RESUMO: Introduzido no Ordenamento jurídico pátrio no claro intuito de proteger crianças e adolescentes o Conselho Tutelar vêm despertando debates entre os operadores do Direito sobre os mais variados aspectos decorrentes de sua natureza jurídica. Nesse sentido, o presente artigo traz a baila discussão acerca da natureza jurídica dos seus membros, ou seja, dos conselheiros tutelares, bem como o regime jurídico que estariam submetidos.
INTRODUÇÃO
O Conselho Tutelar encontra-se previsto nos artigos 131-140 da Lei n. 8.069/90 — Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — a qual impôs aos municípios a obrigação de instituir um órgão permanente e autônomo, com a função de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Nesse sentido, o art. 135[1] desse diploma normativo esclarece que a função de conselheiro tutelar constitui um munus público, um serviço público relevante.
Diante disso, muito se discute na doutrina sobre qual a natureza jurídica do conselheiro tutelar, ou seja, de qual forma se daria seria vínculo com a administração pública municipal e quais os direitos que lhes seriam garantidos.
DESENVOLVIMENTO
a) Natureza Jurídica da Função de Conselheiro Tutelar
Antes de tudo, insta salientar o significado da expressão “natureza jurídica” que tem por escopo classificar determinado termo tendo por referência um instituto jurídico, levando em conta suas características e semelhanças. Sendo assim, os conselheiros tutelares, dentro do ordenamento jurídico pátrio, se enquadrariam em qual classificação? Seriam eles servidores públicos? Empregados públicos? Funcionários Públicos?
Tal definição é de suma importância, a fim de que seja possível identificar quais as regras são aplicadas a tais agentes, isto é, qual o regime jurídico a que estão submetidos.
Neste diapasão, tendo como base parecer de alçada do Ministério Público do Estado de São Paulo, publicado na revista âmbito jurídico – http://www5.mp.sp.gov.br:8080/caoinfancia/doutrina/CONSELHEIRO.doc, chega-se as seguintes conclusões:
Os conselheiros tutelares prestam serviços que constituem um múnus público, porém, não se enquadram no conceito de agente político, vez que, apesar de “eleitos” pela comunidade para mandato de três anos, suas funções não compõem o esquema fundamental do Poder Público.
Além disso, também não podem ser tidos como servidores públicos comuns, pois não se submetem a concurso público e, portanto, não gozam de estabilidade. Sua relação com o Estado não é permanente e não há relação de dependência.
Por outro lado, não se enquadram na classe de particulares em colaboração com a administração, eis que se submetem à eleição e são empossados para exercício de mandato, podem receber remuneração do Estado, mas não de outra fonte pelo serviço realizado e por fim, não realizam as funções por conta própria.
Em resumo, a figura do conselheiro tutelar tem natureza atípica e híbrida dentro dos conceitos tradicionais de agentes administrativos, bem por isso, a análise de enquadramento jurídico para aplicação do direito com relação ao conselheiro tutelar, quando não houver disposição expressa na lei, deverá sem exceção, levar em conta a vontade do legislador e a faceta preponderante para o respectivo enquadramento.
Os membros do Conselho Tutelar, por sua vez, exercem função pública considerada, por expressa disposição legal, serviço público relevante, assim o fazendo, transitoriamente, sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário com o Município.
Com efeito, a função de Conselheiro Tutelar: a) corresponde a função pública relevante; b) é exercida em caráter transitório (mandato eletivo); c) é ocupada sem gerar qualquer vínculo empregatício ou estatutário do seu exercente com o ente estatal para o qual se encontra servindo.
Por corolário, não podem usufruir discricionariamente dos mesmos direitos a estes conferidas no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, só fazendo jus aos direitos que lhe forem atribuídos especificamente pela legislação pertinente e na forma por ela estabelecida, os quais, ressalte-se, urgem serem compatíveis com a natureza da função que exercem. (http://www.tce.pb.gov.br/consultas/cons29.htm)
Desta feita, pode-se concluir que o conselheiro tutelar tem natureza jurídica de agente honorífico, assim entendido como aquele cidadão nomeado (após escolha em processo eleitoral) pelo Poder Público Municipal, para prestar serviços ao Estado, em prazo determinado, em razão de sua honorabilidade, sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário.
Esse também é o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, conforme se verifica pela resposta dada na Consulta N. 774.962, cuja Relatora foi a Conselheira ADRIENE ANDRADE (http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/908.pdf), senão vejamos:
“Em face da peculiaridade das atividades desenvolvidas, resta indubitável que os membros de conselho tutelar são considerados agentes honoríficos que exercem função pública relevante, constituindo-se, em verdade, em agentes públicos dotados de características específicas, tais como o modo de investidura — mediante eleição — e a natureza da função desempenhada, fundada na preservação da autonomia de ação, a fim de ver cumprida a finalidade para a qual o órgão foi criado.
Exercendo esse munus público, os conselheiros tutelares podem ou não receber remuneração, nunca possuindo vínculo empregatício ou estatutário com o Poder Público, haja vista a transitoriedade no exercício da função. Mas, enquanto ocupantes da função pública para a qual foram eleitos, podem tais agentes receber um pró-labore. O próprio art. 134 do ECA permite à lei municipal dispor sobre a eventual remuneração de seus membros, constando, em seu parágrafo único, a necessidade de previsão orçamentária, na lei local, dos recursos necessários ao funcionamento do conselho”. (revista do tribunal de contas do estado de minas gerais abril | maio | junho 2010 | v. 75 — n. 2 — ano XXviii 164 revista do tribunal de contas do estado de minas gerais abril | maio | junho 2010 | v. 75 — n. 2 — ano XXviii)
Destarte, resta claro que os conselheiros tutelares tem natureza jurídica de agentes honoríficos e, sendo assim, submetem-se exclusivamente as normas que prevejam suas atribuições, direitos, deveres e garantias. Portanto, não lhes podem ser aplicadas as normas gerais dos funcionários públicos e nem dos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a não ser que a lei municipal assim autorize.
b) Regime Jurídico Aplicável
Como observado, os conselheiros tutelares não mantêm vínculo empregatício e nem estatutário com os Municípios. São agentes honoríficos e, assim, estão ligados à municipalidade através do mandato para o qual foram eleitos. Desta forma, não são contratados pelo Município, razão pela qual não há de se cogitar na elaboração de um contrato para instrumentalizar o vínculo. Da mesma forma, não podem ser considerados em exercício de cargo comissionado.
Importante salientar algumas considerações expostas no parecer formulado pelo Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Wanderley Ávila na Consulta nº 837.566, senão vejamos:
“(...) Uma vez assegurado por lei municipal o pagamento aos membros do conselho tutelar, entendo que devem os conselheiros, em efetivo exercício de suas funções, receber sua remuneração por folha de pagamento, garantindo-se a esses agentes o recolhimento dos encargos incidentes, como imposto de renda e contribuição previdenciária para o regime geral da previdência social, durante o período de mandato. Nesse passo, respondendo à segunda indagação, entendo que há de se alocar as despesas desses agentes nos gastos com pessoal da Administração Pública, de que trata o art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, também na mesma linha de pensamento da unidade técnica. Com efeito, a definição dada pelo art. 18, caput, da lei é amplíssima, incluindo expressamente os gastos do Município relativos a funções públicas, pagas com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo Município a entidades de previdência social”.
Diante disso, pode-se concluir que a remuneração que o conselheiro recebe não gera vínculo empregatício com a prefeitura porque o conselheiro não é empregado da prefeitura. Mas gera um vínculo funcional, regido pelo Direito Administrativo. Sua remuneração vem da mesma fonte da remuneração dos funcionários e, dentre estes, da mesma fonte que remunera os ocupantes de cargos em comissão de confiança e de cargos em comissão com mandato.
Sendo assim, o instrumento que documenta o vínculo com o Município é o termo de posse. Destarte, faz-se essencial que esse termo de posse explicite que o conselheiro se submete aos direitos e obrigações previstos em todas as normas que tratem sobre eles (ECA; Resolução 137 e 139 do CONANDA e demais leis municipais). Tal disposição é de suma importância, pois é justamente destas normas que nasce o vínculo jurídico com o Município e que confere a ambas as partes direitos e obrigações.
Porém, também é necessária a expedição de Decreto de Nomeação destes conselheiros, como já feito na grande parte dos municípios brasileiros, nomeando-os para o exercício da função. Este deve ser um Decreto geral, isto é, que contemple todos os empossados de uma vez só, bem como os respectivos suplentes e as leis a que estão submetidos. Da mesma forma, deve-se proceder quando da exoneração dos mesmos.
Nota-se que o Decreto é necessário, pois este é o instrumento que dá publicidade aos atos administrativos, mormente quando se trata do preenchimento de uma função pública, fato este que não muda o tipo de vínculo que há entre os conselheiros e o Município.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, levando em conta as normas jurídicas específicas, o entendimento doutrinário atual, bem como o posicionamento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerias, conclui-se que os conselheiros tutelares estão sujeitos a regime próprio, estabelecendo um vínculo sui generis com a municipalidade e, sendo assim, devem ser regidos por legislação específica.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARVALHO FILHO, José dos Santos; Manual de Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas. 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas. 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002;
[1] Art. 135. O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral.
Advogada da União. Bacharel em Direito pela PUC/MG. Pós-graduada em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOMAVILLA, Débora Lara. A natureza jurídica dos conselheiros tutelares e o regime jurídico a que estão submetidos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41263/a-natureza-juridica-dos-conselheiros-tutelares-e-o-regime-juridico-a-que-estao-submetidos. Acesso em: 23 dez 2024.
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