O presente artigo tem como escopo a análise da viabilidade jurídica de afastamento de servidor público civil federal, detentor de cargo exclusivamente comissionado, no âmbito do Poder Executivo, de suas atribuições regulares, para a realização de curso de aprimoramento no exterior.
Inicialmente, cumpre-nos destacar que se aplica aos servidores públicos civis federais, detentores de cargo exclusivamente em comissão, as disposições da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Isso porque, a interpretação sistemática dos arts. 1º a 3º, do citado Diploma Legal, deixa claro que servidor público é a pessoa legalmente investida em cargo público, e este, por sua vez, pode ser tanto em caráter efetivo quanto em comissão. Senão vejamos:
Art. 1º Esta Lei institui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público.
Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão. (grifou-se)
Assim, não há dúvida de que as pessoas detentoras de cargo unicamente em comissão, na esfera da Administração Pública Federal, são servidoras públicas civis e a elas, a priori, se aplicam todas as disposições da Lei nº 8.112, de 1990.
Pois bem. O afastamento de servidor público civil federal, para fins de aprimoramento no exterior, é disciplinado pelo art. 95 da Lei nº 8112, de 1990, nos seguintes termos:
Art. 95. O servidor não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal.
§ 1o A ausência não excederá a 4 (quatro) anos, e finda a missão ou estudo, somente decorrido igual período, será permitida nova ausência.
§ 2o Ao servidor beneficiado pelo disposto neste artigo não será concedida exoneração ou licença para tratar de interesse particular antes de decorrido período igual ao do afastamento, ressalvada a hipótese de ressarcimento da despesa havida com seu afastamento.
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica aos servidores da carreira diplomática.
§4º As hipóteses, condições e formas para a autorização de que trata este artigo, inclusive no que se refere à remuneração do servidor, serão disciplinadas em regulamento. (grifou-se)
É facilmente perceptível, a partir da leitura do dispositivo acima, que, através dele, o legislador traçou os parâmetros gerais para o afastamento dos servidores públicos civis federais do país para estudo; assim como que as suas disposições são integralmente aplicáveis aos servidores públicos civis federais detentores apenas de cargo público em comissão, eis que não há nenhuma ressalva em sentido contrário.
Logo, no caso de servidor público civil federal, detentor tão-somente de cargo em comissão, no âmbito da Administração Pública Federal (direta, autárquica ou fundacional), as exigências legais para o seu afastamento do país, para estudo, podem ser resumidas em: a) autorização do Presidente da República; b) período não superior a 4 (quatro) anos; e c) estar no exercício de suas atribuições no país por período, no mínimo, equivalente ao do último afastamento para estudo ou missão oficial.
Fora isso, o servidor comissionado que gozar de autorização de afastamento do país para estudo deverá arcar com o seguinte ônus: impossibilidade do deferimento de exoneração a pedido ou de licença para tratar de interesse particular, salvo se houver o ressarcimento integral da despesa havida com o afastamento.
Essas são, então, as linhas legais gerais que disciplinam o afastamento do país para estudo do servidor público comissionado – e também do efetivo – da Administração Pública Federal.
Ocorre que a parametrização legal insculpida no art. 95 da Lei nº 8.112, de 1990, para disciplinar o afastamento do país de servidores públicos federais para fins de estudo não é – nem poderia ser – suficiente, considerando, especialmente, o fato de que tais servidores podem integrar o quadro de qualquer um dos três Poderes da União ou, ainda, do Ministério Público da União (sem mencionar o Tribunal de Contas da União), cada um com as suas respectivas particularidades. Exatamente por isso, o § 4º do art. 95 (incluído pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997) relegou à regulamentação posterior a pormenorização das hipóteses, condições e formas de afastamento do país para estudo dos servidores públicos civis federais.
Dando cumprimento ao disposto no § 4º do art. 95 da Lei nº 8.112, de 1990, foi editado o Decreto nº 1.387, de 7 de fevereiro de 1995, para dispor, dentre outras coisas, sobre o afastamento do país de servidores públicos civis federais para estudo, no âmbito da Administração Pública Federal. Dispensável dizer que esse ato normativo infralegal também é perfeitamente aplicável a servidor público civil federal efetivo e ao detentor apenas de cargo em comissão.
O regramento do Decreto nº 1.387, de 1995, é sucinto e relaciona as hipóteses que autorizam o afastamento do país dos servidores públicos civis federais para fins de estudo nos incisos IV, V e VI do art. 1º, in verbis:
Art. 1º O afastamento do País de servidores civis de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, com ônus ou com ônus limitado, somente poderá ser autorizado nos seguintes casos, observadas as demais normas a respeito, notadamente as constantes do Decreto nº 91.800, de 18 de outubro de 1985:
I - negociação ou formalização de contratações internacionais que, comprovadamente, não possam ser realizadas no Brasil ou por intermédio de embaixadas, representações ou escritórios sediados no exterior;
II - missões militares;
III - prestação de serviços diplomáticos;
IV - serviço ou aperfeiçoamento relacionado com a atividade fim do órgão ou entidade, de necessidade reconhecida pelo Ministro de Estado;
V - intercâmbio cultural, científico ou tecnológico, acordado com interveniência do Ministério das Relações Exteriores ou de utilidade reconhecida pelo Ministro de Estado;
VI - bolsas de estudo para curso de pós-graduação stricto sensu. (grifou-se)
Aqui começa, no que se refere ao afastamento do país para fins de estudo, a diferença de tratamento entre o servidor público civil federal efetivo e o servidor público civil federal detentor de cargo exclusivamente em comissão. As hipóteses de afastamento de que tratam os incisos IV e V são aplicáveis a ambos. Contudo, a hipótese elencada no inciso VI só poderá, atualmente, fundamentar o afastamento do servidor público detentor de cargo efetivo.
A impossibilidade atual de afastamento do servidor público federal detentor só de cargo em comissão, com fundamento no inciso VI do art. 1º do Decreto nº 1.387, de 1995, que trata das bolsas de estudo para curso de pós-graduação stricto sensu, se dá em face das disposições da Seção IV do Capítulo V do Título III da Lei nº 8.112, de 1990, que dispõe sobre o “Afastamento para Participação em Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu no País, notadamente o disposto no § 2º combinado com o § 7º do art. 96-A, senão vejamos:
Art. 96-A. O servidor poderá, no interesse da Administração, e desde que a participação não possa ocorrer simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante compensação de horário, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, para participar em programa de pós-graduação stricto sensu em instituição de ensino superior no País.
(...)
§ 2º Os afastamentos para realização de programas de mestrado e doutorado somente serão concedidos aos servidores titulares de cargos efetivos no respectivo órgão ou entidade há pelo menos 3 (três) anos para mestrado e 4 (quatro) anos para doutorado, incluído o período de estágio probatório, que não tenham se afastado por licença para tratar de assuntos particulares para gozo de licença capacitação ou com fundamento neste artigo nos 2 (dois) anos anteriores à data da solicitação de afastamento.
(...)
§ 7º Aplica-se à participação em programa de pós-graduação no Exterior, autorizado nos termos do art. 95 desta Lei, o disposto nos §§ 1º a 6º deste artigo. (grifou-se)
Destarte, o servidor público federal detentor de cargo unicamente em comissão não poderá afastar-se do país para realização de curso de pós-graduação stricto sensu, tendo em vista que a Lei nº 8.112, de 1990, expressamente reserva essa hipótese de afastamento aos servidores efetivos.
Ressalta-se, no entanto, que curso de pós-graduação stricto sensu deve ser entendido como mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Logo, não há vedação legal para que servidor público detentor de cargo apenas em comissão se afaste para realização de uma especialização, por exemplo, que seria considerado um curso de pós-graduação lato sensu (art. 44, inciso III, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996).
Assim, o afastamento do país de servidor público civil federal, da Administração Pública Federal, detentor de cargo tão-somente em comissão, para realização de cursos de aperfeiçoamento, é perfeitamente possível, contato que se tome como base de autorização o inciso IV ou V do Decreto nº 1.387, de 1995.
Portanto, em consonância com os dispositivos legais e infralegais supratranscritos, há previsão legal apta a fundamentar o pleito de afastamento de servidor público civil federal comissionado para participar de curso de aprimoramento no exterior, desde que não seja curso de mestrado, doutorado ou pós-doutorado.
Contudo, isso não significa dizer que o servidor tem um direito subjetivo ao afastamento se enquadrado em alguma das hipóteses mencionadas, mas, tão somente, que há base no ordenamento jurídico para exercício de juízo discricionário na consideração da solicitação. Ou seja, a autoridade administrativa competente para deferir ou não o afastamento deverá avaliar o grau de utilidade do evento ou curso de capacitação para a consecução das atividades do servidor, o valor do investimento, o custo-benefício entre o afastamento, o valor da capacitação e o aprimoramento do serviço previamente desenvolvido ou que virá a ser desenvolvido etc.
Recaí, também, sob a abrangência do poder discricionário da autoridade administrativa competente, a fixação dos parâmetros de eventual deferimento. Deve-se decidir, dentre outras coisas, se essa será uma autorização com ônus, com ônus limitado ou sem ônus, consoante as acepções e regras definidas pelo Decreto nº 91.800, de 18 de outubro de 1985, que dispõe sobre viagens ao exterior a serviço ou com o fim de aperfeiçoamento no âmbito da Administração Pública Federal.
Por todo o exposto, conclui-se que é perfeitamente viável o afastamento do país de servidor público civil federal, detentor de cargo exclusivamente comissionado, para realização de curso de aprimoramento no exterior, salvo de pós-graduação stricto sensu, respeitado o interesse público – discricionariedade administrativa – e atendidas as exigências legais e administrativas.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcel. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2011;
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003;
Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm; acessado em 30/09/2014;
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm; acessado em 30/09/2014;
Decreto nº 1.387, de 7 de fevereiro de 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1387.htm; acessado em 30/09/2014;
Decreto nº 91.800, de 18 de outubro de 1985. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D91800.htm; acessado em 30/09/2014.
Procurador Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Clélio de Oliveira Corrêa Lima. A viabilidade jurídica do afastamento de servidor público civil, do Poder Executivo Federal, detentor de cargo exclusivamente em comissão, para a realização de curso de aprimoramento no exterior Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41167/a-viabilidade-juridica-do-afastamento-de-servidor-publico-civil-do-poder-executivo-federal-detentor-de-cargo-exclusivamente-em-comissao-para-a-realizacao-de-curso-de-aprimoramento-no-exterior. Acesso em: 23 dez 2024.
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