Resumo: Publicidade, propaganda e merchandising são institutos socioeconômicos com repercussão jurídica, razão pela qual convém adotar uma unidade de sentido para as expressões. Como a doutrina e a legislação brasileira misturam os conceitos de publicidade e de propaganda, resta buscar esteio na doutrina estrangeira, que prefere o termo publicidade para a mensagem de cunho comercial e o termo propaganda para a de fundo diverso, como ideológico, religioso ou político. Por sua vez, merchandising é a publicidade encoberta, indireta.
Palavras-chave: direito, publicidade, propaganda, merchandising.
O breve estudo que aqui se desenrola tem por objetivo apresentar uma proposta de delimitação jurídica dos conceitos de publicidade, de propaganda e de merchandising no âmbito do Direito nacional.
Publicidade x propaganda
Boa redação de conceito de publicidade é conferida por Jean-Marie Auby e Robert Ducos-Ader (1976, p. 532):
“Pode-se definir a ‘publicidade’ como o conjunto de procedimentos técnicos destinados a atrair a atenção do público, informando sobre um produto, um serviço ou uma ação, para convencê-lo a comprá-lo, utilizá-lo ou dela participar, respectivamente” (tradução livre).[1]
Nelson Jahr Garcia (1994, p. 8-9) considera publicidade o mesmo que propaganda comercial, que se diferencia da propaganda ideológica por esta ser “mais ampla e mais global”, tendo por função “formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social”.
Ernani Macedo de Carvalho (1947, p. 31) ensina que “propaganda e publicidade são termos que se confundem, são expressões sinônimas”. Contudo, diz se sentir compelido, “talvez um pouco arbitrariamente”, a distinguir os dois termos, pelo que o faz: propaganda seria o conjunto de meios materiais por meio dos quais se divulga, publicamente, alguma coisa, fato ou ideia. Publicidade, por sua vez, seria o ato de se valer de algum desses meios materiais.
Nelly de Carvalho (1996, p. 9-10) demonstra estar ciente da “questão da denominação”. Apoia-se em Charaudeau para considerar o termo propaganda mais abrangente que publicidade, estando o primeiro ligado a mensagens políticas, religiosas e comerciais, ao passo que, o segundo, apenas a mensagens comerciais. Adota em sua obra, porém, as expressões como sinônimas, vistas em “termos gerais”.
Roger Mucchielli (1970, p. 25-30) estabelece semelhanças e diferenças entre publicidade e propaganda. As semelhanças se dão pelas intenções: manipulação (ambas buscam orientar indivíduos e grupos para que se comportem do jeito esperado) e exploração de necessidades (de saber, de se conhecer, de mudar sua imagem, de participar da vida coletiva, de resolver os problemas cotidianos). Há semelhanças, também, quanto às técnicas, em especial pelos métodos utilizados (aplicação de regras de psicologia, estudo do meio).
As diferenças se fazem presentes no objetivo: o da publicidade é comercial (compra de um produto), e o da propaganda é ideológico, político (imposição de uma convicção). Diferem os institutos, ainda, no grau de influência: a publicidade atua de forma mais local, ou menos global (importa a venda do produto ao mercado consumidor), ao passo que a propaganda é mais global (visa a influenciar o comportamento dos homens). Quanto ao tratamento dos adversários, tem-se que, na publicidade, é, em geral, proibido se reportar aos concorrentes, e, na propaganda, atacar o adversário é a regra. Por último, há diferença nos valores explorados: na publicidade, são mais específicos e individuais, voltados à satisfação de desejos egocêntricos (juventude, beleza), sendo que, na propaganda, predominam esperanças universais, coletivas (liberdade, justiça, paz).
Bernard de Plas e Henri Verdier (1970, p. 5) tomam a publicidade comercial por “publicidade propriamente dita”, que distinguem das “atividades assemelhadas”: publicidade de Estado, relações públicas, e propaganda. Esta “visa a obter adesão a um sistema ideológico (político, social, econômico ou religioso)”. Publicidade e propaganda são, portanto, diferentes, por pertencerem a domínios distintos, mesmo que os meios utilizados sejam idênticos.[2]
Para Alejandro Pizarroso Quintero (1990, p. 26), propaganda consiste em um “processo comunicativo que dissemina, difunde, dá a conhecer, promove idéias”, que podem ser “políticas, civis, estatais ou de contrapropaganda”. Publicidade significa promover algo com o fim de atrair compradores. O autor entende que publicidade e propaganda devem ser tidos como termos distintos, apesar da confusão que entre eles se dá na linguagem vulgar.[3]
Dessarte, o que se nota é a concordância, em geral, dos autores estrangeiros pela utilização distinta de publicidade (cunho comercial) e propaganda (cunho ideológico), ao passo que os autores pátrios divergem sobre o assunto, mas tendem a misturar os termos, utilizando-os como sinônimos. Da mesma forma, a legislação brasileira vem, ao longo do tempo, contribuindo para a confusão.
O Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/40), utilizava, no já revogado art. 196, o termo propaganda com o sentido comercial:
“Art. 196. Fazer concorrência desleal.
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, de um conto a dez contos de réis.
§ 1º Comete crime de concorrência desleal quem:
Propaganda desleal
I - publica pela imprensa, ou por outro meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem indevida;
II - presta ou divulga, com intuito de lucro, acerca de concorrente, falsa informação capaz de causar-lhe prejuízo;
(...)”
Assim também o fazia a já revogada Lei n. 5.772/71 (art. 2º, b; 9º, h; 63), e assim o faz a atualmente vigente Lei n. 9.279/96 (art. 124, VII; 131; 191; 193; 194; 195, IV, VII; 233).
A Lei n. 4.117/62 (antigo Código Brasileiro de Telecomunicações, revogado em sua maioria) se referia a ambos, sem estabelecer distinção (art. 38, d). Ora se referia apenas a publicidade (art. 103, a). Ora mencionava “publicidade política”, em oposição a “publicidade comum” (art. 41). No art. 39, tratava de “propaganda partidária”; no art. 47, “propaganda política”; e no art. 53, d, “propaganda de guerra”. Por sua vez, a Lei n. 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações) nada trata de propaganda nem de publicidade.
A Lei n. 4.680/65, que dispõe sobre o exercício da profissão de Publicitário e de Agenciador de Propaganda, diz, no art. 5º, que “compreende-se por propaganda qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado”. No art. 3º, consta que a agência de propaganda é a pessoa jurídica “especializada na arte e técnica publicitária”. A confusão de termos se perpetua no restante do texto legal, com predominância da forma “propaganda”.
A Lei n. 9.294/96, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, menciona, apenas em seu art. 9º, quatro vezes o termo propaganda e duas vezes o termo publicidade, tomados com a mesma acepção comercial.
O Decreto n. 3.296/99, não mais vigente, que dispunha sobre a comunicação social do Poder Executivo Federal, deixava claro, já no art. 2º, que pretendia utilizar indiscriminadamente ambos os termos. O Decreto n. 6.555/08, atual regulamento das ações de comunicação do Poder Executivo Federal, mantém a sinonímia, que se mostra evidente no art. 9º, usando-se as palavras publicidade e propaganda na mesma frase e com o mesmo sentido: “as ações de publicidade do Poder Executivo Federal serão executadas por intermédio de agência de propaganda (...)”.
A Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) é notoriamente o instrumento normativo mais relevante do ponto de vista da publicidade. Sempre que se refere à mensagem comercial de convencimento, o Código usa o termo publicidade, exceto – curiosamente – nas singelas três ocasiões (art. 56, XII; 60; 60, § 1º) em que impõe ao anunciante a pena de contrapublicidade (forma de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva), quando traz a denominação de contrapropaganda.
Em resumo, avaliando a doutrina e legislação pátria, nada há que autorize a adoção oficial de publicidade ou de propaganda para nominar a veiculação de mensagem de fito comercial. Resta-nos escolher, com esteio na doutrina estrangeira, que nos parece mais adequada, a forma “publicidade”. Contudo, é de se ter em conta que opção diversa é também aceitável.
Merchandising
Quanto ao termo merchandising, a Lei n. 10.167/00 alterou a Lei n. 9.294/96, adicionando, entre outros, o art. 3º-A, que traz a definição de merchandising como publicidade indireta, encoberta:
“Art. 3º-A Quanto aos produtos referidos no art. 2º desta Lei, são proibidos:
(...)
VII – a propaganda indireta contratada, também denominada merchandising, nos programas produzidos no País após a publicação desta Lei, em qualquer horário;
(...)”
Assim, não há grande dificuldade em se estabelecer um conceito normativo de merchandising.
No campo doutrinário, Paulo Luiz Netto Lôbo (2001, p. 72) bem conceitua merchandising como “a aparição ou inserção camuflada de produtos em programas de televisão, rádio, em filmes, em espetáculos teatrais, sem indicação da natureza de mensagem publicitária”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUBY, Jean-Marie; DUCOS-ADER, Robert. Droit de l’information. Paris: Dalloz, 1976.
CARVALHO, Ernani Macedo de. Publicidade e propaganda. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1947.
CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 1996.
GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica. 11ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do consumidor, São Paulo, n. 37, jan.-mar. 2001.
MUCCHIELLI, Roger. Psychologie de la publicité et de la propagande. Paris: Libraires Techniques, 1970.
PLAS, Bernard de; VERDIER, Henri. La publicité. 10ª ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1970.
QUINTERO, Alejandro Pizarroso. Historia de la propaganda: notas para un estudio de la propaganda política y de “guerra”. Madrid: Eudema, 1990.
NOTAS:
[1] “On peut définir la ‘publicité’ comme l’ensemble des procédés techniques destinées à attirer l’attention du public, en l’informant sur un produit, un service ou une action, pour le convaincre de l’acheter, de l’utiliser ou d’y participer”.
[2] “Toutefois, même lorsque les moyens utilisés sont identiques, les sentiments sur lesquels propagande, publicité, relations publiques agissent sont différents. (...) La psychologie de la propagande et celle de la publicité ressortissent donc à deux domaines distincts”. (PLAS; VERDIER, 1970, p. 6-7)
[3] “Por otro lado, aunque no negamos que en el lenguaje vulgar el término ‘propaganda’ sí implica el ‘dar a conocer una cosa con el fin de atraer (...) compradores’, a este fenómeno debemos denominarlo, más específicamente ‘publicidad’”. (QUINTERO, 1990, p. 26)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Publicidade, propaganda e merchandising como conceitos jurídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41100/publicidade-propaganda-e-merchandising-como-conceitos-juridicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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