RESUMO: O tema abordado neste trabalho está relacionado à importância da concessão do repouso semanal remunerado por partes dos empregadores aos seus empregados. Apresenta-se como principal problemática a ocorrência de danos à saúde psíquica do trabalhador ao não gozar o referido descanso, de forma reiterada, o que pode vir a causar algumas patologias, tais como esquecimento, redução de aprendizado, mal humor, depressão, angústia, ansiedade e stress (denominadas por autores como patologias sociais). No que tange à metodologia, utilizou-se investigação o levantamento de material bibliográfico, bem como o método dedutivo. Será analisado de forma breve a teoria da psicodinâmica do trabalho e de que forma o Ministério Público do Trabalho poderá atuar na defesa do direito social ao repouso semanal. Por fim, colaborando as empresas no sentido de respeitar o repouso semanal remunerado, implica no desenvolvimento de uma melhor saúde mental ao trabalhador, dispondo de mais tempo à família, aos amigos, ao lazer, à comunidade, à política, podendo se dedicar a uma outra atividade intelectual, ou simplesmente ao ócio.
Palavras-chave: Trabalho. Repouso. Saúde.
1 INTRODUÇÃO
Imagine-se um trabalhador que desempenha suas atividades em determinada empresa todos os dias da semana, ou seja, de domingo à domingo, tem violado o seu direito social ao repouso semanal remunerado, sendo retirado seu tempo de convívio familiar e com os amigos, e mais, a prestação de serviços de forma ininterrupta não mais vem a dignificar o homem (CATALDI, 2011).
Apesar da empresa efetuar o pagamento daquele trabalho em dobro, não devolve os momentos perdidos, pois o tempo não volta, não há máquina do tempo para se voltar ao passado, como no filme “De volta para o futuro 2”.
Assim, surge a nossa problemática, no sentido de que a não fruição, reiterada, do descanso semanal acarreta danos a saúde psíquica. Delimita-se o tema no aspecto do intervalo semanal, diferente de outros, como o intrajornada, interjornada e férias. Outrossim, não nos preocuparemos com os danos à saúde física, apenas com os danos à saúde mental.
Quanto ao objetivo, aponta para a direção de que a concessão de repouso semanal aos trabalhadores significa não só o respeito aos direitos sociais previstos constitucionalmente, como também oportunizar um tempo para que o empregado recarregue suas energias, tempo que é valioso para que a mente não se sobrecarregue e para que se exerça o direito ao lazer.
Inicialmente, faremos uma abordagem legal do instituto do repouso semanal, sua previsão constitucional e infraconstitucional, relação com o processo coaching, estudaremos um pouco sobre a teoria da psicodinâmica do trabalho, o papel do Ministério Público do Trabalho na defesa desse direito social, para enfim, adentrarmos nas propostas de uma melhor saúde psíquica para os trabalhadores, objeto precípuo deste trabalho, não obstante termos a consciência de que aqui estaremos apenas oferecendo uma abordagem genérica, ou seja, não esgotando o tema.
Por fim, para o desenvolvimento do presente trabalho foi implementada como principal estratégia de investigação o levantamento de material bibliográfico.
2 O REPOUSO SEMANAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A definição de repouso semanal consiste:
“no lapso temporal de 24 horas consecutivas situado entre os módulos semanais de duração do trabalho do empregado, coincidindo preferencialmente com o domingo, em que o obreiro pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e aperfeiçoamento em sua inserção familiar, comunitária e política” (DELGADO, 2009).
O direito ao repouso semanal remunerado foi consagrado na Constituição Federal de 1988, conforme art, 7º, inciso XV: “ Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”.
Sendo o direito ao repouso semanal remunerado um direito social (Capítulo II da CF/88), a doutrina tem classificado como um direito de segunda geração, porquanto, relacionado ao direito de igualdade.
Sobre o tema, Masson discorre com maestria:
“Já os direitos de segunda geração – normalmente traduzidos enquanto direitos econômicos, sociais e culturais – acentuam o princípio da igualdade entre os homens (igualdade material). São, usualmente, denominados 'direitos do bem-estar', uma vez que pretendem ofertar os meios materiais imprescindíveis para a efetivação dos direitos individuais. Para tanto, exigem do Estado uma atuação positiva, um fazer (daí a identificação desses direitos enquanto liberdades positivas), o que significa que sua realização depende da implementação de políticas públicas estatais, do cumprimento de certas prestações sociais por parte do Estado, tais como: saúde, educação, trabalho, habitação, previdência e assistência social”.
Além disso, o descanso semanal possui aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma de eficácia plena, ou seja, independe de complementação por norma infraconstitucional. Essa aplicabilidade imediata consagrada pelo Poder Constituinte Originário “retrata a preocupação dos modernos sistemas constitucionais em evitar que as posições firmadas como essenciais para a identidade da Constituição não passem de retórica” (MASSON, 2013).
3 O REPOUSO SEMANAL NA LEI Nº 605/1949
O regulamento do direito ao repouso semanal remunerado pode ser encontrado na Lei nº 605/1949 que, não obstante ser anterior à Constituição Federal de 1988, foi recepcionada pelo atual ordenamento jurídico, tendo plena validade.
A referida norma estabelece que todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local (art.1º). Dessa forma, a intenção do legislador é no sentido de que “não pode tal repouso ser fracionado em um somatório de unidades temporais menores do que o modelo padrão tipificado em lei” (DELGADO, 2009), ou seja, não se pode fracionar as 24 horas.
Apenas por esse dispositivo fica claro que o objetivo da lei é com que o empregado recarregue suas energias preferencialmente aos domingos. Além disso, tanto os feriados civis e religiosos englobam o conceito de dia de descanso.
Outrossim, aspecto importante corresponde ao fato de que não será devida a remuneração do repouso quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho, conforme caput do art. 6º, isto é, para que o empregado tenha direito à remuneração do descanso, necessário se faz não haver ausência injustificada na semana anterior.
Importante ressaltar que mesmo o trabalhador faltando durante a semana, não perderá o direito ao repouso, apenas não terá direito à remuneração desse dia.
Outrossim, é direito trabalhista imperativo, não sendo uma faculdade das empresas concederem, trata-se de norma de medicina e segurança do trabalho, isto é, não podendo ser elidida nem por negociação coletiva (acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, porquanto, são normas de indisponibilidade absoluta. Segundo Cataldi (2011), essas “normas têm como fundamento três aspectos importantes: fatores biológicos, sociais e econômicos. É indiscutível o fato de que o excesso de trabalho causa fadigas física e mental, estresse e cansaço ao trabalhador”.
Já o §1º o mesmo artigo relaciona os motivos justificados: a) os previstos no artigo 473 e seu parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho; b) a ausência do empregado devidamente justificada, a critério da administração do estabelecimento; c) a paralisação do serviço nos dias em que, por conveniência do empregador, não tenha havido trabalho; d) a ausência do empregado, até três dias consecutivos, em virtude do seu casamento; e) a falta ao serviço com fundamento na lei sobre acidente do trabalho; f) a doença do empregado, devidamente comprovada.
Como se vê, o direito social ao descanso semanal também foi tutelado pelo legislador infraconstitucional, demonstrando preocupação com saúde física e psíquica do trabalhador.
4 RELAÇÃO COM O COACHING
Considerando que o coaching é um processo utilizado por uma determinada liderança visando melhorias no comportamento dos trabalhadores, sem duvida que o cumprimento por parte dos empresários da concessão do descanso semanal aos seus empregados atinge essa finalidade.
Assim, como o patrão (coach) tem interesse no lucro, concedendo descanso aos trabalhadores (coachee), estes renovarão suas energias, dedicarão tempo ao lazer, a sua família, aos amigos e ao ócio, possivelmente conseguirá alcançar seus objetivos, porquanto, empregados descansados estarão mais motivados. É o que Dumazedier (2000) denominou de atividades laterais, as quais “talvez venham a inspirar transformações positivas nas atividades profissionais e aumentar a satisfação com as condições de trabalho”.
Do contrário, o trabalho de domingo a domingo, além de ser uma grave violação dos direitos sociais, torna-se desgastante, propicia tendencia à fadiga e pode até causar acidentes de trabalho.
Enfim, os anseios pessoais da equipe de trabalho são no sentido de que no mínimo os empresários cumpram os direitos sociais, porquanto, protegendo estes, também se estaria protegendo a saúde psíquica.
5 BREVES NOÇÕES SOBRE A TEORIA PSICODINÂMICA DO TRABALHO
A teoria da psicodinâmica do trabalho nasceu dos estudos do professor Cristophe Dejours a qual tem por objetivo a análise dos mecanismos de defesa dos trabalhadores diante de uma situação causadora de sofrimento oriundas da organização do trabalho.
Segundo Carrasqueira e Barbarini (2010):
“A teoria psicodinâmica tem influências da psicanálise, sociologia e ergonomia. Dentro da sociologia, estuda o impacto das diferentes formas de organização do trabalho na subjetividade do indivíduo; da ergonomia, herdou a distinção entre trabalho prescrito e trabalho real, e suas repercussões para o psiquismo; com relação à psicanálise, a teoria dejouriana inspira-se na noção de sofrimento e angústia, a qual seria originária do sujeito em suas relações com os pais”.
Nesse sentido, o objeto de estudo da psicodinâmica do trabalho está relacionado com a dinâmica entre a organização do trabalho e os mecanismo de defesa do trabalhador, que correspondem a meios “utilizados pelos trabalhadores para negar ou minimizar a percepção da realidade que faz sofrer” (CARRASQUEIRA E BARBARINI, 2010), manifestadas pela dicotomia prazer-sofrimento. Imagine-se um cortador de cana trabalhando em um dia muito quente, um domingo, por exemplo, apesar do ambiente adverso, utiliza seu mecanismo de defesa para continuar trabalhando. Imagine-se um técnico judiciário laborando horas e horas olhando para a tela de um monitor de computador, apesar de sentir dor nos olhos, sua mente também cria meios defesa para continuar suportando tal dor.
Também chamadas de estratégias de defesa, os referidos mecanismo têm dupla finalidade, quais sejam, favorecem o equilíbrio psíquico e ajudam nas adaptações de situações adversas.
Assim, o trabalho pode ser visto como fonte de prazer e sofrimento, sendo este causa de danos psíquicos, também denominados de patologias. Logo, o trabalho em dias destinados a descanso é capaz de gerar um certo sofrimento capaz de gerar ansiedade, medo, stress e outras patologias.
Além disso, o sofrimento no trabalho pode ocasionar à chamada paralisação, isto é, a incapacidade do empregado em tomar qualquer atitude no sentido de questionar o modus operandi do local de trabalho, não conseguindo mudar a situação causadora do sofrimento, ficando em um estado de conformismo (incapacidade de propor mudanças, talvez pelo medo).
E o estado de conformismo não é interessante para as empresas, pois trabalhadores que não propõem mudanças mantém o estado de cegueira do empregador, já que este, sabendo dos sofrimentos suportados por aqueles, poderá viabilizar formas para um agradável meio de ambiente de trabalho saudável. Não é demais lembrar que é direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII, Constituição Federal).
Contudo, a importância da psicodinâmica do trabalho está voltada não para o estudo da eliminação do sofrimento, mas sim barrar que este seja transformado em adoecimento.
6 PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, Constituição Federal).
Para Mazzilli (1997) apud Schiavi (2012), o Ministério Público passou a “ser órgão de proteção das liberdades públicas constitucionais, da defesa de direitos indisponíveis, da garantia do contraditório”.
Logo, a papel do Ministério Público está no sentido de proteger direitos, em especial os direitos constitucionais, ou seja, o direito ao repouso semanal poderá ser defendido em juízo por este órgão, também conhecido no ramo jurídico como Parquet.
No que tange ao Ministério Público do Trabalho, a Lei Complementar nº 75/93 assegura a competência deste órgão para: promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, conforme artigo 83, inciso III.
Mas o que é uma ação civil pública? Trata-se de uma ação “prevista em lei especial, de natureza condenatória, destinada à tutela dos interesses transindividuais” (SCHIAVI, 2012). Direitos transindividuais correspondem as seguintes espécies, conforme art. 81 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): a) difusos (indivisíveis e indeterminados); b) coletivos (indivisíveis e determinados); c) individuais homogêneos (divisível e disponível).
Assim, caso os trabalhadores sentirem-se intimidados pelos empregadores, a defesa do direito ao repouso semanal poderá ser iniciada por meio do Ministério Público do Trabalho.
7 UMA MELHOR SAÚDE PSÍQUICA
Não há dúvidas de que o trabalho em todos os dias da semana causa cansaço físico e fadiga. Todavia, a saúde psíquica também é afetada. Quantos trabalhadores não reclamam de esquecimento, redução de aprendizado, mal humor, depressão, insônia, angústia, ansiedade e stress? Esses são apenas alguns sinais de que a mente está pedindo socorro, de que o corpo e a mente precisam de repouso.
Mas para que se tenha uma boa saúde psíquica é preciso de remédio? Depende. Se for necessário, um especialista prescreverá o medicamento, porém, defendemos que outros comportamentos poderão evitar que o trabalhador chegue a essa situação: redução da carga horária de trabalho; maiores intervalos; e é claro, a concessão do repouso semanal.
É sabido que o trabalho dignifica o homem e que é fundamento da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV, Constituição Federal). Todavia, entendemos que o trabalho ininterrupto é prejudicial a saúde psíquica. É sabido também que hoje em dia a tecnologia escraviza o homem aos meios de informação, tornando-o um escravo dela, na medida em que o seu uso avança sobre a intimidade e vida privada do trabalhador, retirando-lhe a dignidade (CATALDI, 2011).
O trabalho em excesso é um dos grandes responsáveis pelo sofrimento psíquico do trabalhador. As horas extras intermináveis que o empregador paga não são capazes de devolver anos de tempo que seriam dedicados à família, aos amigos, ao lazer.
Coaduna-se com essas reflexões Calvet (2010) quando ressalta que: “Assim, a prática constante de horas extras sem motivo justificador demonstra ser um exemplo de grave lesão ao direito social do lazer em sua perspectiva humana, demandando uma reparação pelo agente agressor”.
Discorrendo sobre o direito à desconexão do trabalho, Christiana Oliveira (2010) assim o conceitua: “pode ser definido como aquele que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito à ingerência, solicitações ou contatos emanados do respectivo empregador pessoa física ou do empreendimento empresarial para o qual o obreiro trabalha, em seu período destinado ao descanso”.
Relacionando a não fruição do repouso ao pensamento de Dejours (2014), doenças mentais também podem surgirem:
“Ao não contar com os benefícios do reconhecimento de seu trabalho nem poder aceder ao sentido da relação que vive com esse trabalho, o sujeito se confronta com seu sofrimento e só a ele. Sofrimento absurdo que só produz sofrimento, dentro de um círculo vicioso, e que será desestruturante, capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade e causar doenças mentais.”
Os estudos desses autores vêm o encontro de nossos anseios, no sentido de mostrar que a violação do direito ao repouso implica no “embaraço na fruição plena do direito fundamental ao lazer, podendo vir a causar sofrimento psíquico” (OLIVEIRA, 2010).
Passemos a analisar alguns sintomas.
Em relação à angústia, esta “resulta de um conflito intrapsíquico, isto é, de uma contradição entre dois impulsos inconciliáveis. Pode tratar-se de uma oposição entre duas pulsões, entre dois desejos, entre dois sistemas (por exemplo: consciente e inconsciente), entre duas instâncias (ego e super-ego)” (DEJOURS, 1980). Percebemos um trabalhador angustiado quando realiza um serviço repetitivo, porém, com apreensão, conta os minutos para que termine o horário de trabalho, ou quando não consegue dormir à noite em virtude de já está pensando em voltar para o trabalho no outro dia (quando na verdade ainda não queria voltar). Além disso, a angústia pode ser um sinalizador de que a depressão está chegando.
No que concerne à insônia, muitas horas de trabalho não proporcionam ao trabalhador a prática de atividades físicas regulares durante a semana e a chegada em sua residência tarde da noite, implica em uma janta também tarde, esses dois fatores são determinantes para a ocorrência da insônia.
Outrossim, uma pessoa com insônia dificilmente chegará à Fase REM do sono, a qual é responsável pela consolidação da memória e do aprendizado. Vejamos quais são as fases do sono: Fase 1 – é a transição entre a vigília e o sono. À noite o corpo libera a melatonina, que induz à sonolência; Fase 2 – ocorre a redução dos ritmos cardíacos e respiratórios, sendo que os músculos relaxam; Fase 3 – o corpo funciona mais lentamente e o metabolismo cai; Fase REM – é onde ocorre o sono profundo e os sonhos vêm à tona, com sensação máxima de relaxamento.
No que diz respeito ao esquecimento, muitos trabalhadores queixam-se desse sintoma, mas o relacionam, na maioria das vezes, com a velhice. Todavia, uma mente sobrecarregada pode causar esquecimento, o que é um risco até para os colegas de trabalho e para própria empresa, uma vez que o esquecimento do empegado em acionar alguma válvula em uma fábrica, por exemplo, pode ser determinante para um acidente do trabalho de grandes proporções.
Quanto ao stress, “pode ser entendido como o processo de tensão diante de uma situação de desafio por ameaça ou conquista. Assim, sendo, pode-se afirmar que o processo de tensão diante de uma situação-desafio, seja em razão de ameaça, seja de conquista, acarreta o stress” (CATALDI, 2011). Dessa forma, qualquer trabalhador está sujeito ao stress, não sendo tal conceito interpretado como frescura de pessoas ricas.
Logo, os agentes estressores podem advir “tanto do meio externo, como frio, calor, condições de insalubridade, quanto do ambiente social, como trabalho, e do mundo interno, aquele vasto mundo é dentro das pessoas, como pensamentos e as emoções, a angústia, o medo, a alegria, a tristeza” (CATALDI, 2011). No que diz respeito ao meio externo, por exemplo, um trabalhador que desempenha suas funções próximo à ruídos intermitentes e sem utilização de equipamentos de proteção individual, com certeza está sujeito ao stress, sendo que, o respeito ao repouso semanal afastaria-lo dessa situação de sofrimento.
Nesse sentido, o stress relaciona-se com a síndrome de Burnout ou síndrome do esgotamento profissional a qual consiste em um estado emocional em que o indivíduo não consegue mais manter suas atividades habituais em razão do acúmulo de energias negativas, causadas em virtude do excesso de trabalho, altos níveis de cobrança psicológica, baixos níveis de liberdade de decisão e de apoio social.
Os principais sintomas do Burnout são a despersonalização (reação negativa ou de insensibilidade em relação ao público que deveria receber seus serviços), a exaustão emocional e redução do envolvimento pessoal no trabalho. Além disso, podem surgir irritabilidade e mudanças de humor, manifestações de agressividade, alteração do sono e perda do autocontrole emocional. Veja-se que são sintomas muito semelhantes à melancolia, a qual “caracteriza-se psiquicamente por um estado de ânimo profundamente doloroso, por uma suspensão do interesse pelo mundo externo, pela perda da capacidade de amar, pela inibição geral das capacidades de realizar tarefas e pela depreciação do sentimento-de-Si” (FREUD, 1917). Logo, o trabalhador perderia a vontade de trabalhar, de fazer inclusive o que ama.
Discorrendo sobre o tema, Cataldi (2011) afirma que estudos “realizados no Brasil mostram que categoriais profissionais como médicos, enfermeiros, assistentes sociais, professores, bancários, agentes penitenciários e policiais apresentam alta incidência de Burnout”. Isso apenas ratifica o que já havíamos relatado acima, de que o stress pode ocorrer em qualquer classe social, qualquer profissão.
Dessa forma, o trabalhador precisa se desconectar do trabalho, precisar descansar, precisa respirar...
Trabalhadores descansados estarão mais motivados, possivelmente renderão mais no ambiente de trabalho, ocasionando mais lucro para empresa. Por outro lado, implica também em menos custos, porquanto, os riscos de acidente e no serviço serão reduzidos, reduzindo-se também os índices de doenças ocupacionais. Nesse sentido a advogada Maria Cataldi (2011), “o trabalhador estressado produz pouco, durante o exercício de suas atividades laborais, com maiores riscos de acidente de trabalho, acarretando prejuízos aos empregadores”.
Nas palavras de Dumazedier (2010), “A empresa não pode ser considerada, unicamente, como um sistema técnico, tem de ser também uma organização social”. Eis aí a função social da empresa, a qual consiste em atuar livremente na economia, porém, respeitando a sociedade, os princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, este ocupa “um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica” (SARLET, 2011), e valor social do trabalho, bem como os direitos sociais (repouso).
Para que as empresas não violem o papel da função social e assim, garantir a concessão do repouso semanal aos trabalhadores, destacamos duas possíveis soluções: atuação do Ministério Público do Trabalho, no sentido de ajuizar ações coletivas com a finalidade de obrigar os empregadores a cumprir uma obrigação de fazer, ou seja, conceder o repouso; atuação da sociedade por meio de boicote, pois deixando de obter produtos e serviços de determinada empresa, forçaria o respeito aos direitos sociais (princípio da solidariedade).
No que tange ao boicote, o Procurador do Trabalho Bruno Ament (2010) defende o repouso aos domingos aos comerciários, como sendo uma luz no fim do túnel, consistente “no resgate, pela sociedade, dos valores inerentes à condição humana, possibilitando, com isso, perceber a injustiça praticada contra os comerciários e, em ato de solidariedade a esses cidadão, não mais fazer compras aos domingos”.
Dessa forma, o gozo do descanso semanal pelo trabalhador está associado a uma boa saúde psíquica, consistindo em desenvolvimento de atividades recreativas e culturais, desconectadas do trabalho, oportunizando satisfação das necessidades humanas, com o fim de construir uma sociedade mais justa e igualitária.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que a concessão do repouso semanal aos trabalhadores implica não só o respeito aos direitos sociais previstos constitucionalmente, como também oportunizar um tempo para que o empregado recarregue suas energias, tempo que é valioso para que a mente não se sobrecarregue e para que se exerça o direito ao lazer.
Dessa feita, entendemos que o trabalho pode ser visto como fonte de sofrimento, caso os trabalhadores desempenhem suas atividades de domingo à domingo, o que poderá ocasionar danos à saúde psíquica (paralisação). Danos que estão ligados a sofrimentos tais como ansiedade, medo, stress e outras patologias.
Não obstante, o Ministério Público do Trabalho poderá atuar no sentido de garantir a fruição do repouso semanal por meio do ajuizamento de ações coletivas. Além disso, sociedade por meio de boicote, poderá deixar de obter produtos e serviços de determinada empresa, forçando o respeito aos direitos sociais (princípio da solidariedade).
Assim, o direito do trabalho está vivo para garantir a dignidade nas relações de trabalho, porquanto, protegendo os direitos sociais, também se protege a saúde psíquica dos trabalhadores.
REFERÊNCIAS
AMENT, Bruno. Trabalho aos domingos no comércio, direito ao lazer e atuação do Ministério Público do Trabalho. Revista LTR, São Paulo, v. 74, n. 11, p. 1334-1345, nov. 2010.
CATALDI, Maria. Stress no Meio Ambiente de Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTR, 2011.
CALVET, Otavio. Direito ao Lazer. 1 ed. Rio de Janeiro: Labor, 2010.
CARRASQUEIRA, Flora; BARBARINI, Neuzi. Psicodinâmica do Trabalho: Uma reflexão acerca do sofrimento mental nas organizações. Jornada de Saúde Mental e Psicanálise da PUCPR. Curitiba: v. 5, n. 1, nov. 2010.
DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho. Estudos de Psicopatologia do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Cortez, 1980.
DEJOURS, Christophe. O sofrimento no trabalho. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520004> Acesso em: 25 mar. 2014.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2009.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
FREUD, Sigmund. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Volume 2. 1 ed. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Bahia: Juspodivm, 2013.
OLIVEIRA, Christiana. Direito à desconexão do trabalhador – Repercussões no atual contexto trabalhista. Revista LTR, São Paulo, v. 74, n. 10, p. 1180-1188, out. 2010.
SARLET, Ingo. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 9 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LRT, 2012.
Oficial de Justiça Avaliador Federal do TRT da 8ª Região. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Anhanguera (UNIDERP). Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela UNINTER. Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Hugo Raphael da Costa. Repouso semanal e saúde psíquica do trabalhador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41033/repouso-semanal-e-saude-psiquica-do-trabalhador. Acesso em: 23 dez 2024.
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