Após longa evolução histórica, a união estável como forma de unidade familiar é hoje aceita e amparada pela legislação em vigor. Todavia, esse estado de fato não se sujeita ao mesmo regime jurídico do casamento, e ao reconhecer a distinção da tutela dispensada a uma e outro instituto, o constituinte houve por bem prescrever que a lei deverá facilitar sua conversão em casamento.
O presente estudo destina-se a traçar em linhas gerais as características do instituto da união estável e sua evolução legislativa ao longo do tempo; a forma como hoje se dá sua conversão em casamento perante o Registro Civil de Pessoas Naturais para então analisar os méritos e defeitos da legislação hoje vigente.
1. DA UNIÃO ESTÁVEL E SUA NATUREZA
A união entre pessoas destinada a constituir família é um fato social muito anterior ao casamento e decorre da natureza humana, infensa à vida isolada.
Mesmo após o advento do casamento, reconhecido na maioria das sociedades, em todas as civilizações e em todos os tempos, verificou-se e ainda se verifica a união não formalizada. Ora tais uniões eram aceitas com naturalidade, ora estigmatizadas. Assim a lição da doutrina:
A união das pessoas de sexos opostos inquestionavelmente é anterior ao casamento, mesmo porque jamais foi da natureza humana viver isolado, surgindo a família como um fato natural e, no princípio, em defesa da subsistência. Famílias foram sendo constituídas pelo instinto sexual e pela conservação da prole por elas geradas, como de modo semelhante acontece no mundo animal, surgindo com o tempo ao evolução dos modelos de convívio e de interação das sociedades afetivas, até o do matrimonio ao lado da união informal. (MADALENO, 2008, p. 759)
Para Venosa (2011, p. 38), a união estável é um fato da vida, um fenômeno social que, por gerar efeitos jurídicos, classifica-se como fato jurídico. Não se confundindo com a união de fato, fugaz e passageira, a união estável exigiria a diversidade de sexos e a convivência como se casados fossem, conhecida como convivência more uxorio. Existiria, pois, uma posse de estado de casado entre os companheiros, denominação consagrada atualmente para os participantes da união estável (VENOSA, 2011, p. 38).
Ao buscar uma definição para a união estável, a Lei 9.278/96, art. 1º, prescreve que:
É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
O código civil de 2002 manteve em linhas gerais essa definição:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família
Prosseguindo na investigação da natureza jurídica da união estável, Sílvio de Salvo Venosa expõe que:
Fato jurídico é qualquer acontecimento que gera conseqüências jurídicas. A união estável é um fato do homem que, gerando efeitos jurídicos, torna-se um fato jurídico.
O § 3º do art. 226 da Constituição Federal confere proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. A lei não define essa união, referindo-se apenas a alguns de seus elementos idôneos para galgar a juridicididade pretendida. (VENOSA, 2011. P. 43).
Para Paulo Lobo, diversamente, a união estável seria um ato-fato jurídico, pois não seria necessária qualquer manifestação de vontade para sua formação:
Os fatos jurídicos são classificados em três tipos: a) fatos jurídicos em sentido estrito ou involuntários; b) atos-fatos jurídicos ou atos reais; c) atos jurídicos em sentido amplo ou voluntários (atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos0. Considerando-se o papel da manifestação da vontade, teremos: nos fatos jurídicos em sentido estrito, não existe vontade ou é desconsiderada; no ato-fato jurídico, a vontade está em sua gênese, mas o direito a desconsidera e apenas atribui juridicidade ao fato resultante; no ato jurídico, a vontade é seu elemento nuclear. Nessa classificação, adotada pela doutrina brasileira, o casamento é ato jurídico formal e complexo, enquanto a união estável é ato-fato jurídico.
Por ser ato-fato jurídico (ou ato real), a união estável não necessita de qualquer manifestação de vontade para que produza seus jurídicos efeitos. Basta sua configuração fática, para que haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas e a relação fática converta-se em relação jurídica. Pode até ocorrer que a vontade manifestada ou íntima de ambas as pessoas – ou de uma delas – seja a de jamais constituírem união estável; de terem apenas um relacionamento afetivo sem repercussão jurídica e, ainda assim, decidir o Judiciário que a união estável existe. (LÔBO, 2009, p. 152)
Em consequência de tal entendimento, no sentido de que a união estável não seria um ato jurídico, Paulo Lôbo entende que as causas de invalidade do casamento a ela não se aplicaria. Ou a união estável existe, ou não existe; ou produz efeitos ou não produz. Não se indaga se é válida ou inválida. Assim, a incidência de um impedimento, que levaria o casamento à nulidade, para a união estável geraria a sua inexistência. Tanto é assim que o art. 1.723, § 1º[1] do Código Civil preceitua que em tais hipóteses a união estável “não se constituirá.”
Embora não contemos com manifestação explícita do autor neste sentido, há que se concluir que também para Venosa, para quem a união estável tampouco é um ato, mas um fato jurídico, a existência de impedimento igualmente resultaria na inexistência da união estável, não em sua invalidade. A análise, pois, se daria no plano da existência.
Da definição legal e análise doutrinária do instituto, percebe-se que se trata de uma situação de fato à qual o direito imprime consequências jurídicas. Porém, não se trata de qualquer união entre pessoas do mesmo sexo, mas de uma união com ânimo de constituir família e com estabilidade no tempo.
Paulo Lôbo (LÔBO, 2009, p. 166) conceitua a união estável como a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estão de casado, ou com aparência de casamento (more uxorio).
Assim, uma vez assentado que a união estável é um estado de fato, interessa perquirir quais as consequências dessa classificação.
2. ESTADO DE FAMÍLIA. TÍTULO DE ESTADO E POSSE DE ESTADO.
A posição que uma pessoa ocupa no seio de uma família (pai, cônjuge, filho, companheiro) é denominado estado de família. Ensina Loureiro que:
estado de família é um atributo da personalidade e constitui uma situação formal que se cria dentro do Estado, perante este e dentro da família. Por sua vez, tal estado é creditado por um meio idôneo e indubitável, que é o ‘título de estado’, que produzirá os efeitos válidos até que seja eventualmente modificada a situação familiar. (LOUREIRO, 2011, p. 20).
Portanto, no casamento, o título de estado será a certidão de casamento. A filiação, por sua vez, é provada pela certidão de nascimento. Cabe ao Registro Civil de Pessoas Naturais fixar o estado de civil ou o estado de família da pessoa natural.
Existem, porém, estados aparentes de fato, que são aqueles nos quais a realidade carece do respectivo título. Os estados aparentes podem existir no casamento, na adoção e na filiação.
Com efeito, o estado matrimonial de fato é constituído pela união estável entre um homem e uma mulher, como se casados fossem, sem que o sejam. A lei protege este estado de fato e facilita a sua conversão em casamento. (LOUREIRO, 2011, p. 21)
A união estável, forma familiar na qual os companheiros convivem more uxorio, ou seja, comportando-se socialmente como se casados fossem, revela, assim, a posse de estado de casados.
Caio Mário da Silva Pereira referenda que:
Embora não pareça exigível a convivência sob o mesmo teto, a união estável guarda aproximação com a posse de estado de casados, o que levou Simão Benjó a dizer que ‘a companheira deve ter o trato, o nome e a fama de esposa’. Vale dizer: os que vivem em união estável devem ser tidos como tais perante os amigos e a sociedade, embora a utilização do nome do companheiro, pela mulher, não seja requisito fundamental. Igualmente não nos preocupamos com o ‘tempo de duração’, que pode ser mais ou menos longo. O que importa é serem as uniões duradouras, inspiradas no elemento anímico, a gerar a convicção de que podem marchar para a relação matrimonial. (PEREIRA, 2011, p. 575)
Diante das características do instituto até agora estudadas, caberia perquirir se se trata de um verdadeiro estado civil, tal como o é o estado civil das pessoas solteiras, casadas, separadas, divorciadas ou viúvas.
A doutrina de direito de família, sobretudo a mais progressista, se apressa em afirmar que sim, seria um outro estado civil, entendendo que tal posicionamento seria mais garantista e elevaria a dignidade do instituto:
O estado civil é definido como uma qualidade pessoal. A importância de sua identificação decorre dos reflexos que produz nas questões de ordem pessoal e patrimonial. Daí integrar, inclusive, a qualificação da pessoa. (...) Com o casamento ocorre a alteração do estado civil dos noivos, que passam à condição de casados. Já a união estável, em geral, não tem um elemento constitutivo definindo seu início, mas nem por isso deixa de produzir conseqüências jurídicas desde sua constituição. Basta lembrar que os bens adquiridos durante a convivência passam, necessariamente, a pertencer ao par, por presunção legal. Assim, imperioso reconhecer que, a partir do momento em que uma estrutura familiar gera conseqüências jurídicas, se seta diante de um novo estado civil. A falta de identificação dessa nova situação traz insegurança aos parceiros e pode causar prejuízos a terceiros que eventualmente desconheçam a condição de vida daquele com quem realizam algum negócio.(...)
Está mais do que na hora de definir a união estável como modificadora do estado civil, única forma de dar segurança às relações jurídicas e evitar que os conviventes sofram prejuízos. (DIAS, 2009, p. 165/166)
‘Companheiro em união estável’ é estado civil autônomo; quem ingressa em união estável deixa de ser solteiro, separado, divorciado, viúvo. Essa qualificação autônoma resulta: a) da tutela constitucional e do Código Civil à união estável como relação diferenciada do estado de casado e do estado de solteiro; b) do vínculo inevitável dos companheiros com a entidade familiar, especialmente dos deveres comuns; c) da relação de parentesco por afinidade com os parentes do outro companheiro que gera impedimentos para outra união com estes; d) da proteção dos interesses de terceiros que celebram atos com um dos companheiros, em razão do regime de bens de comunhão desde o início da união. (LÔBO, 2009,0p. 150/151)
Porém, dada à própria natureza do instituto, decorrente não de uma manifestação de vontade explícita, mas do decurso do tempo e do modo de convivência, como estipular a partir de que momento o casal ingressaria em novo estado civil? Não raro, os próprios companheiros não saberiam precisar o momento, e a existência da união estável – e seu período de existência - somente é discutida quando de sua dissolução, a fim de se resolver questões sucessórias, partilha de bens ou alimentos.
Por tal razão, acreditamos ser mais acertada a doutrina que enxerga na união estável a situação fática que é, e não um estado civil, a exemplo do anteriormente citado Luiz Guilherme Loureiro. Com efeito, são incontáveis os inconvenientes – para os companheiros e também para terceiros – que a informalidade dessas uniões implica. Porém, à míngua de um título de estado, hábil a fazer a prova erga omnes do real estado civil, não seria apropriado considerar a união estável um novo estado civil.
Deveras, uma vez que fatos e negócios inerentes à pessoa física podem repercutir não apenas em sua esfera individual, mas interessar também a terceiros que com ela contratam, é imperioso que o estado civil se encontre registrado em um assento que confira a adequada publicidade a tal situação. Porém, as características da união estável implicam a inexistência tanto de um título como de uma situação formalizada, não sendo possível seu ingresso nos assentos do Registro Civil de Pessoas Naturais.
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA LEGISLATIVA DA UNIÃO ESTÁVEL.
Até um passado não muito remoto, a união estável – ou concubinato, como era mais comumente conhecida – era ignorada pelo legislador pátrio e também pela doutrina civilista. Não se lhe reconhecia status familiar e essas relações não ritualizadas eram consideradas uniões inferiores ao casamento, quando não eram francamente discriminadas.
O Código Civil de 1916 se referia à um iaô livre, porém estável, na qual a convivência se dava more uxorio, apenas para permitir que fossem anuladas as doações feitas à concubina e para permitir a ação de investigação de paternidade.
Contudo, a realidade brasileira apresentava aos tribunais e ao legislador dilemas de uma enorme massa de pessoas que, convivendo como se casadas fossem, não tinham sua união formalizada, fosse por desconhecimento, por dificuldades sócio-econômicas ou mesmo por estarem impedidas a tanto, vez que o divórcio apenas foi admitido a partir de 1977.
Com o tempo, paulatinamente foram sendo reconhecidos direitos aos companheiros, sendo de se destacar o labor jurisprudencial neste sentido.
À míngua de proteção legislativa, a jurisprudência reconhecia direitos obrigacionais aos concubinos, declarando o direito à meação dos aquestos ou indenização pelos serviços domésticos, nas hipóteses em que não houvesse patrimônio comum a partilhar. Era a forma pretoriana de realizar justiça, por meio do direito obrigacional, àquelas pessoas – notadamente as mulheres – que após viverem maritalmente com alguém se viam desamparadas após a extinção do relacionamento.
Exemplos emblemáticos desta fase são os seguinte enunciados da súmulas da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
- Enunciado 35 (1963): “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.”
- Enunciado 380 (1964): “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
- Enunciado 382 (1964): “A vida em comum sob o mesmo teto, ‘more uxorio’, não é indispensável à caracterização do concubinato.”
A partir de 1975, a Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73[2]), inovando na seara do direito ao nome, passou a permitir à companheira adotar sobrenome do companheiro, após 5 anos de vida em comum, ou existente prole, desde que nenhum deles tivesse vínculo matrimonial.
Porém, foi a Constituição da República de 1988 que conferiu status de entidade familiar à união estável, prescrevendo que mereceria ela proteção do Estado. Ademais, o constituinte originário exortava o legislador a facilitar sua conversão em casamento.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Seis anos após a mudança de paradigma realizada pelo novo texto constitucional foi editada a Lei 8.971/94, que passou a regular o direito dos companheiros à alimentos e à sucessão. A referida lei cuidou de positivar a jurisprudência até então vigente e de estabelecer os critérios inicialmente adotados para a caracterização da união estável.
A Lei 8.971/94 permitia à companheira do homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele convivesse há mais de 5 anos ou dele tivesse filhos, valer-se da Lei 5.478/68 enquanto não constituísse nova união, e desde que provasse a necessidade dos alimentos. Existia, pois, um requisito temporal mínimo ou prole comum.
Entrementes, a Lei 8.213/91, regente do Regime Geral de Previdência Social passou a prever como beneficiários do segurado não apenas o cônjuge, mas também o companheiro:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
No mesmo ano, a Lei do Inquilinato (8.245/91) passou a permitir à companheira sobrevivente e residente no imóvel a permanência na posição de locatária no caso de morte ou de dissolução da união estável ou da sociedade de fato:
Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub - rogados nos seus direitos e obrigações:
I - nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica do de cujus , desde que residentes no imóvel;
II - nas locações com finalidade não residencial, o espólio e, se for o caso, seu sucessor no negócio.
Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.
Parágrafo único. Nas hipóteses previstas neste artigo, a sub - rogação será comunicada por escrito ao locador, o qual terá o direito de exigir, no prazo de trinta dias, a substituição do fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei.
Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009)
§ 1o Nas hipóteses previstas neste artigo e no art. 11, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador e ao fiador, se esta for a modalidade de garantia locatícia. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
§ 2o O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)
Em 1996, outra lei considerada fundamental para a disciplina da união estável foi editada. A Lei 9.278/96 trouxe então uma definição legal da união estável como entidade familiar, estipulou direitos e deveres, reafirmou possibilidade de divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum, e aludiu à possibilidade de conversão em casamento, embora não tenha regulado como a conversão se daria. Por fim, fixou a competência do Juízo de Família para dirimir as questões decorrentes desta modalidade familiar.
Diversamente do que havia previsto a Lei 8.971/94, a Lei 9.278/96 não exigia tempo mínimo de relacionamento ou prole em comum, mas sim uma relação duradoura, contínua, pública e com o objetivo de constituir família:
Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
O Código Civil de 2002 hoje disciplina a união estável parcimoniosamente, sendo merecedor de diversas críticas, inclusive em relação à posição topográfica do título destinado à união estável. Seu artigo 1723[3] manteve em linhas gerais a definição legal do instituto, trazida pela Lei 9.278/96.
Ademais, o Código Civil passou a prever que a união estável não se constituiria se verificados os impedimentos matrimoniais do art. 1.521, salvo o previsto no inciso VI caso a pessoa casada se encontrar separada de fato ou judicialmente. Foram também previstos os deveres entre os companheiros e facultada a celebração de contrato escrito que estipulasse como seriam reguladas as relações patrimoniais. Na ausência de tal contrato, aplicam-se as regras da comunhão parcial de bens.
O art. 1.727 do Código Civil deixa claro, ainda, que as relações não eventuais entre pessoas impedidas de se casarem não constitui união estável, mas concubinato. Tal prescrição é de todo compreensível, haja vista o comando constitucional que determina que a lei facilitará a conversão da união estável em casamento.
Ora, caso fosse possível a constituição de união estável por pessoas impedidas de se casarem, haveria fácil burla aos impedimentos matrimoniais, bastando, para tanto, que se buscasse a conversão de dita união estável em casamento.
No que tange à previsão legal de conversão da união estável em casamento, observa-se, porém, um retrocesso em relação ao que previa a Lei 9.278/96.
4. DA CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO CONFORME O DIREITO POSITIVO EM VIGOR
Como visto linhas acima, ao conceder à união estável status de entidade familiar, a Constituição o fez, sem contudo equipará-la ao casamento. Mesmo para a doutrina que enxerga a mesma dignidade entre essas formas de constituição familiar é claro que se trata de institutos distintos, pois do contrário não haveria necessidade ou utilidade em exortar o legislador que facilitasse a conversão da união estável no casamento.
Na nova ordem constitucional, o primeiro diploma a ferir o tema foi a Lei 9.278/96, a qual previa que:
Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.
Como se vê, foi previsto um procedimento meramente administrativo, perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, o profissional do direito encarregado de registrar e dar publicidade aos fatos e negócios inerentes à pessoa física. Os diversos tribunais de Justiça então estabeleceram normas que deveriam ser observadas na formalização do pedido de conversão, haja vista que a lei, extremamente lacônica, nada dispôs acerca do procedimento a ser adotado, da necessidade de expedição de proclamas ou do procedimento de habilitação.
Exemplificativamente, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Provimento 10/96, passou a exigir os procedimentos normais de habilitação, dispensando, todavia, a solenidade da celebração e vedando qualquer menção à data de início da união estável.
Posteriormente, o Código Civil de 2002 veio a tratar diversamente a matéria, sendo o dispositivo hoje em vigor.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
De plano, verifica-se que o procedimento, que anteriormente era meramente administrativo e realizado perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais judicializou-se. Permaneceu, contudo, a concisão do legislador, que novamente deixou de se debruçar sobre aspectos relevantes, como o procedimento a ser adotado, os efeitos da conversão, ou mesmo a qual juiz competiria apreciar o pedido dos companheiros interessado em converter sua relação em casamento.
Consequentemente, cada Tribunal de Justiça vem adotando o procedimento que reputa adequado.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Provimento 027/2003 determina que o juiz designará audiência para ouvir os requerentes e duas testemunhas, podendo ser dispensada a audiência se forem apresentadas provas documentais e declarações de próprio punho com firma reconhecida, atestando a ausência de impedimentos. Havendo requerimento, o juiz poderá fixar o prazo a partir de quando a união estável restou caracterizada.
A respeito do tema, Loureiro (2011, p. 91) observa que, tendo em vista a legislação hodierna, que não mais estabelece um prazo mínimo de 5 anos para a caracterização da união estável, caberá ao juiz, no caso concreto, “analisar se o período temporal em questão é suficiente para caracterizar a união duradoura, contínua e pública, para o fim de constituição da família.”
Seu magistério reflete a atual postura da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, que continua a vedar qualquer menção à data de início da união estável ou a seu período de duração:
A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação acima citado, para verificação da inexistência de impedimentos para o casamento. Nos editais a serem publicados deverá constar que se trata de conversão de união estável em casamento.
Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao juiz corregedor permanente, salvo se este houver editado portaria dispensando tal remessa quando não houver impugnação. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio.
(...)
O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no Livro ‘B’, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento. (LOUREIRO, 2011, p. 92/93)
Rolf Madaleno (MADALENO, 2008, p. 810/811), por sua vez, entende que o requerimento de conversão deve ser dirigido não mais ao Oficial do Registro Civil, mas diretamente ao juiz, por meio de processo de habilitação para o casamento. Caso o juiz decida pela conversão, determinará a lavratura do assentamento, dispensando o processo de habilitação para o casamento.
Caio Mário da Silva Pereira é mais suave na crítica e considera que:
No que concerne ao direito à conversão da união estável em casamento, o art. 1.726 de 2002 pouco inovou em relação à lei 9.278/1996, uma vez que mantém o sistema de pedido conjunto pelos companheiros. Incluiu, no entanto, a obrigatoriedade de pedido judicial de conversão, o qual, a nosso ver, será provimento de jurisdição voluntária, cabendo à organização judiciária do Estado indicar o Juízo competente. (PEREIRA, 2011, p. 588)
Paulo Lôbo posiciona-se de modo diverso. No seu sentir, dado que a união estável pressupõe ter sido constituída sem violar os impedimentos matrimoniais, não haveria necessidade de publicação de editais para sua conversão em casamento, justamente, porque a finalidade dos proclamas seria permitir a oposição de tais impedimentos:
A união estável pressupõe que tenha sido constituída sem violação aos impedimentos matrimoniais, que lhe são igualmente aplicáveis (art. 1.723), tornando desnecessária publicação de edital, pois sua finalidade é a de permitir sua oposição.
(...)
O Código Civil (art. 1.726) apenas exige para a conversão da união estável em casamento ‘ pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil’. Nada mais. Não podem os Tribunais de Justiça, sob a justificativa de regulamentar a matéria, impor exigências formais que, contrariando a Constituição e o Código Civil, convertem-se em dificuldades para a conversão. (LÔBO, 2009, p. 162/163)
Nesse ponto, ousamos divergir do ilustre mestre, pois a mera previsão legal de que inexistirá união estável se violados os impedimentos matrimoniais do art. 1521 do Código Civil não implica que todos os candidatos à conversão de sua união em matrimônio tenham constituído validamente uma união estável – e portanto, idônea a ser convertida. Permanece necessário à conversão que se verifique se ocorre violação aos referidos impedimentos matrimoniais, seja qual for o rito adotado pelos Tribunais.
Indagava-se, finalmente, a utilidade prática do art. 8º, ao admitir, de comum acordo, a conversão da união estável em casamento através de requerimento ao Oficial de Registro Civil da circunscrição do domicílio. Não se pode abandonar a investigação dos impedimentos para o casamento, previstos nos arts. 180 a 182 do Código de 1916 (arts. 1.525- 1.527 e arts. 1.531 e 1.532, CC/02). Vencidas tais formalidades, a conversão pouco difere da celebração. (PEREIRA, 2011, p. 583)
Demais disso, o fato de o legislador infraconstitucional (fosse na Lei 9.278/96, fosse no Código Civil) ter se omitido em regular suficientemente o tema da conversão não impediria que os provimentos das Corregedorias refletissem uma interpretação sistemática da legislação de família no intuito de evitar que os impedimentos matrimoniais fossem violados.
A falta de uma adequada regulamentação legal do tema, que enseja uma indesejável diversidade de procedimentos nos Estados-membros, não é a única crítica que merece ser feita ao legislador infraconstitucional na matéria, conforme se verá no tópico seguinte.
5. CRÍTICA À LEGISLAÇÃO VIGENTE ACERCA DA CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO
Como visto linhas acima, o código civil judicializou o procedimento, outrora exclusivamente administrativo, de conversão da união estável em casamento.
Nesse diapasão, há que se lembrar que o comando constitucional inserto no § 3º do art. 226 prescreve:
Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Grifos nossos)
Assim, para a maioria da doutrina, o comando constitucional deixou de ser cumprido, haja vista que o procedimento de conversão se tornou mais dificultoso, sendo mesmo mais complexo que a opção pelo casamento pura e simplesmente.
Atualmente, a lei dispensa a intervenção judicial no procedimento de habilitação para o casamento, salvo se oposto impedimento.
"Art. 1.526. A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público.
Parágrafo único. Caso haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz." (Código Civil de 2002)
Art. 67. Na habilitação para o casamento, os interessados, apresentando os documentos exigidos pela lei civil, requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes, que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem. (Renumerado do art. 68, pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 1º Autuada a petição com os documentos, o oficial mandará afixar proclamas de casamento em lugar ostensivo de seu cartório e fará publicá-los na imprensa local, se houver, Em seguida, abrirá vista dos autos ao órgão do Ministério Público, para manifestar-se sobre o pedido e requerer o que for necessário à sua regularidade, podendo exigir a apresentação de atestado de residência, firmado por autoridade policial, ou qualquer outro elemento de convicção admitido em direito. (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 2º Se o órgão do Ministério Público impugnar o pedido ou a documentação, os autos serão encaminhados ao Juiz, que decidirá sem recurso.
§ 3º Decorrido o prazo de quinze (15) dias a contar da afixação do edital em cartório, se não aparecer quem oponha impedimento nem constar algum dos que de ofício deva declarar, ou se tiver sido rejeitada a impugnação do órgão do Ministério Público, o oficial do registro certificará a circunstância nos autos e entregará aos nubentes certidão de que estão habilitados para se casar dentro do prazo previsto em lei.
§ 4º Se os nubentes residirem em diferentes distritos do Registro Civil, em um e em outro se publicará e se registrará o edital.
§ 5º Se houver apresentação de impedimento, o oficial dará ciência do fato aos nubentes, para que indiquem em três (3) dias prova que pretendam produzir, e remeterá os autos a juízo; produzidas as provas pelo oponente e pelos nubentes, no prazo de dez (10) dias, com ciência do Ministério Público, e ouvidos os interessados e o órgão do Ministério Público em cinco (5) dias, decidirá o Juiz em igual prazo. (Lei de Registros Públicos).
Para quem se casa, o procedimento é expedito e, via de regra, realizado integralmente na via administrativa. Já para os casais, que mesmo vivendo em união estável há anos, optam por convertê-la em casamento, o procedimento envolve necessariamente o pronunciamento judicial, o que pode torná-lo mais caro e demorado. O código civil, ao invés de facilitar a conversão, conforme mandamento constitucional, tornou-a mais complexa e sem vantagem adicional.
Portanto, estamos com Loureiro (2011, p. 93) quando comenta que:
“Há aqui um contrassenso: se a lei dispensou o pronunciamento judicial no processo de habilitação (salvo se houver alegação de impedimento), da mesma forma deveria ser eliminada esta etapa na conversão da união estável em casamento.”
Citando livremente Álvaro Villaça Azevedo, Rolf Madaleno segue a mesma toada:
Álvaro Villaça Azevedo identifica inúmeros embaraços na conversão da união estável em casamento, tanto quando a matéria era erigida pelo artigo 8º da Lei nº 9.278/96, através de processo administrativo de habilitação, de inteira competência do oficial do Registro Civil, quanto na atualidade, ao envolver decisão judicial, concluindo ser mais fácil os companheiros submeterem-se ao processo de habilitação para o casamento e não para a conversão da pregressa união estável. (MADALENO 2008, p. 811)
Paulo Lôbo compreende que:
Justifica-se o pedido ao juiz, pois a união estável não se prova documentalmente. Mas as provas podem ter sido produzidas em ação declaratória anterior, para o que será juntada a sentença judicial. Neste caso, o juiz determinará o registro do casamento. Se a união estável não tiver sido judicialmente provada ,os companheiros requererão seja declarada incidentalmente, com as provas que indicarão. A norma não especifica qual é o juiz competente, podendo ser ‘o juiz de casamentos ou, por imprecisão do dispositivo, o juiz corregedor do Cartório, como, ainda, o juiz de família’. (LÔBO, 2009, p. 163)
Considerando, ademais, que desde a alteração do art. 1.526 do Código Civil pela Lei 12.133/2009, a qual simplificou e desjudicializou o procedimento de habilitação para o casamento. Não é compreensível que o legislador ordinário não tenha aproveitado a oportunidade para dedicar a mesma facilidade à conversão da união estável em casamento, mormente se considerarmos o mandamento constitucional contido no § 3º do art. 226.
Hoje, resta afastada a obrigatoriedade de intervenção judicial nas habilitações para o casamento, salvo quando houver alguma impugnação, ao passo que, contraditoriamente, subsiste a necessidade de intervenção judicial para a conversão da união estável em casamento.
Como é sabido, a atividade do Oficial do Registro não é meramente burocrática. Este profissional do direito, dotado de fé pública pela Lei 8.935/94, art. 3º, é habilitado para conferir segurança jurídica e certeza aos atos realizados em sua presença. Portanto, ao realizar a qualificação registral, o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais zela pelo cumprimento da legalidade cuida para que a situação registral corresponda à situação jurídica.
Assim, não existiria prejuízo à idoneidade dos registros civis ou à segurança jurídica que interessa a toda sociedade se o procedimento de conversão da união estável em casamento obedecesse à mesma sistemática hoje vigente para a habilitação para o casamento, sendo dispensada, todavia, a celebração, pois se trata de ato de conversão. Esta solução, parece-nos mais consentânea com a opção da Constituição de 1988, mas, naturalmente, se trata de solução de lege ferenda.
6. DOS EFEITOS DA CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO
Ao comentar a aparente incongruência legislativa, que exige a intervenção judicial para a conversão da união estável em casamento, mas a dispensa nas habilitações para casamento não impugnadas, Maria Berenice Dias aventa que a razão de ser poderia estar em se emprestar efeito retroativo ao casamento decorrente da referida conversão:
A exigência de intervenção judicial afronta a própria recomendação constitucional de que deve ser facilitada a conversão da união estável em casamento. Ora, a necessidade de processo judicial, que implica contratação de advogado, pagamento de custas e, quem sabe, até produção de provas, é fator complicador. Talvez a exigência se justifique para emprestar efeito retroativo ao casamento. Mas, ainda assim, é possível aos conviventes obter o mesmo efeito de ordem patrimonial por meio de pacto antenupcial. (DIAS, 2009, p. 148)
Deveras, a necessidade de instrução probatória perante o juiz poderia ser justificada para se dar efeitos retroativos à conversão. Porém, essa eficácia tampouco é pacífica: a uma, porque não foi prevista, fosse pela constituição, fosse pelas leis que regulamentaram, muito parcamente, o art. 226, § 3º; a duas, porque o art. 1.514 do Código Civil prevê que o registro do casamento é constitutivo, de modo que a conversão da união estável em casamento não poderia fazer retroagir a momento anterior a eficácia do estado civil de casado; a três, porque contraria o ideal de facilitação embutir necessariamente no rito de conversão uma verdadeira ação de reconhecimento de união estável e de seu período de duração. Com efeito, caso os conviventes, além do interesse na conversão de sua união estável tenham também interesse em ver declarado o lapso temporal em que houve a união estável, poderão fazê-lo por meio de ação autônoma, ao passo que as questões patrimoniais do período anterior à conversão poderiam ser enfrentadas pelo pacto antenupcial.
Paulo Lôbo é partidário da idéia de que a conversão não possui efeitos retroativos:
A conversão não produz efeitos retroativos. As relações pessoais e patrimoniais da união estável permanecerão com seus efeitos próprios, constituídos durante o período de sua existência até à conversão. Assim, se os agora cônjuges tiverem optado pelo regime de separação total de bens, mediante pacto antenupcial, os bens adquiridos durante a união estável que ingressaram no regime legal de comunhão parcial permanecerão em condomínio.(LÔBO, 2009, P. 163).
Wald e Fonseca reconhecem a polêmica e igualmente entendem que a conversão somente renderia efeitos prospectivos, justamente porque o regime de bens a ser adotado no casamento poderá ser distinto do que vigorava enquanto existia tão somente a união estável:
A posição mais acertada é aquela que referenda a eficácia da conversão a partir do momento em que ela é efetivada. E assim deve ser porquanto o casamento perfilha regime jurídico diverso, em diferentes aspectos, daquele reservado à união estável. Apenas a título de exemplo, recorde-se a exigência da outorga uxória prevista no art. 1.647. anote-se, por exemplo, o que poderia ocorrer com os atos jurídicos praticados pelos conviventes, que dependeriam, se casados fossem, de outorga uxória, como fianças, avais, alienações etc. Admitindo-se que seus efeitos pudessem retroagir à data do início da união, uma vez praticados esses atos isoladamente por apenas um dos companheiros e convertida a união em casamento, aqueles negócios jurídicos poderiam ser inquinados de nulidade. A insegurança jurídica que daí poderia decorrer afigura-se manifesta. Ademais, avente-se, por igual, a hipótese de o regime de bens adotado para o casamento não ser o mesmo daquele que vigia ao tempo da união estável. Os prejuízos que essa modificação de regime poderia acarretar para terceiros são, também, por demais evidentes.
Precisamente por essa razão, convertida a união estável em casamento, não se deve admitir que o regime que venha presidir o casamento seja diverso daquele que vigorava para a união estável.
No entanto, na hipótese de desejarem os ex-companheiros celebrar matrimonio sob regime diverso daquele que até então regulava as suas relações patrimoniais, deverão observar os requisitos reclamados pelo art. 1.639, II para a alteração do regime de bens. (WALD e FONSECA, 2009, p. 403).
Por outro lado, Rodolfo Madaleno defende a eficácia ex tunc da união estável convertida em casamento, mas alerta para eventuais prejuízos causados pela retroação de tais efeitos:
Todavia, a lei autoriza a conversão da união estável em casamento, no que difere da habilitação do casamento quanto a seus efeitos no tempo; considerando que o matrimonio civil tem seus efeitos operados a partir da data de sua celebração, sem nenhuma retroação no tempo, seu efeito é ex nunc. Já na conversão da união estável em casamento, os efeitos se operam ex tunc, são retroativos à data do início da união estável. (...)
Sendo os efeitos retroativos à data da constituição da união estável, o regime de bens eventualmente eleito pelos nubentes em pacto antenupcial também tem efeito retroativo ao início da união estável, podendo causar indesejáveis e impensáveis prejuízos para um dos convivente,s se porventura elegerem o regime retrooperante da total separação de bens, deixando de se comunicar patrimônio amealhado na constância da união estável e sobre cujo relacionamento incidia pelo silencio de qualquer contrato de convivência um regime presumido de comunhão de bens. (MADALENO, 2008, p. 811)
Entendemos que são mais convincentes os argumentos da doutrina que afirma que a conversão produz efeitos não retroativos. Deveras, não união estável e casamento são institutos distintos e sujeitos a regimes diversos. Ao longo de uma união estável os companheiros travam inúmeras relações jurídicas, ora conjuntamente, ora isoladamente, e a eventual mudança de regime de bens a partir do casamento, caso retroagisse, causaria enorme insegurança jurídica.
A doutrina favorável aos efeitos retroativos parece pouco se importar com os prejuízos que tal retroação causaria a terceiros, mostrando-se mais interessada em apontar as vantagens que a retroação traria aos companheiros. Porém, pensamos que não é papel do direito ajudar a modificar a situação patrimonial de pessoas que, por longos anos, ao optarem por vivem em união estável, e não em casamento, se conformaram com a aplicação do regime de comunhão parcial, aplicável às uniões que não dispunham diversamente sobre os bens.
Há que se rememorar, ademais, que ninguém pode ser obrigado a casar. Do mesmo modo, não se pode obrigar alguém que hoje queira se casar a suportar a retroação do regime de seu casamento a um período anterior, quando o casamento não lhe parecia conveniente. As pessoas devem assumir suas escolhas com responsabilidade: se preferem unir-se sem o casamento, devem estar de acordo com as conseqüências de tal escolha e se em momento posterior fazem a opção pelo casamento, a partir daí igualmente estarão sujeitas a essa nova manifestação de vontade. Ao afirmar aprioristicamente que a conversão deva render efeitos ex tunc, a doutrina retira dos ex-companheiros a possibilidade de que suas relações fossem regidas em um dado período por um regime e, posteriormente, por outro.
Assim, uma vez que não nos parece acertado atribuir efeitos retroativos ao casamento derivado de conversão de união estável, revela-se inapelavelmente incompreensível a necessidade de intervenção judicial no procedimento de conversão. De lege ferenda, sugere-se que a conversão da união estável em casamento sujeite-se a um procedimento de habilitação semelhante ao hoje empregado no casamento, que em regra tramitará apenas perante o Registro Civil de Pessoas Naturais. Tal solução, além de realizar o ideal de simplificação buscado pelo constituinte, é suficiente para impedir que algum casamento seja constituído com ofensa a impedimento matrimonial, tal como o é suficiente no casamento não decorrente de conversão.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 3ª. ed. São Paulo: Método, 2012.
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. V. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
WALD, Arnoldo, FONSECA, Priscila M.P. Corrêa da. Direito Civil: Direito de Família. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
[2] Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).
(...)
§ 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 3º O juiz competente somente processará o pedido, se tiver expressa concordância do companheiro, e se da vida em comum houverem decorrido, no mínimo, 5 (cinco) anos ou existirem filhos da união.(Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 4º O pedido de averbação só terá curso, quando desquitado o companheiro, se a ex-esposa houver sido condenada ou tiver renunciado ao uso dos apelidos do marido, ainda que dele receba pensão alimentícia. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 5º O aditamento regulado nesta Lei será cancelado a requerimento de uma das partes, ouvida a outra. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 6º Tanto o aditamento quanto o cancelamento da averbação previstos neste artigo serão processados em segredo de justiça. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
[3] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduada em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOLLERO, Barbara Tuyama. A conversão da união estável em casamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40867/a-conversao-da-uniao-estavel-em-casamento. Acesso em: 23 dez 2024.
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