Tem sido muito comum, há bastante tempo, em contratos firmados entre “shopping center” e lojista a inclusão da chamada “cláusula de raio”. Esta clausula obriga o lojista-condômino a não instalar outro estabelecimento num determinado raio de distancia, promovendo uma verdadeira exclusividade territorial de determinado segmento de loja.
Para muitos juristas, este tipo de cláusula contratual configura total abuso do poder econômico e viola frontalmente o princípio constitucional da livre concorrência, previsto no art. 170, inciso IV, da CF/88:
TÍTULO VII
Da Ordem Econômica e Financeira
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
O art. 173, §4º, da CF/88 determina a repressão a esse tipo de conduta:
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Antigamente, era a Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, que fazia essa regulação da concorrência no mercado. Hoje, está em vigor a Lei nº 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda) e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, estabelecendo:
CAPÍTULO II
DAS INFRAÇÕES
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
§ 1o A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.
§ 2o Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.
§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
VI - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;
VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;
X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
XII - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
XIII - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;
XIV - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;
XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;
XVI - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;
XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;
XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e
XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca. (grifo nosso)
Da leitura dos dispositivos acima transcritos, verifica-se a possibilidade de enquadramento da cláusula de raio em diversas formas de infração da ordem econômica. Há quem defenda, entretanto, que tal cláusula é legal, pois estaria baseada no princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade.
Sobre essa discussão de exclusividade de serviço, o Superior Tribunal de Justiça, em caso semelhante, já firmou o entendimento exposto no julgado abaixo transcrito:
Trata-se de cooperativa médica que exige fidelidade em pacto cooperativo, com cláusula de exclusividade de serviços médicos e, por essa razão, foi multada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Observa o Min. Relator que a relação entre a cooperativa e o profissional é de cunho privado, uma vez que a atuação dos profissionais dá-se em regime de colaboração e o filiado adere às normas estipuladas, podendo desvincular-se a qualquer tempo. Ressalta, ainda, que, embora a Lei n. 5.764/1971 (que rege as cooperativas) admita a imposição de cláusula de exclusividade, essa norma deve ser interpretada em harmonia com a CF/1988, de índole pós-positivista, cujos princípios consagrados atentam para a livre concorrência e iniciativa, a defesa do consumidor, a liberdade de contratação e associação, como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Afirmou ainda que, em atenção a essa novel Constituição, editou-se a Lei n. 9.656/1998, norma posterior e especial que afastou a possibilidade do contrato de exclusividade, ao estabelecer as regras de planos e seguros privados de assistência à saúde, independentemente da forma jurídica de sua constituição. Além disso, o direito pleiteado pela cooperativa compromete, por via oblíqua, os direitos à saúde (CF/1988, art. 196) porque a exclusividade dos serviços médicos prestados à cooperativa cerceia o acesso a esses profissionais. E concluiu que, não obstante haja a tutela dos interesses privados, esses não podem sobrepor-se ao interesse público amparado constitucionalmente. Com esse entendimento, a Turma negou provimento ao recurso. (REsp 768.118-SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 11/3/2008) (grifo nosso)
Nota-se, portanto, segundo o entendimento acima exposto, que a inclusão dessa cláusula de exclusividade territorial não pode ser analisada apenas sob o ponto de vista do Direito Privado, mas também do Direito Público.
Um determinado “shopping center” ou estabelecimento similar, que controla parcela considerável de certo mercado em uma dada região, ao impor a seu lojista-condômino cláusula contratual que impede o mesmo de se estabelecer, com o mesmo ramo de atividade, em determinado raio de distancia, pratica, indubitavelmente, infração concorrencial, causando danos irreparáveis à livre concorrência e aos interesses dos consumidores em geral.
Um dos casos mais emblemáticos, que ainda tramitam no Poder Judiciário, sobre o tema ora abordado é o: CONDOMÍNIO SHOPPING CENTER IGUATEMI versus CADE. A autarquia, no processo administrativo nº 08012.006636/1997-43, condenou a empresa, com base na Lei nº 8.884/94, vigente à época, pela utilização ilegal de clausula de raio em seus contratos.
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Concluiu o CADE naquele processo que as consequências desfavoráveis da cláusula de raio para o mercado são inúmeras, dentre elas:
a) o lojista-condômino é prejudicado porque fica impedido de instalar outro estabelecimento similar em local próximo (de modo que poderia analisar a melhor opção de ponto comercial), ficando obrigado a pagar um aluguel cada vez mais alto naquele “shopping” exclusivo;
b) o custo dessa “exclusividade” acaba sendo repassando para o consumidor, com o aumento dos preços das mercadorias/serviços oferecidos;
c) os “shoppings” e galerias concorrentes são afetados, pois não podem ter essas lojas nem disputar o mercado com o agente econômico que exerce a liderança no setor;
d) o consumidor é prejudicado com a impossibilidade de escolher, de acordo com sua conveniência, para onde se dirigir para adquirir aquele produto/serviço;
e) a sociedade perde com a ausência de rivalidade e de concorrência no mercado e, portanto, com a falta de incentivo à exploração eficiente da atividade econômica.
A ação de nulidade proposta pelo Iguatemi em face do CADE tramitou na 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, protocolada sob o nº 0010504-07.2008.4.01.3400, tendo sido proferida brilhante sentença de mérito pelo Juiz Federal Dr. João Luiz de Sousa. É válido destacar os seguintes trechos:
As regras de livre mercado e iniciativa que propulsionam a sociedade e o mercado capitalistas tem seu alicerce assentado no giro capital, na circulação de bens e serviços com o fim de se obter lucro.
A obtenção dessa margem de lucro cada vez mais visada pelos agentes económicos integrantes desse complexo sistema tem seu prospecto refletido na fixação do quantum a ser fixado e pago por aqueles que firmarão negócios, com vistas ao consumo final ou não.
Esse quantum é representado pelo preço do produto ou serviço vigente em determinado mercado de consumo. É justamente nos mecanismos de fixação do preço e das regras necessárias à manutenção e gradação do lucro auferido pelo agente econômico que são percebidas as ações e técnicas de mercado que, por vezes, prejudicam a atividade econômica de outras sociedades empresariais, desencadeando práticas comerciais abusivas, restritivas da livre iniciativa e da livre concorrência.
É tendência natural do mercado capitalista competitivo a prática de determinadas condutas extravagantes com o objetivo de dominar determinado segmento de mercado e garantir a alta fruição de lucros, ainda que isso importe em prejuízo aos demais agentes econômicos, refletindo, logo, no exercício arbitrário da liberdade contratual.
Pois bem, na esteira da sistemática adotada pela Constituição da República de 1988, nos termos citados suso, o Estado, enquanto legítimo representante de uma nação e regulador das relações estabelecidas em seu território, por meio do Conselho Administrativo de Defesa Económica, autarquia de âmbito federal, surge como meio de controle estatal da atuação dos agentes económicos no mercado capitalista, estabelecendo diretrizes e fixando sanções, a fim de garantir a participação igualitária de tais agentes nas atividades económicas correspondentes.
Trata-se de uma atuação deveras complexa, haja vista que, nos parâmetros já alinhavados pelo Supremo Tribunal Federal, as normas constitucionais se pautam peio princípio da complementaridade, devendo tais regras ter incidência harmônica, de forma tal que a decisão imposta preserve, verbie grade, a livre iniciativa, livre concorrência, os interesses do consumidor e da coletividade, bem assim a liberdade contratual.
O ordenamento jurídico pátrio, com espeque em determinados conceitos, por meio da Constituição Federal de 1988 e da Lei n. 8.884/94, previu aquelas condutas praticadas pelos agentes económicos, que, por estarem em descompasso com os ideais e as normas fixadas nos referidos textos de lei, implicariam em infração à ordem económica e, portanto, autorizariam o Estado a imputar determinada sanção pelo ilícito havido.
Nesse diapasão, no que interessa à hipótese, dispunham os artigos 20 e 21 da Lei n. 8.884/94:
(...)
A livre inciativa, princípio constitucional da ordem económica, representa a liberdade de exercício, em amplo espectro, de qualquer atividade econômica, desde que lícita, ou seja, consoante as normas que regulamentam o setor.
A livre concorrência, como corolário da livre iniciativa, representa garantia à liberdade de os agentes económicos estabelecerem contratos, adquirirem produtos ou serviços, consoante suas necessidades, impulsionando a dinâmica de mercado; contudo, sem que suas atividades econômicas visem à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (artigo 173, § 4° da CF/88).
Tal princípio expõe, assim, a garantia à inovação tecnológica, à circulação livre de mercadorias e serviços, ao direito de escolha do consumidor e à liberdade contratual não abusiva, ou seja, em consonância com os princípios constitucionais que regem a ordem económica.
A definição de mercado, por seu turno, é complexa, e deve ser analisada diante do caso concreto. Sua configuração está atrelada a aspectos geográficos, às características do bem e do serviço e outras variantes, tais como hábitos do consumidor, substituibilidade, fungibilidade, necessidade do bem, incentivos de créditos fiscais, bem assim características da parcela de mercado em que o agente económico desenvolve sua atividade precípua.
Já a posição dominante é definida pela Lei n. 8.884/94 e ocorre quando determinado agente econômico controla parcela substancial de mercado relevante, de modo que a posição de detentor do poder económico restringe a livre concorrência, resultando em aumento de preços ou mesmo superposição e independência no mercado tais que, mediante práticas comerciais exorbitantes, impeçam o estabelecimento de outros agentes econômicos no mesmo setor em que atua, muitas vezes, por meio do "fechamento do mercado".
Nos termos já expendidos, a configuração de ilícito à ordem económica, delineada pelo ordenamento jurídico brasileiro, implica na conjugação das vertentes fixadas nos artigos 20 e 21 da legislação antitruste em tela.
Destarte, o domínio de mercado relevante e o abuso de posição dominante e a restrição à livre concorrência devem coexistir na prática comercial a ser analisada. Uma vez observada a ingerência de tais nuances no caso concreto, legitimar-se-á a intervenção estatal, a fim de restabelecer o equilíbrio económico, garantindo o cumprimento da norma constitucional.
Nesse ínterim, por ocasião do julgamento do processo n. 2004.34.00.018729-0, referente ao processo administrativo n. 08012.009991/98-82, conforme inclusive destacado pelo Cade nestes autos, a questão atinente ao mercado relevante do autor foi devidamente analisada e instruída, daí porque, inclusive, não há razão alguma na alegação de ausência de motivação para a caracterização da dominação do mercado relevante pelo demandante.
Destaco, ainda, que a matéria atinente ao comércio de rua e mercado relevante foram ventiladas pelo demandante como razões à conclusão pela prolação de decisão administrativa imotivada, nos termos em que combatida na narrativa de ingresso.
Portanto, tais questões, embora não constem do pedido final, são tratadas no referido tópico e configuram causa de pedir, e, portanto, a sua análise não viola os limites do pleito.
Transcrevo parte da fundamentação que proferi naqueles autos, em aferição da cláusula de exclusividade imposta pelo autor, que passa a integrar esta decisão:
"O mercado relevante objeto desta demanda se estabelece relativamente aos shopping centers de alto padrão na cidade de São Paulo/SP. Impende destacar que o consumidor alvo do Shopping Iguatemi está nas classes A e B da população paulistana, posição esta que é destacada com rigor pelos próprios demandantes, além de ser atestada pelo tenant mix que compõe o referido shopping center, com grifes tais como Tiffany, Armani, dentre outras de renome nacional e internacional.
De tal arte, afigura-se despropositada a afirmação dos demandantes de que a retirada da cláusula de exclusividade poderia implicar em popularização do empreendimento, pois, de longe, o m/x de lojas do Iguatemi, ainda que seja aberto idêntico tenant mix noutro shopping próximo, importará na temida e descabida popularização ventilada.
No mesmo sentido, em que pese o destaque do comércio de rua na cidade de São Paulo, representado por algumas áreas onde se estabeleceram grifes de luxo, não há como se equiparar, para os fins almejados, o mercado de rua com o mercado do shopping center, e/s que a forma de arregimentação de clientela deste último é sobremaneira considerável, relativamente ao comércio de rua, o que se justifica pela gama de opções dos mais variados segmentos que o consumidor dispõe em tais complexos de lojas.
O mercado relevante, na hipótese, considerado o espaço geográfico e as características dos bens e serviços nele inseridos, bem assim os hábitos e parcelas dos consumidores que se utilizam do espaço e a necessidade e utilidade dos bens, fixase, nos termos já destacados, nos shopping centers de alto padrão da cidade de São Paulo.
Quanto à posição dominante, merece ser considerada a qualificação expendida pelo CADE, que tem competência para tanto; além do que, nos termos ratificados pelo Ministério Público Federal (f. 3983), apresentam-se em consonância com o mercado relevante correspondente.
Assim sendo, os critérios para a definição da posição dominante, para os fins da lei antitruste, considerado o mercado relevante em análise, são o faturamento anual de vendas e a receita bruta dos alugueis. Tais quesitos, saciedade pelo CADE no feito, demonstram que o Shopping Iguatemi controla parcela superior ao percentual fixado no artigo 20, § 3° da Lei n. 8.884/94 e, portanto, detém o mencionado shopping conter posição dominante no mercado relevante em destaque; em outras palavras, o Shopping Iguatemi de São Paulo detém posição dominante entre os shopping centers de alto padrão da cidade de São Paulo. Tal fato, aliás, além de demonstrado pelas estatísticas e documentos guerreados, é de notório conhecimento do mercado nacional, relativamente ao mercado consumerista do tenant mix do Iguatemi na cidade de São Paulo.
Insta considerar aqui, por oportuno, a seguintenarrativa dos autores (f, 0009):
"Essa situação de desequilíbrio permitiria condutasoportunistas por parte de lojistas, notadamente, a abertura indiscriminada de novas lojas em outros 'shoppings', o que, além de acarretar a diluição do faturamento da loja, cujo valor compõe o aluguel variável, causaria a banalização da grife, com mudança da estratégia de 'exclusivo' para 'popular',
afetando a imagem e o perfil de 'diferenciado' do 'Shopping Center Iguatemi", em prejuízo de todos os lojistas e das Requerentes."
Às f. 0036, aduziram os demandantes:
"É certo, ademais, que a modificação de todos os contratos (175), para retirada da cláusula de exclusividade será irreversível e carretaria imensos prejuízos às Requerentes, na medida em que possibilitará que lojistas oportunistas abram lojas em 'shopping centers' concorrentes, desviando clientela e faturamento, em prejuízo das Requerentes e dos demais lojistas do 'Shoppin Center Iguatemi'".
Nos termos sobreditos, restou evidenciado a posição dominante do Shopping Iguatemi no
mercado relevante em estudo.
Os trechos ora transcritos revelam o absurdo "coronelismo concorrencial" da pretensão inaugural, haja vista que os autores exortam como oportunistas lojistas que queiram exercer o direito à livre indativa e abrir lojas filiais noutros shopping centers, sob o argumento de que reduzirão o lucro do Shopping Iguatemi, além de desviarem clientela e faturamento. Ora, o que os autores temem é justamente os efeitos da livre concorrência, que, frise-se, estão inviabilizando com a imposição da cláusula de exclusividade.
Neste ínterim, insta ressaltar que a inserção do CADE na esfera económica tratada nesta demanda não está direcionada, precipuamente, à queda de preços ao consumidor final, mas, sobretudo, na livre iniciativa e livre concorrência, aliada à liberdade contratual, consoante as diretrizes do ordenamento jurídico pátrio.
Assim sendo, não há como afastar a conclusão de que o público alvo de lojas internacionais tais quais, verbie grade, Empório Armani, Tiffany & Co., Bang & Olufsen, Burberry, Ermenegildo Zegna, Salvatore Ferragamo, dentre outras congéneres, é de altíssimo requinte e, neste sentido, as diretrizes da lei antitruste podem não alcançar tais grifes, haja vista que se trata de um consumidor extremamente seleto, de altíssimo poder aquisitivo. Aliás, tais lojas, considerado o público alvo e o produto comercializado, não possuem concorrência e o preço por elas praticado num outro shopping cente'r será o mesmo; além do que, tendo em conta exclusividade da grife e o consumidor demasiadamente restrito, nada garante que, quebrada a exclusividade contratual em voga,
tenham tais brands o interesse em abrir outra filial noutro shopping da capital paulista, sobretudo tendo em conta, frise-se, o seletíssimo consumidor alvo de tais grifes.
Entretanto, em que pesem tais considerações, além de tais boutiques de altíssimo luxo, há outras lojas de renome nacional e internacional instaladas no Shopping Iguatemi que possuem o interesse comercial na abertura de filiais, a fim de aumentar o lucro, legitimamente, e exercer sua atividade económica consoante garantias firmadas na Constituição da República de 1988. Tal questão pode ser aferida pelas pesquisas junto ao lojistas catalogadas pelo CADE, além das ações judiciais de despejo intentadas pelos autores em face de lojistas que descumpriram a cláusula de exclusividade e abriram filiais na concorrência, o que foi divulgado de forma ampla na mídia paulista.
E, logo, tais lojistas tem o amparo da legislação de regência para o livre exercício da concorrência e da atividade económica correspondente, por elas desenvolvida.
Faz-se importante destacar, outrossim, o fato de que por ocasião da inauguração do Shopping Iguatemi, em junho de 1966 - com a constituição do grupo respectivo em 1979 -, a cláusula de exclusividade não produzia os efeitos de restrição à concorrência e livre iniciativa hoje aferidos pelo CADE, pois, de fato, conforme inclusive lembrado pelos autores, não havia, à época, concorrente no mercado de alto e altíssimo luxo no mercado relevante referido; além do que, gize-se, vigia então sistemática constitucional diversa (CF's de 1967 en1969).
Entretanto, com o decurso dos anos e o desenvolvimento económico do país, houve o interesse de outros agentes económicos em concorrer em tal mercado consumidor, direito este que lhes foi assegurado constitucionalmente em 1988, razão pela qual é vedado aos autores impor restrições tais que violem tal garantia, o que se verifica na imposição da cláusula de exclusividade, nos moldes definidos acima."
Observo, aliás, que se afigura insubsistente a alegação autoral de que os lojistas não são obrigados a contratar com o Iguatemi e tal cláusula atenderia, também, aos seus interesses.
A prática nos tribunais, repise-se, revela outra realidade, como ações de despejo propostas pelo Iguatemi, para dele retirar lojas que abriram filiais na concorrência; além do que, verifico que tanto o réu quanto os lojistas, bem assim a Associação Brasileira de Franquias, condenam a imposição de tal cláusula aos contratos firmados pelo Shopping Iguatemi, eis que reduziriam os prospectos de lucro das grifes e atentariam contra à livre iniciativa e à livre concorrência.
De tal forma, é certo que há conjunção, em certo ponto, de interesses dos autores e dos lojistas, pois não se nega o destaque que o Shopping Iguatemi detém no mercado relevante.
Contudo, o que não se pode admitir, eis que inconstitucional e ilegal, é a adoção de práticas contratuais que extrapolem a liberdade contratual e resvalem no direito à livre iniciativa do agente económico e, por consequência, à livre concorrência, a exemplo da cláusula de raio ventilada.
Ademais, não há nada de ilegal ou desarrazoado no fato de os concorrentes dos autores pretenderem a formação de um tenant mix ao deles aproximado, haja vista que o direito à livre concorrência permite que agentes económicos concorram no mesmo mercado relevante, oferecendo serviços diferenciados e que estimulem a concorrência benéfica ao consumidor, aos clientes, e margeiem a atuação concorrencial segundo as diretrizes legais.
Outrossim, o fato de o autor estar adotando tal cláusula abusiva há alguns anos não tem o condão de torna-la lícita, afastando a atuação estatal na hipótese.
Conforme bem destacado pelo parquet federal às f, 3984 dos autos n. 2004.34.00.018729-0, o Shopping Iguatemi tem assegurado, de fato e de direito, a possibilidade de se fixar no mercado relevante de forma dominante, contudo sem que, para tanto, atue de forma ilegal e contrária à livre concorrência. Assim é que "poderão reforçar a posição dominante que já detém pela gestão qualificada e pela oferta de serviços diferenciados, mas não por práticas anticoncorrenciais."
Nesse ínterim, é certo que, os fatos e provas lastreados ao feito, em cotejo com a narrativa transcrita acima, demonstram, de forma inequívoca, o abuso dessa posição dominante que o Shopping Iguatemi detém sobre o mercado relevante, atuando de forma arbitrária ao fixar cláusula de raio nos contratos firmados com os lojistas, a fim de evitar possível concorrência dos demais agentes económicos inseridos no mesmo mercado relevante.
Até porque o raio direto de 2.500 (dois mil e quinhentos) metros ao redor do edifício do autor, na região nobre em que atua, tem o condão, indubitável, de prejudicar a concorrência e o mercado de consumo, sobretudo porque há o evidente interesse de outros empreendimentos de lazer de instalarem tais centros de compras neste raio de distância, a fim de atender o crescente consumo e o alto poder aquisitivo do mercado ali existente.
Ressalto, por oportuno, que a fixação de tal cláusula, nos moldes em que fixada nos contratos, é imposta por tempo indeterminado, o que revela sua flagrante abusividade e exorta a intenção de controle absoluto sobre a concorrência no segmento em que atua, sobretudo nos bairros nobres que cercam o edifício do Shopping Iguatemi, prejudicando sobremaneira o consumidor.
Necessário frisar, ainda, quanto à alegação inaugural de desvio de finalidade, que o fato da lide insaturada entre o autor e a loja Fórum em nada impede o CADE de aferir, como e quando bem entender, de acordo com a legislação de regência, a possível prática de fato que importe em violação aos preceitos da livre concorrência e livre iniciativa, prejudicando o mercado de consumo.
A sanção imposta ao autor é resultado de detida pesquisa e análise concreta de dados estatísticos, além do que seus pareceres são dotados de presunção de veracidade e legalidade, não havendo, portanto, qualquer infração aos princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade e moralidade.
Ao contrário, a decisão objurgada atende fielmente aos parâmetros perquiridos pelo constituinte originário.
Conforme bem destacado pelo CADE, "a autonomia da vontade não pode sobrepujar-se ao interesse da cofetividade. Assim, há interesse público em investigarem-se cláusulas contratuais que possam causar impactos anticoncorrenciais, principalmente tendo-se em vista que o art. 170, IV, da Constituição Federal eleva a livre concorrência ao status de princípio conformador da Ordem Económica e o art. 173, § 4°, da CF determina a repressão ao abuso de poder económico que resultar na eliminação da concorrência, dominação de mercado ou aumento arbitrário dos lucros".
No que diz respeito à assinatura do Termo de Compromisso de Cessação, noto que, de fato, conforme ressaltado pelo parquet federal às f. 1,472/1.473, independentemente da dissensão acerca da discricionariedade do ato, a proposta inaugural quanto à restrição do raio se limitar a 2 km e a exclusão da cláusula em tela a 10% dos lojistas inviabiliza tal acertamento, tendo em conta o disposto no artigo 53, § 1°, l da Lei n. 8.884/94, pois a permanência de tal cláusula em si já não cumpre o objetivo de cessar a prática investigada.
Isso porque a lesividade reside na existência da própria cláusula em debate, que é inconstitucional e ilegal, nos termos já alinhavados.
Outrossim, quanto à participação do conselheiro Paulo Furquim na decisão vergastada, verifico que, tendo em conta o resultado colegiado obtido, a exclusão de seu voto não implicaria na alteração do resultado, razão pela qual, conforme entendimento da jurisprudência, tal insurgência não encontra guarida.
Quanto à aferição da reincidência, conforme disposição do artigo 27, VIII da Lei n. 8.884/94, está alicerçada no conceito de direito penal, a teor do disposto no artigo 63 do CPB.
"Ari. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior."
A incidência analógica conceituai da reincidência, nos termos propostos, deve ser interpretada e transmudada de acordo com as características próprias e limites da esfera administrativa.
Logo, em que pese o conceito utilizado para a constatação da reincidência seja aquele previsto no artigo 63 do Código Penal, é certo que o trânsito em julgado, em se tratando de multa administrativa, é aquele relativo à decisão proferida em última instância pela Administração Pública.
Isso porque, além de não haver restrição de liberdade na esfera administrativa, tratando-se de incidência pecuniária, o acolhimento da tese de que seria necessário o trânsito em julgado judicial tornaria inócuo o artigo de lei que prevê o instituto da reincidência naquele âmbito.
Ademais, o parâmetro para a configuração da reincidência. In casu está assentado na prática de novo ato contrário à regulamentação vigente de proteção concorrencial, não em delito penal, daí porque seria desprovida de razoabilidade a espera de uma eventual ação judicial para caracterizar o trânsito em julgado para efeitos de reincidência administrativa.
Verificada, pois, a condenação do réu em decisão administrativa com trânsito em julgado naquela esfera, afigura-se plausível a majoração da multa pela ocorrência da reincidência, nos moldes havidos.
De tal arte, entendo que a conduta tida pelo autor, ao fixar cláusula de raio aos contratos firmados com os lojistas, limitou e prejudicou a livre concorrência e a livre iniciativa ao exercer de forma abusiva posição dominante em mercado relevante de bens e serviços; além disso, concluo que a cláusula vergastada limitou o acesso de novas empresas ao mercado, bem assim criou dificuldades ao desenvolvimento e funcionamento de concorrentes que atuam no mercado relevante.
Caracterizada, pois, a infração à ordem económica, nos termos da legislação de regência, é consequência lógico-jurídica a imposição de sanções legais. Nesse sentido, observo que os parâmetros adotados na decisão administrativa estão em consonância com a Lei n. 8.884/94, bem assim com a gravidade da conduta, ressaltando-se, inclusive, que o valor da multa fixada pelo CADE dentro dos limites permitidos.
A decisão colimada é, pois, razoável e obedece aos requisitos constitucionais e legais que regem a matéria, razão pela qual a pretensão vestibular não se reveste de plausibilidade, afigurando-se, logo, insubsistente a tese ventilada na exordial, remanescendo, por consequência incólume o ato administrativo vergastado.
Posto isto, revogo a decisão liminar de f. 959/960 e julgo improcedente o pedido.
Custas pelo autor.
Condeno o demandante, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em dez por cento (10%) sobre o valor da causa, a teor do disposto no artigo 20, § § 3° e 4° do CPC.
O shopping já interpôs recurso de Apelação que pende de julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, tendo como Relator o Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, da 6ª Turma.
O fato é que esse tipo de cláusula impõe um engessamento do mercado de determinada região, impossibilitando a livre concorrência e a disputa legal e leal por consumidores. Ademais, impede o investimento e a construção de outros “shoppings”, que ficam impossibilitados de ter certas lojas, estas exclusivas do outro centro de lojas exclusivas.
Deste modo, entendemos serem tais cláusulas ilegais e devem ser combatidas, pois a Constituição Federal de 1988 determina que deve haver repressão ao “abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
Procuradora Federal. Chefe da Seção de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria Seccional Federal em Mossoró/RN, órgão da Advocacia-Geral da União. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Pós-graduada em Direito Processual Penal pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HENRIQUE, Anne Cristiny dos Reis. Cláusula de raio: violação ao princípio da livre concorrência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41024/clausula-de-raio-violacao-ao-principio-da-livre-concorrencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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