RESUMO: O presente Artigo visa mostrar de forma sintética algumas características que tornearam e vislumbraram a importância do Tribunal Militar Internacional (Nuremberg), instituído pelo Acordo de Londres, com ênfase ao desrespeito ao basilar Princípio da Reserva Legal, pertencente à maioria das Constituições dos Estados, e à contribuição que tal Acordo fez para o Direito Internacional Público.
PALAVRAS-CHAVE: Tribunal de Nuremberg; Direito Internacional; Princípio da Reserva Legal; 2ª Guerra Mundial.
1. INTRODUÇÃO
O Tribunal de Nuremberg foi o Tribunal Militar Internacional que funcionou entre 1945 e 1946, na cidade alemã de Nuremberg, com o fim de julgar prisioneiros de guerra nazistas. Aos quais, após o término da 2ª Guerra Mundial, as potências aliadas deram início ao julgamento dos grandes criminosos nazistas.
Este Tribunal havia sido cogitado, primeiramente, na Declaração de Moscou de 1º de novembro de 1943, para vir a tomar forma e ser efetivamente instituído em uma Convenção, realizada na Inglaterra (Londres), com a participação das quatro grandes potências mundiais da época (EUA, URSS, Reino Unido e França), que teve seu início em 26 de junho de 1945, e no mesmo ano, o juiz Robert Jackson anunciou que a Conferência havia chegado a um acordo, com base na proposta dos EUA, para o estabelecimento de um processo coletivo para os grandes criminosos de guerra, perante um Tribunal Militar Internacional. “Qualificado muitas vezes de revolucionário, este foi o primeiro Tribunal Criminal realmente internacional, estabelecendo os princípios de um novo Direito Internacional Penal” (FERRO, 2002, p. 16), principalmente no que tange à inclusão do indivíduo no cenário internacional, responsabilizando-o diretamente por seus atos contra os direitos humanos.
2. O TRIBUNAL E SUAS CARACTERÍSTICAS
Frente a idéia de que os vencidos que julgaram os derrotados, denota-se, de imediato, que esta Corte, em sua idealização, já tinha um caráter político, em que havia muito mais um interesse político, e um caráter vingativo (pois foram os vencedores que julgaram os vencidos), do que uma verdadeira busca pela justiça. E os EUA, que, a princípio, não eram a favor da adesão à guerra e também nem foram diretamente atingidos pelos atos nazistas, como ocorreu com as outras potências aliadas, foram os primeiros a cogitar e liderar o movimento de criação do Tribunal. O julgamento teve duração de quase um ano e foi marcado por diversas contradições aos princípios fundamentais do Direito, fato gerador de inúmeras críticas em relação ao verdadeiro caráter do Tribunal de Nuremberg. No mesmo entendimento, Henrique Horta diz que:
Para muitos a Corte deixou a moral e a justiça de lado na busca de uma vingança a qualquer preço, onde os princípios mais fundamentais foram banalizados sem nenhum remorso por parte dos vencedores. (HORTA, 2008)
No entendimento de Celso de Mello:
No tocante à crítica de que Nuremberg foi um tribunal de exceção não há como negar. Os juízes foram escolhidos pelos vencedores sem qualquer critério prévio. O tribunal foi extinto após ter proferido o julgamento. As sentenças eram ‘negociadas’ entre os juízes. Os próprios alemães em 1945 e 1946 diziam aos Aliados que eles deveriam ser eliminados, ou ainda, por que processá-los se eles já estão condenados [sic]. O juiz-Presidente da Corte Suprema, Harlam F. Stone, que defendera, anteriormente, o julgamento dos criminosos alemães, afirmava que o Tribunal de Nuremberg era um ‘linchamento barulhento colocado em cena (dirigido) por Jackson. (MELLO, 1997, p. 441)
Por esta ótica, observa-se que uma Corte com estas características e finalidades, foge totalmente dos padrões atuais de sociedades democráticas de Direito, revelando-se de caráter ditatorial, em que o poder dominante se privilegia, eis que esta torna-se uma característica prejudicial, pois não tinha legitimação. Mesmo com estas avaliações, este Tribunal veio a ser uma reação positiva e louvável contra as atrocidades do Holocausto.
O artigo 6º, do Acordo firmado em Londres tipificou os crimes referentes às competências do Tribunal: a) crimes contra a paz – planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra, ou participar de um plano comum ou conspiração para a guerra; b) crimes de guerra – violação ao direito costumeiro de guerra, tais como, assassinato, tratamento cruel, deportação de populações civis que estejam ou não em territórios ocupados, para trabalho escravo ou para qualquer outro propósito, assassinato cruel de prisioneiro de guerra ou de pessoas em alto-mar, assassinato de reféns, saques a propriedades públicas ou privadas, destruição de cidades ou vilas, ou devastação injustificada por ordem militar; c) crimes contra a humanidade – assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato desumano contra a população civil antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos, independentemente se, em violação ou não do direito doméstico do país em que foi perpetrado.
Em todo o decurso do processo e, em especial, na ação final, os juizes e os acusadores do Tribunal Militar Internacional acentuaram formalmente que a sentença do processo dos criminosos de guerra de Nuremberg devia constituir um precedente e uma lição para os futuros perturbadores da paz e criminosos de guerra. Porém, para João das Regras:
Entretanto, os estatutos jurídicos assentes na «Carta do Tribunal» foram celebrados como base no Novo Direito Internacional. Resta observar-se qual a atitude que os países neutrais tomarão perante esta proclamação apolítica de novas normas do Direito Internacional, para cuja elaboração não foram consultados, do que resulta não ser assunto por eles sancionado. Será, porém, muito interessante observar, no futuro, a aplicação deste novo direito numa circunstância em que não apareça o «regime nazi» comummente odiado, como «perturbador da paz», mas sim ou mais membros da presente aliança artificial... Por hoje, contentemo-nos com a observação de que a criação parcial e novos princípios de Direito por um Tribunal Militar significa uma absoluta novidade na história do Direito Internacional. (REGRAS, 2006, p. 9)
Diante disto, observa-se, também, que não havia até então nenhum documento de caráter internacional público que previa os crimes contra a humanidade e o tipificava penalmente, nem cominava qualquer sanção penal. Esta foi, sem dúvida, uma expressiva inovação prevista pelo Estatuto, e configurava a evidente violação ao princípio da reserva legal, sendo os acusados, processados e julgados por lei posterior aos fatos por eles praticados. É de conhecimento de qualquer estudioso do Direito ou de qualquer cidadão atuante na sociedade, que a Legalidade é consagrada em basicamente todas as Constituições. Na Constituição da República Federativa do Brasil aparece no inciso II, do art. 5°: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Assim, faz com que a atividade estatal, qualquer que seja, fique sujeita à lei. E nesse sentido o Poder Público não pode exigir qualquer ação ou abstenção senão as previstas em lei. Gisele Devens relata que
A defesa considerou os crimes determinados pelo Estatuto de Nuremberg um desrespeito ao princípio da reserva legal, segundo o qual não há crime ou condenação possível, sem que haja lei anterior – nullum crimen nulla poena sine lege. No entanto, a Acusação e a Promotoria alegaram que: “o crime de guerra ilícita já era previsto pelo Direito Internacional Positivo [...], que os acusados haviam sido prevenidos do destino que os esperava [...] e que a condenação dos crimes perpetrados encontra-se no seio da consciência universal [...]. Houve a argumentação referente à tese de que “o Direito Internacional é notadamente costumeiro, sendo o princípio da legalidade da esfera do Direito escrito, e ainda, que tal “princípio não se encontra na base de todas as legislações das nações civilizadas”, muito embora fizesse parte do direito interno dos EUA, França e Reino Unido. (DEVENS, 2004)
Então, nota-se que esta garantia constitucional foi violada no julgamento de Nuremberg, pois ali não havia nenhuma previsão legal que considerasse crime as mortes, torturas e massacres ocorridos durante a guerra. Isto significa afirmar que apesar de toda crueldade cometida, dos atos imorais e bárbaros daqueles líderes, eles não deveriam nem ser julgados. Não se julga ações que não estão pautadas pela lei como crime (garantia do princípio da reserva legal). Porém, mesmo não existindo norma escrita própria à época, foi fixado o conceito de crime contra a humanidade e reconhecido como crime de guerra a agressão, introduzindo definitivamente o indivíduo nas questões penais internacionais. Ana Ferro afirma que:
Com respeito aos crimes previstos no Estatuto de Nuremberg, o Procurador britânico enfatizou que os direitos e deveres dos Estados são direitos e deveres dos homens. Esses direitos e deveres não se aplicando aos indivíduos, na verdade a nada mais obrigam. (FERRO, 2002, p. 87)
Assim, dentro destas perspectivas, observa-se que o Tribunal de Nuremberg tinha finalidades pertinentes, porém infligia diversos princípios e normal do Direito em geral. Porém, o que deve se considerar, de fato, é a importância para o Direito Público Internacional.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De qualquer forma, mesmo infringindo princípios básicos do Direito Penal, em que foi considerado um Tribunal improvisado e arbitrário, o Tribunal de Nuremberg põe em terra um sistema jurídico internacional, no qual a guerra ainda era uma alternativa aceitável. É também a origem de um novo sistema, onde são estabelecidos novos conceitos, como genocídio e crimes contra a humanidade. Nesta faceta Nuremberg é um marco do Direito Penal Internacional, em que vislumbra outra face para os crimes e as atrocidades cometidas pelo homem contra o próprio homem.
REFERÊNCIAS
BARROS, M. D. Os legados jurídicos, éticos e humanísticos do Tribunal de Nuremberg: 60 anos depois. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080916132535431&mode=print . Acesso em 27.09.2010.
CASSILLA, L. C. Julgamento de Nuremberg. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5465/Julgamento-de-Nuremberg. Acesso em 27.09.2010.
DEVENS, G. O Tribunal de Nuremberg: marco nas relações jurídicas e políticas internacionais do século XX. Disponível em http://siaibib01.univali.br/pdf/Gisele%20Devens.pdf . Acesso em 02.09.2010.
FERREIRA, G. W. Os princípios da legalidade no Tribunal de Nuremberg. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3544/Os-principios-da-legalidade-no-Tribunal-de-Nuremberg. Aceso em 27.09.2010.
FERRO, A. L. A. O Tribunal de Nuremberg. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
HORTA, H.C. Tribunal de Nuremberg: visão crítica a respeito da moral e da política envolvidas no julgamento. Disponível em http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1476/1409. Acesso em 02.09.2010.
MELLO, C. D. de A. Direitos Humanos e Conflitos Armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
REGRAS, João das. Um novo direito internacional. Rio de Janeiro: Ultimo Reduto: 2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Rinaldo Sergio Guimaraes. O Tribunal de Nuremberg e o princípio da reserva legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40905/o-tribunal-de-nuremberg-e-o-principio-da-reserva-legal. Acesso em: 23 dez 2024.
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