RESUMO: O presente Artigo visa mostrar de forma concisa algumas das catastróficas consequências que vêem emaranhadas ao poder que o Estado tem de exercer a punição de pena privativa de liberdade. E que, na verdade, a finalidade elementar da prisão, que é a ressocialização, não vem sendo alcançada, de modo que, depois de cumprida a pena, o ex-detento encontre na sociedade uma discriminação latente que o faz se intimidar, fazendo com que este venha a planejar e realizar outros delitos.
PALAVRAS-CHAVE: Estado; punição; prisão; ressocialização.
INTRODUÇÃO
No Brasil, como em qualquer outro país do mundo, é levada constantemente em discussão (tanto por quem legisla, como pela população) sobre a real necessidade e a plena eficácia da prática de pena privativa de liberdade aos cidadãos condenados por crimes que venham a ser qualificados e enquadrados para tal punição. É fato que, em território brasileiro, sua população traz consigo, de forma já enraizada, a idéia de que a grande maioria dos crimes praticados por qualquer cidadão, o Estado tem que punir através da severa prisão carcerária; o inverso causa no seio social certa indignação e um senso de impunidade. Para o jurista e professor Rogério Greco:
A sociedade em geral se satisfaz e, na verdade, busca tão-somente fazer com que a pena tenha essa finalidade, pois que tende a fazer com ela uma espécie de “pagamento” ou compensação ao condenado que praticou a infração penal, desde que, obviamente, a pena seja privativa de liberdade. Se ao condenado for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de multa, a sensação, para a sociedade, é de impunidade, pois que o homem, infelizmente, ainda se regozija com o sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator. (2009, p.146)
Por outro viés, observa-se que os meios de comunicação em massa (televisão, jornais, revistas, internet, etc.) utilizam-se de horários valiosos de sua programação e de páginas principais - primeira página de jornal e capa de revista, como exemplos - de seus editoriais para trazer em seu loco um exacerbado sensacionalismo ao que tange à suposta impunidade praticada pelos agentes públicos do Estado, como também a supervalorização e o status de superstars para as condutas criminosas. No que tange à impunidade dos agentes do Estado, no mesmo sentido Eugenio Raúl Zaffaroni diz que “para dez crimes, há apenas uma condenação e normalmente os condenados são ardilosos. Aqueles que têm amigos ou dinheiro habitualmente escapam da mão dos homens” (2007, p. 89).
Em rápida pesquisa pelo sítio da Revista Veja, em ‘http://veja.abril.com.br/’, no campo “busca”, em que se localizam as reportagens de capa desta Revista, coleta-se 105 capas quem contenham a palavra ‘prisão’, 100 com a palavra ‘cadeia’ e 53 com a palavra ‘assassinato’. Assim, se tem uma pequena visualização do retrato do sensacionalismo midiático que polui e influencia concisamente a mente da população. A reportagem principal quase sempre é a tragédia humana, com foco a criticar a atuação falha que o Estado tem de punir os meliantes. O caso do casal Nardoni é um famigerado exemplo da exposição que a mídia faz de casos que são tratados como excepcionais, porém estes são mais corriqueiros do que se imagina; então ai que surge a indagação de que quantas crianças não são mortas todos os dias do mesmo jeito ou pior do que a morte de Isabella Nardoni?
Então, deste modo, se tem um quadro mostrado pela imprensa em que coloca os assassinos como superstars, podendo estimular o crime e banalizar a conduta criminosa. O professor Dr. Luiz Ferri de Barros ilustra isto ao dizer que:
Defendo a tese de que a imprensa tem agido insensatamente em relação à criminalidade. Creio que existe um nexo causal direto entre a violência social que a mídia retrata, em especial quando de forma sensacional, e a reincidência de atos violentos que se verificam na sociedade. O sensacionalismo estimula a violência em virtude da banalização a que os fenômenos da criminalidade são submetidos e porque eleva ao estrelato os criminosos, que se vêem como figuras públicas de grande projeção e destaque, hoje não mais apenas nos tablóides de "jornalismo marrom", do tipo que se "se espremer sai sangue", como dizia o povo, mas, de uma forma geral, em toda a grande mídia brasileira. Isto significa, em muitos casos, do ponto de vista da psicologia comportamental (a mais simples que possa existir), que os jornalistas oferecem feed back (reforço positivo) aos atos criminosos mais repugnantes, gerando um círculo vicioso crimes/notícia sobre crimes/novos crimes, em ritmo e dinâmica de bola de neve. (www.bancodeescola.com/crimes.doc)
Neste cenário, onde o crime é tratado com fino status e com certa prioridade pelo Estado, pela sociedade, pela imprensa, por pensadores, juristas e diversos, se tem um sistema presidiário nacional que se encontra falido e desestruturado, que faz repensar sobre a necessidade e a importância de ser punir um “criminoso” com pena privativa de liberdade. Alternativas, como penas substitutivas, podem ser aplicadas, não fazendo com que um cidadão que já é maltratado pelas más condições da educação, da saúde, da assistência social, do lazer, da cultura, do desemprego, etc., vem a sofrer com a dura repressão do Estado ao jogá-lo dentro de uma cela carcerária. Neste limiar, pondera-se o rigor na qualificação das provas inerentes ao processo, para, que, destas, não se venham condenações injustas e bárbaras, de modo a tecer uma decisão, por parte do juizado, de forma satisfatória para o querelado e o querelante. Para Fábio Aguiar Munhoz Soares,
A prova, ao revés, propende a produzir na mente do juiz a certeza ou o convencimento, seja formal ou livremente, sobre os itens que devem servir de pressuposto à norma jurídica aplicável, havendo inúmeras conceituações e classificações a seu respeito. (2009, p. 46)
O TEMA E SUAS NUANCES
Diante deste mosaico que é a visão do crime no Brasil, se observa que tanto a legislação quanto a população em geral clamam pela pena privativa de liberdade como regra para o praticante de qualquer delito. Este ‘mal necessário’, a prisão, carrega consigo diversos pontos negativos, em que se leva a crer que esta não tem alcançado as suas finalidades elementares que são mostrar que determinada conduta social é proibida e tentar a reinserção do criminoso na sociedade, fazendo com que este não mais cometa delitos. Neste sentido, conforme Cezar Roberto Bitencourt, citado por Geder Luiz Rocha Gomes, este enxerga que o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade não tem esta tendo sua devida eficácia:
Durante muitos anos imperou um ambiente otimista, predominando a firme convicção de que a prisão poderia ser um instrumento idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinqüente. Este otimismo inicial desapareceu, passando a predominar uma atitude pessimista, que já não tem nenhuma esperança sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que afirmamos, há mais de vinte anos, que a prisão está em crise. (2008, p. 18)
Neste mesmo sentido, Rogério Grego indaga, citando exemplo, que em casos concretos do dia-a-dia a reinserção social não tem exercido sua devida eficácia:
Não faz muito tempo, os meios de comunicação informaram que uma mulher, condenada pelo homicídio de uma atriz da Rede Globo, havia se matriculado em uma Faculdade de Direito no Estado do Rio de Janeiro. Para nossa surpresa, os alunos, que com ela estudariam, abandonaram a sala de aula, sob o argumento de que não seriam colegas de uma “homicida”. Ora, será que aquela condenada, ao fazer a prova de vestibular, matriculando-se numa Faculdade de Direito, queria buscar a sua tão almejada ressocialização, depois de já ter cumprido o tempo de condenação que lhe fora imposto pelo Estado? (2009, p. 150)
Diante desta abordagem, pode se concluir que a principal finalidade da pena privativa de liberdade não esta sendo alcançada. Então, o que se produz ao privar de liberdade um cidadão é uma sociedade que o discrimina e o escancaramento de um sistema penitenciário falido, que não atende plenamente aos objetivos planejados e legalizados pelo Estado, fazendo com que o indivíduo quando retorne ao meio social traga consigo marcas de maus-tratos concatenados pelo desrespeito ao preceito máximo da Constituição Federal, que é Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para Eugenio Raúl Zaffaroni,
A ignorância ou indiferença diante desse fenômeno determina um movimento muito preocupante, pois, ao não levar em conta o desdobramento assinalado do sistema penal, corre-se o risco de encobrir um aumento considerável de poder punitivo, por intermédio de uma legislação penal formalmente acusatória. (2007, p. 114)
O ferimento ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é ocasionado pelas más condições físicas dos presídios, pela superlotação, pela humilhação proporcionada pelos agentes carcerários, pelo convívio na mesma sela entre infratores de pequena e de grande periculosidade, pelo acesso irrestrito às drogas, entre outros diversos agravantes. Para o Promotor de Justiça, Francisco Bandeira de Carvalho Melo, o condenado é inserido num sistema em que tem que seguir determinadas regras impostas pelos próprios apenados:
Perguntaríamos, então, e a função ressocializadora e de prevenção individual? É lógico que a privação de liberdade em nossos presídios não serve a esta finalidade, pois o condenado não é “reeducado”, e sim “socializado” para viver na prisão de acordo com as regras próprias ali determinadas pelos apenados. Impera dentro das prisões a lei do mais forte, ou seja, quem tem força ou poder subordina os mais fracos em uma verdadeira organização criminosa. Ao invés de organismo de custódia de recuperação de presos, a prisão passa a ser verdadeira escala de graduação para a prática de toda espécie de delito. (MELO, 2008)
Assim, vem se percebendo, aos poucos, que a pena privativa de liberdade, de fato, não esta tendo o resultado esperado. Pois a verdadeira função desta é apenas retributiva, visto que a função ressocializante não se demonstra eficaz no sistema penitenciário brasileiro.
Para alguns doutrinadores, uma alternativa à privação de liberdade seria a substituição por uma pena mais compatível com o delito realizado, fazendo com que o cárcere deva ser o mecanismo mais utilizado no combate à impunidade nos chamados “crimes hediondos”, ou seja, é necessário um maior rigor nas infrações penais de grande teor de potencial ofensivo, sendo estas as que atinjam os bens mais importantes e relevantes da sociedade; enquanto nos crimes menores ou de “menor potencial ofensivo” é preciso realizar uma melhor avaliação e aplicar penas restritivas de direitos, pois estas têm sua eficiência comprovada por diversas pesquisas, tanto no Brasil, quanto em diversos países do mundo afora. “Assim, os critérios de criminalização seriam a idoneidade do sistema em prevenir ataques concretos a bens jurídicos e não gerar efeitos perversos mais danosos que a conduta incriminada” (CARVALHO, 2004, p. 28)
Como esclarece Cezar Roberto Bitencourt, citado por Geder Gomes:
É indispensável que se encontrem novas penas compatíveis com os novos tempos, mas não aptas a exercer suas funções quanto as antigas, que, se na época não foram injustas, hoje, indiscutivelmente, o são. Nada mais permite que se aceite um arsenal punitivo de museu do século XVII. Propõe-se, assim, aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando necessária, e substituí-la, quando possível e recomendável. Todas as reformas de nossos dias deixam patente o descrédito na grande esperança depositada na pena da prisão, como forma quase que exclusiva de controle social formalizado. Pouco mais de dois séculos foram suficientes para se constatar sua mais absoluta falência em termos de medidas retributivas e preventivas. Recomenda-se que as penas privativas de liberdade limitem-se às condenações de longa duração e àqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação. (2008, p. 19)
Então, as penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade para crimes não considerados como hediondos, assim como uma possível premiação com a liberdade através do bom comportamento do detento são fundamentais para que se possa amenizar o “estrago” social (pois atinge a família e amigos) e individual (discriminação que este sofre) que o sistema punitivo tem causado àqueles que são “jogados” nas celas dos presídios do Brasil. No entendimento de Geder Gomes, este resume ao dizer que:
A perspectiva de um sistema punitivo calcado em alternativas penais à prisão para as infrações penais de menor e médio potencial ofensivo, vislumbra uma intervenção penal menos drástica, mais econômica para o Estado e, portanto, com maior probabilidade de prestar-se ao respeito à dignidade da pessoa humana, bem assim à reintegração do delinqüente na sociedade, em um estágio no qual predomina o Estado Democrático de Direito construído, predominantemente, sob o ritmo ditado pelo constitucionalismo moderno. (2008, p. 62)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto, torna-se repetitivo falar sobre as conseqüências negativas que traz em seu seio a pena privativa de liberdade. A opinião doutrinária que foi utilizada é calcada na base contemporânea do Direito Penal Mínimo, que este, por sua vez, preza pela utilização do Direito Penal apenas em último grau de necessidade, em ultima ratio. Esta ainda é uma visão minoritária e enfrenta doutrinadores e legisladores que vangloriam o Direito Penal Máximo, este como Direito maior e detentor de poderes supremos a tudo e a todos dentro de um Estado Democrático de Direito. Observa-se, também, que não é preciso fazer pesquisa nem estudo mais dedicado para concluir-se que o sistema punitivo que tem como aporte o sistema penitenciário não vem tendo a função ressocializadora que lhe é atribuída, pelo contrário, o “ressocializado” sai da cadeia com “fome” de crime e de vingança; tornando-se muitas vezes mais perigoso do que antes que entrou no regime fechado de privação de liberdade. Então, deve-se encarar o problema e aplicar soluções a curto e a longo prazos, pois, trata-se, de investimento maciço do setor público, no que tange a reforma e aplicação da legislação e a infraestrutura do sistema penitenciário nacional.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar R. In: GOMES, Geder L. R. A substituição da Prisão – Alternativas penais: legitimidade e adequação. 1º ed., Salvador: JusPodivm, 2008.
CARVALHO, Amilton Bueno de &, CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo penal. 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
GOMES, Geder L. R. A substituição da Prisão – Alternativas penais: legitimidade e adequação. 1º ed., Salvador: JusPodivm, 2008.
GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2009.
HOBSBAWN, E., RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1999.
MELO, Francisco B. de C. A função retributiva da pena privativa de liberdade. Disponível em <www.bancodeescola.com/crimes.doc> , Acesso em 02 de maio de 2012.
MORAES, Maria C. B. de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
SOARES, Fábio A. M. Prova ilícita no processo: de acordo com a nova reforma do Código de Processo Penal. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
ZAFFARONI. E. Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Rinaldo Sergio Guimaraes. As consequências da pena privativa de liberdade no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40892/as-consequencias-da-pena-privativa-de-liberdade-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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