Resumo: O decreto do sequestro de verbas públicas em caso de não obediência à determinação judicial de fornecimento de medicamentos por parte do Estado não se encontra previsto expressamente na Constituição Federal. O presente artigo visa discutir a admissão da possibilidade de adoção de tal meio executivo com fundamento no direito à saúde, à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Palavras-chave: Sequestro de verbas públicas. Direito à saúde. Princípio da hierarquização axiológica.
Sumário: 1. Introdução. 2. Notas sobre a atualidade do tema do sequestro de verbas públicas. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 4. Análise crítica da jurisprudência do STF e do STJ acerca do sequestro de verbas públicas: um exercício de hermenêutica jurídica. 4.1. O princípio da hierarquização axiológica e sua importância para o exame dos hard cases.. 5. Notas conclusivas. 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Existem temas na literatura jurídica que, dadas as suas implicações de ordem política e econômica, provocam forte polêmica tanto na seara doutrinária quanto jurisprudencial.
Uma dessas temáticas – de nítida atualidade, diga-se de passagem – refere-se à viabilidade da determinação, em face da Fazenda Pública, do sequestro de verba pecuniária e/ou da imposição de multa (astreintes) em caso de descumprimento de medida judicial. Apesar da relevância do estudo de ambas as matérias, o presente ensaio limitará o seu enfoque apenas à análise de acórdão do Supremo Tribunal Federal no tocante à possibilidade ou não do sequestro de verbas públicas em hipóteses não previstas expressamente no texto constitucional. Examinar-se-á também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de modo a confrontá-la com o decisum da Corte Superior. Por fim, recorrendo-se ao estudo da hermenêutica jurídico-constitucional, e levando em consideração o princípio da hierarquização axiológica, procurar-se-á analisar criticamente a jurisprudências dos Tribunais Superiores.
2. Notas sobre a atualidade do tema do sequestro de verbas públicas
O caráter (sempre) atual antes referido do tema em debate deve-se ao fato da notória escassez de recursos públicos para custear não só a máquina administrativa, mas sobretudo a crescente demanda pela efetivação dos direitos assegurados na Constituição Federal.
O Estado, diante da incapacidade de fazer frente a todos esses custos, não raro descumpre as determinações judiciais que interferem nos cofres públicos. Ações demandando do Estado fornecimento de medicamentos, por exemplo, são cada vez mais frequentes nos diversos foros do país, o que vem causando impacto nas contas governamentais.
Diante desse contexto, a questão alçada ao palanque de debates centra-se na escolha das providências a serem adotadas em face do aludido descumprimento. Como já acenado, não há unanimidade quanto ao tratamento da matéria nos Tribunais Superiores, tampouco nos foros estaduais.
3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
Releva registrar, nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal que não admitia o sequestro de verbas públicas senão para o descumprimento da ordem cronológica dos precatórios:
RECLAMAÇÃO. 2. Sequestro de recursos do Município de Capitão Poço. Débitos trabalhistas. 3. Afronta à autoridade da decisão proferida na ADI 1662. 4. Admissão de sequestro de verbas públicas somente na hipótese de quebra da ordem cronológica. Não equiparação às situações de não-inclusão da despesa no Orçamento. 5. Efeito vinculante das decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade. 6. Eficácia que transcende o caso singular. 7. Alcance do efeito vinculante que não se limita à parte dispositiva da decisão. 8. Aplicação das razões determinantes da decisão proferida na ADI 1662. 9. Reclamação que se julga procedente. (Rcl 2363 / PA – PARÁ RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 23/10/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 01-04-2005.
Por outro lado, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, pelo voto condutor do Ministro Teori Albino Zavascki, pela possibilidade do bloqueio de verbas públicas. A decisão foi exarada em sede de recurso especial[1], interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O acórdão apreciava agravo de instrumento de decisão que deferiu tutela antecipada em demanda objetivando o fornecimento de medicamentos e impôs o bloqueio de verbas públicas como meio para o cumprimento da providência mencionada. O decisum do tribunal estadual reformou a decisão agravada, decidindo pelo afastamento de bloqueio de valores nas contas do Estado. A decisão restou novamente alterada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se lê da seguinte ementa:
“PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COEÇÃO AO DEVEDOR (CPC, 273, § 3º E 461, § 5º). FORNECIMENTO DE MEDICAMETNOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NA AQUISIÇÃO DO MEDICAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO.
1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a ampliação de multa diária como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou de entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Precedentes.
2. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g. desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação, mediante sequestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.
3. Todavia, em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o regime de impenhorabilidade dos bens públicos, prevalece o primeiro sobre o segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde do demandante, não se pode ter por ilegítima, ante a omissão do agente estatal responsável, a determinação judicial do bloqueio de verbas.
4. Recurso especial a que se dá provimento.
Cite-se também a seguinte ementa de acórdão recentemente proferido também pelo Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC. PEQUENO VALOR. PRECEDENTES.
1. É pacífico o entendimento do STJ de que cabe sequestro ou bloqueio de verba indispensável à aquisição de medicamentos. Essa cautela é excepcional, adotada em face da urgência e imprescindibilidade de sua prestação.
2. Na hipótese em exame, há a certificação de descumprimento, pelo Estado, de ordem judicial no fornecimento de remédio, embora se verifique premente necessidade do paciente/substituído em fazer uso e medicamento indispensável e fundamental para o seu tratamento, visto que enfermo, portador de neoplasia maligna de próstata.
3. In casu, a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo pôr em risco a vida do demandante.
4. Agravo Regimental não provido (STJ, AgRg no REsp 1429827, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 08.04.2014).
No corpo do primeiro acórdão, o relator realçou o equívoco na identificação das “astreintes” (multa diária) com o bloqueio ou sequestro de verbas públicas.
É certo que ambas pertencem à categoria dos meios executivos, podendo ser invocadas com fundamento no art. 461 do Código de Processo Civil. São consideradas, nesse sentido, técnicas processuais adequadas a conferir ao autor da demanda a efetiva proteção do direito de que é titular, caso esse seja reconhecido judicialmente.
Importa referir, dentro dessa perspectiva, que a invocação desses meios executivos, além dos demais mencionados no rol exemplificativo do art. 461 (parágrafo 5º), tornou-se possível em razão da nova redação que lhe foi conferida pela lei 8.952/94. Extraindo sua inspiração da lei de ação civil pública e do Código de Defesa do Consumidor, o legislador reformista revolucionou o sistema processual, introduzindo importantes alterações no tocante às obrigações de fazer e de não fazer (art. 461 do CPC). Nesse sentido, vale mencionar a viabilização da adoção de medidas coercitivas diretas ou indiretas, a relativização do princípio da congruência, a possibilidade da concessão da tutela antecipada específica e, por fim, a incorporação do sistema quinário de eficácia das ações. A lei 10.444/02, por sua vez, ampliou a adoção dessa sistemática também às ações de entrega de coisa certa ou incerta.
Segundo Ovídio Baptista, inegável que as disposições constantes do art. 461 ampliaram o rol de eficácias das ações de direito material.[2] O fato do texto legal empregar o verbo determinar na locução “se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento” impõe a conclusão de que não há uma mera exortação para que o demandado cumpra o preceito judicial, como ocorre nas sentenças condenatórias. Há, por outro lado, uma verdadeira ordem de cumprimento da determinação judicial, imposta em caráter liminar ou de maneira definitiva. Aliás, esse é um outro indício de que o art. 461 viabiliza pronunciamentos não apenas de natureza condenatória. Afinal, a concessão liminar da antecipação dos efeitos da tutela pretendida revela-se incompatível com o provimento condenatório, que depende de ulterior fase executiva para que seu conteúdo seja efetivado.
As “astreintes” e o sequestro, consoante o exposto nas linhas acima, são considerados meios executivos dedutíveis do art. 461[3]. As primeiras, todavia, funcionam como meios de coação[4], pois visam satisfazer o credor por meio da participação do obrigado. Destinam-se a influir, pois, sobre a vontade do devedor para que ele preste o que deve. Adequadas, por tal motivo, àqueles casos em que a colaboração do demandado revela-se importante em razão da natureza personalíssima da prestação devida. Por tal razão, é freqüente o apelo às referidas “astreintes” nas hipóteses de ação de obrigação de fazer ou de não fazer, em que o autor pretende atuar sobre a esfera volitiva do réu, e não tanto sobre o seu patrimônio. A multa (“astreintes”), dessa forma, é concebida como meio de execução forçada indireta, já que o cumprimento da obrigação ocorre pelo próprio devedor, e não por ação direta do Poder Judiciário.
Os meios executivos sub-rogatórios, por outro lado, objetivam conferir o bem ou interesse pleiteado pelo demandante independentemente da vontade e/ou da participação do demandado. Ocorre verdadeira execução forçada, determinada no bojo do próprio processo de cognição. Não há necessidade de ulterior fase executiva do julgado (o antigo processo de execução).
Tais instrumentos executivos permitem que a ação de cognição já surja com força executiva (eficácia imediata). Segundo Ovídio Baptista, orientado pela doutrina de Pontes de Miranda, a sentença executiva caracteriza-se pelos seguintes elementos: i) corresponde a um ato material, diferentemente do que ocorre com as sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias; ii) esse ato material implica sempre uma transferência de valor do patrimônio do demandado para o patrimônio do autor; iii) o juízo não se limita a ordenar que o requerido cumpra o pronunciamento exarado, mas providencia que o ato seja realizado diretamente através de agentes do próprio Poder Judiciário; iiii) o ato executivo originariamente deveria ter sido realizado pela própria parte, que voluntariamente poderia ter desocupado o imóvel locado – no caso de ação de despejo – ou permitido a reintegração de terceiro na posse esbulhada – no caso de ação possessória. [5] O ato de imissão na posse, como bem enfatiza Ovídio Baptista, “é um ato substancialmente privado, no sentido de poder conceber-se sem a intermediação do Estado, através do juiz, coisa inteiramente estranha às sentenças mandamentais.” [6]
O sequestro, nesta linha de raciocínio, qualifica-se como um típico meio de sub-rogação por expropriação. Um provimento judicial exarado em sede liminar que determine a satisfação do crédito poderia, em tese, fazer recurso ao sequestro da verba pecuniária devida, com fundamento no art. 461. Aliás, é exatamente essa a situação evidenciada no acórdão do STJ.
A questão, todavia, coloca-se em termos inexoravelmente mais complexos, mormente quando a ordem judicial é expedida em face da Fazenda Pública.
Em primeiro lugar, esbarra-se no problema terminológico. O vocábulo “sequestro” é empregado no próprio texto constitucional sinalizando a apreensão da quantia necessária à satisfação do débito. Embora o sequestro referido na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já mencionada[7] não se enquadre na hipótese constitucional, a sua utilização também serviu ao propósito de apreender verba suficiente à satisfação do crédito. É evidente, nesse sentido, o caráter satisfativo do sequestro, pois a medida realiza a transferência forçada de soma pecuniária dos cofres públicos para o patrimônio do autor, o que revela a sua natureza executiva.[8] Deduz-se, pois, a inexistência de qualquer função cautelar exercida por esse mecanismo que pudesse identificá-lo com o sequestro previsto como um dos procedimentos cautelares específicos tipificados no diploma processual civil.[9]
Em segundo lugar, impõe-se a discussão sobre a viabilidade da antecipação da tutela de entrega de soma pecuniária. Em última análise, essa questão leva à indagação sobre a possibilidade ou não da antecipação dos efeitos da sentença condenatória.
Ovídio Baptista da Silva, quanto a esse tópico, advoga que somente as medidas executivas e mandamentais permitem a antecipação de seus efeitos, com fundamento nos arts. 273 e 461 e 461A do CPC, não sendo possível a antecipação em relação aos provimentos condenatórios.[10]
Luiz Guilherme Marinoni, por outro lado, apoiando-se no argumento de que a técnica processual a ser adotada depende da individualização das necessidades concretas do caso em apreço, entende ser possível a antecipação mesmo de soma em dinheiro. Nessa esteira, advoga ser a multa “meio imprescindível para a execução da tutela antecipatória de soma e para permitir que o juiz responda ao direito fundamental à tutela jurisdicional”[11].
Já Teori Zavascki sublinha a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela ressarcitória nas hipóteses de execução específica por meio de sub-rogação, em que terceiro realizará o fato, às custas do devedor[12]. Entende ser possível também a antecipação da tutela condenatória para evitar dano eminente, como é o caso da concessão liminar do benefício previdenciário de auxílio-doença de que necessita o empregado enfermo para manter-se e à sua família[13]. O mesmo ocorre na antecipação do pagamento do seguro saúde para prevenir dano irreparável à saúde do segurado, ou do pagamento da pensão com caráter alimentar, em razão da morte do vitimado em acidente de trânsito, conforme exemplifica Carlos Alberto Alvaro de Oliveira[14].
Em se alinhando a esse entendimento, mostrar-se-ia cabível o sequestro como meio executivo adequado à antecipação de tutela de entrega de soma pecuniária para a aquisição de medicamento na hipótese de omissão estatal quanto ao seu fornecimento ao jurisdicionado.
Há, todavia, um outro ponto que merece ser abordado, qual seja, a análise da constitucionalidade do emprego do (inadequadamente denominado) “sequestro” de verba pública para satisfazer obrigação devida pelo Estado.
Frente a isso, é de se levar em conta que, às obrigações de pagar quantia, ainda na hipótese de decorrerem de conversão de obrigação de fazer ou de entrega de coisa, aplica-se o rito próprio previsto no art. 730 do diploma processual civil – o que está em sintonia com o disposto no art. 100 da Carta Maior. As únicas exceções previstas pela norma constitucional para a não sujeição ao regime de precatório se dão na hipótese de pagamento tanto de créditos de natureza alimentícia[15] bem como de “obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado” (§ 3º do art. 100).
A par disso, a Constituição previu a possibilidade do sequestro da quantia necessária à satisfação do débito em caso de preterição do direito de preferência ao pagamento de precatório. A Lei nº 10.259/01, por sua vez, também estabeleceu que, em caso de desatendimento da requisição judicial para pagamento de obrigações devidas pelas pessoas que se legitimam passivamente no procedimento da referida lei, até o valor de sessenta salários mínimos, “o juiz determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão” (art. 17, §2º).
Observe-se que a situação delineada no acórdão do Superior Tribunal de Justiça não se coloca no quadro legislativo supra esculpido. Aliás, o próprio relator, ciente disso, justifica o bloqueio de verbas públicas pela prevalência do direito fundamental à saúde, quando em cotejo com o regime de impenhorabilidade dos bens públicos. Dessa forma, considerada a urgência e a impostergabilidade da saúde do demandante, o que vem aliado à ilegitimidade da omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, o Ministro entendeu pela razoabilidade do sequestro.
Posicionamento em sentido oposto restou exarado também em sede de recurso especial, consoante se lê da seguinte ementa da lavra do Ministro Luiz Fux:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Controvérsia adstrita à possibilidade de sequestro liminar de verbas públicas para garantir o cumprimento de decisão judicial que deferiu antecipação de tutela impondo ao Estado obrigação de tratamento necessário a portador de distonia cervical diapática.
2. A execução em face da Fazenda Pública e, a fortiori, a efetivação das decisões de urgência inadmitem os meios de sub-rogação tradicionais, à semelhança do que dispõe o artigo 730 do CPC, muito embora o ordenamento contemple as astreintes como instrumento de coerção. O sequestro de recursos públicos, consoante reiterada jurisprudência do E. STF somente é admissível na estrita hipótese de quebra da ordem cronológica dos precatórios (...).
3. Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo de execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública (...)
4. Recurso do Estado provido (REsp 642444/RS, 1ª T, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.10.05)
A decisão acima referida faz menção à jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal que não admite o sequestro de verbas públicas senão quando presente autorização constitucional. Com efeito, o acórdão da lavra do Ministro Gilmar Mendes citado logo na abertura desse ensaio evidencia o entendimento da Corte Superior no sentido da admissão do sequestro somente na hipótese de quebra da ordem cronológica.
Relevante, nesse compasso, a argumentação a respeito da impossibilidade de sequestro de verbas públicas. Como preleciona Araken de Assis, o sequestro, bem como a imposição de multa em caso de impossibilidade de imediato fornecimento dos medicamentos, podem comprometer dotações orçamentárias previamente estabelecidas.[16]
O administrador, como se sabe, encontra-se adstrito ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos. Como decorrência desse princípio situa-se a vedação à alienação e à penhora de bens de uso comum do povo e os de uso especial. As rendas da Fazenda Pública, relativamente a essa classificação, enquadram-se na categoria dos bens de uso especial, na medida em que devem obedecer ao disposto no orçamento.[17] Dessa forma, “não dispondo o obrigado do bem, tampouco o ato jurisdicional poderia fazê-lo em seu lugar”[18]. Veja-se que o procedimento especial para a execução de dívidas pecuniárias contra a Fazenda Pública parte justamente do pressuposto de que “a constrição imediata e incondicional dos bens públicos se revela inadmissível”[19].
Consoante o entendimento supra esposado, estando em conflito dois interesses protegidos constitucionalmente – a liberdade de ação da Administração e a indisponibilidade dos bens públicos de um lado, e o direito à saúde, de outro – há de prevalecer o primeiro. Isso porque não seria possível favorecer um indivíduo isolado em um contexto em que se revela notória a escassez de recursos para um número expressivo de cidadãos.
4. Análise crítica da jurisprudência do STF e do STJ acerca do sequestro de verba pública: um exercício de hermenêutica jurídica
A questão relativa à possibilidade ou não da determinação do sequestro de verbas públicas nos casos de não fornecimento de medicamento pelo Estado exige inevitavelmente um exercício de hermenêutica jurídico-constitucional.
Isso porque toda aplicação do direito pressupõe prévia interpretação. Visto de outro modo, é possível afirmar – valendo-se aqui da lição de Hans Gadamer –, que o objetivo da interpretação é a concretização da lei no caso particular, isto é, a aplicação.[20]
Ademais, não se pode olvidar as palavras de Juarez Freitas quando sustenta que a interpretação de uma norma é interpretar o sistema inteiro; qualquer exegese implica, direta ou indiretamente, uma aplicação da totalidade do direito[21]. E não há como conceber uma interpretação que não seja sistemática, isto é, que não corresponda a
uma operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos. [22]
E se interpretar é interpretar o sistema inteiro, todo exercício de hermenêutica deve partir, necessariamente, da Constituição Federal. Nesse contexto, impõe-se a referência a texto elaborado por Juarez Freitas sobre as tendências atuais e perspectivas da interpretação da Carta Maior[23], em que o Professor sugere uma proposta de catálogo dos princípios reinantes da hermenêutica constitucional, levando em conta os recentes progressos no campo da doutrina geral da hermenêutica.
4.1 O princípio da hierarquização axiológica e sua importância para o exame dos hard cases
Com relação ao primeiro princípio referido na obra acima mencionada – batizado pelo autor com o nome de princípio da hierarquização axiológica – vale aqui transcrever as palavras do mestre, em virtude da precisão e da completude da definição:
interpretar a Constituição implica, invariavelmente, a realização de uma escolha entre os princípios, as normas (ou regras) e os valores (...) Ao hierarquizarmos prudencialmente os princípios, as normas e os valores constitucionais, devemos fazer com que os princípios ocupem o seu lugar de destaque funcional, ao mesmo tempo situando-os na base e no ápice do sistema, vale dizer, fundamento e cúpula do mesmo (...) Bem de ver que tal inafastabilidade da hierarquização faz o critério hierárquico axiológico superior aos demais critérios (cronológico e da especialidade), sendo útil ter presente o princípio interpretativo em tela especialmente ao lidarmos com o fenômeno da colisão de princípios e, de resto, com as denominadas antinomias de segundo grau. Hierarquizar é, pois, nota suprema da interpretação jurídica como um todo. Nunca devemos esquecer que a interpretação constitucional é, antes de tudo, modalidade de interpretação jurídica, ainda que guarde feições e características peculiares (...) Prefiro dizer que o intérprete constitucional é, de certo jeito, aquele que positiva o direito, por derradeiro. Fora de dúvida, o juiz (não o legislador) é quem culmina o processo de positivação jurídica (...) Logo, não se admite o intérprete passivo de outrora (...) Naturalmente, a hierarquização não deve ocorrer nos termos da aplicação de um Direito Livre. Há, por certo, limites para a concretizar adequadamente, sendo um destes o que deflui do dever de realizar, com a máxima cautela, a ‘interpretação conforme’. Ao salientar esta dimensão hierarquizadora, conscientemente estou adotando a perspectiva ‘constitucionalista’ em lugar da ‘legalista’ (para lembrar o dilema proposto por Alexy), isto é, a ponderação revela-se, sema menor dúvida, mais importante do que a subsunção para o intérprete constitucional” [24].
Importante referir que o princípio da hierarquização axiológica recebeu tratamento mais detalhado e aprofundado na obra em que este mesmo autor aborda a temática da interpretação sistemática do direito. Interpretar, em consonância com o magistério de Juarez Freitas, é
hierarquizar o Direito, o qual se evidencia como totalidade uma, conquanto variem os princípios regentes dos seus vários subsistemas. Tais princípios, mutuamente relativizados, deixam-se sintetizar por outros hierarquizados como fundamentais, em conseqüência da atuação do unificador metacritério da hierarquização axiológica (frisei), com todas as implicações daí decorrentes. E mais: a hierarquização tópico-sistemática – atividade eminentemente teleológica ou finalística – deverá ser vista sempre como possuidora da força substancial e construtiva para superar as mais densas e difíceis antinomias, mormente diante do clássico tema da justiça e de sua relação com o Direito Positivo”[25].
Compreender o acima exposto é de fundamental importância para o operador jurídico, mormente quando se depara com um conflito entre interesses juridicamente tutelados. É preciso ter presente, desde logo, que em situações como essas, o justo equacionamento a ser dado à espécie não pode ser obtido mediante um processo de aplicação mecânica da regra jurídica ao caso concreto[26]. Não basta simplesmente, por exemplo, aplicar os dispositivos do diploma processual civil eventualmente incidentes sobre a hipótese versada nos autos sem uma reflexão mais profunda sobre o contexto fático e sobre outras disposições ou princípios constitucionais também relacionados ao caso em apreço.
Isso porque, nos chamados hard cases[27], em que o método silogístico mostra-se claramente insuficiente para embasar uma resposta consentânea em termos de justiça e eqüidade, o juiz é chamado a apelar a outras fontes de direito. Refere-se, aqui, aos princípios[28], aos valores, às cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados, os quais, paralelamente às regras, também compõem o ordenamento jurídico nacional, qualificado como um sistema jurídico aberto.
Relativamente aos princípios, considerando a sua intrínseca plasticidade, estes conferem ao magistrado uma significativa flexibilidade no manuseá-los e no invocá-los em suas decisões. Afinal, tais fontes de direito, diferentemente das regras, apresentam baixo grau de densidade normativa, permitindo que o hermeneuta, ao empregá-los, os enriqueça de significado, moldando-os de forma a alcançar um perfeito encaixe com o caso concreto posto à apreciação.[29]
Os princípios, ainda, desempenham a função de “molas” propulsoras de uma constante evolução do direito. A sociedade, como se tem preconizado, assume patamares de complexidade em grau crescente numa velocidade estonteante, ao que não correspondem, em termos de rapidez, modificações legislativas capazes de regulamentar essa nova realidade. O próprio Legislativo, nesse norte, foi forçado a lançar mão de outras técnicas legislativas, tais como a introdução na legislação infraconstitucional de princípios, cláusulas gerais[30] e conceitos indeterminados[31] – esses últimos malháveis e de baixa densidade normativa jurídica, como os princípios –, como forma de minimizar o descompasso entre a lei e o contexto para o qual foi criada. A lei, como se sabe, embora genérica, ostenta, como regra, conteúdo bastante específico, não comportando maiores digressões acerca do seu teor. Os princípios, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados, em contraposição, apresentam – como a denominação já aponta – uma amplitude semântica bastante extensa[32], cuja preenchimento do significado admite mudanças à segunda do contexto físico e/ou temporal em que esse preenchimento ocorre. Ditas “válvulas abertas”, para além de viabilizar a modernização do direito, realçam as potencialidades do juiz, que se vê com as portas abertas para encontrar a solução mais consentânea para a lide sob análise, especialmente para aquela qualificada como hard case[33].
Importa aqui referir que dita solução deve se impor sustentável social e juridicamente, o que resta possível quando estiver fundada em argumentação racional, que a torne harmônica e compatível com o ordenamento jurídico. Ou seja, o conjunto de argumentos esgrimidos pelo juiz deve revelar que a decisão lançada nos autos não é só fruto da sua razão e do seu livre convencimento, mas encontra apoio no sistema jurídico-constitucional. Ademais, essa mesma decisão deve ser capaz de gerar consenso de que, efetivamente, corresponde ao que todos esperavam em termos de justiça.[34]
Dito isso, é ora de retomar o exame da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permitindo o sequestro de verbas públicas unicamente no caso de haver permissivo constitucional, o que se contrapõe ao decisum do Superior Tribunal de Justiça que admite o ato em hipóteses excepcionais, como já visto no início desse ensaio.
Veja-se que os argumentos esgrimidos nos acórdãos se assentam em princípios e valores distintos, os quais devem ser objeto de ponderação no caso concreto para que se possa encontrar uma resposta suficientemente adequada nos termos supra propostos.
Em relação a esse tema, importante identificar as principais formas pelas quais a ponderação tem sido compreendida. Segundo Ana Paula de Barcellos[35], é possível identificar na doutrina e na prática forense brasileiras ao menos três maneiras diferentes de definição: em primeiro lugar, a ponderação é vista como forma de aplicação de princípios. A concepção original de Ronald Dworking – de que as regras obedecem à lógica do “tudo ou nada”, enquanto os princípios operam uma dimensão de peso[36] - e a doutrina de Robert Alexy[37] – que compreende os princípios como mandados de otimização – colocam-se nessa primeira definição.
Uma segunda maneira de compreensão é a que visualiza a ponderação como um modo de solucionar qualquer conflito normativo, relacionado ou não com a aplicação de princípios.
Por fim, a terceira forma reside na concepção da ponderação como “a atividade pela qual se avaliam não apenas enunciados normativos ou normas, mas todas as razões e argumentos relevantes para o discurso, ainda que de outra natureza (argumentos morais, políticos, econômicos etc)”.[38]
A discussão travada nesse ensaio envolve, como é fácil perceber, argumentos não somente de índole jurídica, mas igualmente argumentos de cunho político e econômico, que devem ser sopesados para que se alcance uma solução razoável e devidamente fundamentada. Como já anunciado, o problema da indisponibilidade dos bens públicos e da escassez de recursos revela-se como apoio importante para os subscritores do entendimento esposado pelo Ministro Luiz Fux. O argumento da “reserva do possível”[39] também conserva o seu peso quando contraposto às decisões que legitimam a intromissão do Poder Judiciário em questões relativas a políticas públicas ou que tenham impacto orçamentário.
Por outro lado, há também o aspecto da garantia do mínimo existencial, que deve ser contrabalançada com os princípios acima referidos. Apoiando-se na doutrina de Alexy, pode-se afirmar que, na medida em que se encontra em cheque a própria vida humana, os argumentos da reserva do possível, da falta de recursos orçamentários e da indeterminação do conteúdo das normas garantidoras de direitos fundamentais – concebidos como obstáculos à exigibilidade judicial dos direitos constitucionais – revelam-se insuficientes para impedir que o Judiciário determine aos demais poderes para que cumpram com o mandamento constitucional.
Dessa forma, subscrevemos o entendimento esposado pelo Ministro Teory Zavascki quando afirma que, em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o regime de impenhorabilidade dos bens públicos, prevalece o primeiro sobre o segundo. Isso porque, sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde do demandante, não se pode ter por ilegítima, ante a omissão do agente estatal responsável, a determinação judicial do bloqueio de verbas.
Dada a relevância desse debate, o Supremo Tribunal Federal reconheceu recentemente sua repercussão geral, haja vista que o tema constitucional versado é questão relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, e ultrapassa os interesses subjetivos da causa, uma vez que alcança uma quantidade significativa de credores da Fazenda Pública e poderá ensejar relevante impacto financeiro no orçamento dos entes público. O acórdão encontra-se assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS PARA PAGAMENTO DE CRÉDITO A PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE SEM OBSERVÂNCIA À REGRA DOS PRECATÓRIOS. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 62/2009. ARTIGO 100, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL (STF, ARE 665707 RG / RS - RIO GRANDE DO SUL
GRANDE DO SUL ARE - RG665707 REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVORelator(a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 04/10/2012).
5. Notas conclusivas
Pelo exposto, é possível concluir que, efetivamente, o decreto do sequestro de verbas públicas em caso de não obediência à determinação judicial de fornecimento de medicamentos por parte do Estado não se encontra previsto expressamente na Constituição Federal. Todavia, é de admitir possibilidade de adoção de tal meio executivo com fundamento no direito à saúde, que deve prevalecer ante à omissão estatal.
Todavia, como se procurou demonstrar, a questão é complexa e polêmica, e, exatamente por isso, foi reconhecida sua repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal.
6. Referências bibliográficas
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Notas:
[1] REsp 827.133/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki.
[2] SILVA, Ovídio Baptista da. O processo civil e sua recente reforma: os princípios do direito processual civil e as novas exigências, impostas pela reforma, no que diz respeito à tutela satisfativa de urgência dos arts. 273 e 461. In: Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. Teresa Arruda Alvim Wambier (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 199, p. 424.
[3] É o que sublinha o Ministro Teori Zavascki, no corpo do Recurso Especial nº 827.133/RS, já referido.
[4] Por tal motivo, é possível classificar a astreinte como instrumento a ser invocado na tutela mandamental, e não propriamente na tutela executiva.
[5] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. O processo civil e sua recente reforma, op. cit., p. 421.
[6] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. O processo civil e sua recente reforma, op. cit., p. 421.
[7] REsp 827.133/RS.
[8] DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio. Sobre o seqüestro constitucional. Estudos jurídicos em homenagem ao Professor Ovídio A. Baptista da Silva. Porto Alegre: Fabris, 1989, p. 29.
[9] ASSIS, Araken de. Manual da execução. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 940.
[10] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio, op. cit., p. 417. Quanto à indagação sobre a possibilidade de antecipação de todos os efeitos das sentenças, Araken de Assis,rejeita qualquer antecipação dos efeitos da sentença declarativa. Admite, por outro lado, em linha de princípio, “a antecipação do efeito constitutivo (o estado de divorciado), da condenação (o título executivo), da execução (o intercâmbio patrimonial forçado) e do mandamento (a ordem)” (Antecipação de tutela, p. 22).
[11] MARINONI, L. G. Teoria geral do processo, v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 120/121.
[12] É possível imaginar o exemplo de alguém que necessite urgentemente de cirurgia para reparar ato cirúrgico praticado de maneira negligente pelo demandado. Evidentemente, em razão da conduta culposa anterior, o paciente deixou de depositar confiança na qualidade dos serviços prestados do médico-requerido. Pretenderá, pois, que o novo ato cirúrgico seja praticado por terceiro, mas às custas do réu, o que, dadas as circunstâncias, poderá ser determinado mesmo de maneira liminar.
[13] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 94.
[14] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Alcance e natureza da tutela antecipatória. In: Revista da Ajuris, v. 23, n. 66, mar./96, p. 204 e 206.
[15] Na verdade, os créditos de natureza alimentar também estão sujeitos ao regime de precatório, mas encontram-se desvinculados da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa, o que aliás encontra-se consagrado na Súmula n. 144 do STJ.
[16] “ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SANÇÃO PECUNIÁRIA E SEQÜESTRO DE QUANTIAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INADMISSIBILIDADE. 1. É inadmissível, ante a impossibilidade de imediato fornecimento dos medicamentos, o seqüestro de quantias, bem como a imposição de multa, sob pena de comprometer dotações orçamentárias previamente estabelecidas. 2. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.” (Agravo nº 70018349571, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 21/02/2007)
[17] FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Freitas Bstos, 1956, p. 192.
[18] ASSIS, Araken de. Manual da execução, op. cit., p. 924.
[19] ASSIS, Araken de. Manual da execução, op. cit., p. 924.
[20] O autor sustenta também a idéia de que uma ordem jurídica implica que uma decisão judicial não nasça de um arbítrio imprevisível, mas da justa valoração do todo. Qualquer pessoa é capaz que realizar uma tal justa valoração, desde que tenha aprofundado à suficiência os fatos. Deve-se conhecer também a jurisprudência e todos os elementos que a influenciam, para julgar “juridicamente” um caso determinado (Tradução livre de trecho da obra de Hans Gadamer. Em original: “concretizzazione della legge nel caso particolare, cioè l’applicazione (...) L’idea di un ordine giuridico implica che il giudizio del giudice non nasca da un imprevedibile arbitrio, ma dalla giusta valutazione dell’insieme. Di uma tale giusta valutazione è capace chiunque, purché abbia approfondito a sufficienza i fatti (...) Si deve conoscere anche la giurisprudenza, e tutti gli elementi che la determinano, per giudicare giuridicamente um caso determinato” (GADAMER, Hans Georg. Verità e metodo. Trad. Gianni Vattimo. Milão: Bompiani, 1997, p. 382).
[21] FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 47
[22] FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito, op. cit., p. 54
[23] FREITAS, Juarez. Tendências atuais e perspectivas da hermenêutica constitucional. In: Revista da Ajuris, ano XXVI, n. 76, dez./99, p. 398.
[24] FREITAS, Juarez. Tendências atuais e perspectivas da hermenêutica constitucional. In: Revista da Ajuris, ano XXVI, n. 76, dez./99, p. 398-400.
[25] FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito, op. cit.,p . 18.
[26] A bem da verdade, a própria idéia tradicional de que o juízo processual utiliza o método dedutivo-silogístico para compor os litígios revela-se falha. Como observa Francisco Rosito, apoiando-se nas obras de Baldassare Pastore (Giudizio, prova, ragion pratica: un approccio ermeneutico. Milano: Giuffrè, 1996, p. 77) e de Chaïm Perelman (Logica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 214) “a atividade de averiguação pelo juiz raramente pode contar com regras axiomáticas, não sendo possível afirmar uma conseqüência certa decorrente de uma regra geral a um caso particular, o que afasta a identificação do método dedutivo. De fato, é da essência do processo a existência de conflito de interesses (controvérsias), de posições divergentes e de incertezas. Daí entender-se que não é suficiente, para motivar uma decisão, apresentar o silogismo judiciário que abrange a regra aplicada, a constatação dos fatos subsumidos sobre a regra e a conclusão decorrente. Evidentemente, havendo litígio, um ou vários desses elementos são contestados, o que exige do julgador não apenas a execução de um procedimento de lógica formal, senão indicar as razões que o guiaram nas opções julgadas preferíveis”(A aplicação das máximas de experiência no processo civil de conhecimento. Dissertação de Mestrado, apresentada no curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil, UFRGS, 2004, p. 17). Citando Guido Calogero (La logica del giudice e il suo controllo in cassazione.Padova: CEDAM, 1937, p. 51), o autor aponta que “a grande obra do juiz não está em extrair das premissas a conclusão, mas propriamente no encontrar e formular as premissas”(op. cit., p. 18). A respeito do assunto, consultar também a obra de Ricardo Guastini (Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quarter Latin, 2005, p. 244), em que o autor trata de dois diferentes níveis de argumentação: “em particular entre justificação interna e justificação externa da decisão judicial. Diz-se ‘justificação interna’ o conjunto das premissas (normativas e factuais) que estão imediatamente ligadas à decisão; diz-se ‘justificação externa’ o conjunto dos outros argumentos aduzidos a favor da escolha das mesmas premissas. Em outras palavras, constituem justificação interna da decisão: (a) a norma ou as normas a que se dá aplicação; (b) a qualificação do caso particular sobre o qual há controvérsia. Constituem, em contrapartida, justificação externa, ou meta-justificação, da decisão: (c) os argumentos invocados para justificar a escolha daquelas normas – e não outras – a que dar aplicação; (d) os argumentos aduzidos para justificar aquela – e não uma outra possível – qualificação do caso particular”.
[27] A expressão hard cases foi cunhada por Herbert Hart, autor citado na obra de Daniel Sarmento como a mais importante expressão do juspositivismo no universo anglo-saxão do século XX e responsável pela elaboração da teoria sobre a “textura aberta” das normas jurídicas. Tal abertura, segundo Hart (O Conceito de Direito. Trad. A.Ribeiro Mendes. Lisboa: Caloouste Gulbenkian, 1996, p. 137 e ss.) “confere ao aplicador do direito uma discricionariedade na escolha da solução para cada caso. Com freqüência, a resposta para o problema concreto não oferece maiores dificuldades, reduzindo-se a aplicação mecânica da norma, mas, em certas hipótese, que ele chama de ‘casos difíceis’ (hard cases), o que realmente vai decidir é a vontade do juiz.”(Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 80).
[28] Segundo Ronald Dworkin, tanto os princípios como as regras jurídicas orientam o processo de convencimento judicial. Todavia, as regras conformam-se com a perspectiva do “tudo-ou-nada”; já os princípios não indicam conseqüências jurídicas necessárias quando estejam presentes os seus pressupostos. Havendo colisão de princípios, mostra-se necessário considerar o peso relativo exercido por cada um deles (I Diritti Presi Sul Serio. Bologna: Il Mulino, p. 93-95). Gomes Canotilho, por sua vez, também fixa alguns critérios para diferenciar as regras dos princípios, quais sejam: o grau de abstração,o grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto, o caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, a proximidade da idéia de direito e a natureza normogenética (Direito Constitucional e Teoria Da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1.034-1035). Consoante o entendimento de Robert Alexy, “los principios son normas que ordenam que algo sea realizado en la mayor medida possible, dentro de las possibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de otimización [frisei], que está caracterizados por el hecho de que puedam ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las possibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las possibilidades es determinado por los principios e y regras opuestos”(Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Costitucionales, 1993, p. 86). A expressão mandado de otimização conquista profundo realce na obra de de Ingo Sarlet (A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006), sobretudo quando o autor aborda a problemática relativa ao art. 5°, § 1° da Constituição Federal. Segundo o jurista, o dispositivo configura um verdadeiro mandado de otimização, de cunho inequivocamente principiológico, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais (op. cit., p. 282).
[29] O professor norte-americano Owen Fiss acrescenta, ainda, a importância da atuação judicial como oportunidade de atribuição de sentido aos valores consagrados em normas de natureza constitucional (e principiológica), o que se infere do seguinte trecho de sua obra: “essa concepção da função judicial, a qual considera o juiz responsável por dotar os valores constitucionais de significado, espera muito dos juízes – até demais. A expectativa não reside na crença em suas faculdades morais ou na negação de sua condição humana. Os juízes são, em grande parte, pessoas seguras. São juristas, mas em termos de características pessoais não são diferentes de políticos ou de homens de negócios bem-sucedidos. A capacidade que possuem de dar uma contribuição especial para a vida social não decorre de qualquer conhecimento ou traço pessoal, mas da definição da atividade na qual se encontram e pela qual exercem o poder. Essa atividade é estruturada por fatores institucionais e ideológicos que permitem e, talvez, forcem o juiz a ser objetivo – não para expressar suas preferências ou crenças pessoais acerca do que é certo ou justo, ou as preferências populares, mas para o constante empenho na busca do verdadeiro significado dos valores constitucionais”(in:Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Coordenação da tradução Carlos Alberto de Salles; tradução Daniel Porto Godinho da Silva, Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 41).
[30] Judith-Martins-Costa assim as define: “as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento (...) [essa técnica legislativa se vale de] normas cujo enunciado, ao invés de traçar puncualmente a hipótese e as suas conseqüências, é intencionalmente desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a incorporação de valores, princípios e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas normas ”(A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 274/286).
- [31] Também segundo Martins Judith-Costa, são “conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e abertos” (A boa-fé no Direito Privado, op.cit., p. 286). Todavia, enquanto as cláusulas exigiriam do juiz uma operação intelectiva e criativa mais complexa, remetendo-o a instâncias valorativas, o conteúdo semântico dos conceitos indeterminados poderia ser precisado com base em máximas de experiência (op. cit., p. 325-326).
[32] Há quem refute o emprego dessas fontes legislativas em razão da insegurança jurídica que implicam, justamente pela amplitude semântica que comportam. A isso se opõe o papel exemplar dos doutrinadores que, ao analisarem as várias decisões jurisprudenciais fundadas em princípios e cláusulas gerais, procuram condensar em conceitos as idéias evocadas nessas decisões. Isso facilita uma operacionabilidade mais segura e uniforme dessas fontes de direito, abertas e indeterminadas de maneira intencional pelo legislador, por fornecer ao intérprete critérios objetivos para sua aplicação, limitando, por conseqüência, o arbítrio judicial.
[33] Insta aqui observar a necessária correlação entre poder e responsabilidade. Nesse sentido, Mauro Cappelletti (Giudici irresponsabili? Studio comparativo sulla responsabilitá dei giudice. Milano: Giuffrè, 1988, p. 06): “não há dúvidas de que num sistema de governo liberal-democrático é somente aquele em que existir uma razoável relação de proporcionalidade entre poder público e pública responsabilidade, de tal modo que ao aumento do poder corresponda um aumento dos controles sobre o exercício de tal poder. Esta correlação é inerente a aquilo que usa chamar de sistema de pesos e contrapesos, checks and balances (...); [Deve-se frisar que] o problema da responsabilidade judicial está assumindo na nossa época uma peculiar conotação e uma relevância particularmente acentuada, tendo como causa justamente o crescimento sem precedentes do poder judiciário nas sociedades modernas” (tradução livre).
[34] FACCHINI NETO, Eugênio. Premissas para uma análise da contribuição do juiz para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, In: Juizado da Infância e da Juventude. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do TJRS, n. 2, mar. 2004, p. 13-15.
[35] BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 24/27.
[36] DWORKING, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1977, p. 24-26.
[37] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. De Ernesto Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997.
[38] BARCELLOS, Ana Paula. Ponderação...op. cit., p. 27.
[39] KRELL, Andréas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 52. V. também SARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
Procuradora Federal. Mestre em Direito pela PUC/RS.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACCHINI, Nicole Mazzoleni. O debate hermenêutico acerca do sequestro de verbas públicas a partir de jurisprudência dos Tribunais Superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41256/o-debate-hermeneutico-acerca-do-sequestro-de-verbas-publicas-a-partir-de-jurisprudencia-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 23 dez 2024.
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