariedade na convalidação do ato administrativo e sim o dever legal de fazê-lo sempre que possível. Assim conclui brilhantemente Bandeira de Mello (2003, p. 433):
[...] Dado o princípio da legalidade, fundamentalíssimo para o Direito Administrativo, a Administração não pode conviver com relações jurídicas formadas ilicitamente. Donde, é dever seu recompor a legalidade ferida. Ora, tanto se recompõe a legalidade fulminando o ato viciado, quanto convalidando-o. É de notar que esta última providência tem, ainda, em seu abono o princípio da segurança jurídica, cujo relevo é desnecessário encarecer. A decadência e a prescrição demonstram a importância que o Direito lhe atribui. Acresce que também o princípio da boa-fé – sobreposse ante atos administrativos, já que gozam de presunção de legitimidade – concorre em prol da convalidação, para evitar gravames ao administrado de boa-fé.
Sendo certo, pois, que a invalidação ou convalidação terão de ser obrigatoriamente pronunciadas, restaria apenas saber se é discricionária a opção por uma ou outra nos casos em que o ato comporta convalidação. A resposta é que não há, aí, opção livre entre tais alternativas. Isto porque, sendo cabível a convalidação, o Direito certamente a exigiria, pois, sobre ser uma dentre as duas formas de restauração da legalidade, é predicada, demais disso, pelos dois outros princípios referidos: segurança jurídica e o da boa-fé, se existente. Logo, em prol dela afluem mais razões jurídicas do que em favor da invalidação. Acresce que a discricionariedade decorre de lei, e não há lei alguma que confira ao administrador livre eleição entre convalidar ou invalidar [...].
Dessa forma, observa-se que, muito embora represente considerável avanço ao sistema jurídico vigente, em especial ao Direito Administrativo, a Lei 9.784/99 (art. 55) apresenta grave equívoco ao negar o caráter obrigatório da convalidação, ao utilizar a terminologia poderão, quando o mais acertado seria deverão, senão vejamos: [...] “os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”. Motivo este que Bandeira de Mello (2003, p. 434) chega inclusive a questionar a constitucionalidade do citado dispositivo legal.
Em estreita relação com a convalidação está o instituto da estabilização. Enquanto a convalidação é modalidade de preservação dos efeitos dos atos viciados, a fim de eliminar o vício de legalidade, preservando seus efeitos; a estabilização é a manutenção do ato como foi praticado, o ato permanece intacto, ostentando o mesmo vício que o tornaria inválido. No entanto, essa manutenção ocorre sem que haja ação por parte da administração ou de qualquer interessado.
A estabilização ocorre em duas hipóteses: mediante o decurso do prazo decadencial para a Administração invalidar o ato; e quando, apesar de não vencido esse prazo, o ato viciado se categoriza com ampliativo da esfera jurídica dos administrados e sucessivas relações jurídicas são decorrentes deste ato, ocasionando, aos sujeitos de boa-fé, situação que encontra amparo em norma protetora de interesses hierarquicamente superiores ou mais amplos que aqueles previstos na norma violada. Nesse caso, a desconstituição do ato maculado geraria transtornos muito maiores que os interesses protegidos pela ordem jurídica que os resultantes do ato viciado (BANDEIRA DE MELLO, 2003, p. 433). Exemplo típico é o caso de loteamento irregularmente licenciado, mas cujo vicio só foi descoberto depois que inúmeras famílias de baixa renda já instalaram neles suas moradias, com a boa-fé de estarem adquirindo terreno em loteamento legalmente licenciado.
Observa-se que situação de fato produziu efeitos jurídicos através de um ato inválido, mas que sobre ele incidem outras normas jurídicas capazes de preservá-lo. O ato viciado é mantido no ordenamento jurídico independentemente de seu vício, pois o decurso do tempo ou os princípios norteadores do Direito servem de amparo para sua permanência como se fosse um ato válido, vez que esta permanência ocasiona maior estabilidade às relações jurídicas.
Conceituam-se princípios como um conjunto de preceitos compartilhados pela sociedade em um dado momento e lugar. Possuem papel fundamental para o ordenamento jurídico pois, além de sintetizarem valores, dão integração ao sistema jurídico e condicionam a interpretação normativa.
São “enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico para sua aplicação e integração e para a elaboração de novas normas” (REALE, apud MEDAUAR, 2003, p. 133). Os princípios revestem-se de caráter normativo, conforme assegura o art. 4º Dec.-lei 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
A partir de 1988, com a promulgação da atual Constituição da República, a constitucionalização dos princípios da Administração Pública foi expressamente prevista em seu art. 37. A atual Constituição exige, de forma expressa, a observância inescusável pela administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes a observância aos princípios da Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses, a Administração tem o dever de observância aos demais princípios consagrados expressamente ao longo do texto constitucional, bem como os princípios implícitos decorrentes da própria essência da Lei Maior.
Assim Juarez de Freitas (1999, p. 16) tece comentário:
[...] as relações jurídico-administrativas são concepcionadas, pois, como aquelas que se orientam pelo sistema de princípios, normas e valores regentes da Administração Pública, de molde a respeitar aos direitos e garantias fundamentais dos administrados e a resguardar uma igualdade essencial, nada obstante diferenças hierárquicas de função. De sua vez, o Direito Administrativo deve ser definido como o sistema de princípios, normas e valores que regem as relações internas e externas da Administração pública, assim entendidas. [...] A propósito deste conceito de Direito Administrativo, é bem de ver que se subsume no sistema jurídico geral, cuja conceituação resultou desenvolvida e aprofundada em outra obra, sempre em atenção à imprescindível e irrenunciável meta de um conceito harmônico com a racionalidade intersubjetiva, entendendo-o como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função há de, evitando-se ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição.
Odete Medauar (2003, p. 134) tece relevante comentário acerca da importância dos princípios ao Direito Administrativo:
Por ser um direito de elaboração recente e não codificado os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de seus institutos. Acrescente-se que, no âmbito administrativo, muitas normas são editadas em vista de circunstâncias de momento, resultando multiplicidade de textos, sem reunião sistemática. Daí a importância dos princípios sobretudo para possibilitar a solução de casos não previstos, para permitir melhor compreensão dos textos esparsos e para conferir certa segurança aos cidadãos quanto à extensão dos seus direitos e deveres.
O estudo dos princípios gerais de direito, em especial o princípio da boa-fé e o da segurança jurídica, é requisito essencial para a análise não apenas do instituto da convalidação, trata-se de matéria essencial ao próprio Direito. Os princípios representam a própria existência, a essência do Direito.
Diante da situação concreta, surge para o administrador a questão: invalidar ou preservar os efeitos dos atos viciados? Surge então a dificuldade de se conciliar os princípios da legalidade e segurança jurídica, que se chocam, enquanto o primeiro visa à anulação, o segundo priva pela manutenção de seus efeitos.
Observa-se que, hoje, o princípio da legalidade não é mais imperante na atuação administrativa. A atuação da Administração não deve se pautar exclusivamente na lei, pelo contrário, deve buscar conciliar os demais princípios para buscar a solução que melhor atenda o bem comum.
Ocorre que, segundo alguns autores, os princípios podem entrar em conflito, em razão da própria natureza constitucional, que possui elevado caráter social e a proteção prevista pode se chocar naturalmente com interesses diferentes.
Quanto às colisões de princípios, devem ser solucionadas de forma completamente diversa. A solução não se encontra em declarar a invalidade de um dos princípios, ou em entender um deles como uma exceção ao outro. Sempre que dois princípios, aplicáveis a um mesmo caso, entram em conflito – por conterem mandamentos opostos – um dos princípios tem que ceder em face do outro. E a determinação sobre qual principio deve ceder – e em que medida – é feita a partir de um processo de ponderação do peso que cada um deles tem no caso concreto. [...]
Assim, na hipótese em que algo é permitido por um princípio mas vedado por outro, um dos princípios deve recuar, sem que algum deles seja declarado inválido, ou inserida cláusula de exceção. Dessa forma, o problema do conflito de regras se resolve na dimensão de sua validade, enquanto que dos princípios é solucionado na dimensão do valor. (PEREIRA E SILVA, [2000?], p. 11-12, grifo nossos)
Pelos ensinamentos de Juarez Freitas (1999, p. 52), cada princípio possui seu respectivo valor correspondente à proporção em que se insere na “enriquecedora totalidade dialética, aberta e valorativa do ordenamento democrático”. Eles se completam e se compõem mutuamente, nunca se excluem.
Dessa forma, os princípios constituem importante fonte normativa capaz de vincular a atividade da Administração Pública, criando-lhes direitos e obrigações, definindo a conduta a ser traçada.
Como já visto, todos os princípios exercem suma importância para o Direito Administrativo, serão abordados, no entanto, somente os princípios da legalidade, segurança jurídica, boa-fé, razoabilidade e proporcionalidade, por exercerem papel de maior relevância ao tema ora proposto.
Previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal, certamente pode-se afirmar que o princípio da legalidade representa fonte basilar do Direito Administrativo. É o princípio que representa a mais completa submissão da Administração Pública às leis, vez que “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. (MEIRELLES, 1996, p. 82).
Se a Constituição Federal, em seu art. 1º prevê que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição”, os representantes políticos não podem exercê-lo livremente, desprovidos de limites, necessitam estar adstritos a limites, quais sejam, as leis.
Assim leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 95):
Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do Direito agregam níveis maiores de concreção ao que se contém abstratamente nas leis.
O princípio da legalidade estabelece à Administração a sujeição não apenas às leis compreendidas pelo Poder Legislativo, mas a todos os preceitos fundamentais que norteiam o ordenamento jurídico, inclusive às normas editadas pela própria Administração.
O princípio da segurança jurídica representa papel de grande importância pois constitui umas das vocações do Direito: segurança e justiça. É princípio garantidor de estabilidade das relações jurídicas, representa uma das maiores aspirações sociais, vez que o homem sempre buscou, através do direito a segurança em si mesma. Esse princípio representa fundamento decisivo na busca de proteger os efeitos dos atos administrativos.
Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 113-114):
Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isso, se não é o mais importante dentro todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. [...] tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações destarte constituídas.
Esta “segurança jurídica” coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do se humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso –, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas.
Como Já citado alhures, a Administração Pública traz em si a presunção de legitimidade de seus atos, mas isso não significa que estes não possam estar maculados por algum vício de legalidade, tornando-os suscetíveis de ser invalidados. A presunção de que os atos administrativos estão em conformidade com a lei e o Direito, acarreta uma segurança subjetiva da validade do ato.
O principio da segurança jurídica na teoria dos atos administrativos funciona como garantidor de validade da ação da Administração, estabelece uma relação de confiança entre o administrado e a ordem jurídica.
Ora, se a segurança nas relações jurídicas representa razão capital da própria existência do Direito, pode-se afirmar que diante da verificação de um ato viciado, antes de desconstituí-lo, o administrador tem o dever de buscar mecanismos para resguardar sua validade. Assim, em nome da segurança jurídica, na existência de um ato originalmente inválido, deverá o administrador, diante o caso concreto, buscar a convalidação do ato administrativo, em prol do interesse público.
Embora exista a possibilidade de os atos administrativos sofrerem invalidação – requerida por terceiros ou promovida pela própria administração – a tendência natural, previsível, de seu destino é a permanência no ordenamento jurídico. Sua retirada posterior, mesmo que promovida por motivo de ilegalidade, desaponta esta previsibilidade e com isso a segurança que se deposita em tais atos.
Disto deriva uma das razões para que atos produzidos com vício devam ter seus efeitos preservados. As situações por eles geradas provocam o fundamento anseio de perenidade; pois são geradas com a expectativa – não só dos administrados, mas expectativa do próprio sistema jurídico – de que perdurem pelo prazo indicado em seu escopo (do ato administrativo).
Frustrar esta expectativa não é a primeira das alternativas dada pelo sistema no caso de constatação de vício no ato, a desconstituição de seus efeitos é remédio extremo, só adotado quando o ato não suportar convalidação, ou quando a situação gerada não estiver protegida por normas ou princípios que lhe garantam a existência (e o da segurança jurídica reclama, em determinados casos, esta providência). (CÂMARA, 2002, p. 13)
Observe-se que a legislação pátria já positivou este posicionamento. A Lei 9.784/99 representa grande importância ao fortalecimento do instituto da convalidação e, conseqüentemente, da segurança jurídica.
O art. 54 da citada lei prevê que “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. O art. 55, por sua vez, define que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”. Observa-se que a lei reúne aspectos de temporalidade, boa-fé e interesse público visando à um único fim: estabilizar as relações jurídicas de atos administrativos maculados por vício de legalidade.
Se, de um lado, o princípio da legalidade postula que os atos e condutas da Administração devem obedecer aos parâmetros estabelecidos em lei; e de outro, o princípio da segurança jurídica prevê a necessidade de se evitar que as situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, haveria um conflito entre estes princípios? Decisivamente não existe antinomia entre os dois princípios.
Quando a Administração preserva o efeito de determinado ato viciado, ela não está indo de encontro ao princípio da legalidade, pelo contrário, a convalidação é a própria restauração deste princípio.
Não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe o espírito, as soluções que se inspirem na tranqüilização das relações que não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de recomposição da legalidade ferida (MELLO, apud ZANCANER, 1996, p. 58).
Observa-se que o princípio da legalidade foi concebido justamente para dar segurança jurídica às relações. A confusão se faz quando se pensa que a legalidade representa apenas observância à lei (legalidade em sentido estrito), pelo contrário, a legalidade deve ser vista sob um prisma de amplitude, de obediência ao próprio direito, nele compreendendo os princípios em geral.
Assim, a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que a qualifiquem como razoável. Não significa dizer que se possa alternativamente obedecer à lei ou ao Direito. Não. A legalidade devidamente adjetivada razoável requer a observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. A submissão razoável apresenta-se menos como submissão do que como respeito. Não é servidão, mas acatamento pleno e concomitante á lei e, sobretudo, ao Direito. Assim, desfruta o princípio da legalidade de autonomia relativa, assertiva que vale para os princípios em geral. (FREITAS, 1999, p. 61)
Logo, a Administração Pública se verificar que deve preservar os efeitos do ato viciado não irá de encontro ao princípio da legalidade, mas conjugará este com outros de igual relevância, sobretudo o principio da segurança jurídica e boa fé.
O princípio da boa-fé é princípio geral do Direito, vigente não só no âmbito do Direito Administrativo, mas em todo ordenamento jurídico. Se pauta no sentido de que as relações jurídicas devem ser desempenhadas com lealdade, visando à pacificação social.
Apresenta acentuada importância ao Direito Administrativo, pois guarda estreita relação com à própria moralidade Administrativa. O Poder Público deve agir pautado pela boa-fé nas suas relações com particulares, assim como deve reconhecê-la quando demonstrada pelos particulares.
Este princípio forma, juntamente como o princípio da segurança jurídica, um binômio protetor dos efeitos produzidos pelos atos viciados, é a junção desses princípios que atribui ao Poder Público o dever de convalidar o ato quando a situação assim permitir.
De igual maneira, a boa-fé é atributo decisivo na estabilização dos efeitos dos atos viciados não passíveis de convalidação e que não foram alcançados pela prescrição ou decadência.
É a proteção à boa-fé a responsável pela determinação da preservação dos efeitos dos atos administrativos viciados, ou na sua impossibilidade, o direito à indenização do prejudicado.
Ressalta-se o já citado exemplo (BANDEIRA DE MELLO, 2003, p. 433) de loteamento irregularmente licenciado, mas cujo vicio só foi descoberto depois que inúmeras famílias de baixa renda já instalaram neles suas moradias, com a boa-fé de estarem adquirindo terreno em loteamento legalmente licenciado.
Como se vê, o administrador, deparando-se com o caso concreto e verificando a boa-fé dos destinatários e de terceiros diretamente ou indiretamente envolvidos, deverá preservar os efeitos deste ato, convalidando-o ou estabilizando-o. Ressalvando que a preservação não poderá se sobrepor a interesses de outros administrados resguardados pela legalidade, pois, neste caso, a segurança jurídica será voltada para estes, ensejando a desconstituição dos efeitos do ato.
Por outro lado, se o administrador público constatar a existência de má-fé por parte do beneficiário do ato, ao invés de preservar, o agente público terá o dever de desconstituir os efeitos produzidos. A má-fé, quando traduzida como atitude dolosa para a consecução da ilegalidade, é barreira insuperável para a preservação dos efeitos de um ato viciado.
Dessa forma, diante a ilegalidade de um ato, a Administração deverá analisar caso a caso, utilizando mais que o critério puro da legalidade, mas a comunhão dos demais princípios norteadores do direito primando pela segurança jurídica das relações constituídas.
Razoabilidade é “a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor de forma um pouco diversa” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 31). No Direito Administrativo o princípio da razoabilidade deve sempre estar presente na conduta da Administração Pública que deverá praticar seus atos dentro de padrões normais de aceitabilidade.
A discrição conferida ao Administrador para a prática de certos atos não pode ser entendida como uma liberdade ilimitada, sujeita a critérios subjetivos de seu agente, é uma liberdade condicionada à lei, exercida dentro dos limites por ela estabelecidos. O judiciário, por sua vez, não pode corrigir o ato administrativo sob o argumento de que não o entendeu razoável, aprecia-se sim a legalidade da conduta, a presença dos requisitos de validade do ato administrativo.
Assim pondera Bandeira de Mello (2003, p. 100), ao afirmar que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos da legalidade:
Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o “mérito” do ato administrativo, isto é o campo de “liberdade” conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita “liberdade” é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.
Dentro desse conceito surge a necessidade de elucidar que a razoabilidade não pode ser auferida sob qualquer juízo de valor, mas sim pelos aspectos relativos à legalidade da conduta praticada pelo agente público.
O princípio da proporcionalidade representa a garantia aos administrados de que a Administração não agirá com excesso de poder. “Significa que o Poder público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situação reclama realmente a intervenção, e esta deve processar-se com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 33).
Nesse sentido posiciona Juarez Freitas (1999, p.57) que “o administrador público está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos”.
Dessa forma, a decisão do agente público de convalidar os atos administrativos viciados e não de invalidá-los, segue os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na medida em que busca a recomposição do ordenamento jurídico, mediante certa liberdade a ele atribuída, com o mínimo de sacrifício ao administrado, mas sempre mirado na legalidade.
Não há como contestar que o Direito Administrativo passa por intensas e positivas transformações. No que concerne aos atos administrativos, tanto a doutrina moderna quanto as decisões jurisprudenciais têm se pacificado no entendimento de que, em prol do interesse público, deve-se esforçar para que as relações jurídicas sejam mantidas.
Nesse sentido, significativas atitudes têm sido tomadas, como a ampliação dos direitos dos administrados e o surgimento de novas formas de controle da Administração. Nota-se, que o cidadão deixou a condição de mero súdito para se tornar agente participativo e fiscalizador das questões públicas.
Ressalte-se a promulgação da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), uma das primeiras e principais conquistas da democracia participativa nacional, que atribuiu ao cidadão a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário na defesa de interesses públicos, anteriormente defendida somente pelo próprio Estado. Constitui remédio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio público.
O advento da Constituição da República veio confirmar esse “poder” concedido aos cidadão ao estabelecer em seu art. 1º, parágrafo único que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente”. Confirmando ainda esse entendimento, estabeleceu no artigo 5º, inciso LXXIII que: “qualquer cidadão é parte legítima para propor Ação Popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural [...]”.
Por outro lado, a Administração Pública passou também a exercer maior fiscalização sobre os seus próprios atos, haja vista as Súmulas 346 e 473 do STF, esta última de forma mais completa, compreendendo não apenas a possibilidade de anulação dos atos viciados, como também a revogação dos atos inconvenientes ou inoportunos, não excluindo a apreciação judicial.
Ocorre que a Súmula 473 se consolidou no sentido de dar maior ênfase ao princípio da legalidade da Administração Pública, atribuindo à legalidade preponderância sobre a segurança jurídica e boa-fé.
Os tribunais, diante da análise dos casos concretos, foram caminhando no sentido de respeitar e prestigiar a segurança e a boa-fé das relações jurídicas, princípios primordiais à legitimação do Estado Democrático de Direito.
A Lei 9.784/99, que regulamentou processo administrativo federal veio corroborar com tal entendimento, acautelando a invalidação dos atos viciados. Pelo princípio da segurança jurídica os atos administrativos eivados de vícios de legalidade só devem ser invalidados se não for possível a preservação de seus efeitos.
O art. 54 da citada lei fixa o prazo decadencial de cinco anos para que a Administração Pública exerça a competência de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários. Em nome da segurança jurídica a lei limitou limite temporal para que a Administração possa exercer sua competência de invalidar o ato ilegal, do contrário, restará estabilizada a situação irregular da forma como foi criada, exigindo-se ainda a boa-fé do administrado destinatário do ato.
O art. 55, por sua vez, prevê a convalidação dos atos marcados por vícios sanáveis, pela própria Administração, desde que essa decisão não acarrete em lesão ao interesse público nem prejuízos a terceiros. Observa-se que, mais uma vez, a Lei Federal buscou conciliar ao princípio da legalidade, a segurança jurídica e a boa-fé.
Necessário ainda registrar, que, conforme já visto anteriormente, o referido artigo não deve ser interpretado como faculdade atribuída à administração, mas como dever de convalidar o ato viciado sempre que for possível preservar-lhe os efeitos. Relembrando, ainda que a única hipótese em que a opção de invalidar é discricionária é o caso de ato discricionário praticado por autoridade incompetente.
Zancaner (1996, p. 56-57) pondera:
[...] o princípio da legalidade não predica necessariamente a invalidação, como se poderia supor, mas a invalidação ou a convalidação, uma vez que ambas são formas de recomposição da ordem jurídica violada.
[...] ou a Administração Pública está obrigada a invalidar ou, quando possível a convalidação do ato, esta será obrigatória. [...]
E é nesse novo cenário normativo que caminham as decisões jurisprudenciais, entendendo cada vez mais pela convalidação dos atos administrativos passíveis de anulação, primando pela segurança e boa-fé das relações jurídicas. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0143.02.000318-0/001 - COMARCA DE CARMO DO PARANAÍBA - REMETENTE: JD COMARCA CARMO PARANAIBA - APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): ALAOR VELOSO DE OLIVEIRA ESPÓLIO DE, REPDO P/ INVTE GERALDA GONCALVES DA COSTA, ELY RODRIGUES DE OLIVEIRA E OUTRO(A)(S), MUNICÍPIO CARMO PARANAIBA - RELATOR: EXMO. SR. DES. CLÁUDIO COSTA
EMENTA: "Se a decretação de nulidade é feita tardiamente, quando a inércia da Administração já permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela" (RTJ, vol. 83, março/1978, p. 923). Constatada a sucumbência recíproca, e não sendo o caso de decaimento mínimo do pedido (art. 21, parágrafo único, do CPC), devem-se distribuir os ônus sucumbenciais igualitariamente entre ambas as partes, atento ao grau de sucumbência de cada uma. Em reexame necessário, reformo a sentença quanto aos honorários advocatícios, diante da sucumbência recíproca, prejudicado o apelo voluntário. (MINAS GERAIS, TJ. Ap. 1.0143.02.000318-0/001, Rel. Des. Cláudio Costa, 2007)
O Tribunal de Justiça, neste caso, negou ao Estado de Minas Gerais o direito de anular o ato que concedeu o titulo de legitimação de terras dominiais como devolutas, bem como todos os atos decorrentes, inclusive vendas efetuadas envolvendo o imóvel em questão.
Sustentou sua decisão sob o argumento de que o dever de correção e segurança jurídica são normas que se complementam, vez que buscam o interesse público, que é a estabilidade das relações ente Estado e Administrado; e que existem limitações temporais ao poder-dever da Administração Pública de anular seus atos.
Pondera que a regra enunciada pela Súmula 473 deve ser entendida com algum temperamento, pois a Administração pode declarar a nulidade de seus atos, mas não deve transformar esta faculdade no império do arbítrio. Que “o princípio da legalidade é basilar princípio da legalidade é basilar para autuação administrativa, mas como se disse, encartados no ordenamento jurídico estão outros princípios que devem ser respeitados, ou por se referirem ao Direito como um todo como por exemplo, o princípio da segurança jurídica, ou por serem protetores do comum dos cidadãos, como, por exemplo, a boa-fé, princípio que também visa protegê-los quando de suas relações com o Estado”.
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0377.04.000796-7/001 - COMARCA DE LAJINHA - REMETENTE: JD COMARCA LAJINHA - APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): GILSON MENDES DA SILVA E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA
EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CURSO DE SUPLÊNCIA. CERTIFICADO. INVALIDAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA. ILEGALIDADE. OFENSA DO ART. 5º ITEM LV DA CR/88. - É ilegal o ato administrativo que invalida certificados de conclusão de Curso de Suplência sem a instauração prévia de processo administrativo onde seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, pena de acinte à norma contida no item LV do art. 5º da CR/88. (MINAS GERAIS, TJ. Ap. 1.0377.04.000796-7/001, Rel. Des. Belisário Lacerda, 2007)
O estado de Minas Gerais sob o argumento de ilegalidade no ato administrativo e da primazia do interesse público sobre o particular, bem como a Súmula 473/STF, declarou a nulidade de certificados emitidos em curso de suplência.
Tal ato, contestado pelos prejudicados, foi revisto pelo Judiciário que declarou a existência de relação jurídica ente o estado e os autores. Decidiu o Tribunal que “é nulo o ato administrativo que culminou com a invalidação dos certificados dos apelados sem lhes permitir a ampla defesa e o contraditório”.
Sustentou a decisão sob o argumento de que “em virtude do princípio da autotutela a Administração Pública pode rever seus próprios, tanto quanto ao aspecto da legalidade, quanto ao aspecto da conveniência e oportunidade. Todavia não pode prosperar o argumento que o ato impugnado encontra amparo na Súmula 473 do STF, pois ao declarar a nulidade de seus próprios atos ou anulá-los, o Poder Público deve respeitar as garantias individuais das pessoas por eles atingidos, e no caso sub examine ficou evidenciado o cerceamento de defesa, vez que como dito a anulação dos Certificados dos apelados não foi precedido de prévio processo administrativo, sob o crivo do contraditório, oportunizando o exercício da ampla defesa, ensejando-lhe a discussão da questão na área administrativa”.
RE 466546 / RJ - RIO DE JANEIRO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 14/02/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Ação rescisória. Transposição de cargo. Processo seletivo anterior à CF/88. Homologação posterior. Ato administrativo controvertido à época. 3. Princípio da segurança jurídica. Aplicabilidade. Precedentes. 4. Recurso extraordinário a que se nega provimento (RIO DE JANEIRO, STF. RE. 466546, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2006).
Em face ao princípio da segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ato administrativo que homologou a transposição de cargo de servidor aprovado em processo seletivo antes da promulgação da Constituição de 1988 deve ser mantido.
Fundamentou a decisão pela Lei 9.784/99, em seus arts. 2º, que estabelece que a Administração obedecerá ao princípio da segurança jurídica e 54, que fixa o prazo decadencial de cinco anos contados da data em que foram praticados os atos administrativos, para que a Administração possa anulá-los; vez que já haviam se passados 14 anos da prática do ato.
RE-AgR 341732 / AM – AMAZONAS
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 14/06/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMUNERAÇÃO: GRATIFICAÇÃO CONCEDIDA COM BASE NA LEI 1.762/86, ART. 139, II, DO ESTADO DO AMAZONAS. INCONSTITUCIONALIDADE FRENTE À CF/1967, ART. 102, § 2º. EFEITOS DO ATO: SUA MANUTENÇÃO.
I. - A lei inconstitucional nasce morta. Em certos casos, entretanto, os seus efeitos devem ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé. No caso, os efeitos do ato, concedidos com base no princípio da boa-fé, viram-se convalidados pela CF/88.
II. - Negativa de trânsito ao RE do Estado do Amazonas. Agravo não provido. (AMAZONAS, STF. RE. 341732, Rel. Min. Carlos Veloso, 2005)
O Supremo Tribunal Federal decidiu pela manutenção de gratificação concedida a servidor público através de lei inconstitucional face à Constituição de 1967, mas convalidada pela Constituição de 1988, com base no princípio da boa-fé.
Sustentou o caráter alimentar da remuneração concedida e o prejuízo que esta retirada acarretaria ao beneficiado de boa-fé. Acrescenta mais, que o “princípio da segurança jurídica assenta-se, sobretudo, na boa-fé e na necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente”.
REsp 45522 / SP
RECURSO ESPECIAL Nº 1994/0007668-1
Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS Ó rgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 14/09/1994
Data da Publicação/Fonte DJ 17.10.1994 p. 27865 Ementa
ADMINISTRATIVO - ENSINO - FREQUENCIA A AULAS - FALTAS - SUPRIMENTO -DL 1.044/69 - ESTUDANTE PRESO - ANALOGIA - ATO ADMINISTRATIVO -NULIDADE - SUMULA 473 STF - TEMPERAMENTOS EM SUA APLICAÇÃO.
I - é licita a extensão, por analogia, dos benefícios assegurados
pelo DL 1.044/69, a estudante que deixou de freqüentar aulas, por se
encontrar sob prisão preventiva, em razão de processo que resultou em absolvição.
II - na avaliação da nulidade do ato administrativo, e necessário temperar a rigidez do principio da legalidade, para que se coloque em harmonia com os cânones da estabilidade das relações jurídicas, da boa-fé e outros valores necessários a perpetuação do estado de direito.
III - a regra enunciada no verbete 473 da sumula do STF deve ser entendida com algum temperamento. a administração pode declarar a nulidade de seus atos, mas não deve transformar esta faculdade, no império do arbítrio. (SÃO PAULO, STJ. RE. 45522/SP, Rel. Humberto Gomes de Barros, 1994).
Trata-se de recurso especial em que a recorrente, estudante de Direito, em prisão preventiva, perdeu um mês e meio de aulas. Absolvida, o diretor da faculdade abonou-lhe as faltas, amparado em Decreto interno. A estudante prosseguiu o curso e, um ano após, ao tirar certidão de seu curriculum, tomou conhecimento de que o abono havia sofrido revogação e que seus créditos estavam cancelados.
O STJ sustentou o entendimento de manter o ato que concedeu créditos à estudante sob o argumento de que na avaliação da nulidade do ato administrativo é necessário temperar a rigidez do princípio da legalidade, para que se coloque em harmonia com os princípios da estabilidade das relações jurídicas, de boa fé e outros valores necessários a perpetuação do estado de direito. Ponderou que a súmula 473 do STF deve ser entendida com algum temperamento. A Administração pode declarar a nulidade de seus atos, mas não deve transformar esta faculdade no império do arbítrio.
Processo RMS 407 / MA
RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 1990/0004091-4
Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS
Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento 07/08/1991
Data da Publicação/Fonte DJ 02.09.1991 p. 11787
RSTJ vol. 24 p. 210
RDA vol. 184 p. 113 Ementa
ADMINISTRATIVO - ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO – SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS PUBLICOS APOS CONCURSO PUBLICO. TEMPERAMENTOS À SUMULA 473 DO STF.
A regra enunciada no verbete n. 473 da sumula do STF deve ser entendida com algum temperamento: no atual estágio do direito brasileiro, a administração pode declarar a nulidade de seus próprios atos, desde que, além de ilegais, eles tenham causado lesão ao estado, sejam insuscetíveis de convalidação e não tenham servido de fundamento a ato posterior praticado em outro plano de competência.
É vedado ao estado sob o pretexto de que houve irregularidades formais desconstituir unilateralmente a investidura de servidores nomeados mediante concurso publico.
Os recorrentes impetraram o referido mandado de segurança contra Decreto expedido pelo governador do Estado do Maranhão que desconstituiu a investidura de servidores aprovados em concurso público, já em exercício. O Estado do Maranhão anulou o concurso, sendo o ato unilateral de anulação fundamentado pela Súmula 473 do STF.
Novamente, o STJ julgou pelo temperamento da aplicabilidade da Sumula 473/STF, reconhecendo que existe a faculdade da Administração de anular seus próprios atos desde que tenham causado lesão ao estado; sejam insuscetíveis de convalidação; e que não tenha servido se fundamento a ato posterior, praticado em outro plano de competência.
Assevera que “sem estas limitações, a Súmula 473 transforma-se em instrumento de violência, em repelente entulho autoritário, capaz de reimplantar o ‘reino do arbítrio’”. Entendeu que pela lesividade da desconstituição do concurso e das nomeações, pois em função desta anulação, estaria o Estado obrigado a ministrar novo e dispendioso concurso público, ficando prejudicado em sua atividade essencial de arrecadar receita. Ademais, considerou a responsabilidade civil do Estado, pelos danos causados aos candidatos nomeados e logo destituídos.
As decisões aqui apontadas e brevemente comentadas são apenas alguns exemplos dentre a diversidade de situações semelhantes, existente nos Tribunais pátrios. Como se vê as decisões primam pela real proteção do interesse público, fundamentando-as em padrões de ética e boa-fé. Cada vez mais se exige da Administração atitudes de decoro e probidade, sedo para isso imprescindível que se avalie a possibilidade de preservar os efeitos dos atos administrativos viciados, em nome da segurança jurídica das relações constituídas.
Por todo o exposto leva-se à conclusão de que o tema ora proposto apresenta grande relevância para o cenário jurídico atual, vez que a possibilidade de preservar os atos administrativos maculados por vício de legalidade deve, em primeiro lugar, ser avaliada pelo agente público.
O princípio da legalidade não pode ser visto de forma pura e simples. Na convalidação, a legalidade deve ser conjugada com os demais princípios reconhecidos pelo Direito, especialmente os princípios da segurança jurídica e da boa-fé. Os efeitos dos atos administrativos viciados devem ser preservados considerando-se a concreção dos princípios da segurança jurídica e boa fé, nas situações em que o interesse público esteja presente.
A possibilidade dos atos administrativos sofrerem invalidação, requerida por terceiros ou promovida pela própria Administração, no seu poder de autotutela, deve ser vista com certa cautela, pois tenciona a tendência natural de sua permanência no ordenamento jurídico, frustrando a segurança jurídica das relações constituídas.
O princípio da boa-fé guarda estreita relação com à própria moralidade Administrativa. O Poder Público deve agir pautado pela boa-fé nas suas relações com particulares, assim como deve reconhecê-la quando demonstrada pelos particulares.
A boa-fé e a segurança jurídica formam um binômio protetor dos efeitos produzidos pelos atos viciados, é a junção desses princípios que atribuem ao Poder Público o dever de convalidar o ato quando a situação assim permitir.
Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade também representam papel decisivo no instituto da convalidação, vez que a atitude tomada pelo agente público deve ser sensata e proporcional, deve-se pesar os benefícios e prejuízos da decisão a ser tomada, sempre voltada ao interesse público.
Em atenção aos princípios e valores consagrados pelo Direito, surgiu a necessidade de se repensar uma nova forma de administração pública, já que, conforme assevera Weida Zancaner (1999, p. 56), “o princípio da legalidade não predica necessariamente a invalidação, como se poderia supor, mas a invalidação ou a convalidação, uma vez que ambas são formas de recomposição da ordem jurídica violada”.
É nesse sentido que vêm interpretando doutrinadores e Tribunais. Juristas têm primado pelo entendimento de que a Súmula 473, apesar de representar importante avanço ao Direto Administrativo, deve ser vista com certa temperança. A Administração pode declarar a nulidade de seus atos, mas não deve transformar esta faculdade no império do arbítrio.
A Lei 9.784/99, que regulamentou processo administrativo federal desempenha importante papel nesse cenário mitigando e temperando o instituto da invalidação dos atos viciados. Pelo princípio da segurança jurídica os atos administrativos eivados de vícios de legalidade só devem ser invalidados se não for possível a preservação de seus efeitos.
Conclui-se que a o instituto da convalidação deve ser fortalecido, acautelando a automaticidade da invalidação. Deverá o agente público usar de razão e temperança no sentido de, diante da análise do caso concreto, dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé buscar uma solução harmônica dos interesses da economia e da estabilidade das decisões administrativas e da defesa dos direitos dos administrados de boa-fé. É assim que deve agir um bom administrador.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PURISCO, Virgínia Miranda. Convalidação e invalidação dos atos administrativos viciados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40756/convalidacao-e-invalidacao-dos-atos-administrativos-viciados. Acesso em: 23 dez 2024.
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